Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 13 de maio de 2020

~ em torno do mestre


A Dor ~

Será a dor um bem? Será um mal? Se é um bem, porque a consideramos como – indesejável? – Se é um mal, porque Deus fez dela património comum da Humanidade? Será a dor punição, ou castigo? Então como se explica que atinja ela os bons e que da sua influência não escapem os justos? De outra sorte, como se entende que a vida dos maus, senão sempre, muitas vezes, transcorra menos árida e penosa que a dos que procuram viver segundo a justiça?

A dor será, então, um problema complexo, de solução difícil, inacessível às inteligências vulgares? Não devemos procurar o seu "porquê"? Cumpre que a ela nos submetamos, premidos pelas circunstâncias, como vítimas indefesas? Diante da dor, qual é a atitude a assumir, de revolta ou de submissão incondicional e passiva?

Descobre-se facilmente a incógnita da dor através da seguinte parábola de Jesus:

"Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar fruto nela, e não o encontrou. Então disse ao viticultor: Faz três anos que venho procurar fruto nesta figueira, e não o encontro; corta-a, para que está ela ainda a ocupar a terra inutilmente? Respondeu-lhe o viticultor: Senhor, deixa-a por mais este ano, até que eu lhe cave em volta e lhe ponha adubo; e se der fruto no futuro, bem está; mas, senão, cortá-la-ás."

Eis aí como se faz luz sobre o caso. Aquilo que nos parecia tão complicado, torna-se perfeitamente claro.

A dor é uma necessidade em orbes como este onde nos encontramos. Ela é, na vida do Espírito, o que o fertilizante é na vida da planta. Os homens, como as árvores, não devem ocupar neste mundo um lugar inutilmente. É da lei que as árvores e os homens produzam frutos, cada um segundo a sua espécie e natureza. Quando a árvore se torna estéril, o agricultor recorre aos processos aconselhados para o caso: abre sulcos em volta do seu tronco e aduba a terra em seu redor. Quando o Espírito estaciona na senda da evolução, mostrando-se negligente e obstinado no dever que lhe assiste de produzir frutos de aperfeiçoamento moral e de desenvolvimento intelectual, vem o aguilhão da dor despertá-lo. É assim que os abúlicos, os comodistas impenitentes, os preguiçosos e os cínicos são chamados a postos e forçados a assumirem atitudes definidas e positivas nas lutas da vida.

A Humanidade terrena é composta de elementos retardatários. Daí se explica porque a dor é património comum a todos os homens. As lutas, as dificuldades e o sofrimento nos assediam por todos os lados e nos salteiam a cada passo no carreiro da existência presente. Debalde procuramos fugir às suas investidas. Chega o momento em que nos vemos forçados a enfrentar obstáculos e a resolvê-los; a aceitar as lutas e a vencê-las; a encarar a dor face a face e a suportá-la.

E de tudo isso resulta um bem. Após as refregas e as dores, o Espírito sente-se mais capaz e menos egoísta, mais corajoso e menos indolente. Ao concurso da dor devemos, pois, grande parte do nosso progresso intelectual e moral.

A dor física, determinando sensações desagradáveis e penosas, põe cobro aos desmandos da intemperança, aos bacanais e a todos os arrastamentos da animalidade a que nós homens nos entregamos na satisfação insaciável dos sentidos. Em busca da saúde perdida, vêmo-nos na necessidade de nos submeter às leis de higiene, cujos preceitos são mandamentos divinos. Começa aí a obra de nossa espiritualização.

A dor moral gera sentimentos que fazem aflorar nos corações as mais belas virtudes ao lado das mais puras e santas emoções. É pelo sentimento que o gérmen de tudo o que é bom e de tudo o que é belo cresce e frutifica. O sentimento é o esplendor da centelha divina que anima e vivifica o espírito, ou, para melhor dizer, é a essência do próprio espírito. A dor moral é o sopro que desperta os sentimentos como a aragem ressuscita a brasa amortecida sob espessa camada de cinza.

O homem assemelha-se à cana-de-açúcar. Através dos grandes sofrimentos é que ele nos revela as belezas ocultas e as suas qualidades mais nobres e excelentes, tal como a cana que só esmagada e triturada entre os impiedosos cilindros da moenda é que nos fornece o seu delicioso sumo repassado de incomparável doçura. Daí porque sofrem todos neste mundo: os injustos para que se regenerem, e os justos e os santos para que melhor se justifiquem e se santifiquem.

"Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados." (Mateus, 5:4.) A dor, suportada com valor e paciência, encerra em si mesma a consolação, porque atrai a graça divina, esse bálsamo que mitiga e suaviza todas as agruras e tormentos, fazendo despontar a aurora bendita da esperança nas almas aflitas e sobrecarregadas.

"Ai de vós, os que agora rides! porque haveis de lamentar e chorar. Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome. Ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação." (Lucas, 6:24 e 25)

Estas são as figueiras estéreis: não produzem frutos. Por isso estão a reclamar que o arado rasgue largos e profundos sulcos em torno de si, abalando as suas raízes; em seguida, receberão o fertilizante.

"Bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós que tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados sois quando perseguidos e vilipendiados; quando vos odiarem e hostilizarem. Regozijai-vos e exultai: pois grande será o vosso galardão." (Mateus, 5:3,6 e 10 a 12.) Estes são as figueiras sob a influência do fertilizante: já estão a produzir frutos sazonados.

Riqueza e pobreza, vigor e debilidade – são provações. O rico há de dar conta de sua riqueza, como o pobre há de responder acerca da maneira por que se houve na sua pobreza. O forte dirá que uso fez de sua fortaleza, e o débil como se portou nas suas enfermidades. O planeta Terra é o grande cenário onde os Espíritos vêm exercitar as suas actividades e experimentar as suas possibilidades. As encarnações são oportunidades concedidas para tal finalidade.

A vitória ou a derrota tracejará as linhas do porvir que no além nos aguarda.

A dor é o aguilhão que nos impele à arena do combate. Aqueles que menosprezam ou malbaratam a ocasião favorável, que lhes é concedida, lamentarão amargamente o tempo perdido. A dor os espreita e, como efeito de uma causa adrede criada, sobre eles recairá inexoravelmente até que os conduza à senda da vida cujo senso máximo é o progresso sob todos os prismas e aspectos.

E assim a dor se define, não como o objecto ou a finalidade da vida, mas como o meio que conduz os espíritos àquele objecto e àquela finalidade.


A supremacia do espírito ~

Pretende-se dividir o trabalho em duas categorias distintas: o trabalho intelectual e o trabalho manual.

Diz-se – intelectuais – dos homens cuja actividade se exerce numa sala: são as chamadas – profissões liberais. Aqueles que labutam em serviços que demandam o concurso dos músculos – nas fábricas, nas oficinas ou no campo – denominam-se operários e jornaleiros.

Em rigor esta classificação não corresponde à realidade. Quem age é, invariavelmente, o intelecto ou a inteligência, seja qual for o ramo de actividade que o homem exerça. Os músculos são para o homem o que a ferramenta é para o operário. Ninguém diria que a trolha, o prumo e o nível constroem casas. Seria ainda maior insânia dizer que o arsenal cirúrgico realiza operações de baixa e alta cirurgia, ou que alguns pincéis e uma paleta sejam os legítimos autores de telas e painéis que se admiram nos museus.

Não há trabalho, por mais modesto, que não reclame a acção do intelecto. É a inteligência que dirige a pá do cantoneiro, a brocha do pintor, a garlopa do carpinteiro, a pena do escritor, o buril do estatuário, o bisturi do cirurgião. Qualquer obra é fruto da inteligência, seja esta, seja aquela.

O homem máquina é uma aberração. As coisas simples e comezinhas requerem inteligência na execução. As obras mais rudes e materiais – como a escavação ou o nivelamento do solo – e as mais delicadas e intelectivas – como as intervenções Cirúrgicas em órgãos vitais – reclamam sempre a inteligência, e só a inteligência as pode executar tais como deve ser.

A inteligência educada ou deseducada revela-se tanto no plano intelectual, quanto no manual ou muscular.

O automatismo, na esfera humana de acção, é indício seguro de anomalia psíquica.

O homem consciente de si mesmo, cuja dignidade despertou, jamais se movimenta como as máquinas. Tudo quanto o homem é chamado a fazer, no cenário da vida, há de ser feito com a inteligência. Cérebro e músculos, cabeça e braços são – como, de resto, todas as demais partes do corpo – instrumentos do espírito. E o homem, digno de ser homem, sabe que ele é espírito porque tem plena consciência de que vive pela inteligência e pelo sentimento.

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"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra."                                                         
                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius”


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, Primeira Parte / Seixos e Gravetos; A Dor / A supremacia do espírito, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela, pintura de Johannes Vermeer)