Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 11 de março de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


Esclarecimento

A Filosofia Espírita foi reconhecida pelo Instituto de França e figura no Dicionário Técnico da Filosofia, de Lalande. O reconhecimento da Ciência Espírita, em virtude de suas implicações gnosiológicas profundas, que provocaram uma revolução copérnica nas Ciências, e por causa da fragmentação destas em diversas especificações, somente agora, com o desenvolvimento da Parapsicologia, conseguiu
o seu reconhecimento pelos grandes centros universitários do mundo. Somente os espíritos sistemáticos e as instituições dogmáticas (fora da área científica), ainda se opõem a esse reconhecimento, jogando com argumentos e não com factos, portanto de maneira não-científica.

O Desenvolvimento Científico

A inquietação do mundo actual, na busca de novas soluções para os problemas humanos, abrange todos os sectores de nossas actividades e teria necessariamente de afectar o meio espírita. Mas a nossa Doutrina não é uma realidade entranhada nas estruturas actuais. É um arquétipo carregado de futuro, um vir-a-ser que se projecta precisamente no que ainda não é, na rota das aspirações em demanda. Confundi-la com as estruturas peremptas deste momento de transição e querer sujeitá-la às normas e modelos do que já foi, é tentar prendê-la no círculo vicioso dos abortos culturais. O Espiritismo, rejeitado pelo mundo agora agonizante, não é cúmplice nem herdeiro, mas vítima inocente desse mundo, como Jesus e o Cristianismo o foram no seu tempo.

Se não tomarmos consciência dessa realidade histórica, com a lucidez necessária, não saberemos como sair do labirinto em que o Minotauro nos espera. O fio de Ariadne, da salvação, está nessa tomada de consciência. Na verdade, não é o fio mitológico, mas o fio racional das proposições doutrinárias de Kardec, limpidamente científicas.

A prova disso ressalta aos olhos dos estudiosos e dos pesquisadores experientes, que não se deixam levar pelo sopro da vaidade em seus precários balões de ensaio. Porque a hora é propícia às inovações nefelibáticas do tipo de Rabelais. Para andar nas nuvens os nefelibáticos não precisam mais de subir ao céu, basta-lhes tomar o elevador de um arranha-céu.

Não podemos adaptar o Espiritismo às exigências dos que negaram e negam a existência dos espíritos, aviltando o princípio inteligente e a razão nas correntes de Prometeu.

A Revelação Espiritual veio pelo Espírito da Verdade, mas a Ciência Espírita (revelação humana) foi obra de Kardec. Ele mesmo proclamou essa distinção e se entregou de corpo e alma ao trabalho científico, sacrificial e único de elaboração da Ciência Admirável, que Descartes percebeu por antecipação em seus famosos sonhos premonitórios. Cientista, Pedagogo, director de estudos da Universidade de França, médico e psicólogo(*), ele se serviu de sua experiência e seu saber omnímodo para organizar a Nova Ciência, que se iniciara desdobrando as dimensões espaciais e humanas da Terra. Em meados do Século XIX, às portas do grande avanço científico do Século XX, os cientistas ainda não percebiam a sua total ignorância da estrutura real do planeta, de suas várias dimensões físicas e de sua população oculta. O peso esmagador da tradição teológica, com sua ciência infusa escorada na Bíblia judaica, vendava os olhos da Ciência, que tinha de andar às cegas como a própria justiça humana. Essa Ciência trôpega e bastarda, não obstante os seus pressupostos atrevidos, contava em seu seio com os pioneiros do futuro. À frente desses pioneiros se colocou Kardec, dotado de uma coragem assustadora, que lhe permitiu enfrentar com a insolência dos génios todas as forças culturais da época. Graças à sua visão genial, o solitário da Rua dos Mártires conseguiu despertar os maiores cientistas do tempo para a realidade dos fenómenos espíritas, hoje estrategicamente chamados paranormais. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas como entidade científica e não religiosa. Dedicou-se a pesquisas exaustivas e fundou a Revista Espírita para divulgação ampla e sistemática dos resultados dessas pesquisas. Sua coragem serviu de amparo e estímulo aos cientistas que, surpreendidos pela realidade dos fenómenos, fizeram os primeiros rasgos na cortina de trevas que cercava as mais imponentes instituições científicas. Foi para contestá-lo e estigmatizá-lo como inimigo das Ciências, comparsa dos bruxos medievais, restaurador das superstições, que cientistas como Crookes, Schrenk-Notzing, Richet e outros resolveram atender aos apelos angustiados das Academias e Associações científicas. Dessa atitude corajosa resultou o escândalo das batalhas que romperam o impasse científico, revelando que o bruxo agia com o conhecimento e a segurança dos mais reputados cientistas. Era impossível desmenti-lo ou derrotá-lo. Kardec rompera definitivamente as barreiras dos pressupostos para firmar em bases lógicas e experimentais os princípios da Ciência Admirável dos sonhos de Descartes e das previsões de Francês Bacon. A metodologia científica, minuciosa e mesquinha, desdobrou-se no campo do paranormal e aprofundou-se na pesquisa do inteligível com audácia platónica. Kardec não se perdeu, como Wundt, Werner e Fechner, no sensível das pesquisas epidérmicas do limiar das sensações. Percebeu logo que os métodos não podiam ser aplicados a fenómenos extra físicos e estabeleceu o princípio da adequação do método ao objecto. Quando alguns membros da Société Parisien quiseram desviá-lo para a pesquisa biofísica das materializações, ele se recusou fazê-lo, alegando que essa tarefa cabia aos especialistas das ciências materiais. Os objectivos que perseguia eram psicológicos, por isso deu à Revue Spirite o subtítulo de Jornal de Estudos Psicológicos. Quando Zöllner, em Leipzig, realizou suas pesquisas psicofísicas com o ectoplasma e o problema da quarta dimensão, tornou-se evidente que o mestre estava no caminho certo. Era preciso penetrar nos segredos da alma, deixando para os físicos as questões materiais. Sua firmeza metodológica denunciava o génio de visão segura e posição inabalável. Ele criava, como declarou, a Ciência dos Espíritos, sua natureza, suas relações com a matéria e com os homens. Se não foi colocado oficialmente entre os pioneiros da Ciência, foi porque a sua posição era de rebeldia consciente e declarada contra o materialismo científico. Afirmava em seus escritos e palestras que os cientistas se empolgavam com o campo objectivo dos efeitos materiais, fugindo à pesquisa das causas profundas como o Diabo fugia da cruz. Mais tarde Richet, o fisiologista implacável, reconheceria o rigor das suas pesquisas, a firmeza da sua posição, sem as quais a Ciência não se libertaria da poeira da terra. Kant lhe opunha a barreira de sua autoridade ao afirmar que a Ciência só era possível no plano dialéctico. A proposição kantiana pesa até hoje na limitação das actividades científicas. Mas a audácia de Kardec o levou à vitória. Richet observou, numa carta histórica a Ernesto Bozzano, o grande metapsiquista italiano, que a posição kardeciana deste contrastava decisivamente com as teorias que atravancam o caminho da Ciência.
/…

(*) Pesquisas demonstraram que, embora portador de amplos conhecimentos e com actuação em várias áreas, Kardec era apenas licenciado em Ciências e Letras pelo Instituto Iverdun, na Suíça. (Nota da Editora.)


Herculano Pires, José – Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Esclarecimento, O Desenvolvimento Científico 1 de 3, 1º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

1 comentário:

palavra luz disse...

Caríssimo lugar@zul,

Este sítio, que sempre foi uma paragem hospitaleiramente reconfortante para viandantes carentes dos alimentos indispensáveis da alma, está a ganhar uma nova dinâmica.

Os diversos condimentos habituais perecem-me cada vez mais acolhedores e propícios para quem chega cansado e parte rejuvenescido, para novas paragens do conhecimento, com preciosismos de documentação cultural cada vez mais bem cuidados.

Se as primeiras coisas eram sempre seguramente ancoradas na seriedade de pensadores consagrados, pressinto uma vocação agora também virada para algo de mais próximo e mais interveniente.

Este texto por exemplo, encabeçado pela reprodução de obra de um pintor que muito ocupou a minha atenção, dirige-se-nos numa linguagem que vai directa à emoção e à razão, simultaneamente, iluminada por uma clara cintilação de actualidade.

José Herculano Pires é um expoente universal do reforço e purificação dos ideais espíritas, é um coração emocionado que palpita através de todo o seu discurso e - não pode esquecer-se - um exemplo de tenacidade, cidadania e lucidez que inspiram energicamente todos que dele se aproximam.

Tudo razões para regressar, para ler, reler, e levar bagagem de sustento, que o caminho - por enquanto - ainda se faz longo e demorado...

Apertado abraço ao autor amigo e a todos os felizes visitantes!...