Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 26 de março de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


O Desenvolvimento Científico

As teorias podem ser as mais brilhantes – como observou Bozzano –, mas não podem prevalecer contra a realidade dos factos. E Lombroso, que combatera tenazmente a volta às superstições, acabaria se penitenciando do seu erro nas páginas da revista Luce e Ombra, de Milão. Os frutos da tremenda batalha kardeciana começavam a modificar a mentalidade científica temerosa dos absurdos teológicos.

Kardec provara que as Ciências não deviam temer os fantasmas, mas enfrentá-los e explicá-los. Nenhuma autoridade era mais elevada, para ele, do que a realidade dos factos comprováveis pela experiência científica e objectiva das pesquisas. Os cientistas mais audaciosos aprenderam com ele a superar os condicionamentos do formalismo académico e enfrentar o mundo como ele é. Richet reconheceria, no Tratado de Metapsíquica, que Kardec jamais fizera uma afirmativa que não tivesse sido provada pelas pesquisas. O criador da Ciência actual e de sua metodologia eficiente e eficaz, queiram ou não os alérgicos ao futuro, na expressão recente de Remy Chauvin, foi precisamente Kardec, o homem do século XIX que revelou, numa batalha sem tréguas, estes dois princípios fundamentais da nossa mundividência:

1) A realidade é una e indivisível, firmada na Unidade Pitagórica que se revela na multiplicidade da Década;

2) Tudo se encadeia no Universo, sem solução de continuidade. Os que tentam fragmentar essa unidade orgânica estão presos às falíveis condições do sensório humano.

No desenvolvimento actual das Ciências, muitas cabeças gregas e troianas formularão novas, fascinantes e complexas teorias, mas só prevalecerão as que forem sancionadas pelas profecias fatais de Cassandra. O fatalismo, no caso, não decorre da natureza trágica das previsões, mas da comprovação dos factos. A figura de Kardec continua suspensa sobre o panorama científico actual como o orientador indispensável dos novos caminhos do conhecimento, na rota cósmica das constelações. Em recente congresso realizado em Moscovo, provocado pelas controvérsias sobre a descoberta do corpo bioplásmico do homem, Kardec foi considerado como um racionalista francês do século XIX que antecipou diversas conquistas da tecnologia moderna. Nossos jornais noticiaram a realização desse congresso, mas os dados a respeito foram escassos. Pesava sobre o congresso a suspeição de atitudes que pudessem perturbar as relações entre a Ciência Soviética e os interesses básicos da ideologia fundamental do Estado. Na Roménia marxista a Parapsicologia mudou de nome, passando a chamar-se Psicotrónica, e isso com a finalidade declarada de aproximar das ciências paranormais os materialistas mais ferrenhos ou mais cautelosos, que não desejam ver-se envolvidos em complicações espíritas. Todos esses factos provam que a Ciência Admirável elaborada pelo bruxo parisiense continua a pesar nas preocupações e no desenvolvimento da Ciência actual, que avança inelutavelmente sobre o esquema científico de Kardec. Este é o facto mais significativo dos nossos dias, que os espíritas não podem ignorar. As próprias pesquisas da Astronáutica têm seguido – sem querer e sem saber – o esquema de Kardec na Société Parisien. Das comunicações mediúnicas de Mozart, Bernard Pallissy, Georges e outras entidades, na Société, referindo-se à Lua, a Marte e Júpiter, até a remessa de homens à Lua e sondas soviéticas e norte-americanas a Marte e Júpiter mostram que o mapa das incursões possíveis foi decalcado, de maneira inconsciente, mas evidente, no mapa kardeciano. Além disso, as próprias descrições desses corpos celestes, feitas pelos espíritos comunicantes em Paris, que Kardec considerou com reservas, têm geralmente coincidido com os dados actuais das pesquisas astronáuticas. No tocante à Lua há um problema referente à sua posição na órbita em torno da Terra. Mas Kardec acentuou, no seu tempo, com o apoio do famoso astrónomo Flammarion, que os dados espirituais davam a única teoria existente na época sobre o problema. O esquema kardeciano não foi feito intencionalmente. Resultou de comunicações espirituais espontâneas, que Kardec recebeu com reservas, acentuando que esse facto não se enquadrava nas pesquisas da Société e eram recebidos como curiosidades significativas, sujeitas a confrontos futuros no processo de desenvolvimento das Ciências.

Também nessa atitude evidencia-se o critério científico de Kardec, interessado nos casos gratuitos, mas reservando a sua verificação real ao futuro. Aos que, na época, entusiasmados com essa possível revelação de problemas cósmicos, diziam a Kardec que as utopias de hoje se realizam no amanhã, Kardec respondia que deviam esperar a transformação das utopias em realidade para depois as aceitar. Os dados positivos, os factos, a realidade evidente e a lógica de clareza meridiana eram os elementos preferenciais do seu trabalho. Suas obras nos mostram a limpidez clássica do pensamento francês. Era o mestre por excelência. Sua didáctica ressalta de toda a sua obra. Richet lhe censurou a aparente facilidade com que aceitava a realidade dos fenómenos mediúnicos e da vida após a morte, mas acabou reconhecendo que ele nunca fizera uma só afirmação que não estivesse respaldada pelas pesquisas. Não dispunha dos recursos actuais da pesquisa tecnológica, mas tocou a verdade com a ponta dos dedos, como Tomé. Tudo quanto afirmou no seu tempo permanece válido até hoje. A instabilidade das hipóteses e das teorias científicas não existiu para ele. Os cientistas actuais não conseguiram abalar o edifício das suas conclusões. Giram ainda hoje como borboletas nocturnas em torno da sua lâmpada e acabam queimando as asas no fogo da sua verdade mil vezes comprovada em todo o mundo.

Esse problema da comprovação é frequentemente levantado pelos contraditores da doutrina e até mesmo por adeptos pouco informados, que alegam a impossibilidade de repetição dos fenómenos para atender às exigências do método científico. Com esse velho chavão nas mãos, pensando haver descoberto a chave do mistério, declaram com ênfase que a Ciência Espírita não é ciência, mas apenas um apêndice espúrio da doutrina. Com isso agridem a competência de Kardec e de todos os grandes cientistas que, desde o século passado até ao presente, de Crookes a Rhine, submeteram os fenómenos às formas possíveis de repetição. Basta a leitura das anotações de Kardec em Obras Póstumas, o episódio do seu encontro com o fenómeno das mesas-girantes, para se ver a falácia dessa acusação. A impossibilidade de repetição dos fenómenos espíritas implicaria a impossibilidade da pesquisa. Todos os anos da pesquisa sistemática, minuciosa e exaustiva de Kardec, e os anos de pesquisa exemplar de Crookes, Notzing, Gibier, Ochorowicz, Aksakof, Myers, Geley e Osty, e assim por diante, são displicentemente atirados no baú das antiguidades estúpidas. Foi por essa e por outras que Richet escreveu o seu livro O Homem Estúpido. A repetição de experiências é medida corriqueira em qualquer pesquisa. Os que lançam mão dessa alegação para negar a existência da Ciência Espírita nos dão a prova gratuita da sua incapacidade para tratar do assunto.

Houve interrupção no desenvolvimento da Ciência Espírita, alegam outros. Depois de Kardec ninguém mais pesquisou e os espíritas se entregaram a rememorar os feitos do passado. Se tivéssemos feito isso, simplesmente isso, já teríamos mantido viva a tradição doutrinária, vigorosamente apoiada em séries infindáveis de pesquisas mundiais, realizadas por nomes exponenciais das Ciências. Mas a verdade é que não houve solução de continuidade na investigação, mas simples diversificação das experiências em várias áreas culturais, acompanhada de renovações metodológicas. A Ciência Espírita projectou-se em direcções diversas, desdobrou-se em outras coordenadas e deu nascimento a outras ciências. Atacada por todos os lados, por todas as forças culturais da época, a Ciência Espírita firmou-se nos seus princípios e multiplicou os seus meios de comunicação. A escassez do elemento humano interessado na busca da realidade pura não lhe permitiu a expansão necessária. O homem terreno continua ainda apegado aos interesses imediatistas e aos seus preconceitos, à sua vaidade sem razão e sem sentido. São poucas as pessoas de mente aberta e coração sensível, nesta humanidade egoísta e voraz. Esses elementos compreensivos e abnegados nem sempre dispõem de condições culturais suficientes para enfrentar a luta contra as fascinações do seu próprio passado e dos insufladores de ideias confusas e perturbadoras no meio espírita e nas áreas adjacentes. Mas tudo isso faz parte da lenta e difícil evolução humana. Estamos ainda nos arrancando dos instintos animais, dos mecanismos condicionados pelos milénios do passado genésico. O panorama actual do mundo nos dá a medida exacta do nosso atraso evolutivo. O contraste chocante entre os pesados lastros da barbárie e as aspirações renovadoras do futuro, geralmente desprovidos de recursos materiais para realizações concretas urgentes, revelam a densidade do nosso carma colectivo.
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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, O Desenvolvimento Científico 2 de 3, 2º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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