Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 7 de abril de 2012

A profecia ~


Anúncio do Consolador

«Se me amais, observai os mandamentos - e rogarei a meu Pai, ele enviar-vos-á um outro Consolador para que fique eternamente convosco: Espírito da Verdade que este mundo não pode receber porque o não ; mas quanto a vós, vós conhecê-lo-eis, porque ele habitará convosco e estará em vós.

Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e fará com que vos recordeis de tudo o que vos disse» («São João», Capítulo XIV, v. 15, 16, 17, 26. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo VI).

«No entanto, digo-vos a verdade: é-vos útil que me vá embora, porque se não for, o Consolador não virá até vós; mas eu vou-me embora e enviá-lo-ei. E quando ele tiver vindo, convencerá o mundo no que toca ao pecado, no que toca à justiça e no que toca ao julgamento: no que toca ao pecado porque não acreditaram em mim; no tocante à justiça, porque eu vou para o meu Pai e não me voltareis a ver; no tocante ao julgamento, porque o príncipe deste mundo já foi julgado.

»Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas presentemente não as podeis suportar.

»Quando este Espírito da Verdade vier, ele ensinar-vos-á toda a verdade, pois não falará de si mesmo mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que hão-de vir.

»Glorificar-me-á porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará.» («São João», Capítulo XVI, v. de 7 a 14.)

Esta profecia é sem contestação uma das mais importantes do ponto de vista religioso, pois refere da forma menos equívoca que Jesus não disse tudo o que tinha para dizer, porque não teria sido compreendido, nem mesmo pelos seus apóstolos, pois é a eles que se dirige. Se lhes tivesse dado instruções secretas, tê-lo-iam mencionado no Evangelho. A partir do momento em que não disse tudo aos seus apóstolos, os seus sucessores não puderam saber mais do que eles; eles podem então ter-se enganado quanto ao sentido das suas palavras, dar uma falsa interpretação aos seus pensamentos, muitas vezes velados sob a forma de parábola. As religiões fundadas sobre o Evangelho não podem portanto dizer que estão na posse de toda a verdade, dado que ele se coibiu de completar posteriormente as suas instruções. O seu princípio de imutabilidade é um desmentido feito às próprias palavras de Jesus.

Anuncia com o nome de Consolador e de Espírito da Verdade o que deve ensinar todas as coisas e fazer recordar o que ele disse; portanto, os seus ensinamentos não estavam completos; além disso, prevê que tenham esquecido o que ele dissera e que o tenham deformado, dado que o Espírito da Verdade deve fazê-los recordar, e de acordo com Elias restabelecer todas as coisas, isto é, segundo o verdadeiro pensamento de Jesus.

Quando deve chegar este novo revelador? É bem evidente que se na época em que Jesus falava, os homens não estavam em estado de perceber as coisas que lhe faltava dizer, não era em poucos anos que poderiam adquirir a perspicácia necessária. Para a compreensão de determinada parte do Evangelho, com excepção dos preceitos de moral, eram necessários conhecimentos que só o progresso das ciências podia dar e que deveriam ser obra do tempo e de várias gerações. Se então o novo Messias tivesse vindo pouco depois de Cristo, teria encontrado o terreno igualmente pouco propício e não teria feito mais do que ele. Ora, desde Cristo até aos nossos dias, não se deu nenhuma grande revelação que tenha completado o Evangelho e que dele tenha esclarecido as partes obscuras, índice certo de que o Enviado não tinha ainda aparecido.

Quem deve ser esse Enviado? Jesus ao dizer: «Rogarei ao meu Pai e ele enviar-vos-á um outro Consolador», indica claramente que não se trata dele mesmo, caso contrário teria dito: «Voltarei para completar o que vos ensinei.» Depois acrescenta: Para que habite eternamente convosco e ele estará em vós. Isto não se poderia entender de uma individualidade encarnada, que não pode permanecer eternamente connosco e ainda menos estar em nós, mas compreende-se muito bem de uma doutrina que, com efeito, depois de a assimilarmos, pode estar eternamente em nós. O Consolador é, portanto, no pensamento de Jesus, a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador deve ser o Espírito da Verdade.

O Espiritismo preenche, conforme foi demonstrado (Capítulo I, n.º 30), todas as condições do Consolador prometido por Jesus. Não é de maneira nenhuma uma doutrina individual, uma concepção humana; ninguém se pode dizer seu criador. É o produto dos ensinamentos colectivos dos Espíritos a que preside o Espírito da Verdade. Não suprime nada ao Evangelho: completa-o e elucida-o; com a ajuda de novas leis que revela, juntas às das ciências, faz compreender o que era ininteligível, admitir a possibilidade daquilo que a incredulidade considerava inadmissível. Teve os seus perseguidores e os seus profetas, que previram a sua chegada.

A doutrina de Moisés, incompleta, expandiu-se por toda a Terra através do povo judeu; a de Jesus, mais completa, expandiu-se por toda a Terra através do Cristianismo, mas não converteu toda a gente; o Espiritismo, mais completo ainda, tendo raízes em todas as convicções, converterá a humanidade (*).

Jesus, ao dizer aos seus apóstolos: «Um outro virá mais tarde que vos ensinará o que vos não posso dizer agora», proclamava por isto mesmo a necessidade da reencarnação. Como é que aqueles homens podiam tirar proveito do ensino mais completo que deveria ser dado posteriormente; como estariam mais aptos a compreendê-lo se não devessem voltar a viver? Jesus teria dito uma inconsequência se os homens futuros devessem, segundo a doutrina vulgar, ser homens novos, almas saídas do nada à nascença. Admiti, pelo contrário, que os apóstolos e os homens do seu tempo voltaram a viver depois; se ainda hoje revivem, a promessa de Jesus encontra-se justificada; a sua inteligência, que se deve ter desenvolvido no contacto com a vida social, pode suportar agora o que não podia suportar então. Sem a reencarnação, a promessa de Jesus teria sido ilusória.

Se disséssemos que esta promessa foi cumprida no dia de Pentecostes através da descida do Espírito Santo, responderiam que o Espírito santo os tinha inspirado, que conseguiu abrir-lhes a inteligência, desenvolver nelas as aptidões mediúnicas que deveriam facilitar-lhes a missão, mas que nada lhes ensinou a mais do que Jesus lhes tinha ensinado, pois não encontramos qualquer vestígio de ensinamento especial. O Espírito Santo não realizou portanto o que Jesus tinha anunciado sobre o Consolador; caso contrário os apóstolos teriam esclarecido, ainda em vida, tudo o que permaneceu obscuro no Evangelho até hoje e cuja interpretação contraditória deu lugar às inúmeras seitas que dividiram o Cristianismo a partir dos primeiros séculos.

/…

(*) Todas as doutrinas filosóficas e religiosas trazem o nome da individualidade fundadora: diz-se o Moseísmo, o Cristianismo, o Maometismo, o Budismo, Cartesianismo, o Fourierismo, o Simonismo, etc. A palavra Espiritismo, pelo contrário, não lembra nenhuma personalidade; encerra uma ideia geral que indica simultaneamente o carácter e a fonte múltipla da doutrina. (N. do A.)



ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo – Capítulo XVII, PROFECIAS DO EVANGELHO – Anúncio do Consolador 35 a 42, tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: A Reinvenção do Azul, pintura em acrílico de Costa Brites)

1 comentário:

palavra luz disse...

“Reinventar o azul”, outra forma de revisitar o céu?...

Este lugar@zul, que define a sua íntima vocação declarando-se “espaço do invisível”, exercita metodicamente o esclarecimento das dimensões do antes e do depois da nossa circunstância pela viagem através da doutrina dos espíritos.

Nada de mais coerente, diria eu.

Quanto à ilustração, surge-nos hoje uma surpresa que julgo inédita: uma paisagem de um “outro mundo”, jardins de pedra ou colecção de vultos monumentais sem modelo comparável nas coisas nomeáveis do mundo conhecido.

O tema da “profecia” e as enigmáticas palavras de São João – cujo verdadeiro desenlace levaram séculos a desatar – poderão ter sugerido ao autor deste lugar (mais do que “apenas” invisível… também azul) algo assim como uma visão mediúnica, atrevo-me a dizê-lo.
E só agora reparo na coincidência (casual com a designação do mesmo lugar?!...) de se chamar a obra “A Reinvenção do Azul”. São “malhas que o império tece”, com certeza, tratando-se aqui do império da palavra poética, é evidente.

Há neste blogue uma série de textos, apresentados sob “motivo condutor” do enigmático “não-sorriso” de Gioconda que especialmente sugiro aos visitantes: “O Espiritismo na Arte” de autoria do sábio e sensível Léon Denis.

Se há coisa que “A Reinvenção do Azul” me sugere é muito menos que a visão real, o sonho mediúnico dumas sempre palpitantes “memórias do céu”.

Mas de maneira nenhuma quero alargar-me em território que Léon Denis muito melhor domina do que eu, porque não é filósofo quem quer, nem vidente quem apenas sonha – querendo com isso “adivinhar” o céu…

Amistosas e fraternas saudações