Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 23 de junho de 2023

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXVII 

~~~ A Grande Doutrina 

 A guerra mundial (1) marcou o fim de uma época e para nós se inicia um novo período histórico, oferecendo aos homens de saber e de boa vontade uma tarefa imensa. Trata-se de refazer todo o género humano, por meio de uma educação, uma moral e de uma fé novas. É preciso mostrar às gerações que estão a passar, a meta que devem atingir, lhe ensinar o sentido profundo da vida, a nobreza do trabalho e a grande lição da morte. 

 É preciso ensinar a todos que a vida é sagrada até mesmo nos seus aspectos comuns, apesar de suas provações e de suas dores, principalmente em razão destas, já que a vida é para nós um supremo recurso de progresso e elevação. Devemos ensinar-lhes que as vidas humildes, obscuras e operosas, quando não representam o resgate de um passado criminoso, correspondem a um processo eficaz de aperfeiçoamento. 

 É preciso demonstrar-lhes a virtude do sacrifício e a vaidade das riquezas que nos prendem à matéria. É pela abnegação que o ser adquire todo o seu poder de irradiação e espalha salutar influência em tudo quanto realiza e em tudo que o rodeia. 

 Através de mil vidas, o homem deve ir conhecendo todas as alternativas do prazer e da dor, sendo esta última, inegavelmente, a mais fecunda para o seu progresso. Essa é a razão pela qual temos mais causas de pesar do que de felicidade. 

 A décima sexta Tríade (idiz: “Tudo é padecer em Abred (a Terra) porque sem isso não se pode conseguir conhecimento completo sobre coisa alguma”. 

 O homem deve ocupar, alternadamente, as situações sociais mais variadas, para passar pelas provações e adquirir as qualidades desses diversos meios. As situações fáceis nos estimulam a desenvolvermos as nossas faculdades, cultivarmos as artes e as ciências e exercermos a beneficência. As situações obscuras e de dependência nos ensinam a paciência, a disciplina, a economia e a perseverança no trabalho. 

 Ora vencido pelo destino, ora por ele servido, o homem abre caminho através dos obstáculos, porém cada vez que supera uma dificuldade sente que lhe aumenta a força, a vontade se retempera e a sua experiência se enriquece. 

 Em cada reencarnação ele retorna à vida terrena, como a uma escola saudável onde ganhará novos méritos e, recomeça a luta que deve aumentar-lhe o cabedal de energia e as riquezas do espírito e do coração. 

 Assim, de vida em vida, como a borboleta que sai da crisálida, ele sente desprender-se, pouco a pouco, da individualidade grosseira do começo, um espírito poderoso, luminoso, de sabedoria e de amor. E, de esfera em esfera, de mundo em mundo, prosseguirá a sua carreira, ligado aos seres que ama, para com eles chegar, um dia, à plenitude da ciência, da virtude e da felicidade. 
~~~
 A revelação dos espíritos efectua-se através de fenómenos cujo conjunto forma uma nova Ciência, uma Ciência que encontra, em tais factos, preciosos elementos de desenvolvimento e progresso. A Ciência convencional havia chegado aos limites finais do mundo da matéria. 

 Diante dela, agora, o Invisível se mostra com as suas imensas forças e as suas leis espirituais, sem o conhecimento de tais leis é impossível compreender a vida nas suas variadas formas e no seu progresso colossal. 

 A análise metódica e racional das manifestações colocará a Ciência em contacto com o mundo dos espíritos, aproximando as humanidades e facilitando a sua colaboração num programa de trabalho que resultará no mais amplo entendimento do universo psíquico e das condições da vida nas suas fases superiores, mas esse é apenas um dos dois aspectos de uma grande questão. 

 A Ciência é necessária, mas não é bastante, porque a corrente científica deve ter, como paralelo e complemento, a corrente popular, que levará às multidões o ensino e o conforto de que precisam. A Ciência é complexa e por isso inacessível ao maior número de pessoas. O ensino popular deve ser singelo e estar ao alcance de todos. 

 Faz cinco anos que epidemias, luto e todas as desgraças [ provenientes da guerra ]* causaram cruéis feridas à França; são inúmeras as almas que a dor atingiu e, que exigem a parcela de verdade e luz que lhes cabe. 

 Assim, devemos procurar a humanidade sofredora, mostrando-lhe as perspectivas consoladoras do Invisível e do além-túmulo, demonstrando-lhe a certeza da sobrevivência e da imortalidade da alma, a alegria de se tornarem a ver os que foram separados pela morte. 

 Devemos dirigir-nos ao povo que é desprovido de ideal, aos humildes e aos pequenos aos quais o materialismo enganou, pois só fez medrar neles o gosto pelos prazeres e os sentimentos de ódio e de inveja; devemos ir até eles levando-lhes o ensinamento moral, a alta e pura doutrina que aclara o futuro e nos mostra como a justiça se realiza por intermédio das vidas sucessivas. 

 Todos vós que amais a justiça e a procurais no estreito círculo que o vosso olhar abrange, raro a encontrareis nas obras humanas ou nas instituições deste mundo inferior. Dilatai os vossos horizontes e podereis vê-la expandir-se na série das nossas vidas através dos tempos, pela simples análise dos efeitos e das causas. 

 O bem e o mal remontam sempre às suas origens e o crime recai pesadamente sobre os seus autores. O nosso destino é obra nossa, mas só se ilumina com o conhecimento do passado e, para nos apoderarmos do seu encadeamento, é necessário contemplarmos do alto e, no seu conjunto, o panorama vivo de nossa própria história. 

 Todavia, isso só seria possível para o espírito que se encontre desligado do envoltório carnal, seja pela exteriorização durante o sono, seja pela morte. Então, das sombras e contradições do presente, aparecerá para ele, no seu esplendor e na sua soberana majestade, a grande lei que regula o progresso dos seres, da mesma forma como rege a marcha dos mundos. 

 Quando os apóstolos da causa social compreenderem e ensinarem essa nobre doutrina, nela irão encontrar fecunda fonte de inspiração. Ela lhes dará à palavra o poder de penetração, o calor que derrete os gelos da indiferença e do cepticismo, trazendo-lhes uma onda purificadora e regeneradora ao coração. 

 Espero aqui as mesmas contestações que me foram endereçadas durante certas conferências seguidas de debate público. Dir-me-ão: “Essa é a linguagem que usaram todas as opressões políticas e religiosas através dos séculos, para dominar e subjugar as multidões e, tais promessas de vidas futuras, embora apresentadas de outra forma, são sempre, no dizer de Jean Jaurès; – uma velha cantiga que acalenta a miséria humana”. 

 Pode ser que a nossa forma de ver não coincida com a teoria deste ou daquele teórico; o que procuramos, acima de tudo, é a verdade e, para descobri-la, convém que nos elevemos às serenas regiões onde as paixões políticas não chegam e onde os interesses materiais não reinam. Indagai os grandes mortos – responderei aos meus contraditores –, inspirai-vos com os seus conselhos. Eles confirmarão a existência dessas leis superiores fora das quais é inútil e estéril qualquer obra humana. 

 Enquanto limitardes o vosso pensamento aos estreitos horizontes da vida actual e não quiserdes ver nela o que ela representa na verdade, isto é, um degrau para subir mais alto, serão inúteis as vossas tentativas para criar neste mundo uma ordem de coisas que esteja de acordo com a justiça, assim como têm sido inúteis todos os esforços que o vosso talento tem realizado. 

 [ Observai o que está a acontecer lá no oriente da Europa, onde a tremenda luta de classes lança as nações num abismo, onde nenhum raio de idealismo brilha. Vede essa maré crescente das paixões desencadeadas por um materialismo grosseiro que tudo ameaça invadir! Não obstante certas teorias, o que é necessário fazer para se atingir a paz social e a harmonia é o acordo íntimo das inteligências, das consciências e dos corações e isso só nos será dado por uma grande doutrina, uma revelação superior que trace a rota humana e fixe os nossos deveres comuns. ]* 

 Afirmamos que, na história do mundo, as catástrofes geralmente são sinais precursores de tempos novos, o anúncio de que se prepara uma transformação e de que a humanidade vai passar por profundas transformações. 

 A morte abriu clareiras numerosas entre os homens, porém entidades mais evoluídas encarnarão na Terra e as legiões inumeráveis das almas libertas pela guerra pairarão acima de nós, ávidas por participar dos nossos trabalhos, dos nossos esforços, para transmitir aos que elas deixaram no mundo a confiança em Deus e a fé num porvir mais auspicioso. 

 A acção dessas almas se estende e se impõe cada vez mais, provocando testemunhos inesperados que, às vezes, vêm de bem alto. O jornal "L’Homme Livre", por exemplo, em 1º de janeiro de 1919, registava o seguinte: “Os nossos queridos mortos estão ao nosso lado e a humanidade se compõe mais de mortos que de vivos; somos governados pelos mortos”. 

 Numa oratória magnífica, na Câmara dos Deputados, Georges Clemenceau evocava os espíritos de Léon GambettaAuguste Scheurer-KestnerAlfred Chanzy e outros ilustres mortos, convidando-os a serem “os primeiros a transpor as terríveis portas de ferro que a Alemanha fechou contra nós”. 

 O próprio Presidente da República, Raymond Poincaré, disse no seu discurso de Estrasburgo: “Connosco, Alsácia, tu honrarás a memória de nossos mortos, porque tanto ou mais do que os vivos, foram eles que te libertaram”. 

 Os obreiros de nossa vitória não foram apenas esses grandes mortos, pois à frente deles vemos os Espíritos de Luz (i) que nos mostram o caminho sagrado e os altos destinos que nos aguardam. 

 É lógico que muitos homens e, não apenas os de menor valor, por meio das provações sofridas, foram curados dessa sensualidade e desse cepticismo pestilento que quase levaram a França à perdição. 

 Actualmente, um grande sopro passa pelo mundo, conduzindo as almas para uma síntese onde tudo o que existe de bom e verdadeiro nas antigas crenças se vem juntar às obras da Ciência e do pensamento moderno, formando um instrumento valioso na educação e na disciplina sociais. 

 Entretanto, às vezes a sombra se condensa e a escuridão da noite se torna maior à nossa volta, multiplicam-se os perigos e terríveis ameaças pesam sobre a civilização, porém nessas horas sentimos mais perto de nós os nossos grandes irmãos do Espaço. 

 Os seus fluidos vivificantes nos amparam e nos penetram. Graças a eles acendem-se, no horizonte, clarões de aurora que iluminam o nosso caminho. No meio do caos dos acontecimentos, um novo mundo se delineia... 

/… 
(1) Primeira guerra mundial 1914-1918. Adenda desta publicação. 
Parênteses atribuídos por esta publicação. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXVII A Grande Doutrina, 43º fragmento e o último desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeiraguerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)  

domingo, 18 de junho de 2023

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques)
(IX)

As estrelas fixas ~ 🌈

  As estrelas a que chamamos fixas e que constelam os dois hemisférios do firmamento, não estão de maneira nenhuma isoladas de toda a atracção exterior como geralmente se supõe; longe disso, pertencem todas a uma mesma aglomeração de astros estelares. Esta aglomeração não é outra senão a grande nebulosa de que fazemos parte e cujo plano equatorial que se projecta no céu recebeu o nome de Via Láctea. Todos os sóis que a compõem são solidários; as suas múltiplas influências reagem perpetuamente uma sobre a outra e a atracção universal reúne-as todas numa mesma família.

  Entre estes diversos sóis, a maior parte está, como o nosso, rodeado de mundos secundários que iluminam e fecundam pelas mesmas leis que presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como Sírio, são milhares de vezes mais magníficos em dimensão e em riquezas que o nosso e o seu papel mais importante no Universo, assim como há planetas em maior número e muito superiores ao nosso a rodeá-lo. Outros são muito diferentes pelas suas funções astrais. É assim que um certo número destes sóis, verdadeiros gémeos da ordem sideral, se encontram acompanhados pelos seus irmãos da mesma idade e formam, no espaço, sistemas binários a que a natureza atribuiu funções muito diferentes das que pertencem ao nosso Sol (**).

  Apesar do número prodigioso destas estrelas e dos seus sistemas, apesar das distâncias incomensuráveis que as separam, não deixam por isso de pertencer todas à mesma nebulosa estelar que as observações dos mais potentes telescópios mal podem atravessar e que as concepções mais arrojadas da imaginação mal conseguem ultrapassar; nebulosa que, todavia, não passa de uma unidade na ordem das nebulosas que compõem o mundo astral. 

  As estrelas a que chamamos fixas não estão de maneira nenhuma imóveis na vastidão. As constelações que imaginámos sobre a abóbada do firmamento não são criações simbólicas reais. A distância da Terra e a perspectiva sob a qual medimos o Universo a partir desta estação são as duas causas desta dupla ilusão de óptica. (Capítulo V, n.º 12.) 

  Vimos que a totalidade dos astros que brilham na cúpula azul está encerrada numa mesma aglomeração cósmica, numa mesma nebulosa a que chamamos Via Láctea; mas, por pertencerem todos ao mesmo grupo, estes astros não deixam de ser animados cada um deles por um movimento próprio de translação no espaço; o repouso absoluto não existe em lado nenhum. São regidos pelas leis universais de atracção e rolam no espaço sob o impulso incessante desta força imensa; rolam, não de acordo com rotas traçadas por acaso, mas segundo as órbitas fechadas, cujo centro é ocupado por um astro superior. Para tornar as minhas palavras mais compreensíveis através de um exemplo, falarei especialmente do vosso Sol. 

  Sabemos, pelas observações modernas, que não é fixo nem central, como se julgava nos primeiros tempos da astronomia nova, mas que avança no espaço arrastando com ele o seu vasto sistema de planetas, de satélites e de cometas. 

  Ora esta caminhada não é fortuita e não vai mesmo errando em vazios infinitos, perder longe das regiões que lhe estão consignadas os seus filhos e os seus súbditos. Não, a sua órbita é calculada e, conjuntamente com outros sóis da mesma ordem que ele e como ele rodeados de um certo número de terras habitadas, gravita à volta de um sol central. O seu movimento de gravitação, tal como o dos sóis seus irmãos, não é apreciável nas observações anuais, pois períodos seculares em grande número mal bastariam para marcar o tempo de um desses anos astrais. 

  O sol central de que acabámos de falar é ele mesmo um globo secundário relativamente a um outro mais importante ainda à volta do qual perpetua uma caminhada lenta e calculada em companhia de outros sóis da mesma, ordem. 

  Poderíamos verificar esta subordinação sucessiva de sóis para sóis que a nossa imaginação se cansasse de percorrer uma tal distância; porque, não o esqueçamos, podemos contar em números redondos uns trinta milhões de sóis na Via Láctea, subordinados uns aos outros como gigantescas rodas dentadas de um imenso sistema. 

  E estes astros, em quantidade incontável, vivem, cada um deles, uma vida solitária; tal como nada está isolado na economia do vosso pequeno mundo terrestre, nada está isolado no incomensurável Universo. 

  Estes sistemas de sistemas pareceriam de longe, ao olhar investigador do filósofo que fosse capaz de abarcar o quadro desenvolvido pelo espaço e pelo tempo, uma poeira de pérolas de ouro levantada em turbilhões sob o sopro divino que faz voar os mundos siderais nos céus como grãos de areia no deserto. 

  Acabou-se a imobilidade, o silêncio e a noite! O grande espectáculo que assim se desenvolvesse sob o nosso olhar seria a criação real, imensa e plena de vida etérea que o olhar infinito do Criador abarca no conjunto imenso. 

  Mas até aqui só falámos numa nebulosa; os seus milhões de sóis, os seus milhões de terras habitadas não formam, como dissemos, mais do que uma ilha do arquipélago infinito. 
                                                                                            Pelo Espírito de Galileu 

/… 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)
(**) É aquilo a que se chama em astronomia estrelas duplas. São dois sóis em que um gira à volta do outro, como um planeta à volta do seu sol. De que estranhos e magníficos espectáculos devem usufruir os habitantes dos mundos que compõem estes sistemas iluminados por um duplo sol! Mas também como devem ser aí diferentes as condições da vida!
Numa comunicação feita posteriormente, O Espírito de Galileu acrescenta: «Há mesmo sistemas mais complicados onde dois sóis diferentes representam, em face um do outro, o papel de satélites. Produzem-se então efeitos de luz maravilhosos para os habitantes dos globos que iluminam; tanto mais que, apesar da sua proximidade aparente, entre eles podem circular mundos habitados e receber alternadamente ondas de luz diversamente coloridas cuja reunião forma a luz branca.» Aí, os anos já não se medem pelos mesmos períodos, nem os dias pelos mesmos sóis e estes mundos iluminados por duplo archote recebem em herança condições de existência inimagináveis para os que nunca saíram deste pequeno mundo terrestre.
Os astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam os melhores elementos de habitabilidade alguma vez dados a alguém. As leis da natureza são diversificadas na sua imensidão e se a unidade é a palavra importante do Universo a variedade infinita não deixa de ser o seu eterno atributo. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – As estrelas fixas (de 37 a 44), 31º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).