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sábado, 17 de dezembro de 2022

O Homem e a Sociedade ~


O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo Dialéctico 
(III de III) 

  O que os materialistas dialécticos não deveriam ignorar é que o conceito de movimento traz como consequência um conceito idealista da natureza, quando se reconhece o movimento como a origem das formas. 

  O movimento levará sempre a um espiritualismo dinâmico, o que nos faz reconhecer que o materialismo histórico, para permanecer como um verdadeiro materialismo, não devia adoptar a dialéctica de Hegel, já que ela, queira-se ou não, desembocará numa concepção idealista do homem da vida. A filosofia espírita apresenta ao materialismo dialéctico uma interpretação nova do espírito, baseada na teoria do perispírito, mediante a qual demonstra a substancialidade do Ser e da Ideia, antes considerados como puras abstracções. Por isso, disse Gustave Geley: "A noção do perispírito suprime a grave objecção, feita continuamente ao espiritualismo, quanto à dificuldade de conceber a própria alma sem nenhuma forma definida.” 

  Com a teoria do perispírito, o movimento, como as formas materiais, resultam numa consequência da vida Universal. Com ela aparece uma teleologia do Ser, sendo a dialéctica a causa da expansão psíquica dos seres e, o perispírito o receptor da força e da inteligência. O materialismo dialéctico não conseguiu nunca explicar como se produz na mente do indivíduo a pantomnésia, isto é, a conservação da individualidade e das recordações. Porque, se o processo dialéctico é também mental, em virtude de que princípios a memória regista as impressões do mundo exterior e permanece inalterável à consciência do indivíduo? Além disso, que essência misteriosa protege o pensamento, se o movimento o renova totalmente e tudo é e não é ao mesmo tempo? Por que, se ninguém se banhará duas vezes no mesmo rio, a inteligência continua sendo a mesma, sem esquecer as suas aquisições e conhecimentos? Numa palavra, quem preserva a coesão individual e a memória, se tudo está exposto ao processo dialéctico? 

  Eis aqui, pois, os pontos capitais a que o materialismo histórico deverá responder. 

  O espiritismo pode solucionar o problema, dizendo que o Ser espiritual se mantém inalterável no meio do processo dialéctico, devido ao perispírito, no qual se resumem toda a sua inteligência e a sua individualidade. O Ser, com efeito, sustenta-se no perispírito, órgão que não pode ser alterado pelas leis do movimento dialéctico. Como veremos, esta interpretação do homem sobrepuja completamente a interpretação materialista da história. Assim, já não é somente o factor económico que determina as condições políticas, artísticas, religiosas e, outras da sociedade, pois nelas intervêm também os elementos espirituais. Porque, se a vida espiritual do homem dependesse exclusivamente dos modos de produção, não existiriam espíritos com sentido de justiça: a inteligência estaria ao nível das formas imperfeitas da sociedade. 

  Não obstante, as formas capitalista e socialista são a consequência de estados de consciência, respondendo a dois graus de evolução intelectual e mental do indivíduo. Estes dois graus de evolução deveriam explicar-se pelo estado moral do perispírito, base de todas as sensações do Ser e, pelo maior desenvolvimento palingenésico do homem. Se é certo que os modos de produção aperfeiçoam e ampliam a técnica, vemos, entretanto, que os referidos factores são incapazes de criar no organismo humano novos membros, que o indivíduo pudesse utilizar em seu proveito. Esta impotência dos modos de produção permite à filosofia espírita estabelecer a seguinte conclusão: 

  Se a mão foi o primeiro instrumento do qual se valeu o homem, na sua luta pela existência, este mesmo facto nos indica que é sempre a Ideia, ou o Espírito, que rege a realidade objectiva, por intermédio de um órgão material. 

  E a isto, para sermos mais explícitos, devemos acrescentar que não foram as forças produtivas da economia que desenvolveram as mãos no indivíduo, mas o próprio poder de materialização do Ser, já que os modos de produção em nada alteraram as formas anatómicas do homem. Podemos dizer que as formas orgânicas do indivíduo não foram tocadas pelo processo dialéctico da economia, o que nos mostra a existência, na natureza humana, de um princípio psíquico que não poderá ser alterado por nenhuma espécie de influência exteriores. 

  O desenvolvimento ou aparição de asas nas espécies voláteis não tem origem de carácter económico, mas corresponde apenas a uma finalidade do perispírito (i) desses seres. O aparecimento das faculdades metapsíquicas na espécie humana não se deve tampouco a qualquer tipo de determinismo económico. O seu desenvolvimento corresponde a factores espirituais que o homem traz em si mesmo, e que irão aumentando à medida que ele avance através do processo palingenésico. 

  Entretanto, os factores económicos são elementos que podem influir indirectamente sobre o desenvolvimento metapsíquico do homem. Por isso, no seu aspecto social, a filosofia espírita revela um sentido nitidamente socialista. Um povo economicamente pobre não poderá desenvolver com facilidade o sentido psíquico da vida espiritual; não terá oportunidade para isso, visto que a pobreza sempre engendra o raquitismo. O desenvolvimento de qualquer faculdade metapsíquica nos homens e nos povos requer a organização de uma sociedade próspera, no sentido económico; as nações pacíficas e felizes são as que mais prontamente se aproximam das realidades do mundo invisível. 

  O materialismo dialéctico deverá reconhecer que a vida do homem tem uma finalidade transcendental. Desse modo poderia conter, como parece desejar, os erros do existencialismo. Porque, se o homem e o cidadão, a sociedade e a história, não possuem uma suprema teleologia espiritualde nada valerá o esforço para instituir na Terra uma sociedade sem classes. Se o homem, repetimos, é um Ser para a morte e para o nada, como o admite o existencialismo ateu, pouco importa que existam ou não classes exploradoras, pois tudo há de terminar na gélida noite do sepulcro. Em compensação, se o Ser é uma individualidade espiritual para a vida eterna, poderão justificar-se as diversas lutas em prol de uma sociedade justa e perfeita. (1) 

  A filosofia espírita, que experimentalmente pode provar a existência imortal do Espírito, é uma vigorosa ideologia que poderá inspirar todo o homem que se sacrifique pelo bem e pela igualdade. Se o materialismo dialéctico quer enveredar por este novo caminho da filosofia e da ciência, deverá espiritualizar as suas conclusões e reconhecer que, nos diversos processos da evolução, todo o princípio material tem o seu espírito e, todo o princípio espiritual tem a sua matéria. Desta aproximação entre o material e o espiritual surgirá a mais extraordinária das revoluções, que dignificará o homem, como em nenhum outro período da história. 

 /… 
(1) Os materialistas lutam estoicamente por um futuro que nega o seu objectivismo e os coloca no plano do idealismo. Mariotti acentua essa contradição, dialecticamente resolvida pelo espiritismo. (Nota de José Herculano Pires). 


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (III de III), 10º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

terça-feira, 16 de agosto de 2022

O Homem e a Sociedade ~


O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo Dialéctico
 
(II de III) 

  Mas, para explicar claramente essa lei dialéctica, será preciso interpretar o Ser como uma tese essencial que, segundo a filosofia espírita, contém o Universo inteiro e, que começa o seu desenvolvimento no inconsciente das coisas, até chegar, mais tarde, ao grau de consciência. Este estado alcançado pela tese do Ser se transformará mais adiante; no contrário do seu primeiro período evolutivo, isto é, negará a sua condição anterior ao penetrar na de antítese, que representa uma etapa mais desenvolvida que a primeira, até se situar na de síntese, resumo superior dos seus dois tempos primitivos e tudo isso nos dará o seguinte: O presente é o que não existia ontem, mas esse ontem é a negação da qual surgiu o hoje; logo, deste hoje resultará a negação da qual surgirá o amanhã. 

  Nisto consiste, pois, a lei chamada negação da negação ou evolução da involuçãoa interpretação espírita que nos mostra agora o desenvolvimento palingenésico como um processo dialéctico do Ser. Assim, vemos como o homem, ao nascer, é uma entidade espiritual de natureza dialéctica, chamada a desenvolver-se continuamente através do processo histórico. 

  Pelo exemplo seguinte, vejamos como se desenvolve a lei denominada negação da negação: 

  Tomemos um grão de trigo, o qual representa a tese. Que faremos, para que esse grão de trigo se torne o ponto de partida de um processo de desenvolvimento"? Enterramo-lo e, isso determina a etapa de antítese (ou de encarnação do Ser). Que sucederá então? Assistiremos à negação do grão de trigo, para que nasça a espiga. Primeira negação: o grão de trigo desapareceu, mas se transformou numa planta. Esta planta cresceu e produz grãos de trigo, como é natural e depois morre. Segunda negação: A planta desapareceu, depois de reproduzir o grão de trigo que a originou. Não nos esqueçamos, porém, de que não produziu um só grão de trigo, mas uma grande quantidade, que inclusive poderá suscitar novas qualidades. (*) 

  Transportada a ideia do processo dialéctico para o desenvolvimento do Ser, vemos que esta negação da negação só poderá efectuar-se pela parte psíquica de sua natureza e, que permitirá essa transformação. Estes processos dialécticos, que têm a virtude de revelar novas qualidades nas coisas de acordo com a filosofia espírita, explicam o desenvolvimento do dinamopsiquismo essencialmediante a evolução da involução, isto é, a essência evoluída, fazendo desenvolver a essência ainda não-evoluída. 

  O estado de antítese, ou de encarnação do Ser, Gustave Geley no-lo apresentou do seguinte modo: “Tudo acontece como se cada existência terrestre, cada objectivação orgânica, ou, podemos dizer, cada encarnação, seria para a actividade do Ser uma limitação no espaço e nos meios; seria como que uma sujeição a um trabalho limitado e especializado, a um esforço quase exclusivo, em uma única direcção.” 

  Por último, a antítese, ou estado de encarnação do Ser é, como bem disse Geley, um processo de análise. É, acrescentava ele, a subdivisão da consciência em faculdades diversas e, do sentido único em sentidos múltiplos, para facilitar o seu exercício e promover o seu desenvolvimento. 

  Como se verá, nesta limitação espiritual aparece o que se chama a etapa de antítese do Ser. Esta antítese consiste em não poder ele recordar o passado nem estender a visão além do físico e, ainda mais, em não dispor das faculdades metapsíquicas que o espírito possui em forma latente. Tudo isto corresponde ao que se chama antítese do Serdado que o mundo físico é como uma negação do mundo espiritual, receptáculo maravilhoso onde o indivíduo guarda todos os valores de sua evolução. 

  Impulsionado o Ser pelo processo dialéctico, entrará no seu terceiro tempo: a sua existência de síntese. Esta síntese está baseada na dialéctica da desencarnação ou da morte; representa a reunião de todas as faculdades espirituais numa só; é o que se chama, na linguagem espírita, estado do Ser desencarnado. Este estado, disse Geley, constitui uma espécie de produto sintético dos elementos diversos das personalidades anteriores. Em resumo, a desencarnação é um processo de síntese, de síntese orgânica e de síntese psíquica do Ser. 

  É nesta unidade, em que a tese e a antítese do indivíduo se transformam numa síntese, – que se opera na consciência por causa da desencarnação, – que o espírito se sente em toda a sua plenitude. Porque é nesta síntese que os valores humanos se convertem em valores divinos e onde se reconhece que a raiz de todos os fenómenos sociais e morais está no mundo espiritual. 

  Nesta análise sobre os três tempos dialécticos do espírito, podemos notar a profundidade da dialéctica hegeliana, destacando-se, em compensação, à limitação ideológica do materialismo dialéctico, no que respeita ao homem, ao considerá-lo, como o faz o existencialismo ateu, um ser para a morte e para o nada eterno. Entretanto, o marxismo pretende refutar ideologicamente o pensamento existencialista, sem levar em conta que os seus princípios estão baseados, também, sobre nada do ser

  Para a filosofia espírita, o processo histórico é produto da acção do espírito e não o resultado dos modos de produção; por conseguinte, ela não admite uma evolução exclusivamente material. Esta concepção é também sustentada pela lógica formal, na qual os seres e as coisas aparecem em estado imóvel e de repouso. Esta tese, porém, é inadmissível num tipo de materialismo considerado dialéctico, cuja doutrina sustenta que as coisas são e não são ao mesmo tempopela razão de que tudo está em perpétua transformação e que o movimento é que dá impulso aos fenómenos materiais. Sobre este ponto, convém fazer algumas reflexões. 

  Se o movimento da matéria, de acordo com Georgi Plekanov, destacado expositor do materialismo dialéctico, é a base de todos os fenómenos da natureza e, se as moléculas da matéria em movimento, ao se unirem umas às outras, formam determinadas combinações, que são os seres e as coisas; se estas combinações se distinguem por uma solidez menor ou maior e, existem durante um tempo mais ou menos longo, desaparecendo finalmente, para serem substituídas por outras e, se o que é eterno é somente o movimento da matéria e a matéria em si como substância indestrutível, podemos formular as seguintes perguntas: Que maravilhoso demiurgo é a matéria, para possuir tantas propriedades e, o que é o movimento em si mesmo? 

  Do ponto de vista espírita e metapsíquico, a matéria é uma objectivação que se traduz em movimento, mediante uma perimatériaa qual é a força que dá conformação e existência à matéria, mas nunca a matéria em si. O materialismo dialéctico, ao conceber o movimento como qualidade da matéria, admite a possibilidade de um princípio psíquico, já que o psíquico não é mais do que movimento, como o por ele atribuído à matéria. Daí que a filosofia espírita sustente que não podemos admitir nem o materialismo nem o espiritualismo puros

  Foi Geley quem disse que tudo nos induz a crer que não há matéria sem inteligência, nem inteligência sem matériaEsta é a razão pela qual o espiritismo pode oferecer um campo de reconhecimento entre o materialismo e o espiritialismo clássico. O mesmo Geley, para confirmar esta asserção, escreveu o seguinte: “Desde o momento em que, na teoria espírita, espírito, força e matéria estão sempre juntos e são inseparáveis; e que não podemos e não devemos supô-los com vida própria e isolados uns dos outros, a doutrina espírita pode ser desde logo admitida, tanto pelos que fazem da inteligência um produto da evolução avançada da matéria, como por aqueles que sustentam não ser a matéria nem mais nem menos do que uma manifestação do espírito.” A força, para Geley, nas duas hipóteses, constitui o princípio intermediário a que chamamos perimatéria

  Pelo exposto, se deduz que a filosofia espírita pode ser aceite, no seu aspecto palingenésico, tanto pelo pensamento materialista como pelo espiritualista, desde que o espírito fosse a causa de um movimento ascendente do Universo. Em consequência, poder-se-ia dizer que o materialismo só é admissível na sua concepção mecanicista, mas nunca do ponto de vista materialista dialéctico, o qual se baseia na lei do movimento e na dinâmica do Universo, gérmen de uma possível entidade inteligente. 

/… 
(*) A. Thalheimer, Introdução ao Materialismo Dialéctico. 


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (II de III), 9º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

segunda-feira, 11 de abril de 2022

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo V 

O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico

Nos tempos actuais, o materialismo dialéctico encontra-se no auge, devido a considerar-se o seu método de conhecimento como o novo instrumento filosófico com o qual se pode interpretar a realidade histórica e, porque pode determinar uma transformação social que redunde num tipo de sociedade nova. 

Segundo os seus princípios, o homem deixa de ser uma entidade que conduz a marcha dos fenómenos sociais, para converter-se numa máquina manejada pelas forças exteriores. Deste modo, a matéria é que tem preeminência sobre o espírito, convertendo-se o Ser numa representação físico-química. Esquecemos assim que o indivíduo possui uma realidade metapsíquica, que supera em todos os sentidos o seu mundo corporal. 

Na dialéctica de Hegel, os fenómenos materiais são apenas objectivações da Ideia e, o mundo subjectivo desenvolve-se por uma lei de contradições que se opera através de uma tese, uma antítese e uma síntese. Penetrando na filosofia dialéctica de Hegel, compreenderemos, com assombro, que ela está baseada no mesmo processo da filosofia palingenésica do espiritismoGustave Geley, referindo-se a Hegel, disse: 

“Na filosofia de Hegel encontram-se nitidamente as ideias de evolução e involução. O absoluto, que não é mais do que um ideal puro, sem realidade alguma, desenvolve-se para chegar à plena consciência de si mesmo. Isto origina a evolução, que Hegel chama o porvir. O desenvolvimento opera-se em três fases ou tempos: primeiro, estado de pura virtualidade, chamado por Hegel: tesesegundo, delimitação e divisão, isto é: a antíteseterceiro, desaparecimento das delimitações e a identificação dos contrários, numa síntese superior. 

“Esta síntese, por vezes, converte-se logo no ponto de partida de um movimento análogo, que se repete até ao infinito. Tese, antítese e síntese reaparecem constantemente, em todos os momentos do desenvolvimento do Ser. Na sua evolução, o Ser realiza todos os progressos e chega, deste modo, à plena consciência de si mesmo. (1) 

A exacta interpretação que Geley faz de Hegel leva-nos a supor um grande porvir para a função ideológica que a palingenesia dialéctica desenvolverá. 

Hegel escreveu a sua Fenomenologia do Espírito afastando-se de todo o dogma. Geley, em plena actualidade, fez outro tanto com o seu extraordinário livro Do Inconsciente ao Consciente. Assim, para Geley, o Absoluto de Hegel chama-se Dinamopsiquismo e, evolui do inconsciente ao consciente; de maneira que Espírito Absoluto do filósofo alemão e o Dinamopsiquismo do metapsiquista francês se nos apresentam como uma mesma entidade metafísica, cujas três fases de tese, antítese síntese da dialéctica concordam com a trilogia espírita de nascer, morrer renascer. Como poderemos ver, o nascimento corresponderia à tese, a morte à antítese e o renascimento à síntese. 

Marx inverteu, como sabemos, o sentido original da dialéctica, acreditando demonstrar dessa maneira que o mundo material é que determina a realidade espiritual. Contudo, os fenómenos metapsíquicos dão razão à interpretação dialéctica de Hegel, demonstrando que por trás de todo o fenómeno material oculta-se um ser teleológico, que revela uma presença inteligente e espiritual. Os fenómenos de materialização e desmaterialização julgam o materialismo dialéctico de maneira terminante. Pois se o Espírito Absoluto de Hegel e o Dinamopsiquismo de Geleyem circunstâncias especiais, se materializam e desmaterializam, isso demonstra que a realidade material não é a que impulsiona o processo histórico, mas sim a Ideia ou realidade espiritual. 

Chegamos assim à conclusão de que o determinismo histórico está movimentado por uma causalidade espiritual, cujo motor psíquico é a parte fundamental do Ser. 

Tratamos, em seguida, de interpretar a lei materialista dialéctica de negação da negação, que, segundo a filosofia espírita, corresponde ao processo de evolução da involução. 

Com efeito, quando o materialismo dialéctico afirma que as coisas são processos materiais, que se transformam e se desenvolvem, não faz outra coisa senão mostrar-nos um processo dialéctico espiritual, porque, se as coisas são processos, estes confirmam a tese palingenésica do Ser, quando nos explica que é um factor psíquico o determinante da evolução da involução (no materialismo dialéctico: negação da negação). 

Mas antes de prosseguir, façamos algumas breves reflexões sobre esta teoria, chamada negação da negação pela filosofia Materialista dialéctica. 

Para o espiritismo, é o conceito de negação que redunda na desordem, no caos, na morte e no nada. De maneira terminante, a negação não é mais do que a base ideológica do existencialismo ateu. Se tudo isto implica o conceito de negação o materialismo dialéctico nunca poderá falar de uma verdadeira negação de negação, por lhe faltar uma ideologia transcendental, que dê sentido e finalidade à existência e ao Universo. 

A sua interpretação da história sempre se faz no conceito de negação, já que a sua própria ideologia é uma consequência da negação de toda a teleologia espiritual do homem e do mundo. Nenhuma ideia ou sistema que não aceite o espírito, como o expõe a filosofia espírita, poderá aspirar a uma posição verdadeira ao conceito de negação, visto que este não é mais do que um encontro com o nada. (2) 

A negação é uma propriedade do Nada e, uma real negação da negação só poderá efectuar-se sobre o fundamento da vida eterna e da concepção de um homem infinito. Então, destruir negação nas coisas é trabalho do espiritualismo espírita e, não do materialismo dialéctico, assente sobre a ideia do nada e da morte definitiva do indivíduo, isto é, sobre o conceito de negação, dentro do qual cabem todas as formas ideológicas que se opõem à vida e à evolução palingenésica. 

Se, como afirma a dialéctica materialista, todas as coisas são processos, necessariamente a identidade e coesão das mesmas para que se mantenham, devem corresponder a um númeno psíquico, já que não pode; haver processo se não houver antes harmonia no formal. Consequentemente, a matéria, para estar submetida a processos, deve ser conduzida por algo e, esse algo não é mais do que o Espírito Absoluto de Hegel ou o Dinamopsiquismo de Geley

O materialismo dialéctico silencia a este respeito. Não explica nada sobre esse factor essencial, que mantém o processo formal das coisas. E, é aqui, que a realidade do fenómeno metapsíquico se impõe e, por ele fica demonstrado que o Universo é o que Geley chama Dinamopsiquismo Essencial. É este facto que renova a filosofia idealista por meio do perispírito, órgão psíquico do espírito, através do qual o Absoluto de Hegel deixa de ser um puro ideal sem realidade nenhuma, como dizia Geley ao apreciar a dialéctica hegeliana. 

Se todas as coisas são processos, como afirma o materialismo dialéctico, o próprio homem resultará um dinamopsiquismo individual, cuja natureza o revelará como um ser palingenésico. É aqui que se nos apresenta o processo dialéctico de tese, antítese e síntese, concordando admiravelmente com a trilogia espírita de nascer, morrer renascer, verdadeiro fundamento da negação da negação, ampliada pela tese palingenésica de evolução da involução. 

/… 

(1) Geley, Ensaio de Revista Geral e de Interpretação Sintética do Espiritismo. 
(2) Título de um livro de Helmut Kuhn. 


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (1 de 3), 8º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

O Homem e a Sociedade


Capítulo IV 

A FILOSOFIA CIENTÍFICA DE GUSTAVE GELEY 

(II de II) 

Seguindo o fio do seu pensamento filosófico, vê-se que Geley continuou a analisar a constituição do Ser, segundo os princípios da nova ideia. Considerou o Eu como um dinamopsiquismo essencial, em contraposição à psicologia clássica, que o considera como a soma de estados de consciência e, que o consciente e o inconsciente se interpenetram para se condicionar reciprocamente. Conceituou, sempre apoiado nos factos, que o dinamopsiquismo inconsciente ou subconsciente tende, pela evolução, a converter-se em dinamopsiquismo consciente; por isso é que todas as aquisições conscientes são assimiladas e convertidas em faculdades do espírito. 

Dessa maneira, o Ser se desenvolve, ou se manifesta e, adquire, fixando-as, as novas faculdades do sentir, do conhecer e do saber. O progresso espiritual e psicológico resume-se, portanto, na conversão dos conhecimentos em faculdades, o que a filosofia espírita denomina evolução palingenésica. O Ser alcança, pela experiência científica e pela indução filosófica, a síntese do indivíduo, que, como essência manifestante que é, se objectiva em representações hierárquicas, que se condicionam reciprocamente e, que, segundo os conhecimentos metapsíquicos actuais, são: 

— mental. 

— O dinamismo vital. 

— A substância orgânica única. 

Consequentemente, mostrou-nos que os factos psicológicos (em psicologia clássica são ainda um mistério puro) resultam, para a parapsicologia, de estados anormais, que têm pontos de contacto inevitáveis e recíprocas relações, que se interpenetram frequentemente. 

A evolução universal era, para Geley, como já sabemos: a passagem do inconsciente ao consciente no UniversoConcebeu o Cosmos como um dinamopsiquismo essencial e, também como representação. 

“Da mesma maneira que o indivíduo, — escreveu — o Universo deve conceber-se como representação temporária e como dinamopsiquismo essencial e real. Do mesmo modo que o organismo do indivíduo é apenas o produto ideoplástico de um dinamopsiquismo essencial, assim o Universo se apresenta como a formidável materialização da potencialidade criadora.” 

Dentro deste princípio, a evolução é a aquisição da consciência, tanto no microcosmo como no macrocosmo. Por isso explicou Geley que as faculdades evolutivas, que no transformismo clássico não têm um esclarecimento racional, se tornam compreensíveis quando vemos que o mais pode sair do menos, desde que a imanência criadora, que está na própria essência das coisas, possui todas as capacidades potenciais de realização. Em resumo, proclamou: “que a evolução colectiva, como a evolução individual, pode resumir-se nesta fórmula: passagem do inconsciente ao consciente.” 

Para corroborar esta concepção, escreveu Geley

“No indivíduo, o Ser aparente, submetido ao nascimento e à morte, limitado nas suas capacidades, efémero na sua duração, não é o Ser real; não é senão uma representação ilusória, atenuada e fragmentária.” 

“O Ser real, aprendendo pouco a pouco a conhecer-se a si mesmo e a conhecer o Universo, é a centelha divina a caminho de realizar a sua divindade, infinita nas suas potencialidades, criadora e eterna. No Universo manifestado, as diferentes aparências das coisas não são mais do que a representação ilusória, atenuada e restrita, da unidade divina, realizando-se numa evolução indefinida.” 

“A constituição dos mundos e dos indivíduos — dizia — não é, também, senão a realização progressiva da consciência eterna, pela multiplicidade progressiva de criações temporárias ou de objectivações”'. 

É neste ponto que o génio filosófico de Geley atinge o coroamento do seu idealismo metapsíquico, o qual, segundo René Sudre, constituía um ensinamento superior do espiritismo. Sem exaltadas declamações, já que frente ao materialismo resultariam estéreis, refutou o “grito lacerante” de pessimismo que lançava “um grande príncipe árabe do século X, no reinado que marcou o apogeu do Califado de Córdoba.” 

— Em que consiste esta existência? – perguntava o príncipe a si mesmo. 

— Em trabalhar um quarto de século para adquirir os meios de vida; em lutar outro quarto de século em incessantes sobressaltos, para que estes meios produzam um rendimento suficiente e; depois morrer, sem saber, na verdade, por que vivemos, – respondeu-lhe o seu próprio sentido pessimista da vida. 

“Quantas dores e tristezas, — anotou Geley — sobressaltos e medos, durante o pequeno quarto de século em que o homem “desfruta” das suas aquisições! Juventude efémera, com as suas ilusões perdidas; vida empregada em se preparar para viver; esperanças sempre falidas e sempre ressurgindo; algumas flores apanhadas à beira do caminho, quase sempre emurchecidas ao toque das mãos; alguns momentos de repouso e em seguida a marcha apressada que recomeça! Naufrágios pessoais; naufrágios familiares; trabalho rude e descanso; medos, desilusões e decepções: isso é o corrente para o comum dos mortais. Para aqueles que têm um “ideal”, é pior ainda: alguns destinos em busca da ilusão e, inauditos esforços para alcançá-la.” 

Esta é a vida humana, do ponto de vista do existencialismo ateu e do materialismo histórico, sobre o qual se funda a concepção marxista. Perante esta concepção sombria do mundo, Geley analisa o conceito optimista daquelas escolas que dizem se poder esperar uma era de menos dores, menos miséria e menos enfermidades. Numa palavra: em vez de uma noite escura de infortúnios e sofrimentos, iluminada apenas por alguns raios de gozo efémero, devemos esperar, — segundo estas escolas, — uma aurora de bem-estar, em que as sombras da dor farão apenas ressaltar melhor a sua refulgente harmonia e beleza. 

A este falso optimismo da vida, Gustave Geley responde da seguinte maneira: 

“Sim, podemos esperar tudo isso! Mas esta humanidade, chegando a gozar desse ideal, verá o seu triunfo e a sua felicidade erguerem-se sobre a hecatombe das gerações passadas; isto é, desfrutará de uma felicidade que os homens não terão merecido, do mesmo modo que os seus antepassados não mereceram as suas misérias!” 

“Há nesta concepção, — acrescentava, — uma tão grande injustiça que basta por si só para acarretar irresistivelmente o mais cru pessimismo filosófico.” Ao contrário, para que a visão mude, para que o pensamento das misérias humanas e da morte se despoje do seu carácter sombrio e da sua aparência maldita, é preciso a ideia e o ensinamento da doutrina palingenésica. Então: “tudo se esclarece, — dizia Geley, — os túmulos deixam de ser túmulos; são asilos passageiros para o fim da jornada.” E continuava: “Assim como desaparece, com a ideia palingenésica, o carácter fúnebre da morte, assim também desmorona o monumento da injustiça, edificado pelo evolucionismo clássico. Já não há, na evolução, sacrificados nem privilegiados. Todos os esforços individuais e colectivos, todos os sofrimentos e amarguras terão acabado na realização da justiça e na preparação do bem; mas o bem e a justiça para todos, porque todos teremos contribuído para isso.” 

E antepondo-se às falsas interpretações dos fenómenos metapsíquicos, como se falasse ao mais puro da espécie, disse: 

“Não; a essência una, seja qual for o nome que se lhe dê, criadora das representações sem número, não acaba materializando-se nessa vã fantasmagoria de mundos, de formas e de seres sem passado e sem futuro; representações absurdas, mundos sem coerências, de obscuridades ou de loucura; vãos fantasmas desvanecidos quase ao mesmo tempo que criados e, desvanecidos sem deixar rasto! Não; a essência una não acaba, com maior razão, criando mundos de dor, para que sirvam de marco ao sofrimento universal imerecido, inútil e, infecundo.” 

“As representações fugitivas, — acrescentava, — não são nem incoerentes nem desventuradas; graças a elas e por - elas, a essência única, a única realidade chega paulatinamente, por inumeráveis experiências, a conhecer-se pouco a pouco a si mesma, individual e colectivamente, nas partes e no todo.” 

“As representações, compreendidas finalmente, revelam uma soberana harmonia. Delas se depreende o fim supremo, a finalidade verdadeiramente divina. A harmonia é o acordo imanente de umas com as outras, a estreita solidariedade das parcelas individualizadas do princípio único e de sua união irrefragável no todo.” 

“O objecto é a aquisição da consciência, o passo indefinido do inconsciente ao consciente. é assim que se desenvolvem todas as potencialidades (sendo a realização a evolução) da soberana inteligência, da soberana justiça e do supremo bem”. 

O que nos parece estranho e incompreensível é a cultura filosófica continuar ignorando a teoria do dinamopsiquismo, exposta sobre bases experimentais por Gustave Geley, no seu livro Do Inconsciente ao ConscienteEsta obra, que deveria ser o fundamento da nova filosofia idealista, permanece quase esquecida ao lado do Tratado de Metapsíquicade Charles Richet. Não reparam os pensadores que é nos princípios ali expostos que se encontra a autêntica raiz do pensamento metafísico. Se a filosofia se detivesse por um momento no pensamento metapsíquico de Geley, encontraria a mais sólida base para realizar um novo e firme trabalho filosófico. Acreditamos que, com a filosofia idealista da metapsíquica, a filosofia passará, a bem do conhecimento, da filosofia à teosofia, isto é, de uma ciência naturalista a uma ciência cósmica e espiritualista. Tinha muita razão o Dr. J. B. Rhine ao reclamar a colaboração dos filósofos nos problemas levantados pela parapsicologia. (1) 

A teosofia (2) é o mais perfeito saber que pode orientar o homem, através dos seus sentidos mediúnicos e espirituais. O ser humano possui duas formas de compreender a verdade: uma, a objectiva; outra, a subjectiva. Disto se conclui que o saber não é uma questão somente física ou sensorial; é também uma problemática psíquica e intuitiva

O homem compreende e conhece o mundo pelas vias da razão e do seu contacto com o mundo material, mas pode compreendê-lo e reconhecê-lo também por meio do espírito, isto é, por vias extras-sensoriais, tal como o confirmaram a parapsicologia e a metapsíquica. 

A possibilidade de um conhecimento místico do mundo é uma justa aspiração e um direito legítimo do homem. Penetrar os recessos da natureza é talvez descobrir a própria alma das coisas. Isso constituiria uma teosofia do Conhecimento e não somente uma filosofia. Além disso, significaria descobrir o segredo oculto das existências, o desvelar poético das Idades, conhecer o enigma das aventuras, lendas e heroísmos do homem, na certeza de que tudo vive, existe e se relaciona, através do grande curso e recurso das almas. 
/… 

(1) A participação dos filósofos é um sinal inequívoco do progresso da parapsicologia, rumo à sua maturidade. (Revista de Parapsicologia n° 2, Buenos Aires, 1955). 
(2) A palavra teosofia é aqui empregue pelo autor em sentido espírita, na sua significação etimológica de “sabedoria de Deus” ou “conhecimento de Deus”, filosoficamente entendida como “ciência do Ser”. Não confundir, portanto, com as doutrinas teosóficas conhecidas, que são apenas aproximações à verdadeira teosofia. (Nota de José Herculano Pires). 


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS; – Capítulo IV A Filosofia Científica de Gustave Geley, (II de II), 7º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali

domingo, 29 de agosto de 2021

O Homem e a Sociedade


Capítulo IV 

A FILOSOFIA CIENTÍFICA DE GUSTAVE GELEY 
(I de II)

O fenómeno mediúnico e metapsiíquico permitirá à ciência antropológica um novo e amplo enfoque da existência do homem e do Universo. A teoria do paralelismo psicofisiológico, como já se assinalou, encontra-se em plena desvalorização, diante dos factos obtidos, especialmente os casos de físiologia supranormal, situados por Geley dentro dos cânones da ciência universitária. Este grande cientista e filósofo foi um dos estudiosos mais apaixonados da metapsíquica. A sua intuição não ficou na periferia dos fenómenos, mas penetrou nos seus extractos subjectivos, para mais tarde, sobre a base de factos inegáveis, apresentar uma filosofia metafísica idealista, como confirmação da doutrina espírita e dos seus postulados referentes à lei palingenésica

No seu livro, Do Inconsciente ao Consciente, Geley faz uma crítica geral do conhecimento e dos sistemas naturalistas mais conhecidos, para, a seguir, penetrar nos problemas mais importantes do Ser, fundamentando assim uma importante teoria sobre o Espírito e a existência

Ao estudar o inconsciente realiza um trabalho científico e filosófico que lhe permite estabelecer uma notável teoria metapsíquica e espírita, referente ao homem e ao Universo. Assinala que o estudo do inconsciente, até à época moderna, se desenvolve sobre bases intuitivas e metafísicas e, por isso mesmo se encontra emaranhado de obscuridades e contradições. Mas acrescenta que esse estudo, ao entrar nos domínios da filosofia científica, permitiu a fusão do génio oriental com o génio ocidental, construindo-se assim a base e o arcabouço de um ideal filosófico e científico capaz de abranger todas as aspirações e todos os ideais humanos. Reconhece em Schopenhauer o mérito de haver sido o primeiro a relacionar a filosofia com os factos, ao conceber o mundo como vontade e representação e, faz ao mesmo tempo uma profunda análise do pessimismo do filósofo alemão. A este respeito, acentua que o sistema pessimista de Schopenhauer não somente foi consequência das suas premissas filosóficas, mas que também se deve, muito especialmente, à sua visão da vida. 

“Esta visão — escreveu Geley — inspira-lhe imensa piedade: piedade pelos animais, que, quando não se devoram reciprocamente, sofrem todas as misérias, num inferno em que “os homens são os demónios”. Piedade pelos homens, que o desejo de viver conduz a penas e dores só compensadas por alguns gozos muito espaçados e, por fim, baseados na ilusão.” 

Mas a estas amargas considerações, oporá Geley a sua magnífica concepção da evolução palingenésica, pela qual os seres, do inconsciente, realizarão a soberana consciência, a soberana justiça e o soberano bem. Como veremos, nem o marxismo nem o materialismo dialéctico, sobre o qual aquele se funda, nem o existencialismo ateu, foram capazes de apresentar uma visão ideológica que permita chegar a uma conclusão tão reconfortante para a alma humana, não obstante o génio filosófico que a inspira, como a que oferece a filosofia palingenésíca de Geley, com os mesmos fundamentos metafísicos e morais da filosofia espírita. 

Ele, que teve a oportunidade de ver, com fé apostólica, as mais vivas realidades espirituais e biológicas da metapsíquica, consolidou, para o bem das gerações futuras, um esboço de idealismo filosófico, sobre o qual se poderia dizer: “Se este idealismo não for verdadeiro, a espécie humana jamais terá salvação, estando a alma do homem irremediavelmente destinada a perecer entre as sombras da morte e do nada.” 

Com a sua teoria sobre o indivíduo e a evolução, Gustave Geley começou o seu trabalho filosófico, mas sempre com a maior cautela. Por isso nos diz: “Deixaremos de lado, sistematicamente, tudo o que seja pura metafísica: os temas de Deus, do Infinito, do Absoluto, do Princípio e do Fim, da natureza essencial das coisas etc. Só enfrentaremos o que é possível saber e compreender sobre o destino do mundo e sobre o destino individual, segundo o grau de capacidade, a um tempo intuitivo e intelectual, que nos permite a realização evolutiva actual.” 

É evidente, acrescentava, que “isto é pouco, relativamente; entretanto, é muito mais do que ensina a filosofia clássica”. Mas, este sacrifício, ao qual se submetia Geley, permite, dizia: “evitar todas as vãs discussões especulativas, todas as fórmulas estéreis, todos os sistemas contraditórios, onde têm naufragado, umas após as outras, as mais ilustres inteligências e, que já não têm actualmente mais do que um interesse histórico ou artístico.” 

Para este sábio metapsíquico e espírita os dois postulados primordiais da filosofia — expostos magistralmente no seu citado livro — são os seguintes: 

1.°) — O que há de essencial no Universo e no Indivíduo é o dinamopsiquismo único, a princípio inconsciente, mas tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e inumeráveis das coisas são apenas as suas representações. 

2.°) — O dinamopsiquismo essencial e criador passa, pela evolução, do inconsciente ao consciente. 

Como podemos ver, a concepção do homem e do Universo, segundo o pensamento de Geley, talvez seja a verdadeira ou, pelo menos, está assente sobre um cálculo seguro de probabilidades. A observação dos fenómenos metapsíquicos permitiu-lhe penetrar a verdadeira natureza do Ser e das coisas, assim como a queda de uma maçã permitiu a Newton descobrir os segredos da lei da gravidade. 

As aparências da matéria se desfizeram; com a realidade metapsíquica, o homem surge na sua origem essencial, o que nos demonstra que o ser humano é apenas uma representação transitória, durante o período que dura a sua existência material: é, numa palavra, uma materialização psíquica e espiritual. E esta tese não é inverosímil, se levarmos em conta que a ciência trata agora da materialização e desmaterialização da energiaassim como a metapsíquica nos indica a materialização e desmaterialização de forças supranormais

Quanta verdade e certeza havia em Geley, se pensarmos nos progressos da Física moderna, quando declarava: “Fomos obrigados a concluir que a forma não é mais do que uma ilusão temporal.” Ao que acrescentava o seguinte: “Os órgãos e os tecidos não têm verdadeiras determinações específicas; todos os órgãos e tecidos, assim como nasceram de uma célula primordial única, a célula mater, podem voltar, no curso da vida, a essa substância primordial única, que, seguidamente, poderá organizar-se em novas formas e construir, temporariamente, órgãos ou tecidos diferentes e distintos.” 

Penetrou assim no conhecimento da teoria da unidade substancial, ao referir-se ao corpo, do qual disse: 

“Numa palavra: tivemos que nos render à evidência de que o complexo orgânico — o corpo — não tem nem qualidades definitivas e absolutas, nem especificidade própria. Por sua origem, por seu desenvolvimento; por suas metamorfoses embrionárias e pós-embrionárias, por seu funcionamento normal, como por suas possibilidades chamadas supranormais, pela conservação da forma habitual, como pelas desmaterializações e rematerializações metapsíquicas, este organismo se resolve num dinamismo superior que o condiciona.” 

“O complexo orgânico se nos apresenta, não como o indivíduo completo, mas como um produto ideoplástico do que há de essencial no indivíduo: um dinamopsiquismo que o condiciona e, que é o todo. Em termos filosóficos, o organismo não é o indivíduo, mas a representação do indivíduo.” 

A concepção materialista, que ensinava ser o indivíduo o organismo, que encerrava em si todas as manifestações da actividade individual, encontrou na concepção metapsíquica e espírita de Geley uma nova explicação, que nos faz ver o homem e todos os seres como dinamopsiquismos essenciais, indestrutíveis, eternos, que, por representações sucessivas, avançam do inconsciente ao consciente mediante a evolução palingenésica 

O sábio francês resumia essa doutrina da seguinte maneira: Tudo acontece como se o dinamopsiquismo essencial se objectivasse para criar o indivíduo, não em uma representação única — o organismo — mas em uma série de representações hierarquizadas, que se condicionam umas às outras.” 

/… 


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IV A Filosofia Científica de Gustave Geley (I de II), 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali