Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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domingo, 15 de maio de 2022

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXIV 

~~ A Experimentação Espírita: Tiptologia 

  Quando tudo está em repouso e nas moradas dos homens reina o silêncio, um mundo de mistérios se agita à volta de nós. Ouvem-se suaves ruídos, como coisas que se tocam levemente; passos furtivos parecem deslizar no soalho; nas paredes e nos móveis soam pancadas; as cadeiras estalam como ao peso de um corpo invisível. Durante o dia é a vida dos homens que se desenvolve; à noite, de preferência, é a dos espíritos, porque as radiações da luz solar não lhes atrapalhará as manifestações. 

  Tais impressões e percepções renovam-se para mim a cada anoitecer, no momento em que a tranquilidade e a escuridão se sucedem aos rumores e à luz do dia. 

  Aí, as almas queridas, às quais as nossas preocupações mantinham afastadas, se aproximam de nós e marcam a sua presença, cada uma a seu modo. Reconheço-as e as distingo facilmente. Ora é um espírito de carácter enérgico, que produz fortes pancadas na janela, ora outro faz ouvir, sempre no mesmo lugar, pancadas bem mais fracas, revelando a sua natureza tímida e feminina. 

  Durante muito tempo, depois da morte de meu pai, percebi, na sala onde me encontrava, ruídos de passos iguais aos de um homem. Outro espírito se esforça em me fazer ver luzes, às vezes bem vivas e intensas e, até uma forma confusa, fracamente esboçada; luzes e forma que não posso atribuir a alucinações visuais, porque também se reflectem no espelho. 

  O hábito que adquiri de ler com os dedos, no escuro, pelo método Braille, facilita a produção de tais fenómenos. 

  Semelhantes factos não são raros e acontecem em todas as casas onde haja condições psíquicas favoráveis, porém a maioria dos homens não lhes dá nenhuma atenção, sendo quase sempre perdidos os esforços dos espíritos nesse sentido. 

  Entretanto, de tempos a tempos, aparecem retumbantes afirmações a esse respeito que sacodem a indiferença geral. O senhor Louis Barthau, da Academia Francesa, após consultar os cadernos inéditos de Victor Hugo, escreve na Revue des Deux Mondes(*) 

  Tendo vindo passar dez dias em Jersey, a senhora Girardin adoptou o uso das mesas girantes e falantes. Victor Hugo foi o último a aceitá-los, porém, desde que aderiu, os espíritos já não o largaram, exercendo sobre ele uma influência cujos vestígios se mostram em vários fragmentos das Contemplações

Est-ce toi que chez moi minuit parfois apporte? 
Est-ce toi qui heurtais l’autre muit à ma porte?
Pendant que je ne dormais pas? 

C’est done vers moi que vient lentement ta lumière? 
La pierre de mon seuil peut-être est la première 
Des sombres marches tu trépas. 

  Escrita para Marine Terrace, na noite de 30 de março de 1854, essa poesia mística prolongava o seu eco na nota que Victor Hugo lançava no seu caderno, em 24 de outubro de 1873: 

  “Nessa noite eu não dormia. Eram quase três horas da madrugada. Um golpe seco e fortíssimo soou ao pé de minha cama, perto da porta do meu quarto e, pensei na minha filha morta e, disse para comigo: “És tu?” Depois, pensei na conspiração bonapartista que se comenta, num novo dois de dezembro possível e me perguntei: “Será um aviso?” Acrescentei mentalmente: “Se és tu, que estás aí e vens avisar-me por causa dessa conspiração, dá duas pancadas.” Esperei mais ou menos meia hora, a noite era profunda, reinando completo silêncio na casa e, de repente, dois golpes foram ouvidos junto à porta: eram, desta vez, surdos, porém distintos e bem claros.” 

  Louis Barthau continua o seu relato dizendo que, em 21 de novembro de 1871, Victor Hugo escrevia: 

  “Nessa noite acordei ouvindo bem perto de mim pancadas na minha mesa de cabeceira. Eram pancadas lentas e regulares, duraram um quarto de hora. Eu escutava e a coisa não parava. Orei e as pancadas pararam. Então eu disse: “Se és tu, minha filha, ou tu, meu filho, dá duas pancadas.” Dez minutos depois, aproximadamente, duas pancadas se ouviram, junto à parede, num pé da cama e, eu falei, sempre mentalmente: “É um conselho que me vens trazer? Devo sair de Paris? Devo ficar? Se devo ficar, dá uma pancada e se devo partir, três pancadas.” 

  Escutei. Silêncio. Nenhuma resposta. Então tornei a dormir. O fenómeno durara cerca de uma hora. 

  Dia 22 de novembro – Nessa noite, ouvi três pancadas, seriam a resposta da pergunta de ontem? Sendo tão tardia, pareceu-me pouco clara.” 

  Por diversas vezes o caderno menciona os mesmos golpes nocturnos, ora obstinados, surdos e até mesmo metálicos; ora leves, comovendo o poeta, que continuava a acreditar na possibilidade de um pronunciamento bonapartista e os seus amigos lhe afirmam que ele seria a sua primeira vítima. 

  Ainda se lê, na página 757: 

  “Nessa noite, por volta das duas horas, ouvi uma pancada na minha porta, fortíssima e de tal forma prolongada que a abri; não havia ninguém, mas, evidentemente, havia alguém. Credo in deum aeternum et in animam immortalem.” 

  Victor Hugo (i) se admirava da lentidão usada pelos moradores do Além para responder às suas perguntas. Ele ignorava, certamente, que nem todos os espíritos possuem igualmente a habilidade e os necessários recursos para produzir ruídos, pancadas, levantar mesas e produzir fenómenos. 

  A natureza psíquica dos participantes, a sua riqueza ou pobreza fluídica concorrem muito para a variedade dos resultados, porque é neles que os espíritos haurem, quase sempre, os elementos para as suas manifestações. 

  Enquanto o ambulante de Hydesville – e isso serviu de ponto de partida para o espiritualismo moderno – falava com as senhoritas Fox por meio de raps (**) de uma forma rápida e constante, a maioria dos espíritos se vê na necessidade de condensar fluidos, pelo pensamento e pela vontade, para projectá-los contra as paredes, móveis, portas, obtendo assim ressonâncias e vibrações. Esse trabalho exige, às vezes, horas e até dias inteiros e, provavelmente, foi este o caso dos visitantes da casa do grande poeta. 

  O conjunto dos fenómenos psíquicos é comprovado por testemunhos incontestáveis: o professor Flournoy, da Universidade de Genebra, escreveu sobre o relatório do Instituto Geral Psicológico, assinado por nomes ilustres como Curie, Bergson, d'Arsonval, BranlyEd. Perrier, Boutroux, etc., o seguinte: 

  “O relatório do Instituto Geral Psicológico é esmagador e sou do parecer que representa um testemunho brilhante e decisivo, tanto quanto pode haver alguma coisa decisiva na Ciência.” 

  Entre os fenómenos se deve colocar em primeiro lugar o das mesas e o eminente astrónomo Camille Flammarion declarou: 

  “A levitação da mesa, a sua suspensão completa do chão, sob a acção de uma força desconhecida, contrária à gravidade, é um facto que já não se pode contestar com razão.” 

  Essa “força desconhecida” – diremos nós – é posta em acção pelos espíritos e a prova disso tem sido obtida tantas vezes que poderíamos vacilar na escolha diante dos numerosos casos existentes. Aqui está um que parece responder às exigências da crítica mais rigorosa, não podendo explicar-se pela sugestão, transmissão do pensamento, nem pelo automatismo inconsciente ou subliminal, porque nenhuma das pessoas presentes acreditava na morte do manifestante. 

  A narrativa vem do senhor A. Rossignon, então secretário da Inspecção Académica de Rouen, facto que ele publicou no Farol de Normandia, do mês de maio de 1898. Actualmente Rossignon mora em Tours e a ele devemos a seguinte narrativa: 

  “A sessão se realizava à noite, em Rouen, na casa de um membro do grupo Vauvenargues, o Sr. Justobre, inspector dos impostos. 

  Faziam parte da reunião os Srs. Pelvé, tesoureiro, Ernest Rossignon, secretário do Liceu Corneille, Albert de Baucie, estudante de farmácia; a senhora Bernard, médium principal; as senhoras Justobre, Pelvé, Rossignon, etc., ao todo dez pessoas de inteira respeitabilidade, reunidas em volta de uma pesada mesa redonda. 

  Após a evocação, um espírito manifesta a sua presença com violentos movimentos na mesa que se dirige para o senhor A. Rossignon, levanta-se diante dele e depois retorna à sua posição normal. 

  Depois interrogam o visitante invisível, perguntando se há laços de parentesco ou de amizade com algum dos assistentes. A mesa responde afirmativamente e dita, pelo processo alfabético, ser o pai do Sr. A. Rossignon e ter morrido na véspera, quarta-feira, 20 de abril, indicando até a hora: o meio-dia.” 

  O Sr. Rossignon explica que o seu pai é muito idoso e que uma distância de mais de 300 quilómetros os separa. Sabia que estava doente, mas não em perigo de vida. “Além disso – acrescenta –, se fosse verdade que o meu pai houvesse morrido, a família me informaria e eu não recebi nenhuma notícia.” Assim, todos opinaram dizendo que se tratava de um embuste. 

  Não foi demorada a espera: no dia seguinte, pelo correio do meio-dia, o Sr. Rossignon recebia de sua família uma carta que o informava da morte de seu pai, ocorrida no dia e hora indicados por este. 

  Por não haver uma agência dos correios na localidade, houve um atraso no envio da carta e disso puderam certificar-se os nossos amigos do grupo pelo exame dos carimbos de expedição e de chegada. Atestaram então a verdade do facto ocorrido e a carta ficou anexa à acta que se lavrou. 

  Todavia contestarão, como é que um espírito, liberto do corpo carnal havia tão pouco tempo, já podia comunicar-se e dar tamanha precisão às suas respostas? 

  Interrogado sobre esse assunto, numa outra sessão, disse-nos o guia do grupo: 

  “Eu próprio havia trazido para os senhores o novo desencarnado e eu era o seu intermediário na manifestação entre os senhores e ele.” 

  Tudo se explicava, pela facilidade com que, em certos idosos, o espírito pode desprender-se dos seus laços, em decorrência de longa decrepitude, cujo resultado é favorecer, aos poucos, o desprendimento do perispírito

  A comunicação por pancadas, dadas pelos pés de uma mesa, indicando as letras do alfabeto, é considerada, em geral, como um recurso muito lento, monótono, rudimentar, empregado principalmente por espíritos de ordem inferior. 

  É verdade que, para conversar com os espíritos, se dispusermos de um bom médium escrevente mecânico ou, ainda melhor, de um médium de incorporação, como eu tive um durante mais de 20 anos, acharemos o uso das mesas incomodo e cansativo, porém, na falta de outros recursos, as entidades de alto valor não vacilam em recorrer a tal processo. 

  Foi assim que o meu venerável guia, Jerónimo de Praga, se me revelou pela primeira vez, no decurso da minha vida, no meio de um grupo de operários, nos arrabaldes de Mans, a 2 de novembro de 1882, dia de Finados. 

  Por certo, nenhum dos outros assistentes conhecia a história do apóstolo tcheco, mas eu bem sabia que o discípulo de Jahn Huss fora queimado vivo, como também o seu mestre, no século XV, por ordem do Concílio de Constança, porém não pensava nisso naquele momento. 

  Ainda torno a ver, pelo pensamento, a humilde estância onde realizávamos a sessão; éramos uns dez, ao redor de uma mesa de quatro pés, sem que nela se tocasse e, somente dois operários, médiuns mecânicos e, uma mulher apoiavam nela as suas mãos rudes e escuras. 

  Eis o que foi ditado pelo móvel, por movimentos solenes e ritmados: 

  “Deus é bom! A sua bênção se espalhe sobre vós como o orvalho benéfico, porque as consolações celestes só são distribuídas aos que procuraram a justiça. 

  Lutei na arena terrestre, mas a luta era desigual e sucumbi, porém das minhas cinzas surgiram corajosos defensores que marcharam pela mesma estrada que eu. Todos eles são meus filhos bem-amados.” 
                                                                                                      Jerónimo de Praga 

  O uso da prancheta americana deve ser considerado como um aperfeiçoamento do sistema de comunicação pela mesa. Ela consiste numa placa de madeira triangular, colocada sobre três bolas envolvidas com feltro e que deslizam em silêncio sobre um quadrante onde estão traçadas as letras do alfabeto em um semicírculo. Exige apenas uma quantidade mínima de força fluídica, fornecida por dois médiuns, que apoiam as pontas dos dedos nesse pequeno veículo que adquire, em alguns casos, muita velocidade. Tal sistema é cada vez mais usado nos grupos e nas famílias que se ocupam com o psiquismo experimental. 

  A senhora Ella Whesley Wilcox, autora de renome nos Estados Unidos pelas suas obras poéticas e literárias, tradutora do meu livro O Problema do Ser e do Destino, obtém, pela prancheta, frequentes mensagens do seu defunto marido Roberto Wilcox, que se constituiu o seu guia, protegendo-a e aconselhando-a na viagem de conferências que ela realizou à Europa, em benefício dos soldados americanos. 

  A senhora Wilcox me escreveu de Londres, a 7 de novembro de 1918, para mostrar-me uma prova de identificação que me julgo no dever de guardar e publicar: 

  “Ontem, dia do meu aniversário natalício, recebia por intermédio da Oui-jà (nome dado à prancheta), a primeira mensagem do meu marido, em Londres. A sessão começara pela escrita automática e vários espíritos se haviam comunicado. A senhorita Monteith, médium escrevente e audiente, estava perto de mim e de outra senhora ocupada no Oui-jà

  Subitamente ela ouviu a palavra “aurora” e começou a desenhar o despontar do Sol no mar e, sem ser artista, fez um quadro muito bonito, coisa de que pediu explicação. Respondeu-me: 

  – Em nossa casa, à beira-mar, o meu marido e eu sempre nos levantávamos bem cedo para ver a aurora despontar sobre o oceano. Para nós era uma hora sagrada e muitas vezes o meu marido dizia: “Creio que a minha alma, se eu morrer primeiro, voltará do céu a ti, ao alvorecer”. 

  Esse facto foi-me muito agradável e eu tinha a certeza da presença do meu marido. 

  Em setembro passado, encontrando-me em Tours, muitas vezes ele me predisse, pela prancheta, que aqui em Londres eu encontraria Sir Oliver Lodge e outros psicólogos eminentes e que eu seria convidada a falar sobre factos espíritas. 

  Faz um mês que estou em Londres, falei duas vezes nos salões públicos e três vezes nos salões da alta sociedade. Deverei encontrar Sir Oliver Lodge a 18 de novembro e, também Lady Barret e a senhora Leonard, a médium pela qual Sir Oliver Lodge tornou a encontrar o seu filho Raymond, morto pelo inimigo.” 

  Poderíamos multiplicar as citações deste género, porém nos limitaremos a dizer que a impressão produzida no leitor pelas secas e frias narrativas não se compara com a impressão que as pessoas sentem quando assistem às reuniões. 

  A rapidez dos ditados, a inconsciência completa dos médiuns, a interferência clara de outras inteligências, que não são as dos experimentadores, enfim, mil pormenores psicológicos que são outros tantos elementos de convicção, enquanto que a simples leitura desses mesmos factos os faz perder, forçosamente, o seu valor para todos aqueles que desconhecem o ambiente das reuniões. 

/… 
(*) Número de 15 de dezembro de 1918, pp. 747, 751 e 757. 
(**) Raps – golpes, pancadas. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIV A Experimentação Espírita: Tiptologia; a experimentação de Victor Hugo, Sir Oliver Lodge e outros (uma mensagem de 2 de novembro de 1882, dia de Finados, do Espírito Jerónimo de Praga), 40º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes) 

quinta-feira, 3 de março de 2022

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Teoria das Manifestações Físicas 
(Primeiro Artigo) 

Concebe-se facilmente a influência moral dos Espíritos e as relações que possam ter com a nossa alma, ou com o Espírito em nós encarnado. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se pelo pensamento, que é um dos seus atributos, sem o auxílio dos órgãos da palavra; porém, mais difícil de compreender são os efeitos materiais que eles podem produzir, tais como os ruídos, os movimentos de corpos sólidos e as aparições, sobretudo as tangíveis. Vamos tentar dar a explicação, segundo os próprios Espíritos e conforme a observação dos factos. 

A ideia que fazemos da natureza dos Espíritos torna, à primeira vista, incompreensíveis estes fenómenos. Diz-se que o Espírito é a ausência completa de matéria, portanto não pode agir materialmente; ora, está aí o erro. Interrogados sobre a questão de saber se são imateriais, assim responderam os Espíritos: “Imaterial não é bem o termo, porquanto o Espírito é alguma coisa, sem o que seria o nada. É, se quiserdes, matéria, mas de tal forma etérea que para vós é como se não existisse.” (1) Assim, o Espírito não é, como alguns pensam, uma abstracção; é um ser, mas cuja natureza íntima escapa totalmente aos nossos sentidos grosseiros. 

Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma; quando o deixa com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Todos nos dizem que conservam a forma que tinham quando vivos e, de facto, quando nos aparecem, geralmente é sob aquela por que os conhecemos na Terra. 

Observemo-los atentamente no momento em que acabam de deixar a vida: encontram-se em estado de perturbação; à sua volta tudo é confuso; vêem o seu corpo sadio ou mutilado, segundo o género de morte; por outro lado, vêem-se e sentem-se vivos; alguma coisa lhes diz que aquele é o seu corpo e não compreendem porque deles estão separados: o laço que os unia, pois, não está ainda completamente rompido. 

Dissipado este primeiro momento de perturbação, o corpo torna-se para eles uma roupa velha, da qual se despojaram e que não lamentam, mas continuam a ver-se na sua forma primitiva. Ora, isto não é um sistema: é o resultado de observações feitas com inúmeros sensitivos. Que se reportam agora ao que narrámos de certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e outros médiuns deste género: aparecem mãos, que têm todas as propriedades das mãos vivas, que tocamos, que nos seguram e que se esvanecem repentinamente. Que devemos concluir disso? Que a alma não deixa tudo no caixão e que leva alguma coisa consigo. 

Assim, haveria em nós duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório externo; a outra subtil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela que a alma abandona; enquanto que a outra se liberta e segue a alma que, dessa maneira, continua a ter sempre um envoltório; é o que chamamos perispírito. Esta matéria subtil, extraída por assim dizer de todas as partes do corpo ao qual estava ligada durante a vida, dele conserva a forma; eis por que os Espíritos se vêem e por que nos aparecem tais quais eram quando vivos. Mas esta matéria subtil não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é, se assim nos podemos explicar, flexível e expansível; por isso a forma que toma, embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do Espírito, que pode dar-lhe tal ou qual aparência, à sua vontade, ao passo que o envoltório sólido lhe oferece uma resistência insuperável. Desembaraçado desse entrave que o comprimia, o perispírito dilata-se ou contrai-se, transforma-se, presta-se a todas as metamorfoses, segundo a vontade que actua sobre ele. 

Prova a observação – e insistimos neste vocábulo observação, porque toda a nossa teoria é consequência de factos estudados – que a matéria subtil que constitui o segundo envoltório do Espírito só pouco a pouco se desprende do corpo e, não instantaneamente. (2) Assim, os laços que unem a alma ao corpo não são subitamente rompidos pela morte. Ora, o estado de perturbação que observamos dura todo o tempo em que se opera o desprendimento; o Espírito não recobra a inteira liberdade de suas faculdades, nem a consciência clara de si mesmo, senão quando este desprendimento é completo. 

A experiência prova ainda que a duração deste desprendimento varia segundo os indivíduos. Em alguns se opera em três ou quatro dias, enquanto que em outros somente se completa ao fim de vários meses. Assim, a destruição do corpo e a decomposição pútrida não bastam para operar a separação; eis por que certos Espíritos dizem: sinto os vermes a me roer. 

Em algumas pessoas a separação começa antes da morte; são as que em vida se elevaram, pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, bem acima das coisas materiais; nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo e, que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais o homem viveu materialmente, quanto mais os seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são estes laços; parece que a matéria subtil se identifica com a matéria compacta e que entre elas haja coesão molecular; daí por que não se separam senão lenta e dificilmente.  

Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda existe união entre o corpo e o perispírito, conserva este muito melhor a impressão da forma corpórea, da qual reflecte, por assim dizer, todos os matizes e, mesmo, todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos dizia, poucos dias após a sua execução: se pudésseis ver-me, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco. Um homem que morreu assassinado, nos dizia: Vede a ferida que me fizeram no coração. Acreditava que poderíamos vê-lo. Estas considerações levaram-nos a examinar a interessante questão da sensação dos Espíritos e de seus sofrimentos; fá-lo-emos em outro artigo, limitando-nos aqui ao estudo das manifestações físicas. 

Imaginemos, pois, o Espírito revestido do seu envoltório semi-material, ou perispírito, tendo a forma ou a aparência que possuía quando encarnado. Alguns até se servem dessa expressão para se designarem; dizem: a minha aparência está em tal lugar. Evidentemente, estão aí os manes dos Antigos. A matéria deste envoltório é bastante subtil para escapar à nossa vista, no seu estado normal, mas nem por isso deixa de ser visível. Nós a percebemos, primeiro, pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os sonhos; porém, não é disso que nos vamos ocupar. Esta matéria eterizada é passível de modificações e, o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos materiais: é o que acontece nas aparições vaporosas. A subtileza desta matéria permite-lhe atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não encontram obstáculos e por que tantas vezes se desvanecem através das paredes. 

A condensação pode chegar ao ponto de produzir resistência e tangibilidade; é o caso das mãos que podemos ver e tocar; mas esta condensação – a única palavra de que nos podemos servir para exprimir o nosso pensamento, embora a expressão não seja perfeitamente exacta – esta condensação, dizíamos, ou melhor, esta solidificação da matéria eterizada é apenas temporária ou acidental, visto não se encontrar no seu estado normal. Daí por que estas aparições tangíveis, num determinado momento, nos escapem como uma sombra. Assim, do mesmo modo que vemos um corpo apresentar-se-nos em estado sólido, líquido ou gasoso, conforme o seu grau de condensação, de igual modo a matéria do perispírito poderá apresentar-se-nos em estado sólido, vaporoso visível, ou vaporoso invisível. Veremos, a seguir, como se opera esta modificação. 

A mão aparente tangível oferece uma resistência; exerce uma pressão; deixa impressões; opera uma tracção sobre os objectos que seguramos; há, pois, nela uma força. Ora, estes factos, que não são hipóteses, podem conduzir-nos à explicação das manifestações físicas. 

Notemos, em primeiro lugar, que esta mão obedece a uma inteligência, visto agir espontaneamente; que dá sinais inequívocos de vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo, que se nos revela apenas por esta parte de si mesmo; e a prova disto é a impressão que produz das partes invisíveis, os dentes a deixarem marcas impressas na pele e a provocar dor. 

Entre as diferentes manifestações, uma das mais interessantes, sem dúvida, é a do toque espontâneo dos instrumentos musicais. Os pianos e os acordeões parecem ser, para esse efeito, os instrumentos de predilecção. Este fenómeno explica-se muito naturalmente pelo que o precede. A mão que tem a força de segurar um objecto pode muito bem apoiar-se sobre as teclas e fazê-las ressoar; aliás, por diversas vezes vimos os dedos da mão em acção e, quando a mão não é vista, vêem-se as teclas agitarem-se e o fole a abrir e a fechar. Essas teclas só podem ser movidas por uma mão invisível, dando prova de sua inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas e, não como sons incoerentes. 

Uma vez que esta mão nos pode cravar as unhas na carne, beliscar-nos, tirar-nos aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e transportar um objecto, como o faríamos nós próprios, pode muito bem dar pancadas, levantar e derrubar uma mesa, fazer tocar uma campainha, puxar cortinas e, até mesmo, nos dar uma bofetada invisível. 

Perguntarão, sem dúvida, como pode esta mão ter a mesma força, tanto no estado vaporoso invisível quanto no estado tangível. E por que não? Não vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projécteis, a electricidade transmitir sinais e o fluido do imane levantar massas? Porquê a matéria eterizada do perispírito seria menos poderosa? Não a queiramos submeter às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas; sobretudo por havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos atribuir propriedades idênticas, nem computar as suas forças como calculamos a do vapor. Até ao momento ela escapa a todos os nossos instrumentos; é uma nova ordem de ideias que está fora da alçada das ciências exactas; eis por que estas ciências não nos oferecem aptidão especial para as apreciar. 

Demos esta teoria do movimento dos corpos sólidos sob a influência dos Espíritos, somente para mostrar a questão sob todas as faces e provar que, sem nos afastarmos muito das ideias preconcebidas, podemos dar-nos conta da acção dos Espíritos sobre a matéria; mas há outra, de elevado alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos e, que lança sobre esta questão uma luz inteiramente nova. Compreendê-la-emos melhor depois de a havermos lido; aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de os podermos comparar. 

Resta, pois, explicar agora como se opera esta modificação da substância eterizada do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, qual o papel dos médiuns de efeitos físicos na produção destes fenómenos; aquilo que neles se passa em tais circunstâncias, a causa e a natureza de suas faculdades, etc. É o que faremos no próximo artigo. 

/… 
(1) N. do T.: Vide O Livro dos Espíritos – Livro II – pergunta 82. 
(2) Será, no contexto, a "Cremação" um bem?!... Nota desta publicação


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Teoria das Manifestações Físicas, Primeiro Artigo. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Maio de 1858, 12º fragmento da Revista objecto do presente título desta publicação. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXIII 

A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica ~ 

~~ Janeiro de 1919 ~ 

(2 de 2)  

  A escrita automática é o recurso mais utilizado pelos grandes espíritos para nos darem os seus ensinamentos e foi por meio das mensagens escritas que Kardec elaborou a Doutrina Espírita. 

  Tais mensagens são notórias pela sua elevação e, embora obtidas em muitos pontos do mundo, pelos mais diversos médiuns, apresentam concordância perfeita quanto aos princípios fundamentais. 

Seria impossível considerá-las como obra pessoal desses médiuns, porque as opiniões e a educação de cada um deles, na maior parte dos casos, estavam em antagonismo com as tendências manifestadas nas comunicações. 

  A revelação espírita está, portanto, acima das revelações precedentes, graças ao carácter de simultaneidade e universalidade que possui. 

  Todavia, ela não contradiz as anteriores, ela completa-as, ampliando o campo dos nossos conhecimentos sobre o mundo invisível, a natureza e o destino dos seres.  

  As discordâncias que, no princípio, apareciam entre os espíritos latinos e os anglo-saxónicos sobre a reencarnação e as vidas sucessivas, tendem a suavizar-se e desaparecer, pois os anglo-saxónicos estão empenhados, provavelmente por inspiração de espíritos superiores, no estudo do seu passado e na pesquisa das suas vidas anteriores.  

  Disso resulta que as crenças do Oriente e do Ocidente se aproximam e se juntam numa poderosa unidade para maior bem-estar e progresso do género humano. A pouco e pouco (lentamente, mas com segurança) a humanidade vai formando uma mesma alma, uma mesma consciência e uma mesma fé. 

  Citámos três mensagens que destacam, com clareza impressionante, o carácter dos seus autores e, agora, eis uma outra comunicação, inédita, de ordem moral e sem assinatura. Por discrição, os espíritos superiores, excepto em casos de necessidade absoluta, vacilam em se apresentar de outro modo que não seja com termos alegóricos ou disfarçando-se com o véu do anonimato. Todavia, é fácil descobri-los pela elevação dos seus pensamentos e a profundidade dos seus juízos, enquanto que os espíritos frívolos gostam de aparecer com nomes célebres, que não lhes pertencem, nas mais insignificantes mensagens. 

  A comunicação a seguir foi conseguida em 16 de Julho de 1893, por Madame Hyver, já mencionada, a qual considero uma das melhores médiuns escreventes que existem. Eu vi-a, na penumbra, escrever numerosas páginas que, uma vez terminadas, atirava para trás de si, em movimentos febris. Essas páginas, juntas e coordenadas, traziam mensagens notáveis, tanto na forma como na essência. 


~~~ Mensagem sobre a Unidade de Crença ~~~ 

  A união mais perfeita que pode haver entre os homens é a união do pensamento, é a harmonia dos corações e das inteligências numa ideia comum. É isso, justamente, o que falta aos cultos actuais. Eles não possuem um vínculo comum que consiga fazer circular, no mesmo instante, por todos os fiéis, o mesmo sentimento, a mesma inspiração. São estranhos entre si, o sacerdote e os fiéis; sob a aparência da forma que se observa, o culto real é frio e morto. Os raros impulsos de fé individual perdem-se na onda confusa da multidão e, a religião deixa de ser uma expressão dos sentimentos de um povo. 

  A diferença das inteligências, da educação e das condições sociais cria, entre os indivíduos, muros muitas vezes intransponíveis, mas que podem ser demolidos pela comunhão da fé e pelo mesmo ideal religioso. 

  Para cada povo é necessária uma religião que seja a linguagem comum de todos os indivíduos, porém esse ideal quase não é entendido pelas actuais religiões, que se foram desviando dele no decorrer dos tempos. Nenhuma é realmente popular. A religião nova que a humanidade deseja, simples como tudo quanto é belo, poderosa como tudo o que é verdadeiro e grandiosa como tudo o que é justo, deve atender às aspirações do espírito mais amplo e ser compreendida pelos mais humildes. 

  Juntamente com o grande movimento de massas que se vai estendendo por toda a Terra, em busca da igualdade social, é preciso que corresponda a um movimento religioso; é isso o que falta às acções humanas que não são animadas pelo sopro de um ideal. 

  O povo tornou-se indiferente a todos os cultos e para novamente trazê-lo ao sentimento religioso é preciso abandonar todos os dogmas em favor da essência da religião e só procurar, nas formas antigas, os pontos gerais que constituem transcrições de uma mesma página, universalmente escrita para todos os homens. 

  A religião deve atender não apenas à vida social e à vida moral, como antigamente, mas também à ciência; deve penetrar em todas as camadas sociais, corresponder a todos os ramos do conhecimento humano e dar uma base comum a todas as aspirações humanas e a todos os seus trabalhos. 

  A França, particularmente, retornará ao ideal religioso, mas só depois de grandes provações que lhe gelarão nos lábios o costumeiro sorriso incrédulo. Mais do que qualquer outro país, ela pode dar à ideia religiosa essa forma popular que lhe é tão necessária. Pela sua língua, pelo génio de sua raça e pelo poder profundo de assimilação que possuem os franceses, a nossa pátria é uma nação privilegiada. 

  Por si mesma, a França é una e múltipla, pois cada província mostra um tipo particular de actividade humana e a raça inteira se encontra, apesar de tudo, poderosamente centralizada. 

  Colocado entre o norte e o sul, o francês escapa dos dois caracteres extremos, sendo, entre os outros povos, o tipo que os realiza a todos, sendo capaz de traduzir para todos o grande movimento das ideias. 

  Tal movimento está muito perto, porém, antes da sua realização, é necessário que aconteçam, na França e na Europa inteira, profundas crises sociais. 

  Essas revoluções, essas lutas dos povos, despertarão as faculdades superiores dos homens, fazendo nascer os grandes gestos de fraternidade e de caridade; as desgraças que as nações vierem a padecer irão reconduzi-las a Deus. 

  O papel da França será maravilhoso, porque ela estenderá o seu poder moral sobre todas as nações, do Norte ao Sul, de Leste a Oeste, combatendo em favor da justiça. 

  Ela introduzirá a ideia religiosa na vida social e trabalhará pela modificação das condições de vida dos seres, através das conquistas do verdadeiro progresso, o qual deverá suavizar todos os sofrimentos, respeitar a vida e educar a inteligência. 

  Se ainda parece vago o papel que a França vai representar é porque ela se prepara inconscientemente para desempenhá-lo e, os progressos que ela realizou foram exactamente para se libertar do jugo religioso e ampliar os direitos e poderes de cada indivíduo. 

  Os danos causados por essa nova situação impedem que se veja claramente o grande passo dado para a frente e o rompimento dos laços que prendiam a França a um passado morto. O materialismo que ora domina a França é antifrancês e anti ariano. O francês é artista e idealista em tão elevado grau que não pode permanecer muito tempo numa rota que só lhe oferece o lado inferior da criação. Ele possui um fundo de bondade, de generosidade e de grandeza que as circunstâncias farão reaparecer. 

  "A humanidade já chegou, no que se refere às raças civilizadas, ao ponto em que todas as verdades descobertas pelos homens acabam por convergir, formando um mesmo foco e iluminando toda a Terra. Cada nação será conclamada a participar desse grande trabalho, cada povo trará a sua pedra para o templo da religião universal. Essa religião nova surgirá pela própria força das coisas, nascendo do povo movido por um grande ideal, manifestando-se por vozes inspiradas. Ela há de ser dirigida por almas nobres, estendendo a sua influência pelo mundo inteiro. 

  Em cada povo do passado e em cada povo do presente nela aparecerão com o que tenham de mais puro e de mais belo, fundindo-se cada bíblia numa bíblia universal. Cada religião juntará a sua luz ao novo sol, apagando-se tudo o que separou os homens que, então, compreenderão que não existem ritos, dogmas nem livros; que a letra se apaga diante do espírito e que o espírito que sopra por sobre o mundo é o amor na sua dupla auréola de bondade e de inteligência."
(Não assinada) 

~~~ Outra Mensagem ~~~ 

(A mensagem seguinte foi obtida em 11 de Abril de 1910, do espírito de um académico, na Terra fervoroso católico, recém-falecido.) 

  "A minha espera não foi decepcionante, porque a morte me confiou o segredo supremo que a minha alma procurava, em vão, descobrir. 

  Acreditei sempre noutra vida que terminasse com perfeição a presente mas não pensei encontrar esse esplendor radiante do espírito divino, que aclara com os seus múltiplos raios a obscura inteligência humana permitindo-lhe contemplar a construção admirável do Universo e a harmonia sublime que coordena todas as suas partes. 

  Como é que é possível que tão refulgente revelação não se manifeste ao homem carnal para tirá-lo do limbo onde vegeta, no meio das brumas do seu pensamento e dos erros dos seus sentidos? É que o êxtase talvez o prostrasse, retirando-lhe toda a vontade de acção. Talvez essas névoas acumuladas à nossa volta, esses erros dos nossos sentidos sejam necessários ao progresso do nosso ser espiritual. Talvez o esforço seja a base desta vida universal, como indica o seu anseio para esse infinito que buscamos, mesmo através das mais simples manifestações de nossa personalidade, ainda inconsciente. 

  Muito novo ainda na vida espiritual, consigo apenas usufruir do grandioso espectáculo que se desdobra a meus olhos, sem conseguir aprofundar as causas secretas que transformam a humanidade terrena numa humanidade enclausurada, que vive na masmorra da matéria, enquanto que a humanidade celeste alça as suas asas de arcanjo nas imensidades siderais onde todas as forças do Universo se manifestam no seu conjunto maravilhoso, nos seus efeitos tão diversos, porém tão harmoniosos. 

  Os sonhos dos poetas, as visões dos místicos, as criações do génio, as comprovações e demonstrações da Ciência, as realizações mais perfeitas da arte são apenas ecos muito débeis e percepções pequeninas que os homens, com melhores dotes, captam como num relâmpago quando a matéria, dominada por poucos instantes, permite que a alma possa entrever alguns pálidos reflexos do mundo divino. 

  Como é doce a morte para quem confiou nela e a esperou, não como o fim de todas as coisas, porém como o prelúdio de uma ressurreição fulgurante! 

  Feliz aquele que, como eu, fechou as pálpebras sob a obscuridade de um mundo que apenas se esboça, tornando-as a abrir perante a glória de um mundo aperfeiçoado. 

  Nenhum ente vivo pode avaliar a alegria ardente que invade o recém-eleito; é a alma liberta que alça o seu voo na certeza e na vida, após ter errado na dúvida e na morte durante tanto tempo. 

  Ressurreição! Ressurreição! Glória ao Senhor! O homem, como Jesus, ressuscitou dos mortos para penetrar na cidade dos eleitos."
(Não assinada) 

  A inspiração de que certos escritores gozam pode ser considerada, em muitos casos, como já demonstramos, (*) como uma das formas de mediunidade, porque, quando uma onda de pensamentos nos invade e temos dificuldade de fixá-los no papel, podemos acreditar na manifestação do eu subliminal ou, mais frequentemente, numa acção exercida pelo mundo invisível, que nos envolve e penetra com os seus pensamentos. 

  O pensamento é uma força cujas vibrações se alastram como, na superfície da água, os círculos produzidos pela queda de um corpo. Em extensão e potência, as vibrações do pensamento variam conforme a causa que as produz. Os pensamentos das almas superiores alcançam incalculáveis distâncias; o pensamento de Deus anima e enche o Universo. 

  O pensamento exterior nos domina, não nos obedece. Assim que a alma humana se desapega das preocupações habituais e se eleva, começa a sentir as correntes de vibração que, aos milhares, se entrecruzam e percorrem o espaço. O médium sofre os seus efeitos mais do que os outros. 

  O pensamento superior se estende sobre todos, porém nem todos o sentem nem o manifestam da mesma maneira; da mesma maneira como uma máquina obedece à corrente eléctrica que a acciona, também o médium obedece a uma corrente de pensamentos que o invade. 

  O pensamento do espírito actuante é uno quanto à sua emissão, porém variável nas suas manifestações, conforme a maior ou menor perfeição dos instrumentos que emprega. 

  Como já foi visto, cada médium marca com o selo da sua personalidade o pensamento que lhe vem de mais alto. Quanto mais desenvolvida e espiritualizada se encontra a criatura, tanto mais se reprimem nela a matéria e os instintos e com maior pureza e fidelidade será transmitido o pensamento superior. O essencial, durante as reuniões, é a passividade e o abandono momentâneo da faculdade de pensar. 

  O Espiritismo tem por finalidade familiarizar-nos com esse mundo pouco conhecido, com essas aptidões da alma que, quando está purificada e se desprendeu dos ambientes grosseiros, pode reproduzir os ecos, as vozes e as harmonias dos mundos superiores, tornando-se fonte de inspiração, de socorro e de luz por onde o influxo exterior desce até nós para nos retemperar e nos robustecer. 

  O fundamental, para abrir essa fonte interior, promover essa comunhão e torná-la permanente é nos libertarmos, o quanto possível, das sugestões da matéria, de suas violentas paixões, eliminando em nós os ruídos do mundo. 

  É, principalmente, reprimindo tudo o que venha do eu egoísta que facilitamos a penetração das influências superiores. Quanto mais recusarmos as manifestações inferiores da personalidade, mais desenvolveremos os poderes e as faculdades inatas que fazem a nossa comunicação com os mundos celestes. 

  Encaminhemos, portanto, todos os nossos pensamentos e actos para um fim elevado e, isso é possível mesmo nas condições sociais mais humildes e no meio das ocupações mais vulgares. 

  Recorramos, à oração espontânea, por essa manifestação do pensamento que não é uma repetição mecânica de palavras, porém um grito do coração, a essa inspiração, a esse influxo do Alto que se irá avolumando, de tal maneira que a comunicação com o que existe de grande e elevado no invisível tornar-se-á familiar e constante para nós. 

  Seremos, assim, intermediários e agentes do pensamento superior. Dessa forma teremos tal força e tal apoio que, de agora em diante, já não teremos desânimo, vacilação nem fraqueza e nos sentiremos envolvidos por essa confiança e essa serenidade que a posse dos bens imorredouros do espírito nos garante. 

/… 
(*) Veja-se o último capítulo de No Invisível (Espiritismo e Mediunidade). 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIII A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica (2); (Janeiro de 1919), (Mensagem sobre a Unidade de Crença, de 16 de Julho de 1893), (Outra Mensagem, de 11 de Abril de 1910). 39º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)

domingo, 26 de setembro de 2021

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXIII 

A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica ~ 

~~ Janeiro de 1919 ~ 

(1 de 2) 

  Os nossos contraditores, muitas vezes, gostam de realçar os excessos decorrentes de uma prática experimental incorrecta do Espiritismo, colocando em destaque as decepções a que ficamos expostos dentro dele. 

  Todavia, elas resultam quase sempre das condições incorrectas em que se trabalha e da inobservância das regras estabelecidas pelos espíritos. 

  Quando lêem as obras de escritores espíritas, alguns leitores ficam muito impressionados com os factos e os testemunhos narrados e, animados pelo seu pensamento, acreditam que tais factos sejam frequentes, numerosos e fáceis de se obter. 

  Deixam de considerar as exigências próprias de publicações que nos obrigam a reunir e condensar, num espaço limitado, fenómenos que, na realidade, se produziram num período de tempo considerável e em lugares muito distantes entre si. 

  Quando esses leitores se aproximam do terreno experimental, fazem-no sem método, sem preparação, desprezando recomendações e precauções essenciais, esquecendo os nossos conselhos, fatigando-se logo e abandonando a tarefa, quando os resultados não são imediatos. 

  É preciso ir aprofundado o estudo do mundo espiritual para quem queira orientar-se no meio dos fenómenos, determinando-lhes as causas com exactidão. Há muitíssimos elementos nas forças em acção, durante as sessões, para que experimentadores mal preparados e mal instruídos possam evitar erros e suposições falsas, não sendo prudente admitir nos grupos a não ser pessoas que tenham feito um estudo teórico preliminar, através de uma atenta e reflectida leitura das obras especializadas. 

  A lei harmónica das vibrações é a base da comunicação espírita. Sabemos que cada alma é um centro de forças cujas irradiações variam em extensão e em intensidade, conforme a sua natureza e o seu grau de evolução. A acção da vontade pode aumentar ou diminuir o poder dessas vibrações. 

  Tenho uma fotografia (Fotografia Kirlian(*) onde, sob a influência da prece, vemos os eflúvios irradiados dos dedos do experimentador estendendo-se e recobrindo toda a placa, ao passo que, no estado de repouso do pensamento, os efeitos produzidos são fracos. 

  A vida na carne amortece as irradiações da alma, porém não as elimina. Existem tantas diferenças entre os vários estados vibratórios como as há entre as fisionomias e os caracteres humanos. É necessária, entretanto, certa concordância para o estabelecimento das relações entre os espíritos e os encarnados. 

  O espírito que deseja comunicar-se procurará um médium cujo estado psíquico tenha maior analogia com o seu. Depois, por um adestramento gradual que pode, conforme os casos, abranger semanas, meses ou até anos e, com o qual o médium deve cooperar pelo pensamento, em desejo e pela vontade e, assim chegará a estabelecer uma espécie de sincronismo. Quando é mal sucedido dirigirá os seus esforços para outra pessoa. 

  A mediunidade mais comum é a da escrita, nas suas várias formas. A que se denomina mecânica nos parece apresentar mais garantias que os outros processos, pois, neste caso, o espírito age apenas sobre o braço do médium sem impressionar o seu cérebro. 

  Realmente, seja intuitiva ou semi-mecânica, a faculdade de escrever admite, inevitavelmente, uma mistura do pensamento do espírito com o do médium. O pensamento do espírito provoca, no cérebro do médium, imagens, expressões e mesmo ideias que lhe são familiares e que são encontradas nas comunicações obtidas. 

  Como é que se deve fazer a diferença, estabelecendo a parte que corresponde a um e ao outro? É uma tarefa delicada e difícil e que somente os próprios poderiam realizar. 

  A faculdade da escrita normalmente é precedida por uma fase de exercícios, durante a qual o médium produz movimentos irregulares e traçados ilegíveis e, cuja finalidade é normalizar e disciplinar os seus fluidos, adaptando-os às finalidades desejadas. 

  Esse período de preparação, conforme as pessoas é, mais ou menos prolongado. Conheci um oficial de repartição que se exercitou diariamente, com paciência, durante mais de um ano, obtendo finalmente comunicações seguidas que apresentavam, além de forma elegante, um sentido profundo. 

  A prática dessa faculdade tem o grave inconveniente de proporcionar uma acção pessoal e inconsciente do médium, todavia tal inconveniente diminui com o tempo, acabando por desaparecer quase totalmente. 

  À medida que essa mediunidade se desenvolve, o espírito consegue, cada vez mais, um domínio sensível sobre o cérebro do indivíduo, chegando a eliminar dele tudo quanto não parta de sua própria vontade, porém a escrita mecânica continua sendo o meio mais seguro para obtermos provas de identificação e indicações de factos e datas ignorados pelo médium, numa palavra: os elementos comprovantes que sempre devemos procurar nas comunicações. 

  Qualquer experimentador pode trabalhar sozinho e todos os dias durante o período de exercícios preparatórios; porém, logo que escreva palavras, frases e mensagens coerentes, deve evitar trabalhar isoladamente, procurando aproximar-se de um grupo bem orientado, que tenha protecção eficaz e, então submeter as suas produções à análise dos mais esclarecidos. 

  Na solidão e na falta de direcção, pode expor-se à influência dos vagabundos do espaço e às suas mistificações, podendo ser vítima de perigosa obsessão

  Durante muito tempo, nas reuniões que dirigi, criei o habito de apresentar aos médiuns escreventes um tema que os próprios desenvolveriam espontaneamente, o que eles faziam com abundância de estilo e riqueza de expressões, muito para além dos seus habituais recursos. 

  É verdade que esses resultados não comprovam, forçosamente, a intervenção dos espíritos. Poderíamos explicá-los atribuindo-os aos recursos profundos e ocultos do médium, a esse estado que alguns psicólogos chamam de subconsciente, quando se revelam conhecimentos, qualidades e poderes que não temos no estado normal. Eis aí um problema que é necessário resolver. 

  Tem-se tentado, em vão, explicar o conjunto dos fenómenos pela teoria que os atribui ao subconsciente, mas os psicólogos que tentaram essa explicação não foram bem sucedidos, porque os factos espíritas, na sua maior parte, fogem a essa interpretação. Entretanto, também é verdade que certos casos de escrita ou inspiração oral, que ocorrem no transe, podem encontrar uma explicação lógica no subconsciente. 

  Em outro livro (ii) já comprovamos que existe em nós um eu profundo, uma consciência e uma memória mais amplas e mais extensas que a consciência e a memória normais, que escapam, na maioria das vezes, ao nosso conhecimento e à nossa vontade. É o reservatório espiritual onde se registam e acumulam os conhecimentos, as lembranças e as impressões de nossas vidas passadas, tudo quanto forma o capital intelectual e moral que trazemos connosco, no nascimento. Daí, as faculdades inatas, as aptidões e as tendências, tudo quanto a herança psíquica não pode explicar. 

  Como dizíamos, esse lado ignorado de nossa natureza íntima permanece bloqueado no estado normal, todavia certas sugestões, sejam pessoais ou estranhas, ao serem dadas podem fazer surgir uma parte dos nossos recursos ocultos. Aí, a sugestão desempenha o papel de uma alavanca que levanta e movimenta os elementos de nossa personalidade profunda. 

  Nas experiências de regressão de memória, sabemos que a actuação do magnetizador sobre uma pessoa mergulhada em hipnose pode despertar as suas lembranças adormecidas. A história do passado remoto se desdobra imediatamente: os mais pequenos detalhes das existências passadas renascem e revivem com um realismo notável. 

  O médium escrevente, da mesma forma, valendo-se da auto-sugestão, pode fazer um apelo, embora com intensidade menor, para o seu eu subjectivo, obtendo dele, sem se aperceber, inspirações bem superiores às suas capacidades normais. 

  Dai não se deve concluir que todas as comunicações escritas sejam produto do subconsciente, pois o que nasce da auto-sugestão pode muito bem ter origem na sugestão dos invisíveis. 

  Ao demais, os traços pessoais, as provas de identificação e as explicações dadas sobre os factos e as perguntas ignoradas pelo médium comprovam com clareza a influência de individualidades estranhas. 

  A seguir, apresentamos alguns exemplos de mensagens que destacam o carácter dos inspiradores e fazem crer que promanam, sem dúvida, dos espíritos que as assinavam. Essas mensagens foram obtidas de forma sucessiva pela senhora Hyver (Madame Hyver(iii), no decorrer de uma mesma reunião de um grupo, em Paris, a 18 de dezembro de 1914. 

  A primeira traz a assinatura de Henri Heine, poeta alemão que adoptou a França como sua pátria. Trata das lendas germânicas onde Odin (ou Wotan), o velho deus alemão e, as suas filhas, as Valkyrias e, outros deuses e guerreiros habitantes do Walhalla, o Palácio de Odin, precisam ser derrotados pelo lobo Fenris, que Odin aprisionou outrora no abismo. Tal derrota deve provocar a queda e a morte dos deuses e a criação de uma terra e uma humanidade novas, nascidas do cataclismo universal. 

  Heine evoca e interpela o Chanceler de Ferro, Bismarck e, este responde-lhe. 

  Frederico III, pai de Guilherme II, apresenta-se depois, como juiz entre as teses tão antagónicas sustentadas pelos dois alemães. Frederico faz sombrios prognósticos sobre os resultados que terá a obra do seu filho e sobre o destino da Alemanha. Essas mensagens formam uma espécie de trilogia e anunciam os grandes factos que presenciamos na actualidade. (iv) 

~~~ Primeira Mensagem ~~~ 

  Oh! Chanceler de Ferro, acorda! Estás a ver a tua Alemanha de rapina e sangue. 

  Os seus ferozes exércitos espalharam-se pelo mundo; à sua frente voam as Valkyrias e os guerreiros de Odin saíram do Walhalla. 

  Não escutas os seus gritos de cólera? 

  O lobo Fenris também saiu do abismo onde estava aprisionado. 

  Tem cuidado com a tua Alemanha, oh! Chanceler de Ferro, porque o lobo Fenris anda solto pelo mundo. Abandona o vale de sombras e de trevas que é a tua morada, porque chegou a hora. O toque fúnebre dos sinos, pela tua Alemanha de rapina e de sangue, acaba de soar. 

  Eu te digo, Chanceler de Ferro, o lobo Fenris está solto e a tua Alemanha vai morrer entre os seus dentes cruéis. 

  Sobe a esta colina e verás a nossa velha Alemanha, ou melhor, não a verás, porque ninguém já pode reconhecê-la debaixo da máscara que tu modelaste para ela. 

  A nossa velha Alemanha era nobre e santa; tinha coração. Esta outra é um monstro horrendo, sem nada de humano, caminhando ao clarão sinistro dos incêndios, trazendo na mão um facho ardente que não poupa a choupana nem o palácio, o templo do senhor Deus ou o asilo do sofrimento. 

  Esta tem os membros vermelhos do sangue dos inocentes, caminha sobre os cadáveres de mulheres, de recém-nascidos, de donzelas e de velhos. Esta não é a nossa Alemanha: é um monstro prussiano que tu fizeste com perfeição. 

  Bismarck, tem cuidado, porque o lobo Fenris está solto e devorará os teus filhos e os próprios deuses de Walhalla, pois os tempos são chegados e foste tu que abriste a porta ao abismo ao furioso lobo. Tu disseste: “A força vence o direito” e, terminaste a obra maldita, fabricando esta Alemanha que é a vergonha do mundo civilizado. 

  Ah! orgulha-te de tua obra, Chanceler de Ferro! Olha: onde está a Bélgica? Onde estão Reims, Arras e outras tantas cidades? A Alemanha, a tua Alemanha, passou por essas cidades. É uma vergonha para ti, Chanceler de Ferro: nada escapa por onde passa o alemão. 

  O teu coração se dilata? Responde-me. Esperavas tão sangrentas colheitas e tão belas espigas? Os filhos de teus filhos ultrapassaram o próprio Átila. Orgulha-te, Bismarck, nenhum povo causou tantas ruínas como o teu. 

  Podes orgulhar-te, está aí a tua obra! 

  Desejaste que a Alemanha ficasse acima de todos: ela conseguiu-o por meio do crime e do horror. Pela sucessão dos séculos, se repetirá o espanto da grande guerra e, dirão que nenhum povo superou a crueldade dos bárbaros vindos do Reno. 

  A tua Alemanha está acima de tudo no que se refere ao crime, ao estupro, ao incêndio, ao saque; as suas inumeráveis legiões são as legiões do inferno. 

  Bismarck, cuidado, pois soltaste o lobo Fenris e, as suas unhas já estão a cravar-se nos flancos de tua Alemanha, da tua monstruosa criação. 

  A Alemanha vai morrer, apesar do seu velho deus, Odin, ter saído das selvas Hercinias, apesar de suas filhas e de seus guerreiros; o lobo Fenris saiu do abismo e os tempos vão realizar-se. 

  Chanceler, escuta bem: os tempos vão chegar e a raça dos chacais e dos abutres será destruída, apesar de sua força e de suas garras; será varrida da superfície do mundo, oh! Bismarck! 

  Aí está o teu castigo, pois desejaste uma Alemanha acima de tudo; olha para o abismo sobre o qual ela está suspensa e onde vai cair ao som das maldições e dos gritos de terror. 

  “A força vence o direito”, tu o disseste... Sim, durante algum tempo, mas quando o criminoso está no apogeu, Deus, o Deus do mundo, levanta a mão e lança o criminoso no abismo. 

  A força vence o direito!, olha Chanceler, tu que preparaste a ruína de tua pátria com as tuas próprias mãos. 

  Olha, olha mais, olha sempre, tu, o maldito, tu, Bismarck, o parricidaque matou a nossa velha Alemanha, a Alemanha dos pensadores e dos sonhadores. Olha com os teus olhos: o castigo começa! 

~~~ Segunda Mensagem ~~~ 

  Por que me chamaram e me fizeram vir até aqui, entre estes franceses de que eu não gosto? Eu segui um ideal político que vós criticais. Em primeiro lugar, vós, Heine, que sois um mau alemão e um renegado, não tendes o direito de falar de uma nação, preferindo a França. Falo convosco sem retórica e sem cólera, como um homem de Estado e, vos digo que, se fosse possível viver novamente, recomeçaria a minha obra, só evitando alguns erros que cometi. 

  A minha política criou uma Alemanha farta de força material e de homens: não a renego. 

  Falais como poeta, porém um chefe de Estado não tem nervos, nem sensibilidade. 

  Só vedes a derrota, porém o velho Bismarck ainda não deu a sua última palavra e a Alemanha, que por toda a parte pisou os seus inimigos, continua mantendo intacto o seu território. 

  Vós me falais de castigo, porém esperai, porque a minha obra ainda não se desmoronou e só quando os russos, os ingleses e os franceses entrarem em Berlim, podereis então falar do crepúsculo dos deuses. 

  O poder é necessário aos grandes Estados e o poderio alemão ainda não chegou ao fim. 

  A tarefa é rude, mas o velho Bismarck ainda está de pé, inspirando aqueles que têm o governo do Império. 

  A Alemanha não está no abismo e o castigo a que tu – pássaro agoureiro – te referes, também ainda não chegou. O velho Chanceler não está cansado e a máquina ainda funciona bem. 

  Infelizes dos nossos inimigos! As ruínas que fizemos nada são! Infelizes deles, se os aliados nos obrigarem a recuar! Não restará pedra sobre pedra nas suas cidades, nenhum inimigo sairá vivo de nossas mãos. 

  O alemão saberá vingar-se e, se um dia for abatido, ele vos morderá tão cruelmente que deixará a marca indelével de seus dentes. 

  Aconteça o que acontecer, a Alemanha estará acima de tudo e, se cair, vos esmagará na sua queda e ficareis feridos mortalmente pelo peso do colosso. 


~~~ Terceira Mensagem ~~~  

  Oh! O homem criminoso que tornou a Alemanha desnaturada e a quem o Universo todo odeia continua agarrado no seu erro. 

  Por que Deus me deixou morrer tão cedo? Eu teria parado esse movimento que me apavorava e teria reconstruído uma Alemanha pacífica de verdade. O meu infeliz filho levou até ao fim a obra de Bismarck e o meu pobre país ruma para a perdição. 

  A cultura oferecida às novas gerações cegou-as completamente e cada alemão vive no sonho do seu orgulho, porém o despertar será fulminante e terrível, como terríveis serão as dilacerações interiores. 

  Que tristeza saber que há tantas desgraças iminentes sobre o nosso país! Estou muito penalizado e muito grande é o meu infortúnio vendo como um nobre povo se desonra desta maneira, entretanto é necessária esta terrível guerra para aperfeiçoar a raça alemã e preparar a sua evolução. 

  Franceses, esperai e considerai-vos felizes, apesar dos males que o vosso país padece, porque não nascestes alemães e pertenceis à nação mais generosa do mundo, que tem piedade até dos seus criminosos inimigos. 

(Continua no próximo número) 

/… 
(*) Adenda desta publicação. 
(ii) Veja-se O Problema do Ser e do Destino
(iii) Adenda desta publicação. 
(iv) As três comunicações foram publicadas, integralmente, no La Dépêche, de Tours, em 28 de fevereiro de 1915. A colecção desse jornal está à disposição do público na biblioteca da cidade. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIII A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica (1) Janeiro de 1919; Primeira Mensagem, Henri Heine / Segunda Mensagem, Bismarck / Terceira Mensagem, Frederico III / comunicações psicografadas por Madame Hyver em Paris, a 18 de dezembro de 1914, 38º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo informal entre soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)