Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pedras amontoadas

"   Vi, deitadas em suas mortalhas de pedra ou de areia, as cidades famosas da antiguidade: Cartago, em brancos promontórios, as cidades gregas da Sicília, os arrabaldes de Roma, com os aquedutos partidos e os túmulos abertos, as necrópoles que dormem um sono de vinte séculos, debaixo das cinzas do Vesúvio. Vi os últimos vestígios das cidades longínquas, outrora formigueiros humanos, hoje ruínas desertas, que o sol do Oriente calcina com suas carícias ardentes.
   Evoquei as multidões que se agitaram e viveram nesses lugares: vi-as desfilar, diante do meu pensamento, com as paixões que as consumiram, com seus ódios, seus amores e suas ambições desvanecidas, com seus triunfos e reveses – fumaças dissipadas pelo sopro dos tempos. Vi os soberanos, chefes de impérios, tiranos ou heróis, cujos nomes foram celebrados pelos fastos da História, mas que o futuro esquecerá.
   Passavam como sombras efémeras, como espectros truanescos que a glória embriaga uma hora, e que o túmulo chama, recebe e devora. E disse comigo mesmo: Eis em que se transformam os grandes povos, as capitais gigantes – algumas pedras amontoadas, colinas silenciosas, sepulturas sombreadas por mirrados vegetais, em cujos ramos o vento da noite murmura suas queixas. A História registou as vicissitudes de sua existência, suas grandezas passageiras, sua queda final, porém tudo a terra sepultou. Quantos outros cujos nomes mesmos são desconhecidos; quantas civilizações, raças, cidades grandiosas, jazem para sempre sob o lençol profundo das águas, na superfície dos continentes submersos!
   E perguntei a mim mesmo: por que essas gerações a se sucederem como camadas de areia que, acarretadas incessantemente pelas ondas, vão cobrir outras camadas que as precederam? Por que esses trabalhos, essas lutas, esses sofrimentos, se tudo deve terminar no sepulcro? Os séculos, esses minutos da eternidade, viram passar nações e reinos, e nada ficou de pé. A esfinge tudo devorou!"

LÉON DENIS in Depois da Morte, Introdução (1 de 5)

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