~ teorias antigas e modernas sobre o mundo
A primeira ideia que os homens fizeram da Terra, do
movimento dos astros e da constituição do Universo deve ter sido, na sua
origem, unicamente baseada no testemunho dos sentidos. Na ignorância das
leis mais elementares da física e das forças da natureza, não tendo mais que a
sua visão limitada como meio de observação, só podiam avaliar pelas aparências.
Ao ver o Sol surgir de manhã de um lado do horizonte e
desaparecer do lado oposto, concluiu-se daí naturalmente que este girava à
volta da Terra, enquanto esta permanecia imóvel. Se tivesse então sido dito aos
homens que é o contrário que se passa, teriam respondido que isso não podia
ser, porque, teriam eles dito; nós vemos o Sol mudar de sítio e não
sentimos a Terra mexer-se.
A pouca extensão das viagens, que raramente ultrapassavam
então os limites da tribo ou do vale, não permitiam que se constatasse a forma esférica da
Terra. Como é que, aliás, se poderia supor que a Terra pudesse ser uma bola? Os
homens não se poderiam manter sobre o ponto mais elevado e imaginá-la habitada
em toda a sua superfície; como poderiam viver no hemisfério oposto, de cabeça
para baixo e pés para cima? A coisa teria parecido ainda menos possível com um
movimento de rotação.
Quando vemos, ainda hoje, que se conhecem as leis da gravidade, pessoas
relativamente esclarecidas não se aperceberem deste fenómeno, não nos devemos
espantar por os homens dos primeiros tempos não o terem nem sequer suspeitado.
A Terra era portanto para eles uma superfície plana,
circular como uma mó de moinho, estendendo-se a perder de
vista em sentido horizontal; daí a expressão ainda utilizada: ir até ao
fim do mundo. Os limites, a sua espessura, o seu interior, a sua face
inferior, o que havia por baixo, era o desconhecido (*).
O céu, aparentemente sob uma forma côncava, era, segundo a
crença vulgar, uma abóbada real cujos bordos inferiores assentavam na Terra,
demarcando-lhe os confins; vasta cúpula com a capacidade total repleta de
ar. Sem nenhuma noção de infinito, de espaço, incapazes mesmo de o
conceber, os homens imaginavam esta abóbada formada por matéria sólida; daí o
nome de firmamento que sobreviveu à crença e que
significa firme, resistente (do latim firmamentum,
derivado de firmus e do grego herma, hermatos,
firme, suporte, ponto de apoio).
As estrelas, cuja natureza não podiam imaginar, eram simples
pontos luminosos, mais ou menos grandes, ligados à abóbada como lâmpadas suspensas,
dispostas numa única superfície e, por consequência, todas à mesma distância da
Terra, tal como se representam no interior de certas cúpulas pintadas de azul
para imitar o
azul dos céus.
Apesar de hoje as ideias serem muito diferentes, o uso das
expressões antigas conservou-se; diz-se ainda, por comparação: a abóbada estrelada;
sob a calote do céu.
A formação das nuvens por evaporação das águas da Terra
era então igualmente desconhecida; não podiam pensar que a chuva que cai do céu
tivesse a sua origem na Terra, de onde não se via a água
subir. Daí a crença na existência das águas superiores e
das águas inferiores, das fontes celestes e das
fontes terrestres, em reservatórios situados nas regiões altas, suposição que
estava perfeitamente de acordo com a ideia de uma abóbada capaz de as manter.
As águas superiores, escapando-se por fissuras da abóbada, caíam em chuva e,
consoante essas aberturas fossem maiores ou menores, a chuva era suave ou
torrencial e diluviana.
A ignorância total sobre o conjunto do Universo e das
leis que o regem, da natureza, da constituição e destino dos astros, que
pareciam tão pequenos em comparação com a Terra, deve necessariamente ter feito
com que esta fosse considerada a coisa principal, fim único da Criação e,
onde os astros seriam acessórios criados unicamente para os
seus habitantes. Este preconceito perpetuou-se até aos nossos dias, apesar das
descobertas da ciência que mudaram, para o homem, o aspecto do mundo. Quantas
pessoas acreditam ainda que as estrelas são ornamentos do céu para recrear a
vida dos habitantes da Terra!
Não tardaram a aperceber-se do movimento aparente das
estrelas que se movem em massa de Oriente para Ocidente, levantando-se à noite
e deitando-se de manhã, conservando as suas posições respectivas. Esta
observação não teve durante muito tempo outra consequência para além de
confirmar a ideia de uma abóbada sólida arrastando as estrelas no seu movimento
de rotação.
Estas primeiras ideias, ideias ingénuas, foram durante
longos períodos seculares a base das crenças religiosas e
serviam de fundo a todas as cosmogonias antigas.
Mais tarde compreendeu-se, pela direcção do movimento das
estrelas e pelo seu regresso periódico na mesma ordem, que a abóbada celeste
não podia ser simplesmente uma semiesfera assente sobre a Terra, mas sim uma
esfera inteira, côncava, no centro da qual se encontrava a Terra, sempre plana
ou quando muito convexa e habitada unicamente na face superior. Era já um
progresso.
Mas em que estava assente a Terra? Seria inútil mencionar
todas as suposições ridículas concebidas pela imaginação, desde a dos índios
que a diziam levada por quatro elefantes brancos e
estes pelas asas de um imenso abutre. Os mais sensatos confessavam
que não sabiam nada disso.
No entanto, uma opinião geralmente propagada nas teogonias pagãs
situava nos lugares baixos, ou dito de outra maneira, nas
profundezas da Terra, ou por baixo, não se sabia muito bem, a morada dos
reprovados, chamados infernos, quer dizer, lugares
inferiores; nos lugares altos, para além do lugar das estrelas,
a morada dos bem-aventurados. A palavra inferno conservou-se
até aos nossos dias, embora tenha perdido o seu significado etimológico desde
que a geologia desalojou o lugar dos suplícios eternos das entranhas da Terra e
que a astronomia demonstrou que não há nem alto nem baixo no espaço infinito.
Sob o céu puro da Caldeia, da Índia e do Egipto,
berço das mais antigas civilizações, foi possível observar o movimento dos
astros com tanta precisão quanto permitia a ausência de instrumentos especiais.
Viu-se primeiro que certas estrelas tinham um movimento
próprio independente da massa, o que permitia supor que estivessem agarradas à
abóbada; chamaram-lhes estrelas errantes ou planetas para
as distinguir das estrelas fixas. Calcularam-se os seus movimentos e os seus
regressos periódicos.
No movimento diurno da esfera estrelada
observou-se a imobilidade da estrela polar à volta da qual as outras
descreviam, em vinte e quatro horas, círculos oblíquos paralelos maiores ou
menores, consoante o seu afastamento da estrela central; foi o primeiro passo
para o conhecimento da obliquidade do eixo do mundo. Além disso,
longas viagens permitiam observar a diferença de aspectos do céu consoante as
latitudes e as estações; a elevação da estrela polar abaixo do horizonte,
variando com a altitude, colocou-nos no caminho da esfericidade da
Terra; foi assim que, a pouco e pouco, fomos ficando com uma ideia mais certa
do sistema do mundo.
Cerca do ano 600 antes de Jesus Cristo, Tales de Mileto (Ásia
Menor), conheceu a esfericidade da Terra, a obliquidade da elíptica e a
causa dos eclipses.
Um século depois, Pitágoras de Samos,
descobre o movimento diurno da Terra sobre o seu eixo, o seu movimento anual à
volta do Sol e liga os planetas e os cometas ao sistema solar.
160 anos antes de J. C., Hiparco de Alexandria
(Egipto), inventa o astrolábio, calcula e prevê os eclipses, observa as manchas
do Sol, determina o ano trópico, a duração das mudanças da Lua.
Por muito precisas que fossem estas descobertas para o
progresso da ciência, levaram cerca de 2000 anos a
produzir-se. As ideias novas, não tendo então para se propagarem mais do que
raros manuscritos,
continuavam a ser o quinhão de alguns filósofos que as ensinavam a
discípulos privilegiados; as massas, que nem se pensava em
esclarecer, não as aproveitavam em nada e continuavam a alimentar-se de velhas
crenças.
Cerca do ano 140 da era cristã, Ptolomeu, um dos homens mais ilustres da escola da Alexandria, combinando as suas próprias ideias com as crenças vulgares e algumas das mais recentes descobertas astronómicas, compôs uma nova teoria a que podemos chamar mista, que tem o seu nome e que, durante quase quinze séculos, foi a única adoptada no mundo civilizado.
Segundo a teoria de Ptolomeu, a Terra era uma
esfera no centro do Universo; compunha-se de quatro elementos: terra, água, ar
e fogo. Era a primeira região dita elementar. A segunda região,
dita etérea, compreendia onze céus ou esferas concêntricas girando
à volta da Terra, a saber: o Sol da Lua, os de Mercúrio, de Vénus, do Sol, de
Marte, de Júpiter, de Saturno, das estrelas fixas, do primeiro cristalino,
esfera sólida transparente; do segundo cristalino e, finalmente, do primeiro
móbil que dava o movimento a todos os céus inferiores e os fazia dar uma
rotação em vinte e quatro horas. Para lá dos onze céus ficava o Empíreo, morada dos
bem-aventurados, assim chamado do grego pyr ou pur,
que significa fogo, porque se julgava esta região resplandecente de
luz como o fogo.
A crença em vários céus sobrepostos prevaleceu durante muito
tempo; mas variava-se no número; o sétimo era geralmente considerado o mais
elevado; daí a expressão estar no sétimo céu. São Paulo disse que
tinha sido criado no terceiro céu.
Independentemente do movimento comum, os astros tinham,
segundo Ptolomeu,
movimentos próprios, maiores ou menores, consoante o seu afastamento do centro.
As estrelas fixas faziam uma rotação em 25,816 anos. Esta última avaliação
denota o conhecimento da precisão dos equinócios, que se
realizava efectivamente em 25,868 anos.
No início do século XVI, Copérnico,
célebre astrónomo, nascido em Thorn (Prússia), em 1473, falecido em 1543,
retomou as ideias de Pitágoras;
publicou uma teoria que, diariamente confirmada por novas observações, foi
favoravelmente acolhida e não tardou a derrotar a de Ptolomeu. Segundo esta
teoria, o Sol está no centro, os planetas descrevem órbitas circulares à volta
deste astro; a Lua é um satélite da Terra.
Um século depois, em 1609, Galileu, nascido em
Florença, inventa o telescópio; em 1610, descobre os quatro
satélites de Júpiter e calcula as suas rotações; conclui que os planetas não
possuem luz própria como as estrelas, mas que são iluminados pelo Sol; que são
esferas semelhantes à Terra; observa as suas fases e determina a duração da sua
rotação sobre o eixo; dá assim, com provas materiais, uma sanção definitiva à
teoria de Copérnico.
De imediato se desmoronou a pirâmide de céus sobrepostos; os
planetas foram reconhecidos como mundos semelhantes à Terra e, como ela, sem
dúvida habitados; as estrelas, por inúmeros sóis, centros prováveis de outros
tantos sistemas planetários; e o Sol, ele próprio foi reconhecido como uma
estrela, centro de um turbilhão de planetas que lhe estão submetidos.
As estrelas já não estão confinadas a uma zona da esfera
celeste, mas irregularmente disseminadas no espaço sem limites; as que parecem
tocar-se estão a distâncias incomensuráveis umas das outras; as mais pequenas
em aparência, são as mais afastadas de nós; as maiores, as que estão mais
perto, estão também a centenas de milhares de léguas (**) de
distância.
Os grupos a quem deram o nome de constelações não
são mais do que agrupamentos aparentes provocados pelo afastamento; as suas
figuras são efeitos de perspectiva, como se formam à vista de quem está
colocado num ponto fixo das luzes dispersas numa vasta planície, ou as árvores
de uma floresta; mas estes agrupamentos não existem na realidade;
se fosse possível transportar-nos para a região de uma dessas constelações, à
medida que nos fôssemos aproximando a forma iria desaparecendo e novos grupos
se desenhariam à nossa vista.
A partir do facto desses só existirem em aparência, o significado
que uma crença vulgar supersticiosa lhes atribui é ilusória e a sua influência
só poderia existir em imaginação.
Para distinguir as constelações deram-lhes nomes como Leão,
Touro, Gémeos, Virgem, Balança, Capricórnio, Caranguejo, Orion, Hércules, Ursa
Maior ou Carro de David, Ursa Menor, Lira, etc., e representam-nas com
figuras que lembram estes nomes, a maior parte de fantasia, mas que, em todos
os casos, não têm qualquer relação com a forma aparente do
grupo de estrelas. Seria portanto em vão que procuraríamos estas figuras no
céu.
A crença na
influência das constelações, sobretudo daquelas que constituem os doze signos
do Zodíaco, vem da ideia ligada aos nomes que têm; se a que se chama leão tivesse
o nome de burro ou ovelha, ter-lhe-iam certamente
atribuído uma influência muito diferente.
A partir de Copérnico e de Galileu, as velhas
cosmogonias foram para sempre destruídas: a astronomia só podia
avançar e não recuar. A história fala nas lutas que estes homens de génio tiveram de
manter contra os preconceitos e, sobretudo, contra o espírito de seita,
interessado na manutenção dos erros sobre que se tinham fundado as crenças que
se imaginavam assentes sobre uma base inabalável. Bastou a invenção de um
instrumento de óptica para derrubar um monte com vários milhares de anos. Mas
nada poderia prevalecer contra uma verdade reconhecida como tal. Graças à
impressora, o público, iniciado nas ideias novas, começava a não se deixar
embalar com ilusões e tomava parte na luta; já não era contra a opinião geral
que tomava partido pela verdade.
Como o Universo é grande ao pé das mesquinhas proporções que
os nossos pais lhe atribuíam! Como é sublime a obra de Deus, quando a vemos
realizar-se segundo as eternas leis da natureza! Mas também quanto, que esforço
de génio, que devoções foram necessárias para abrir os olhos e arrancar por fim
a venda da ignorância!
Doravante, estava aberta a via por onde ilustres e numerosos
sábios iriam entrar para completar a obra esboçada. Kepler, na Alemanha,
descobre as célebres leis que têm o seu nome e com a ajuda das quais reconhece
que os planetas descrevem não órbitas circulares, mas elipses, onde o Sol ocupa
um dos domicílios; Newton,
na Inglaterra, descobre a lei da atracção universal; Laplace, uma teoria
baseada em conjecturas ou em probabilidades, mas uma ciência estabelecida sobre
as mais rigorosas bases do cálculo e da geometria. Assim se encontra colocada
uma das pedras fundamentais da Génese, aproximadamente três mil e
trezentos anos depois de Moisés.
/…
(*) «A mitologia hindu ensinava que o astro do dia se despojava à noite da luz e atravessava o céu durante a noite com uma face obscura. A mitologia grega representava o carro de Apolo puxado por quatro cavalos. Anaximandro, de Mileto, sustentava em relação a Plutarco, que o Sol era uma quadriga cheia com o fogo muito vivo que teria escapado por uma abertura circular. Epicuro teria, segundo alguns, emitido a opinião de que o Sol se acendia de manhã e se apagava à noite nas águas do oceano; outros pensavam que ele fazia deste astro uma pedra-pomes aquecida até à incandescência. Anaxágoras considerava-o um ferro quente com o tamanho do Peloponeso. Estranha observação! Os antigos eram tão irresistivelmente levados a considerar a grandeza aparente deste astro como se fosse real, que perseguiram este filósofo temerário por ter atribuído um tal volume ao archote do dia e que foi necessária toda a autoridade de Péricles para o salvar de uma condenação à morte, comutando-a por uma sentença de exílio.»
(*) «A mitologia hindu ensinava que o astro do dia se despojava à noite da luz e atravessava o céu durante a noite com uma face obscura. A mitologia grega representava o carro de Apolo puxado por quatro cavalos. Anaximandro, de Mileto, sustentava em relação a Plutarco, que o Sol era uma quadriga cheia com o fogo muito vivo que teria escapado por uma abertura circular. Epicuro teria, segundo alguns, emitido a opinião de que o Sol se acendia de manhã e se apagava à noite nas águas do oceano; outros pensavam que ele fazia deste astro uma pedra-pomes aquecida até à incandescência. Anaxágoras considerava-o um ferro quente com o tamanho do Peloponeso. Estranha observação! Os antigos eram tão irresistivelmente levados a considerar a grandeza aparente deste astro como se fosse real, que perseguiram este filósofo temerário por ter atribuído um tal volume ao archote do dia e que foi necessária toda a autoridade de Péricles para o salvar de uma condenação à morte, comutando-a por uma sentença de exílio.»
Quando vemos tais ideias expressas no século V antes da era cristã, na época
mais florescente da Grécia, não nos podemos espantar com as que os homens das
primeiras eras tinham sobre o sistema do mundo. (N. do A.)
(**) As unidades de medida usadas pelo autor no
decorrer desta obra são as que se encontravam em vigor em França em meados do
século XIX, altura em que foi escrita. A sua determinação exacta varia de país
para país, ou mesmo de época para época. Contudo, apresentamos
seguidamente os valores comummente atribuídos em França às medidas mais usadas
nesta obra; légua terrestre e marítima – 4,445 km; milha terrestre – 1481,5
m; milha marítima – 1852 m; pé – 33 cm. (N. do E.)
ALLAN KARDEC, A GÉNESE, – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo V, Teorias Antigas e Modernas sobre o
Mundo (de 1 a 14), 22º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria
Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).
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