Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O Espiritismo na Arte ~


Parte IX

Segunda lição de o Espírito Massenet

– Ser espiritual: meios de alcançar a esfera musical desejada

(Outubro de 1922)

“Hoje falaremos não do instrumento supra-terrestre, como o fizemos, mas da forma como o ser desencarnado (i) se pode afastar da Terra e penetrar nas esferas etéreas onde as harmonias do espaço se tornarão mais perceptíveis para ele. Tomemos, por exemplo, um ser desencarnado, de uma educação espiritual média, resultante dos seus trabalhos anteriormente realizados e do seu grau de fé.

No início da sua vida no espaço, o ser desencarnado deverá familiarizar-se com o seu novo estado, e ele chegará a despertar em si a lembrança das harmonias que percebeu nas suas existências anteriores. Ele sentirá o desejo de se retemperar nesses fluidos harmónicos; mas, sob o ponto de vista latente, ele não pode saber imediatamente quais os meios para atingir a esfera a que o seu espírito aspira subir. Os seus guias (i), mais elevados que ele, o intuirão e farão vibrar o seu perispírito (i) de uma maneira graduada, a fim de que ele não seja perturbado.

Assim se estabelecerá o que chamamos harmonia, e toda a dissonância desaparecerá entre ele e a esfera musical em que deseja penetrar. Quando, na Terra, ouvis um instrumento imperfeito, se ele não está afinado, os vossos pobres órgãos ficam aturdidos; acontece o mesmo na vida do Além. Os guias impressionam o perispírito do desencarnado, a fim de obter uma adaptação mais completa.

Eis então o nosso ser, tomado como exemplo, preparado para receber ondas musicais. À medida que as suas próprias radiações se ligam melhor às irradiações harmónicas do espaço, aumenta o seu desejo de se elevar ainda mais alto em direcção à fonte de eterna beleza. Livre de toda a influência grosseira, ele vai subir, com os seus guias, para as regiões superiores, celebrando com eles a glória do Altíssimo.

Os fluidos materiais volatilizam-se, o perispírito torna-se mais luminoso, as radiações mais intensas, mais subtis, e a sua evolução é facilitada. O espírito vai subir como sobem os balões sobre o vosso globo.

Penetrando as altas regiões do espaço, o ser espiritual experimenta inicialmente uma sensação de suavidade, uma espécie de dilatação, de arrebatamento; depois, as emanações fluídicas que se desprendem do perispírito entram em contacto com outros feixes de emanações; daí uma espécie de desligamento fluídico entre dois feixes de uma subtileza mais ou menos igual, mas de natureza diferente. Vós não podeis imaginar a impressão experimentada pelo ser fluídico: já não são sensações de bem-estar, de contentamento, mas uma espécie de acalentamento, de ondulação, acompanhados de uma sensação especial, que determina um estado emotivo, uma espécie de êxtase. As vibrações sentidas nesse estado formam o que vós chamais de tonalidades; elas são produzidas pelo atrito entre camadas fluídicas.

Mais alto do que essas esferas harmónicas, existem outras regiões que ainda não podemos atingir e onde residem seres superiores, criadores de uma música sublime, que nos é transmitida por correntes fluídicas especiais. Nós não percebemos os seres que a produzem, no entanto ela chega-nos por correntes condutoras de uma natureza subtil. Um guia esclareceu-me que os seres que produzem as ondas dessa música celeste são quase perfeitos e possuem uma parcela do talento divino.”


Terceira lição de o Espírito Massenet (i)

– As vibrações sonoras nos espaços etéreos

(Outubro de 1922)

“Vós sabeis como se formam as vibrações. O espírito, transportado na esfera vibratória, encontra-se envolvido por uma rede de ondas sonoras cujos elementos são constituídos por seres superiores. O que este sente? Sente uma impressão comparável àquela que sentis ao ouvir uma tónica (ii) em música. Quanto mais as ondas do campo vibratório são desenvolvidas em velocidade e em comprimento, mais a impressão sentida pelo perispírito é viva, penetrante e comparável, em termos humanos, à impressão que nos proporcionam os sons agudos.

Temos, então, de um lado a tónica e de outro o som agudo. Se, no campo vibratório, as ondas variam em velocidade e intensidade, a amplitude do som variará e esse som parte de um ponto inicial, comparável à tónica. Esse ponto inicial compreende uma certa onda vibratória, e eu não posso mensurá-la. Eis uma comparação: os vossos fonógrafos (iii) emitem sons onde, além da sonoridade produzida pelo instrumento, se aproximardes o ouvido do seu pavilhão, sentireis um calor mais ou menos intenso, segundo a elevação do tom. Pois bem, ser desencarnado não sente calor, mas sensações mais ou menos deliciosas, de acordo com a maior ou menor velocidade e com a maior ou menor duração da onda.

As radiações que atingem o perispírito são coloridas de tons infinitamente variados. Cada cor tem uma propriedade particular, que dá uma sensação de bem-estar, de satisfação, que difere segundo a pureza, a homogeneidade de cada tom. É preciso, então, levar em conta, de um lado, a qualidade das ondas, isto é, da sua coloração; de outro lado, a sua velocidade, a sua duração, as diversas fases dos seus meandros. Tudo isso provoca, no ser desencarnado, fenómenos incomparáveis e infinitamente variáveis, porque, quanto mais o espírito é evoluído, mais diversas são as ondas que ele percebe, assim como as cores, que exprimem os sentimentos. Tomemos como exemplo o azul, que representa os sentimentos mais elevados sob o ponto de vista afectivo; uma onda azul nos dará vibrações que serão, para o vosso ser, como um banho de amor. O vermelho, nas mesmas condições, representa a paixão. O amarelo será intermediário. O rosa, que é uma mistura de amarelo com vermelho, vos dará um amor menos intenso, porém mais constante. Assim, com essas cores fundamentais, podeis formar uma gama de tonalidades que dão, por correspondência, vibrações de todos os sentimentos humanos e sobre-humanos.

Se o ser desencarnado ainda é pouco evoluído, mas tem o desejo de se impregnar de sentimentos belos, os seus guias o conduzirão para esferas animadas por seres angélicos. Quando o ser desencarnado é muito evoluído, ele colhe, nas mesmas esferas, satisfações em que o amor e a paixão virão impregnar o seu ser, e é por isso que, de regresso à vossa Terra, os seres que amam a música se lembram intuitivamente das estadas mais ou menos longas que fizeram no espaço, em um campo de ondas musicais.

A música celeste não é produzida por fricções de arco sobre cordas: tudo é fluídico, tudo é espiritual, tudo é inspirado pelo pensamento de Deus.”


– Comentários

Sobre a Terra, a gama de sons, tal como a concebemos, é apenas uma relação de sensibilidade que nada tem de absoluto. Compreende-se muito bem que existe uma relação entre as ondas sonoras e as ondas luminosas, mas esta relação escapa a muitos observadores e sensitivos, porque as percepções são muito diversas nos seus graus de intensidade; sendo as vibrações luminosas incomparavelmente mais rápidas que as vibrações sonoras.

No entanto, para o espírito cujas percepções são muito mais possantes e mais extensas, a relação é mais estreita do que para nós, e a sensação se unifica; temos um exemplo disso na diferença que se estabelece entre as notas baixas, que correspondem às cores mais escuras, e os sons agudos, que correspondem às intensidades mais vivas. (iv)

A inteligência, que percebe e resume todos os efeitos e todas as formas da substância eterna, abrange todas as vibrações, e ela mesma vibra sem preocupações com distâncias e ritmos através do infinito.

Também é fácil para nós compreender como, na vida espiritual, os prazeres estéticos são correlativos ao grau de evolução dos seres. Todos nós temos, na Terra, o mesmo órgão auditivo, no entanto que diferença de sensações experimentadas pelos ouvintes de uma sinfonia, conforme o seu grau de cultura ou a sua elevação psíquica!

As formas e as imagens produzidas pelas vibrações sonoras nos espaços etéreos, das quais nos fala o Espírito Massenet, também nos parecem ser manifestações do pensamento ordenador que concebeu e dirige o Universo. A música celeste poderia representar a própria vibração da alma divina. Eis por que quanto mais o espírito evolui e se depura, mais se torna apto a compreender, a sentir a beleza e a harmonia eterna do mundo.

/…
(ii) Tónica: primeira nota da gama, de um dado tom; aquela que começa um trecho de música e lhe dá o seu nome. Ex.: fá maior. (N.T., segundo o Dictionnaire Le Robert de la Langue Française.)
(iii) Fonógrafo: antigo aparelho destinado a reproduzir sons gravados em cilindros ou discos metálicos; aparelho que reproduz os sons gravados em discos sob a forma de sulcos espiralados; gramofone. (N.T., segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.)
(iv) A esse respeito, citarei as palavras pronunciadas pelo Sr. Deslandres, director do Observatório de Meudon (i), no seu discurso na sessão anual do Instituto, no dia 25 de Outubro de 1921: “Actualmente, as vibrações e ondas do éter, bem reconhecidas e classificadas, formam cerca de 50 oitavas. O campo de estudo é muito mais extenso do que para os sons perceptíveis ao ouvido, que formam, no máximo, 10 oitavas, reduzidas a sete nos instrumentos de música. Essas 50 oitavas são repartidas em três grupos principais, que são: o grupo da radiotelegrafia, o grupo ligado à luz e o grupo dos raios X. Em geral, eles são classificados por ordem de frequência, como num grande piano. À esquerda, do lado das baixas frequências e dos sons graves, estão as ondas da telegrafia sem fio, que asseguram as comunicações terrestres a grande distância. Ao centro, tem-se a oitava luminosa e as oitavas vizinhas que transportam calor e luz, que nos fazem conhecer o horizonte do local, o Sol e as estrelas, que impressionam as placas fotográficas e servem para depurar as águas. Enfim, à direita, do lado das altas frequências e dos sons agudos, estão os raios X, que têm propriedades eléctricas notáveis, que nos fazem descortinar as partes mais escondidas dos corpos vivos e a estrutura íntima dos átomos. Deve observar-se também que sobre essas 50 oitavas, só uma, colocada próxima ao meio, é percebida directamente por um dos nossos sentidos: é a oitava que contém os raios luminosos do vermelho ao violeta.” (N.A.)


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IX – Segunda lição de o Espírito Massenet: Ser espiritual: meios de alcançar a esfera musical desejada – Terceira lição de o Espírito Massenet: As vibrações sonoras nos espaços etéreos – Comentários, 27º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: O Concerto dos Anjos (1897), óleo sobre tela de Edgard Maxence)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Existência de Deus

  Sendo Deus a Causa primeira de todas a coisas, o ponto de partida de tudo, o eixo sobre que assenta o edifício da Criação, é o ponto que importa considerar antes de tudo.

  É um princípio elementar que se avalia uma causa pelos seus efeitos, mesmo quando não se vislumbra a causa.

  Se um pássaro cortando o ar é atingido com chumbo mortal, julgamos que um hábil atirador o feriu, apesar de não vermos o atirador. Portanto, nem sempre é necessário ter-se visto uma coisa para sabermos que existe. Em tudo, é ao observar os efeitos que chegamos ao conhecimento das causas.

  Um outro princípio igualmente elementar passou ao estado de axioma à força de verdadeiro: que qualquer efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.

  Se perguntássemos quem é o engenheiro de um tal engenhoso mecanismo, que pensaríamos de quem respondesse que este se tinha feito sozinho? Quando vemos uma obra-prima da arte ou da indústria, dizemos que deve ser produto de um homem de génio, porque uma elevada inteligência deve ter presidido à sua concepção; calculamos todavia que deve ter sido feito por um homem, porque sabemos que a coisa não está acima da capacidade humana, mas ninguém se lembrará de dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um ignorante e ainda menos que se trata do trabalho de um animal ou de produto do acaso.

  Em todo o lado reconhecemos a presença do homem nas suas obras. A existência dos homens antediluvianos não seria unicamente provada pelos fósseis humanos, mas também e com a mesma certeza pela presença dos terrenos dessa época de objectos trabalhados pelos homens; um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo, serão suficientes para atestar a sua presença. Pela rudeza ou pela perfeição do trabalho reconhecemos o grau de inteligência e da evolução dos que o executam. Se portanto vos encontrardes num país habitado exclusivamente por indígenas e descobrirdes uma estátua de Fídias, não hesitareis em dizer que os indígenas teriam sido incapazes de a fazer, terá de ser obra de uma inteligência superior à dos indígenas.

  Pois bem. Lançando um olhar à nossa volta para as obras da natureza, observando a previsão, a sabedoria, a harmonia que presidem a todas, reconhecemos não existir uma única que não ultrapasse os limites mais elevados  da inteligência humana. Uma vez que o homem não as pode produzir, é porque são produto de uma inteligência superior à humana, a não ser que se diga que é efeito sem causa.

  A isto alguns opõem o seguinte raciocínio:

  As obras ditas da natureza são o produto de forças materiais que agem mecanicamente devido às leis de atracção e retracção; as moléculas dos corpos inertes agregam-se e desagregam-se, crescem e reproduzem-se sempre da mesma maneira, cada qual dentro da sua espécie, graças a estas mesmas leis; cada indivíduo é semelhante àquele de onde saiu; o crescimento, a floração, a frutificação, a coloração, estão subordinados às causas materiais, tais como o calor, a electricidade, a luz, a humanidade, etc. Passa-se o mesmo com os animais. Os astros formam-se pela atracção molecular e movem-se perpetuamente nas suas órbitas devido ao efeito da gravitação. Esta regularidade mecânica na aplicação das forças naturais não revela de maneira nenhuma uma inteligência livre. O homem mexe o seu braço quando quer como quer, mas quem o mexesse no mesmo sentido desde o nascimento até à sua morte, seria um autómato; ora, as forças orgânicas da natureza são puramente automáticas.

  Tudo isto é verdade; mas estas forças são efeitos que devem ter uma causa e ninguém pretende que constituam a Divindade. São materiais e mecânicas; não são de maneira nenhuma inteligentes em si mesmas e isto é ainda verdade; mas são postas em acção, distribuídas, apropriadas para as necessidades de cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A útil apropriação destas forças é um efeito inteligente que revela uma causa inteligente. Um pêndulo move-se com uma regularidade automática e é esta regularidade que lhe dá o mérito. A força que a faz agir é toda material e de modo nenhum inteligente, mas que seria este pêndulo se uma inteligência não tivesse combinado, calculado o emprego desta força para fazer mover-se com precisão? Por a inteligência não estar no mecanismo do pêndulo e porque a não vemos, seria racional concluir que não existe? Julgamo-la pelos seus efeitos.

  A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; o engenho do mecanismo atesta a inteligência e a sabedoria do relojoeiro. Quando um relógio vos dá num determinado ponto a indicação de que necessitais, já alguma vez veio à ideia de alguém dizer: aqui está um relógio muito inteligente?

  Assim se passa com o mecanismo do UniversoDeus não se mostra, mas afirma-se pelas suas obras.

  Portanto, a existência de Deus é um facto adquirido não só através da revelação mas pela evidencia material dos factos. Os povos primitivos não tiveram revelações e, no entanto, acreditavam instintivamente na existência de um poder sobre-humano; viam coisas que estavam acima do poder humano e concluíam daí que emanavam de um ser superior à humanidade. Não serão mais lógicos que aqueles que pretendem que elas se fizeram sozinhas?

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo II Deus, A natureza divina, A Providência, A visão de Deus – Existência de Deus (de 1 a 7) 15º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)