(Primeiro Artigo)
Concebe-se facilmente a influência moral dos Espíritos
e as relações que possam ter com a nossa alma, ou com o Espírito em nós
encarnado. Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se
pelo pensamento, que é um dos seus atributos, sem o auxílio dos órgãos da
palavra; porém, mais difícil de compreender são os efeitos materiais que eles
podem produzir, tais como os ruídos, os movimentos de corpos sólidos e as
aparições, sobretudo as tangíveis. Vamos tentar dar a explicação, segundo os próprios
Espíritos e conforme a observação dos factos.
A ideia que fazemos da natureza dos Espíritos torna, à
primeira vista, incompreensíveis estes fenómenos. Diz-se que o Espírito é a
ausência completa de matéria, portanto não pode agir materialmente; ora, está
aí o erro. Interrogados sobre a questão de saber se são imateriais, assim
responderam os Espíritos: “Imaterial não é bem o termo, porquanto o Espírito é
alguma coisa, sem o que seria o nada. É, se quiserdes, matéria, mas de tal
forma etérea que
para vós é como se não existisse.” (1) Assim, o Espírito não
é, como alguns pensam, uma abstracção; é um ser, mas cuja natureza
íntima escapa totalmente aos nossos sentidos grosseiros.
Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma; quando o
deixa com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Todos nos dizem que
conservam a forma que tinham quando vivos e, de facto, quando nos aparecem,
geralmente é sob aquela por que os conhecemos na Terra.
Observemo-los atentamente no momento em que acabam de deixar
a vida: encontram-se em estado de perturbação; à sua volta tudo é
confuso; vêem o seu corpo sadio ou mutilado, segundo o género de morte; por
outro lado, vêem-se e sentem-se vivos; alguma coisa lhes diz que
aquele é o seu corpo e não compreendem porque deles estão separados: o laço que
os unia, pois, não está ainda completamente rompido.
Dissipado este primeiro momento de perturbação, o corpo
torna-se para eles uma roupa velha, da qual se despojaram e que não lamentam,
mas continuam a ver-se na sua forma primitiva. Ora, isto não é um
sistema: é o resultado de observações feitas com inúmeros sensitivos. Que se
reportam agora ao que narrámos de certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e
outros médiuns deste género: aparecem mãos, que têm
todas as propriedades das mãos vivas, que tocamos, que nos seguram e que se
esvanecem repentinamente. Que devemos concluir disso? Que a alma não deixa tudo
no caixão e que leva alguma coisa consigo.
Assim, haveria em nós duas espécies de matéria: uma
grosseira, que constitui o envoltório externo; a outra subtil e indestrutível. A
morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela que a alma
abandona; enquanto que a outra se liberta e segue a alma que, dessa maneira,
continua a ter sempre um envoltório; é o que chamamos perispírito. Esta
matéria subtil, extraída por assim dizer de todas as partes do corpo ao qual
estava ligada durante a vida, dele conserva a forma; eis por que os Espíritos
se vêem e por que nos aparecem tais quais eram quando vivos. Mas esta matéria
subtil não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é, se
assim nos podemos explicar, flexível e expansível; por isso a forma que toma,
embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do
Espírito, que pode dar-lhe tal ou qual aparência, à sua vontade, ao passo que o
envoltório sólido lhe oferece uma resistência insuperável. Desembaraçado desse
entrave que o comprimia, o perispírito dilata-se
ou contrai-se, transforma-se, presta-se a todas as metamorfoses, segundo a
vontade que actua sobre ele.
Prova a observação – e insistimos neste vocábulo observação,
porque toda a nossa teoria é consequência de factos estudados – que a
matéria subtil que constitui o segundo envoltório do Espírito só pouco a pouco
se desprende do corpo e, não instantaneamente. (2) Assim,
os laços que unem a alma ao corpo não são subitamente rompidos pela morte. Ora,
o estado de perturbação que observamos dura todo o tempo em que se opera o desprendimento;
o Espírito não recobra a inteira liberdade de suas faculdades, nem a
consciência clara de si mesmo, senão quando este desprendimento é completo.
A experiência prova ainda que a duração deste desprendimento
varia segundo os indivíduos. Em alguns se opera em três ou quatro dias,
enquanto que em outros somente se completa ao fim de vários meses. Assim,
a destruição do corpo e a decomposição pútrida não bastam para operar a
separação; eis por que certos Espíritos dizem: sinto os vermes
a me roer.
Em algumas pessoas a separação começa antes da morte; são
as que em vida se elevaram, pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos,
bem acima das coisas materiais; nelas a morte encontra apenas fracos
liames entre a alma e o corpo e, que se rompem quase instantaneamente. Quanto
mais o homem viveu materialmente, quanto mais os seus pensamentos foram
absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes
são estes laços; parece que a matéria subtil se identifica com a matéria
compacta e que entre elas haja coesão molecular; daí por que não se separam
senão lenta e dificilmente.
Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda
existe união entre o corpo e o perispírito, conserva este muito melhor a
impressão da forma corpórea, da qual reflecte, por assim dizer, todos os
matizes e, mesmo, todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos
dizia, poucos dias após a sua execução: se pudésseis ver-me, ver-me-íeis com a
cabeça separada do tronco. Um homem que morreu assassinado, nos dizia: Vede a
ferida que me fizeram no coração. Acreditava que poderíamos vê-lo. Estas
considerações levaram-nos a examinar a interessante questão da sensação dos Espíritos
e de seus sofrimentos; fá-lo-emos em outro artigo, limitando-nos aqui ao estudo
das manifestações físicas.
Imaginemos, pois, o Espírito revestido do seu envoltório
semi-material, ou perispírito, tendo a forma ou a aparência que possuía
quando encarnado. Alguns até se servem dessa expressão para se
designarem; dizem: a minha aparência está em tal lugar. Evidentemente, estão aí
os manes dos
Antigos. A matéria deste envoltório é bastante subtil para escapar à nossa
vista, no seu estado normal, mas nem por isso deixa de ser visível. Nós a
percebemos, primeiro, pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os
sonhos; porém, não é disso que nos vamos ocupar. Esta matéria eterizada
é passível de modificações e, o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma
espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos materiais: é o que
acontece nas aparições vaporosas. A subtileza desta matéria
permite-lhe atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não
encontram obstáculos e por que tantas vezes se desvanecem através das paredes.
A condensação pode chegar ao ponto de produzir resistência e
tangibilidade; é o caso das mãos que podemos ver e tocar; mas esta condensação
– a única palavra de que nos podemos servir para exprimir o nosso pensamento,
embora a expressão não seja perfeitamente exacta – esta condensação, dizíamos,
ou melhor, esta solidificação da matéria eterizada é apenas temporária ou
acidental, visto não se encontrar no seu estado normal. Daí por que estas
aparições tangíveis, num determinado momento, nos escapem como uma sombra.
Assim, do mesmo modo que vemos um corpo apresentar-se-nos em estado sólido,
líquido ou gasoso, conforme o seu grau de condensação, de igual modo a matéria
do perispírito poderá apresentar-se-nos em estado sólido, vaporoso visível, ou
vaporoso invisível. Veremos, a seguir, como se opera esta modificação.
A mão aparente tangível oferece uma resistência; exerce
uma pressão; deixa impressões; opera uma tracção sobre os objectos que
seguramos; há, pois, nela uma força. Ora, estes factos, que não são hipóteses,
podem conduzir-nos à explicação das manifestações físicas.
Notemos, em primeiro lugar, que esta mão obedece a uma
inteligência, visto agir espontaneamente; que dá sinais inequívocos de
vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo,
que se nos revela apenas por esta parte de si mesmo; e a prova disto é
a impressão que produz das partes invisíveis, os dentes a deixarem marcas
impressas na pele e a provocar dor.
Entre as diferentes manifestações, uma das mais interessantes,
sem dúvida, é a do toque espontâneo dos instrumentos musicais. Os pianos e os
acordeões parecem ser, para esse efeito, os instrumentos de predilecção. Este
fenómeno explica-se muito naturalmente pelo que o precede. A mão que
tem a força de segurar um objecto pode muito bem apoiar-se sobre as teclas e
fazê-las ressoar; aliás, por diversas vezes vimos os dedos da mão em acção e,
quando a mão não é vista, vêem-se as teclas agitarem-se e o fole a abrir e a
fechar. Essas teclas só podem ser movidas por uma mão invisível, dando
prova de sua inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas e, não como
sons incoerentes.
Uma vez que esta mão nos pode cravar as unhas na carne,
beliscar-nos, tirar-nos aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e
transportar um objecto, como o faríamos nós próprios, pode muito bem dar
pancadas, levantar e derrubar uma mesa, fazer tocar uma campainha, puxar
cortinas e, até mesmo, nos dar uma bofetada invisível.
Perguntarão, sem dúvida, como pode esta mão ter a mesma
força, tanto no estado vaporoso invisível quanto no estado tangível. E por que
não? Não vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projécteis, a
electricidade transmitir sinais e o fluido do imane levantar massas? Porquê a
matéria eterizada do perispírito seria menos poderosa? Não a queiramos submeter
às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas;
sobretudo por havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos
atribuir propriedades idênticas, nem computar as suas forças como calculamos a
do vapor. Até ao momento ela escapa a todos os nossos instrumentos; é uma nova
ordem de ideias que está fora da alçada das ciências exactas; eis por que estas
ciências não nos oferecem aptidão especial para as apreciar.
Demos esta teoria do movimento dos corpos sólidos sob a
influência dos Espíritos, somente para mostrar a questão sob todas as faces e
provar que, sem nos afastarmos muito das ideias preconcebidas, podemos dar-nos
conta da acção dos Espíritos sobre a matéria; mas há outra, de elevado alcance
filosófico, dada pelos próprios Espíritos e, que lança sobre esta questão uma
luz inteiramente nova. Compreendê-la-emos melhor depois de a havermos lido;
aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de os podermos comparar.
Resta, pois, explicar agora como se opera esta modificação
da substância eterizada do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em
consequência, qual o papel dos médiuns de efeitos físicos na produção destes fenómenos;
aquilo que neles se passa em tais circunstâncias, a causa e a natureza de suas
faculdades, etc. É o que faremos no próximo artigo.
/…
(1) N. do T.: Vide O Livro dos Espíritos – Livro
II – pergunta 82.
(2) Será, no contexto, a "Cremação"
um bem?!... Nota desta publicação.
Allan Kardec (i),
aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Teoria das Manifestações
Físicas, Primeiro Artigo. Revista Espírita – Jornal de Estudos
Psicológicos, Paris, Maio de 1858, 12º fragmento da Revista objecto
do presente título desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela,
de Noêmia
Guerra)
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