Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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sábado, 19 de agosto de 2023

~ em torno do mestre


Humildes de espírito ~

  Jesus (i), no sermão da montanha — que bem se pode denominar a plataforma ou o programa de sua obra de redenção — começou proferindo a seguinte sentença: "Bem-aventurados os humildes de Espírito, porque deles é o reino dos céus". (Mateus, 5:3.)

  Porque humildes de Espírito? Bem-aventurados os humildes não seria o bastante? Porque a redundância — humildes de Espírito? Qual o motivo dessa superabundância de palavras? Simplesmente porque há várias formas de humildade; porém, só a de Espírito é que faz jus ao reino dos céus.

  Há pessoas humildes de aspecto, de posição social, de haveres, de profissão, de trajes, de fisionomia, mas que o não são de Espírito.

  Outras há cujas palavras e gestos, manifestando simplicidade e doçura, afecto e humildade, mal-escondem a soberba que domina os seus corações. A verdadeira humildade, como aliás todas as virtudes, vem do íntimo. O exterior nem sempre traduz o interior.

  Há um grande número de maltrapilhos e de mendigos orgulhosos. Existem, outrossim, embora excepcionalmente, exemplos de humildade entre pessoas abastadas, que ocupam posições de destaque. Há também sábios humildes, que constituem honrosas excepções à regra geral que impera entre os letrados e os eruditos. A ignorância petulante e enfatuada é coisa vulgar e corriqueira.

  Até entre os chamados ministros do Cristo se encontram orgulhosos impenitentes, compenetrados da ideia de supremacia e convencidos de que só a eles cabem determinados privilégios de ordem e carácter divinos.

  A moral cristã, em muita gente, não passa da esfera do entendimento, da região puramente mental; jamais atinge o círculo do sentimento, a zona do coração. É do coração, no entanto, que vêm o bem ou o mal, a virtude ou o vício.

  O orgulho, sob os seus aspectos multiformes, é a grande pedra de tropeço da Humanidade. É o pecado original, que os mortais trazem consigo, ao aportarem às plagas deste mundo. Daí a origem de todos os atritos, dissídios e odiosidades que mantêm os homens em atitude de mútuas hostilidades.

  A virtude, como alguém já disse, exclui os cálculos: é espontânea, natural. Os humildes de posição, de saber, ou de haveres estão sujeitos às circunstâncias que os cercam na presente existência. Não há mérito nem virtude por isso, além do modo como suportam e se submetem às inevitáveis condições de precariedade em que se encontram.

  A humildade de espírito, ao contrário, é fruto de uma conquista, de certo estado de elevação moral da alma. E, graças a essa virtude, o Espírito pode avançar com passo seguro na realização dos seus gloriosos destinos. O orgulho não só oblitera o entendimento, senão que impossibilita o Espírito de receber as inspirações e as graças emanadas do alto.

  Não é possível aprender sem possuir humildade de coração. Quem é humilde reconhece que ignora e está sempre pronto a assimilar os ensinamentos que o céu outorga aos mortais, por este ou aquele processo.

  A inibição mental é, as mais das vezes, consequência directa do orgulho. A senda da virtude, como o caminho da sabedoria, só podem ser perlustrados pelos humildes de espírito.

  O orgulho é um entrave do espírito em todos os sentidos. É o legítimo obstáculo às reconciliações, ao perdão, à unidade na fé e na ciência. Consequentemente é o factor da discórdia, desde o simples arrefecimento de afectos, até ao ódio que separa, persegue e mata; é a eterna cizânia, que mantém os homens separados, intranquilos, sobressaltados; é o dispersador de forças e de elementos prestáveis e úteis, que poderiam militar conjuntamente com grande eficiência, em prol das boas causas; é finalmente, o fermento que neutraliza as intenções e as aspirações elevadas de muitos, conservando-os na esterilidade.

  Razão, pois, de sobra assiste ao divino Instrutor da Humanidade, subordinando à humildade de espírito todas as bênçãos celestes, como também o acesso aos tabernáculos eternos.

Tentação ~

  1ª FORMA: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães, visto que tens fome.

  Resposta: Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. (Lucas, 4:3 e 4)

  Moralidade: A fraqueza da carne é uma das portas abertas às tentações. Por ela o Diabo penetra, agindo com grande êxito. Essa porta denomina-se luxúria ou incontinência, gulodice ou intemperança e, tudo o mais que se relaciona com as sensações físicas, cuja sede é a matéria.

  É do domínio da carne sobre o espírito que se originam todos os vícios repugnantes, tais como o alcoolismo, a concupiscência, a gula, o tabagismo, a cocainomania.

  O corpo, quando não é dirigido pelo Espírito, destrói-se a si mesmo através das continuadas sensações e exaltações a que se submete. Daí o dizer profundamente sábio do Mestre: Aquele que muito quer gozar a vida, perdê-la-á; o que renunciar, porém, à vida, por amor de mim, ganhá-la-á.

  Todas as doenças têm origem nas fraquezas da carne, as quais levam o homem a transgredir constantemente as leis de higiene, leis naturais e, por isso mesmo, religiosas. A enfermidade é herança do pecado — reza o Evangelho.

  A matéria não raciocina, não tem inteligência nem discernimento. É sede, apenas, de sensações. Do abuso dessas sensações nascem as exigências caprichosas da animalidade, as quais arrastam o homem ao pélago dos vícios e à voragem do crime.

  Como sair de tal situação? como dominar a carne, fechando assim ao "Diabo" uma das portas por onde tantas vezes consegue levar a cabo os seus malévolos intentos?

  Vence-se a carne não lhe concedendo tanta atenção, não atendendo aos seus arrastamentos e caprichos; fortificando, enfim, o Espírito com o pão do céu, que é a palavra de Deus, a verdade eterna revelada ao mundo pelo seu Verbo humanado — Jesus-Cristo.

  Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (1), eis de que os homens se esquecem, embevecidos como geralmente andam com os cuidados do corpo. Os que só vivem da carne e para a carne, ficam sujeitos às fraquezas da carne.

  O remédio é a palavra de Deus — é o pão do Espírito, pois este, como o corpo, também tem fome e tem sede, necessidades estas que precisam ser satisfeitas. Fortalecer ao máximo o Espírito, dando ao corpo tão somente o necessário para sua conservação — eis a chave com que se cerra para sempre uma das portas por onde o "Diabo" costuma penetrar. Assim procedendo, curaremos também da matéria. Graças à direcção do Espírito, o corpo se embelezará, far-se-á forte, alcançando longevidade acentuada.

  2.ª FORMA: Galgando o pináculo do templo, disse-lhe o Diabo: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque escrito está: Aos seus anjos ordenará a teu respeito e, eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares em alguma pedra.

  Resposta: Também escrito está: Não tentarás o Senhor teu Deus. (Lucas, 4:9 a 12.)

  Moralidade: O orgulho com as suas modalidades — presunção, arrogância, vaidade, soberba — constitui a segunda porta por onde o Diabo ingressa, arrastando o homem a quedas desastrosas.

  O orgulho é um desafio que o homem faz à Divindade. Desse acto de insânia ele sai sempre vencido e desapontado.

  Daí a justeza desta sentença evangélica: Aquele que se exalta será humilhado.

  Nenhuma paixão exerce tão nefasta influência sobre o homem como o orgulho, cujas raízes estão mergulhadas nas profundezas do egoísmo. Por esta razão é difícil vencê-lo, como também porque assume aspectos multiformes e enganadores.

  O orgulho não é peculiar somente à gentilidade. Ele invade a região da fé, penetra o coração do crente, chegando mesmo a alimentar-se da própria crença de suas vítimas.

  E de quantas formas se reveste! Ora é a cólera rubra que cega o entendimento, que enfurece ao ponto de nivelar o homem à fera bravia. Ora é a presunção arrogante que lhe oblitera a mente e calcina as fibras do coração. Ora é a confiança ilimitada em si mesmo, em pretensos dons e qualidades, na infalibilidade de seus juízos próprios, na superioridade excelsa de sua inteligência. Ora, ainda, na exagerada susceptibilidade de sentimentos, descobrindo por toda a parte desatenções, ofensas e desprezo à sua augusta personalidade. Ora, finalmente, na atitude de hostilidade ou desdém para com todos os empreendimentos e todos os feitos onde a actuação própria não foi exercida, onde o seu juízo não foi emitido nem consultado.

  E, assim, o orgulho envolve o homem numa trama perigosa e traiçoeira, chegando ao prodígio de fazer com que haja quem se orgulhe de ser bom, de possuir certas virtudes e até de ser humilde!

  Se és Filho de Deus, lança-te do pináculo abaixo, pois os anjos te ampararão: eis o desafio dirigido a Deus, às suas leis sábias e imutáveis. É como se dissesse: Homem, és santo e bom; és poderoso e sábio; não deves temer os males, sejam eles quais forem.

  Não te deves incomodar com coisa alguma; não é preciso providência, nem cautelas, nem prudência. Deixa o vigiar e orar para os fracos e pusilânimes; os anjos velarão por ti, impedindo que sejas vítima de mistificações, evitando, enfim, que qualquer dano possa alcançar-te. Arroja-te, sê ousado e intimorato; tens em ti mesmo todo o poder, todo o valor, toda a sabedoria! Assim fala o orgulho, desafiando as leis naturais e provocando a reacção que se não faz demorar: a humilhação do orgulhoso.

  Como nos livrarmos de inimigo que se mascara assim para nos vencer?

  Guardando na mente e no coração a advertência do Mestre: Não tentarás o Senhor teu Deus, isto é, serás sempre humilde, reconhecendo a tua ignorância e fraqueza, através do estudo constante que deves fazer de ti mesmo; agirás sempre com prudência e calma, prevenindo tudo o que estiver ao teu alcance e jamais abusando dos dons e faculdades de teu Espírito; orarás e vigiarás constantemente, pois assim estarás estabelecendo a tua comunhão com a fonte de todo o poder que é Deus, esse Deus a quem nunca desafiarás deixando-te possuir da louca pretensão de submetê-lo aos teus caprichos e veleidades. Dessa sorte, terás fechado outra porta por onde o "Diabo", a cada passo, penetra, invadindo os teus domínios.

  3.ª FORMA: De novo o Diabo o levou a um monte muito alto e, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e, disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.

  Resposta: Vai-te Satã; pois está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e, só a ele darás culto. (Mateus, 4:8 a 10.)

  Moralidade: A cobiça, a ambição desmedida o apego às riquezas e à fascinação do poder e das glórias mundanas são, em conjunto, a terceira porta aberta às investidas do Diabo.

  Ser idólatra não importa somente no feiticismo que consiste em render culto às imagens. A idolatria mais perniciosa é aquela que se verifica na avareza, no apego às temporalidades, na sede de poder e de gloríolas do século; e, finalmente, na adoração de si mesmo ou egolatria.

  Indescritíveis e inumeráveis são os crimes perpetrados no mundo pela ambição aliada à cobiça. Crimes individuais e crimes colectivos. As guerras cruentas que ensoparam a Terra, por vezes, de sangue e de lágrimas, estendendo o negro véu da viuvez e da orfandade sobre milhares de mulheres e crianças, não têm outra origem, nem outra explicação além da cupidez de corações ávidos de ouro e de pruridos de hegemonia.

  As barreiras alfandegárias que encarecem e dificultam a vida das nações; o despotismo dos governos imperialistas; as tiranias oligárquicas e ditatoriais; todos os vexames e sacrifícios que se têm imposto impiedosamente aos povos, são legítimos frutos dessa insaciável sede de domínio, de glórias e de supremacias, sede maldita que oblitera a razão e destrói as fibras do sentimento humano.

  Por isso, dizia o Apóstolo das gentes:

  A raiz de todos os males é a cobiça.

  E aconselhava: Não vos fascineis com as grandezas: acomodai-vos às coisas humildes.

  Satã entronizou o bezerro de ouro e, com esse manipanso vai enlouquecendo homens e nações. Do alto do monte das ambições o "Diabo" tem precipitado indivíduos e povos, depois de lhes haver prometido o sempre cobiçado domínio da Terra. No que respeita ao passado, sabemos que a Babilónia, o Egipto, a Grécia e a Roma dos Césares se despenharam no abismo. Quanto ao presente, vimos os Impérios Centrais, qual nova Cafarnaum, querendo galgar as nuvens, cair no pó.

  Cumpre, portanto, fecharmos a terceira porta atendendo ao conselho do Mestre: Ao senhor teu Deus adorarás e, só a ele darás culto.

  Adorar a Deus e só a ele prestar culto significa amar o próximo como a si mesmo e viver segundo a justiça. Esta é a realidade da vida. O "Diabo" continua, hoje como ontem, iludindo o homem com falaciosas promessas. O mundo não é propriedade do Diabo nem o será jamais dos ambiciosos. O homem é apenas usufrutuário da Terra por tempo incerto e limitado. O melhor uso que ele pode fazer de sua estada, nesta estância da vida, é iluminar o Espírito e fortalecer a vontade, fechando ao Diabo as portas da fraqueza da carne, do orgulho e da cobiça.

  Desse modo proclamará a sua independência, adorando e servindo a Deus através do culto da justiça, do amor e da verdade.

Ressurreição ~

  Vivemos no mundo da ilusão. A verdade não está naquilo que vemos, mas precisamente no que não vemos. Atrás do que cai sob o domínio de nossos olhos é que ela se oculta. Jogando com as faculdades do Espírito e, não com os sentidos, é que se surpreende a realidade das coisas.

  Ainda hoje há muita gente que supõe a Terra fixa, porque não a vê mover-se. Outros há que imaginam as cores como propriedade dos corpos; e se lhes dissermos que as cores não existem, são aparências ou impressões particulares produzidas na retina pela luz, segundo a sua natureza própria ou segundo a maneira como é reflectida pelos corpos duvidarão da nossa integridade mental.

  São conhecidos os fenómenos denominados — miragem — que se observam nos desertos arenosos da África, onde o viandante, por ilusão de óptica, vê nitidamente na atmosfera a imagem de objectos distantes e, até mesmo cidades, oásis, lagos, etc. E assim somos enganados a cada instante pelos nossos sentidos a propósito daquilo que nos afecta como expressão de realidade e, não passa de ficções...

  Dentre todas as ilusões que nos cercam, a maior e a de mais sérias consequências é a morte. Nada nos parece mais real e verdadeiro do que ela. É o epílogo fatal da vida, segundo o juízo geral. A própria ciência oficializada, longe de combater esse funesto erro, é a primeira a fortalecê-lo, apresentando pretensas documentações em seu abono. Não lhe aproveitam, neste particular, os exemplos do passado com respeito às muitas quimeras e fantasias sustentadas e difundidas como dogmas intangíveis pelo ensino escolástico da época.

  E, por ser assim, a morte, no sentido em que é considerada, vem gozando foros de realidade inconteste, de facto inconfundível e inexorável, não passando, no entanto, da maior de todas as ilusões de que a Humanidade tem sido e continua sendo vítima.

  Já disse alguém, com bastante justeza, que a pior mentira é a que mais se parece com a verdade. A morte está exactamente nesta condição; parecendo, segundo todos os aspectos, a última palavra no cenário da existência humana, não é mais que simples dissimulação da vida.

  A vida — eis a realidade verdadeira. É ela que vence, é ela que triunfa sempre, sobrepondo-se a todas as metamorfoses, a todas as contingências a que se submete na sua maravilhosa trajectória pela senda da eternidade.

  A vida não é o que vemos: o que vemos são apenas as suas manifestações através das formas organizadas. Quereis saber o que é a alma? dizia Santo Agostinho, olhai um corpo sem ela, O corpo com todos os seus órgãos; o corpo intacto, completo e perfeito não passa de um cadáver se lhe escapa a alma, sede da vida. Sem que lhe falte coisa alguma do que se vê, falta-lhe tudo, porque lhe falta a vida que se não vê.

  A semente nos oferece outro exemplo edificante. Divida-se em algumas fracções uma semente em óptimas condições germinativas. Reunindo cuidadosamente essas partes, sem que das mesmas se perca a mais insignificante parcela, reconstitua-se a semente e, lance-se à terra: jamais germinará. Porquê? Porque ao fragmentá-la evolou-se aquilo que os nossos olhos não vêem e, que é tudo: a vida.

  A vida não é a forma organizada, por mais complexa que essa forma seja. Ora, como vemos a forma e não vemos a vida que a anima, tomamos, por isso, o efeito pela causa, concedendo à morte o império sobre a vida, quando, na verdade, é esta que fatalmente reina sobre aquela.

  Difícil, no entanto, tem sido convencer o homem deste facto. A ilusão da morte dominou-o de tal maneira que ele se obstina em considerá-la como flagrante realidade.

  Sendo a ressurreição, como é, um fenómeno natural que a cada instante se opera, no meio em que nos encontramos, é ainda considerada como utopia pela ciência mundana e, como milagre pela fé dogmática.

  A passagem do Homem-Deus pela Terra, assinalando o acontecimento mais extraordinário da História humana, teve por objecto, em síntese, revelar ao homem a imortalidade através de um testemunho positivo, palpável, categórico.

  Jesus (i) veio a este mundo exemplificar o poder da vida sobre a morte; morreu para que todos vissem como se morre; ressuscitou para que todos vissem como se ressuscita. O epílogo de sua existência terrena não foi a agonia do Calvário: foi a ascensão de Betânia. Da mesma sorte, o triunfo majestoso do seu ideal não se verificou no patíbulo da cruz, mas sim nas suas aparições a Madalena, aos dois peregrinos de Emaús e, finalmente, aos apóstolos no cenáculo de Jerusalém.

  O Cristianismo é, por excelência, a religião da vida em oposição às religiões da morte. "Deixai aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos. Deus, não é Deus de mortos: para Ele todos vivem" — assim predicava o Mestre divino. Não obstante, os seus discípulos, testemunhas oculares da imortalidade manifesta no seu Mestre, dificilmente se renderam à evidência dessa revelação, a maior certamente de todas que, na sua misericórdia, o céu tem outorgado à Terra.

  Paulo (i), o insigne pioneiro da nova fé, convertido pelo Cristo redivivo, insistia continuamente sobre a imortalidade, fazendo girar em torno desse assunto todas as suas prédicas e epístolas.

  Jesus (i) ressuscitou: eis a nova alvissareira para a Humanidade Eis a esperança — mais que a esperança — eis a fé; mais que a fé, eis a certeza, eis o facto positivo e palpável da continuidade da vida além do túmulo.

  É necessário, acentuava o Converso de Damasco, que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade; que esta forma mortal se revista de imortalidade. Semeia-se em vileza, ressuscita-se em glória. O derradeiro inimigo a vencer é a morte. Quando, pois, este nosso corpo perecível e mortal se revestir de glória e de imortalidade, então diremos: tragada foi a morte na vitória! Onde está, ó morte, o teu poder?

  São essas palavras de vida que as vozes do céu hoje rememoram, anunciando e testemunhando mais uma vez a eterna verdade; nada morre, nada se extingue, nada se aniquila na Natureza. É a vida e, não a morte, que domina a criação, entoando o cântico sublime da imortalidade. É o Espírito que vence a morte e, não a morte que vence o Espírito.

  A própria matéria não é destruída na mais pequenina parcela. O seu aniquilamento é aparente, é ilusório; as formas se desfazem para se organizarem em seguida sob aspectos novos e mais aperfeiçoados. A ressurreição é a aurora perenal que envolve o Universo; é o sol da vida, sol sem ocaso, pairando majestoso no Levante sempiterno.

  Hosanas a Jesus ressuscitado, imagem da vida eterna, testemunho vivo da imortalidade, símbolo da vitória do Espírito sobre as formas perecíveis!

  Tu és, como bem o disseste, a ressurreição e a vida; o que crê em ti, ainda que esteja morto, viverá; e todo o que vive e crê em ti, nunca morrerá!

/...
(1) Deus/Inteligência organizadora. Adenda desta publicação.

"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.”

                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius”


Pedro de Camargo “Vinícius” (i), "Em torno do Mestre", Primeira Parte / Seixos e Gravetos; Humildes de espírito / Tentação / Ressurreição, 17º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer)  

domingo, 5 de março de 2023

~ em torno do mestre


«Nil novi sub sole» (*) 

(*) Nada de novo sobre o sol 

 "Estando a festa Já a meio, subiu Jesus ao templo e se pôs a ensinar. E se maravilhavam, então, todos, dizendo: Como sabes estas letras, sem teres estudado? Jesus então retorquiu dizendo: O ensino que vos dou não é meu, mas daquele que me enviou... Não falo por mim mesmo. Quem fala por si mesmo procura a sua própria glória; mas, quem procura a glória de Deus esse é verdadeiro, não há nele dolo nem iniquidade... Quem crê em mim não é em mim que crê, mas naquele que me enviou. Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma... Graças te dou a ti, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos doutos e as revelaste aos pequeninos." 

 Como é diferente o critério de Jesus do dos homens, em relação ao saber, aos conhecimentos adquiridos e aos feitos realizados! 

 O homem procura a fama, a notoriedade pessoal, a sua própria glória. Jesus, ao ser admirado pelo povo que o escutava; ao observar o efeito maravilhoso que o seu verbo produziu na mente e no coração das assembleias a quem se dirigia, exclama: "O ensino que ministro não é meu, mas daquele que me enviou." 

 Ao contrário dos homens, que se jactam dos louvores que recebem, enchendo-se de vaidades, o divino Mestre tira de si qualquer mérito que lhe pretendam conceder, declarando com toda a sinceridade: "Eu não posso, de mim mesmo, fazer coisa alguma!" 

 Às expressões de admiração e surpresa, partidas dos seus ouvintes, em gestos espontâneos e incontidos, ele retruca: "Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou." 

 Aos enfermos que, restabelecidos por ele, se mostravam gratos, dizia invariavelmente: "A tua fé te curou." 

 Sim, a tua fé, não eu! Quanta sabedoria em toda essa sublime renúncia, em todo esse excelente altruísmo! Quanta sabedoria, insistimos, por isso que, ao lado da elevada moral que essa atitude revela, existe a consciência de um profundo saber. Senão, vejamos. De que é que os homens tanto se ufanam? De suas descobertas? Mas, aquilo que se descobre é precisamente o que já existe. Tudo o que é real e verdadeiro, tudo o que é positivo e indestrutível, sempre existiu, é eterno. Logo, de que se vangloriam os homens? 

 Newton (sábio de valor e que foi modesto) descobriu a lei da atracção e da gravidade dos corpos, lei tão antiga como o próprio Universo, do qual a Terra é parcela ínfima. 

 Harvey descobriu que o sangue circula pelas redes venosas e arteriais. Não obstante, o sangue sempre circulou desde que há formas de vida organizadas no orbe terráqueo. 

 Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, torrão que em todos os tempos fez parte de um dos continentes. Colombo descobriu a América, região que, a seu turno, jamais deixou de fazer parte deste planeta. 

 Koch descobriu o micróbio da tuberculose; Hansen, o da lepra; porém, tais bacilos coexistem com aquelas enfermidades. A lepra vem de eras imemoriais. Já no tempo de Moisés havia leprosos no mundo. Oxalá houvessem aqueles sábios descoberto, ao invés do micróbio, a cura de tão terríveis mórbus. 

 Não pretendemos com estas considerações negar o merecimento a que fazem jus todos os que porfiam e lutam na esfera das evidências e das pesquisas científicas de qualquer natureza. O que apenas queremos é deixar patente a relatividade dos méritos em tais casos, mesmo quando a descoberta seja fruto de esforços acurados. 

 O próprio vocábulo — descobrir — já está previamente declarado tratar-se de algo existente, apesar de ignorado. O homem devia antes mostrar-se desapontado, por haver enxergado tão tarde aquilo que é de todos os tempos. E quando se trata de descobertas de carácter fortuito como a de Cabral? E quando são obra de um momento, como a de Newton

 Não há nada de novo debaixo do Sol, diz a sabedoria de Salomão. (i) O homem, com as novas que, por misericórdia, lhe vão sendo reveladas do alto, faz como as galinhas. Estas, cada vez que põem um ovo, desandam em alarido, acompanhadas pelos galos e outros galináceos da capoeira. No entanto, o papel da galinha, em relação à postura de ovos, é relativamente secundário, por isso que ela não é criadora, mas simples incubadora do ovo, desde o início de sua formação até à postura. Depois, é ainda pela incubação exterior que a galinha se presta ao choco e consequente ao aparecimento do pinto. Tanto a formação do ovo, como a sua evolução até ao pinto, são fenómenos que se sucedem e se encadeiam à revelia da galinha. 

 Da mesma sorte, tudo o que é real, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é permanente, tudo o que é luz, tudo o que é sabedoria, tudo o que é belo, tudo o que é virtude, tudo o que é vida, vem de Deus, é eterno, coexiste com o Supremo Arquitecto do Universo. 

 O homem não pode coisa alguma, se do céu não lhe for dado, afirma com justeza João Baptista

 O que de facto é do homem é aquilo que passa, que é instável e efémero. O que, infelizmente, para o homem, é sua genuína produção, é a guerra com os seus horrores; é a enfermidade com seu cortejo de angústias e gemidos; é a tirania, a iniquidade, o ódio, o ciúme, a cobiça, o vício, o crime e todas as demais expansões do egoísmo: isso tudo é dele, é obra sua, é seu engenho, sua criação. Pretenderá o homem envaidecer-se de tais feitos? 

 E a sua ciência? A sua ciência, após complicados circunlóquios, termina invariavelmente na força e na matéria, elementos estes que ele continua ignorando o que sejam. Quereis mais de sua ciência? Eis aqui: O que é a electricidade? É movimento. O que é a luz? É movimento. O que é o som? É movimento. Com definições tais a ciência do homem pretende haver resolvido todas as questões e todos os problemas da vida; mas, continua negando a Deus, sob o pretexto de o não compreender! 

 Bendito seja o Senhor do céu e da terra, por haver ensinado esta lição aos simples e pequeninos, ocultando-a aos doutos e eruditos! 

 Quando deixará o homem esse personalismo vaidoso e estiolante? Quando desistirá ele de tirar patentes de invenção e requerer privilégios? Porquê tanto cacarejar? 

 Ó Salomão onde estás, que não vens proclamar ainda mais uma vez esta verdade: Nil nove sub sole!

 (*) Nada de novo sobre o sol 


Amor e amores ~ 

 Os homens conhecem muitos amores: o amor materno, o amor filial, o amor conjugal, o amor fraterno, o amor platónico, o amor da pátria, o amor divino, etc, etc. 

 E, talvez por isso mesmo, ignorem o que seja o amor propriamente dito. O amor sem complementos, desacompanhado de todas as adjectivações, essa força que preside à harmonia do Universo; o amor, simplesmente amor. 

 Da ignorância em que os homens vivem do único amor, origina-se a causa de todos os seus males e sofrimentos. 

 Os amores apendiculados não resolvem os problemas da vida, antes os complicam. Alguns chegam a ser nocivos e perigosos. Aquele que se denomina conjugal responde quase sempre pelos divórcios e pelas tragédias domésticas, não raras vezes sanguinolentas. É muito provável que a sua benéfica influência explique a razão por que os cônjuges, neste mundo, raras vezes se entendem. 

 Esse mesmo tipo de amor, quando ainda nos pródromos da conjugação, costuma ter o seu epílogo nos necrotérios, através de dois crimes: assassínio e suicídio. Chama-se a isso — drama passional, ou delitos por amor! Blasfémia! 

 Do amor fraterno resulta que os filhos dos mesmos pais, que juntos cresceram sob o mesmo tecto, se desestimem e até mutuamente se hostilizem. Os que se querem constituem excepção. 

 O amor da pátria gera as dificuldades e os graves problemas internacionais, as crises económicas, para cuja solução determina a queima de produtos indispensáveis à vida humana, tais como o trigo, o café, o petróleo, etc.; esquecendo-se de que há carestia, fome e nudez em várias regiões do globo. 

 Faz mais ainda esse decantado amor: emprega a maior parte das arrecadações, extorquidas ao povo, na manutenção de exércitos aparelhados com tudo quanto a arte de matar e destruir tem produzido de mais aperfeiçoado. E, de vez em quando, açula essas matilhas de lobos umas contra as outras em cruentas lutas, ensopando a terra de sangue e de lágrimas, quando ficou estabelecido pelo Senhor dos mundos que o solo fosse regado com o suor do rosto. 

 O dito amor divino (que dele o céu nos defenda) criou abismos de separação entre os membros da família humana. Não contente com isso, inventou a Inquisição, as Cruzadas e a noite de S. Bartolomeu! 

 Decididamente, os tais amores (salvo as excepções que transcendem para o amor propriamente dito, pois tais modalidades constituem um meio para atingir aquela finalidade) são desastrosos. 

 Certamente, prevendo tudo isso é que o Divino Instrutor da Humanidade, depois de muito haver falado e exemplificado acerca do amor (sem complementos, nem apêndices), terminou dizendo aos seus discípulos: Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. 

 A novidade do mandamento está no modo como ele ama. O seu amor é diferente dos muitos amores já bem conhecidos, em todos os tempos, nesta sociedade. 

 Deus é amor. Portanto, o verdadeiro amor é uno com o verdadeiro Deus. O politeísmo, como o amor polimorfo, gera a confusão. Não podemos servir ao Deus uno, alimentando ideias exclusivistas e sentimentos sectários, é por isso que todas as coisas e todos os seres são obras suas e reflectem sempre, de uma ou de outra maneira, a divina presença. 

 O mesmo sucede no que respeita ao culto do amor. Este nobre sentimento em tudo palpita, pois, em essência, é a mesma vida universal que anima a infinita criação. Por isso, podemos senti-lo na estrela que refulge no azul do céu, no perfume da flor, na gota de orvalho que tremula na relva, no canto do passaredo, no sorriso da criança... 

 Tal é a moralidade daquele mandamento a que Jesus chamou novo há vinte séculos e, que novo contínua a ser hoje, porque ignorado e não praticado. 

 É tempo de aprendê-lo, cultivando o amor, até que adquiramos o hábito de amar; até que nos tornemos, como Jesus, filhos do AMOR 


A nossa loucura ~ 

 É vezo dos adversários do Espiritismo, particularmente da clerezia com e sem batina, acoimar de loucos os profitentes daquele credo. 

 Não se encontra em qualquer tratado de psiquiatria fundamento algum em que repouse semelhante aleive. Os especialistas na matéria sempre que se manifestam serenamente, quer nas obras que tratam do assunto, quer em artigos avulso pela imprensa, apontam, como factores principais da loucura, a sífilis, o alcoolismo e a toxicomania. 

 É possível que certos elementos interessados na difamação do Espiritismo consigam, por encomenda, alguma opinião de profissionais, favorecendo-lhes os intentos. Tais pareceres, porém, reclamados por interesses subalternos de momento, não têm valor científico nem idoneidade moral. Falecendo em documentos dessa natureza aqueles requisitos, não podem ser os mesmos levados a sério. 

 De outra sorte, é público e notório que há inúmeros casos de insânia em pessoas pertencentes a outros credos e, mesmo no seio de famílias adversárias, irreconciliáveis da doutrina espírita. Este facto, bastante eloquente e significativo, destrói por si só a falsa imputação a que nos vimos aludindo. 

 Contudo, o estribilho continua: o Espiritismo faz loucos; na casa onde entram os livros espíritas, entra o gérmen da loucura. 

 Diante dessa insistência, concluímos que algum motivo devia existir para corroborar o referido remoque. E, de acordo com o conselho evangélico — procurai e achareis —, chegamos a desvendar o mistério com grande satisfação para nós, vítimas da cruel e pertinaz insinuação. Quando se aclarou na nossa mente o enigma, quase bradamos como Arquimedes: Eureca! Eureca! 

 Vamos, portanto, revelar aos leitores a nossa descoberta. 

 Como é sabido, procura-se por natural instinto de curiosidade, muito próprio da psicologia  humana, saber o móbil que determina a conduta de certas pessoas ou de certa classe de indivíduos cujo proceder destoa do modus vivendi da maioria. O móbil que determina os actos do homem, segundo o critério geral, é, invariavelmente, o interesse; interesse que pode ser directo ou indirecto, presente ou remoto, de natureza material ou moral, mesquinho ou elevado, mas sempre interesse. 

 Ora, os detractores do Espiritismo tornaram-se detractores dessa doutrina precisamente porque não conseguiram descobrir onde o interesse que move os espíritas através dessa actividade fecunda e constante a que eles se entregam. Indagando, perscrutando e investigando meticulosamente, por todos os meios, onde o interesse oculto dos espíritas, nada encontraram. Daí concluíram, aliás logicamente, por estar de acordo com os costumes do século, que só a loucura poderia explicar o ardor com que se debatem os adeptos do Espiritismo em prol dos ideais que esta doutrina encarna. 

 O fenómeno não é novo. Já no início do Cristianismo, os primitivos discípulos da nova fé passaram também como insanos e como elementos perigosos à ordem social, motivo por que sofreram as mais cruéis e dolorosas perseguições. 

 E, realmente, os que tomam os espíritas como desequilibrados têm razão, segundo o critério da época. Senão vejamos. 

 Qual é o móbil que agita os apóstolos do Espiritismo? Onde está o interesse a que visam? Económico, não é visto como os seus evangelizadores agem por conta própria, não percebem emolumentos nem ordenados por via directa ou indirecta, de quem quer que seja. Não fazem jus tão pouco a títulos honoríficos quaisquer. 

 São antes, ridicularizados pela atitude que assumem na sociedade. Recompensa futura, na outra vida, também não pode ser invocada como justificativa, porque a doutrina espírita reconhece e adopta a lei da causalidade, isto é, a lei das causas e efeitos mediante a qual todo o erro, falta ou crime cometido, há de recair fatalmente sobre o seu autor. O espírita não crê nas indulgências plenárias ou parciais nem no perdão no sentido de anulação da culpa. Crê na graça divina como auxílio, como a colaboração dos fortes em favor dos fracos; dos que sabem, em prol dos que ignoram. 

 Ora, do exposto se conclui claramente que os espíritas não lutam por motivo algum que se ligue ao interesse. Os seus divulgadores não percebem côngruas nem dízimos; são comumente lesados nos seus interesses particulares por questões de intolerância do meio em que vivem. Não fazem jus, como já vimos, a honras e distinções; são, antes, espezinhados e escarnecidos. Não pretendem alcançar favores e privilégios no céu. Que podem ser, então, tais pessoas senão vítimas de loucura? Onde já se viu destoar assim do século em que vivem? Que significa agir fora da órbita traçada pelo egoísmo e proceder em desconformidade com a grande maioria? Loucura rematada, não há dúvida nenhuma. 

 Por isso, parodiando o Apóstolo da gentilidade (i), dizemos: Anunciamos uma doutrina que é loucura para os gregos (materialistas) e escândalo para os judeus (sectários). 

 O Cristo de Deus fez jus ao mesmo qualificativo. 

/…  

"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.” 

                                                                                 Pedro de Camargo “Vinícius”        


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição / O sumo bem / As milícias do Céu, 16º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer)  

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

~ em torno do mestre


A grande lição ~ 

  De todos os prismas e aspectos sob os quais Jesus é visto e estudado, o de Mestre é, a nosso ver, aquele que de mais perto nos interessa e que melhor define a sua missão junto da Humanidade. 

  De facto, Jesus se apresenta no cenário terreno como mestre. Por isso teve discípulos e se ocupou em ensiná-los pela palavra e pelo exemplo. Segundo as suas categóricas afirmativas, em tal se resumia e se condensava a suprema razão de sua passagem por este orbe. 

  Mas, que teria ele vindo ensinar aos homens? Que matéria, que disciplina seria aquela que justificou e determinou a encarnação do Verbo divino? 

  A propósito de tão magno assunto, assim se exprime o padre Vieira

  “A Sabedoria divina descendo do céu à Terra a ser Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande universidade do mundo e a ciência que professou foi só ensinar a ser santos e, nenhuma outra. A retórica, deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a filosofia, aos Platões e aos Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos Euclides; a médica, aos Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Solões e aos Licurgos; e para si tomou só a ciência de ensinar o homem a ser bom e justo, honesto e amorável.” 

  Diz bem o grande tribuno lusitano. Na realidade, Jesus veio ensinar aos homens a ciência do bem. Esta matéria, porém, como, aliás, todas as disciplinas, deve ser ensinada mediante determinado método, obedecendo às leis ou aos princípios pedagógicos que regem a arte e a ciência de educar. 

  Assim como a alfabetização é a primeira etapa de toda a instrução, da mesma forma a ciência do bem tem o seu ponto inicial, a sua primeira fase, sem cujo conhecimento não se pode prosseguir. 

  Esse primeiro passo chama-se humildade. É por isso que o Verbo divino, ao baixar à Terra, deu, desde logo, com o seu nascimento no estábulo de Belém, o mais frisante exemplo daquela virtude. 

  Mais tarde, iniciando as suas predicações com o Sermão da Montanha, o ensinamento preliminar transmitido foi o seguinte: Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 

  Seguindo as suas pegadas, vamos encontrá-lo admoestando os seus discípulos, entre os quais havia surgido a ideia de supremacia, com as seguintes palavras: 

  “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes humildes como uma criança, não entrareis no reino dos céus... Sabeis que entre os gentios há príncipes e vassalos e, entre eles os grandes exercem autoridade sobre os pequenos. Não é assim entre vós: mas, quem quiser tornar-se grande no vosso meio, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro, seja o servidor de todos, tal como o próprio Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir.” 

  Logo depois, ei-lo a destacar o mesmo ensino, através desta tocante exclamação: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Só assim encontrareis descanso para as vossas almas.” (Mateus, 11:29.) 

  Percutindo na repisada tecla, encontramo-lo a urdir a parábola do fariseu e do publicano, ambos orando no templo. O primeiro da seguinte maneira: “Meu Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem mesmo como aquele publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, porém, estando a alguma distância, não ousava nem mesmo levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim pecador.” Digo-vos que este desceu justificado para a sua casa e, não aquele; porque todo aquele que se exalta será humilhado, mas todo aquele que se humilha, será exaltado." (Lucas, 13:12 a 15.) 

  Insistindo ainda no mesmo ensinamento, vemos o Mestre, nas vésperas de seu sacrifício, prosternado diante dos discípulos, na atitude de servo, lavando-lhes os pés e fazendo-lhes esta solene observação: “Compreendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, sendo Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros; porque vos dei o exemplo, a fim de que, como eu fiz, assim façais vós também.” (João, 13:12 a 15.) 

  Finalmente, chegando o momento supremo, a hora de ser crucificado, o Verbo Divino deixa-se cravar no madeiro infamante, entre ladrões, coroando, com esse acto, a série de exemplificações sobre a importante matéria que constituiu o pivô em torno do qual giram os magistrais ensinamentos que legou à Humanidade. 

  Entre a manjedoura e a cruz — o alfa e o ómega do Cristianismo — vemos refulgir, em caracteres indeléveis, a grande lição que ainda não aprendemos: Humildade


O sumo bem ~ 

  Distribuir o pão do Espírito é, incontestavelmente, a caridade por excelência, o bem excelso que nos é dado fazer à Humanidade. 

  Não existe outro meio de atendermos às grandes necessidades do homem. Não há fortuna bastante vultosa para acudir aos reclamos materiais de todos os indigentes, de todos os sofredores e miseráveis. Demais, o pão do corpo tem que ser distribuído todos os dias, continuamente, aos mesmos indivíduos. Só o pão do Espírito, uma vez ingerido, sacia para sempre. Só a água viva aplaca a sede por completo e se transforma em fonte interior, manando para a eternidade. 

  As necessidades do corpo são insaciáveis e complexas. São insaciáveis, porque quotidianamente se apresentam sob os mesmos aspectos. São complexas, porque são várias e múltiplas. O pão para a boca é de todos os dias. O vestuário e o calçado se rompem e consomem, reclamando reformas constantes. O tecto, que serve de abrigo ao corpo, está sujeito à acção das intempéries, exigindo reparos de certo em certo tempo. As enfermidades são multiformes: surgem do interior e vêm também do exterior. A cura de uma, quando possível, não evita o aparecimento de outra. Se este está farto, aquele está nu. Esta criança goza de saúde, aquela não tem ninho onde se refugie, nem afectos, nem aconchegos. Esta mulher tem roupa e pão mas é enfermiça e fraca. É assim, ora o pão, ora o fato, ora o lar, ora o médico e o remédio. — os reclamos do corpo jamais cessam e nunca se resolvem. 

  O pão do espírito soluciona todos os problemas. Quanto mais o espalhamos, mais se aumenta no nosso celeiro. Esse pão não está sujeito às contingências do número; não tem peso, nem tem medida. Atira-se às multidões às mancheias; todos o apanham e dele se servem, segundo as suas necessidades pessoais. É, ao mesmo tempo, alimento vestuário, calcado, tecto, lar, saúde, conforto, consolação, coragem, fortaleza. É tudo, porque é luz. Só a luz revela as causas dos nossos males. Sublata causa, tollitur effectus. Tudo preenche, porque é amor; só o amor encerra em si mesmo a plenitude das plenitudes. 

  O pão do Espírito é maravilhoso. Nunca se acaba nas mãos de quem o recebe; multiplica-se nas mãos de quem o espalha. Com cinco desses pães Jesus saciou mais de cinco mil famintos. E não precisava de tantos: bastava-lhe um somente. Tanto assim, que restaram ainda doze alcofas de sobejos. Este prodígio é a alegoria do pão do céu, que Ele trouxe ao mundo, para sanar todos os seus males e flagelos. Da distribuição de semelhante pão é que incumbiu aos seus discípulos. Quando estes consideraram os milhares de estômagos vazios, assediando o Mestre no deserto, disseram-lhe: Despede-os, Senhor; já vai o dia em declínio e, onde acharemos pães para tanta gente? Alimentai-os, respondeu o Cristo de Deus. Eles, porém, não perceberam de que espécie de pão Jesus falara. 

  Por isso, está o mundo até hoje cheio de famintos, de nus, de enfermos, de órfãos, de viúvas, de indigentes e de miseráveis. Ainda não se deu conta do único meio de atender e assistir a todos esses carecentes. Já não há hospitais, nem médicos, nem remédios para tantos enfermos. Não há asilos para tanta orfandade e para tantos desamparados. Não há pão para tantos famélicos, nem há tectos para tantos desabrigados, nem há fatos para tanta nudez, nem há consolação para tantos aflitos, precisamente porque escasseiam os distribuidores do pão espiritual, precisamente porque os despenseiros do Cristo ainda não compreenderam a ordem do Mestre e julgam que o emprego de outros processos possam conjurar os males do século. 

  Só o pão do Espírito soluciona efectivamente os problemas da vida, neste e noutro plano. Só o pão do Espírito pode acabar com as misérias do mundo, é por isso que os males que afectam a matéria têm origem na alma. 

  Espalhando, portanto, o pão da terra, não esqueçamos o pão do céu. Este sintetiza o bem dos bens, o bem por excelência, o sumo bem que nos é dado fazer a outrem. 


As milícias do Céu ~ 

  Existem milícias no céu como existem na Terra, embora visando a alvos diametralmente opostos Ordem, disciplina, aprendizagem, manobras, arregimentação, planos, estratégias, combates e pelejas porfiadas, batalhões aguerridos, estado maior, oficiais, soldados, etc. — tudo como na Terra. 

  O centurião que procurou Jesus para curar-lhe o fâmulo que se encontrava gravemente enfermo, mostrou compreender perfeitamente a organização do exército sideral. Respondendo a Jesus que prometera atendê-lo indo a sua casa, disse: “Senhor, não é preciso que te incomodes tanto. Nem eu mesmo sou digno de te receber em minha casa. Dize somente uma palavra e, o meu servo se curará. Eu também sou homem sujeito à autoridade e, tenho inferiores às minhas ordens e, digo a este: vem cá, e ele vem; faze isto, e ele faz”. (Mateus, 8:8 e 9.) 

  Pelos dizeres acima, vemos que o centurião compreendia perfeitamente aquilo que até hoje muitos ignoram, isto é, a maneira de Jesus agir através das milícias do céu. A analogia que ele estabeleceu, como chefe de cem inferiores, entre o seu comando e o comando de Jesus dirigindo os batalhões celestes, é das mais felizes para aclarar o modo de acção empregado pelo Redentor do mundo na obra da salvação. 

  Paulo confirma a ideia do centurião, como se verifica destas suas palavras: “Não são todos os anjos espíritos ministrantes enviados para exercer o seu ministério a favor dos que hão de herdar a salvação?”. 

  A Kardec foi dada a seguinte mensagem com referência aos soldados da luz: 

  “Os espíritos do Senhor, que são as virtudes do céu qual imenso exército que se põe em marcha desde que para isso recebeu ordem, espalham-se sobre toda a superfície da terra; semelhantes às estrelas que caem do céu, eles vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos dos povos. 

  Eu vos digo que, em verdade, são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu sentido verdadeiro, a fim de dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos. 

  As vozes do céu retinem como o som da trombeta e o coro dos anjos se reúnem. Homens! nós vos convidamos ao divino concerto; que as vossas mãos tomem a lira, que as vozes se harmonizem e, em um hino sagrado se alteiem e vibrem de um extremo ao outro do Universo. Homens! irmãos a quem amamos, estamos junto de vós. Amai-vos também uns aos outros e, dizei do fundo de vossos corações: "Senhor! Senhor! e podereis entrar no reino dos céus." 

  Há, portanto, exércitos divinos como os há humanos. A diferença é que aqueles combatem por amor e, estes, por egoísmo. O amor fecunda as almas prodigalizando a vida e vida em abundância. O egoísmo vai disseminando entre os homens o luto, a dor e a morte. No combate sustentado pelas milícias celestes não há vencidos: todos são vencedores. Não se aniquila o adversário, não se humilha o prisioneiro: são este e aquele convertidos em aliados, compartilhando os louros da vitória. Combate original, porque é combate de amor. Enquanto os exércitos terrenos sustentam e multiplicam as causas de separação, fomentando rivalidades e ódios, os exércitos do céu desfazem os dissídios, confraternizando as raças, irmanando os povos, conjugando os credos. 

  Milícias do céu! Geradores da fé, portadores de esperança, mensageiros do amor! Prossegui na vossa divina tarefa, sob a chefia de Jesus, actuando nos corações, para que os homens se convertam e se confraternizem, proclamando em uníssono: Pai nosso que estás nos céus, seja feita a tua vontade aqui na terra como já é feita nos planos de luz onde reina a justiça! 

/… 

“Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.” 
                                                                                    Pedro de Camargo “Vinícius” 


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição / O sumo bem / As milícias do Céu, 15º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer

domingo, 12 de junho de 2022

~ em torno do mestre


A natureza humana ~
 

  Um erro psicológico de funestas consequências domina a ortodoxia oficial. Pretendem que o homem seja visceralmente mau, intrinsecamente perverso e, por natureza, corrupto. 

  Semelhante conceito é adoptado, salvo raras excepções, por sociólogos, juristas, escritores, filósofos, cientistas e, o que é mais de admirar, pela clerezia de vários credos religiosos. Que os materialistas façam tal conceito do homem, compreende-se; mas que sejam acompanhados pelos crentes e até pelas autoridades das religiões deístas é inominável, inconcebível quase. 

  Como é que é possível que o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, seja visceralmente mau? Como é que se compreende que o Supremo Arquitecto haja produzido obras intrinsecamente imperfeitas e defeituosas? Semelhante despautério precisa ser combatido. Lavremos, em nome da fé que professamos, veemente protesto contra tremenda heresia. 

  O homem é obra inacabada. Entre a obra inacabada e a obra defeituosa vai um abismo de distância. Os Espíritos trazem consigo os germens latentes do bem e do belo. A centelha divina, embora oculta, como o diamante no carvão, refulge em todos eles. O mal que no homem se verifica é extrínseco e não intrínseco. No seu íntimo cintila o divinal revérbero (i) da face do Criador. Os defeitos, senãos e falhas são fruto da ignorância, da fraqueza e do desequilíbrio de que a Humanidade ainda se ressente. Removidas tais causas, decantada, a corrupção humana desaparecerá. 

  Deus não cria Espíritos como os escultores modelam estátuas. As obras de Deus são vivas, trazem em si mesmas as possibilidades de auto-desenvolvimento. A vida implica movimento e crescimento. "Em cada átomo do Universo está inscrita a legenda: para a frente e para o alto." Os atributos de Deus estão, dadas as devidas condições de relatividade, palpitando em cada criatura. Apelando-se para as faculdades profundas do Espírito, logra-se o despertar da célica natureza que nele dorme, atestando a origem de onde proveio. 

  O problema do mal resolve-se pela educação, compreendendo-se por educação o apelo dirigido às potencialidades do espírito. Educar é salvar. Através do trabalho ingente da educação, consegue-se transformar as trevas em luz, o vício em virtude, a loucura em bom senso, a fraqueza em vigor. Tal é no que consiste a conversão do pecador. 

  Jesus foi o maior educador que o mundo conheceu e conhecerá. Remir ou libertar só se consegue educando. Jesus acreditava piamente na redenção do ímpio. O sacrifício do Gólgota é a prova deste asserto. Conhecedor da natureza humana nas suas mais íntimas particularidades, Jesus sabia que o trabalho da redenção se resume em acordar a divindade oculta na psique humana. 

  A sua actuação foi sempre nesse sentido. Jamais o encontramos abatendo o ânimo ou aviltando o carácter do pecador, fosse esse pecador um ladrão confesso, fosse uma adúltera apupada pela turbamulta. "Os sãos não precisam de médicos, mas, sim, os doentes"; tal o critério que adoptava. Invariavelmente agia sobre algo de puro e de incorruptível que existe no Espírito do homem. 

  Firmado em semelhante convicção, sentenciava com autoridade: "Sede perfeitos, como o vosso Pai celestial é perfeito." Esta sentença só podia ser proferida por quem não alimentava dúvidas sobre os destinos humanos. Interpelado sobre a vinda do reino de Deus, replica o Mestre: "O reino de Deus não virá sob manifestações exteriores; porque o reino de Deus está dentro de vós." O apóstolo das gentes, inspirado em idêntico conceito a respeito do homem, proclama igualmente: "O templo de Deus, que sois vós, é santo. Ignorais, por acaso, que sois o santuários de Deus e, que o Espírito divino habita em vós?" 

  O mal é uma contingência. Na realidade significa apenas ausência do bem, como as trevas representam somente ausência de luz. O mal e a ignorância são transes ou crises que o Espírito conjurará fatalmente, mediante o despertar de suas forças latentes. A prova cabal e insofismável de que a natureza íntima do homem é divina e, por conseguinte, incompatível com o mal, está na faculdade da consciência. O que é a consciência, na acepção moral, senão o "divino" cuja acção se faz sentir condenando o mal e aplaudindo o bem? Por que razão o homem nunca consegue iludir ou corromper a sua própria consciência? Ele pode, no uso do relativo livre-arbítrio que frui, desobedecer-lhe, agir em contrário aos seus ditames, porém jamais abafará os seus protestos, nunca conseguirá fazê-la conivente de iniquidades e crimes. A consciência é o juiz íntegro cuja toga não se macula e, cuja sentença ouviremos sempre, quer queiramos, quer não, censurando a nossa conduta irregular. Esse juiz, essa voz débil, mas insopitável, é a centelha divina que refulge através da escuridão de nossa animalidade, é o diamante que cintila a despeito da negritude espessa do rude invólucro que o circunda. 

  O maior bem que se pode fazer ao homem é educá-lo. Os educadores, cientes e conscientes do seu papel, são os verdadeiros benfeitores da Humanidade. Cooperar pela ressurreição do Espírito proporcionar-lhe o sumo bem; nada mais valioso se lhe pode fazer. Tal a missão do Cristo de Deus neste mundo. Por esse ideal ele se deu em holocausto no patíbulo da cruz. 

  A Humanidade precisava de um modelo, de uma obra acabada que reflectisse na sua plenitude a majestade divina. Esse arquétipo nos foi dado ao Filho de Deus. Os modelos devem ser imitados. Para isso se destinam. Assim compreendia Paulo de Tarso, consoante se infere desta sua asserção: "...tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos (crentes) até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude do Cristo". (Efésio, 4:12 a 13.) 

  A larga parábola que temos a percorrer em demanda do Modelo é obra de educação, educação que se transforma em auto-educação. 

  Kant, o filósofo, assim compreende a educação: "Desenvolver no indivíduo toda a perfeição de que ele é susceptível: tal o fim da educação." 

  Pestalozzi, o pedagogo de renome, diz: "Educar é desenvolver progressivamente as faculdades espirituais do homem." 

  John Locke, grande preceptor, se expressa desta maneira sobre o assunto: "Educar é fazer Espíritos rectos, dispostos a não praticarem a todo o momento coisa alguma que não seja conforme à dignidade e à excelência de uma criatura sensata."  

  Lessing, autoridade não menos ilustre, compara a obra da educação à obra da revelação e, diz: "A educação determina e acelera o progresso e o aperfeiçoamento do homem." 

  Fröbel, o criador do "Kindergarten" (Jardim da Infância), afirmava que em toda a criança existe a possibilidade de um grande homem. 

  Denis, o incomparável apóstolo do Espiritismo, proferiu esta frase lapidar: "A educação do Espírito o senso da vida." 

  Diante do que aí fica, será preciso acrescentar que o objectivo da religião é educar o Espírito? "Se o sal se tornar insípido, para que servirá? 

  Como Jesus, os educadores, dignos de tal nome, crêem firmemente na reabilitação dos maus. Os novos apóstolos do Cristianismo não virão dos seminários, mas do magistério bem compreendido e melhor sentido. 

  Perniciosas e desastrosas têm sido as consequências decorrentes do falso conceito generalizado sobre o carácter humano. Tal vesânia gerou o pessimismo que domina a sociedade. 

  O vírus que tudo polui e conspurca, é, a seu turno, outro efeito oriundo da mesma causa. Que pretendem os industriais da cinematografia exibindo películas dissolventes e até indecorosas? E os literatos e romancistas abarrotando as livrarias de obras frívolas, enervantes e imorais? E os empresários teatrais com as suas comédias corriqueiras, impudicas, eivadas de obscenidades? E os compositores e os músicos com os seus "jazes", "foxtrots" e maxixes? E os costureiros e promotores de moda com a sua indumentária que peca pela falta de decência e decoro? Todos eles, convencidos de que a natureza humana é essencialmente corrupta, estão actuando através da corrupção. Visando lucros, imaginam que o meio mais seguro de êxito seja aquele. No entanto, se o cinema se transformasse, de escola do vício em escola de virtude, deixaria de existir por isso? Respondemos pela negativa, sem titubear. Teria melhor e maior concorrência, como há leitores para os bons livros, como há apreciadores da arte pura. 

  A ideia falsa de que o êxito na cinematografia, nas artes, na indústria e no comércio só se alcança acoroçoando a maldade e a ignorância humanas, é um estrabismo herético e execrável. A Teologia tem sustentado esse erro pernicioso, através dos séculos, na palavra dos seus corifeus, prejudicando seriamente a evolução da Humanidade. A Pedagogia, no seu glorioso advento, vai destroná-la desembaraçando a mente humana dessa pedra de tropeço. 

  A verdade está com a Pedagogia. Com a Teologia, o caos, a confusão, as trevas. Com a Pedagogia está o optimismo sadio, alegre e forte. 


Lázaro e o rico ~ 
(Vide Lucas, 16:19 a 31.) 

  Consoante se infere do assunto a que se encontra subordinada a parábola evangélica cujo título nos serve de epígrafe, parece que melhor lhe assentaria a denominação seguinte: O Pobre e o Rico. 

  Porque teria Jesus dado um nome ao pobre, deixando de o fazer ao rico? Qual será a razão desta razão? 

  Segundo supomos, o caso passou-se assim. O Mestre achou por bom alvitre formular uma parábola sobre as duas categorias de provações, a riqueza e a pobreza. Voltou, então, os seus olhos para a sociedade dos pobres e, encontrou ali um homem paciente e resignado, humilde e cheio de fé, que suportava galhardamente a dura prova que lhe fora destinada. Esse homem chamava-se Lázaro

  Disse, pois, o Senhor: Eis aqui uma das personagens para a parábola. Perscrutando, em seguida, o arraial dos ricos, verificou que eram todos, ou quase todos, igualmente egoístas e duros de coração. Diante disso concluiu o Mestre. Denominarei com o nome genérico esta outra figura do apólogo que idealizei — o rico — visto como é tão difícil encontrar excepções nesta classe como é difícil passar um camelo pelo buraco da agulha. 

  Ficou, por esse motivo, assim denominada a parábola: Lázaro e o rico. 

  O rico vestia-se de púrpura e linho finíssimo. Vivia banqueteando-se esplendidamente, Lázaro, enfermo e paupérrimo, mendigava o pão de cada dia. Recostado nos portais do rico, esperava, em vão, que se lembrassem de lhe mitigar a fome. O rico, na embriaguez dos prazeres, não o via. Tinha a mente enevoada pelos vapores das libações alcoólicas e, o coração impassível, mergulhado no paul do sensualismo. Tão mesquinho era o seu estado de alma, que os próprios irracionais lhe levavam a palma em matéria de sentimentos. É assim que os cães, condoídos de Lázaro, vinham acariciá-lo, lambendo-lhe as feridas. 

  Eis que certo dia a morte bate à porta de ambos: morre Lázaro e morre também o rico. A morte, rigorosamente imparcial como é, não distingue os ricos dos pobres, nem tão pouco aqueles que gozam daqueles que sofrem. 

  No entanto, a morte nada destrói: transforma apenas. Lázaro e o rico passaram para o plano espiritual. Ali, Lázaro é feliz, fruindo, no seio de Abraão a doce paz de uma consciência tranquila e a alegria do combatente que viveu a campanha e entra na posse dos louros da vitória. 

  E o rico, tendo falhado na prova por que viera de passar, sente-se confuso e humilhado com a derrota. Esmagado de remorsos, lembra-se do seu passado pecaminoso e; Lázaro — aquele que virtualmente fora sua vítima — aparece-lhe sereno e venturoso. Cena curiosa, então, se desenrola: já não é Lázaro que mendiga do rico; é o rico que mendiga de Lázaro, dizendo: Pai Abraão, manda Lázaro aplacar as minhas aflições; que ele venha suavizar, de algum modo, o fogo deste remorso que me consome. E a voz da Justiça replica pela boca de Abraão: Meu amigo, as condições de Lázaro e as tuas são opostas. Cada um colhe aquilo que semeia. Tu és um vencido, Lázaro é um vencedor. Como pretendes agora anular, num dado momento, os efeitos de uma causa que está contigo, que foi criada por ti no decorrer de toda uma existência? Entre o estado dos que triunfam e o dos que sucumbem medeia um abismo, que não pode ser transposto como imaginas. A Natureza não dá saltos; este axioma é verdadeiro tanto no plano físico quanto no espiritual. Tens que esgotar o cálice, tens que pagar até ao último ceitil. As responsabilidades contraídas, na vida terrena, acompanham o Espírito onde quer que ele se encontre. Nada pode suspender o curso dessa lei. 

  Oh! pai Abraão, retruca o rico, cujos sentimentos começam a despertar, graças ao aguilhão da dor: Manda alguém avisar os meus cinco irmãos acerca destas coisas, a fim de evitar que venham a cair nestes tormentos. E a voz da Justiça obtempera pela boca do Patriarca: Os teus irmãos estão, como tu estiveste, em provas. Lá mesmo na Terra há quem os advirta sobre isso. Se eles não ouvem a esses, não ouvirão tão pouco a um mensageiro celeste. Quando os homens se entregam à loucura dos prazeres sensuais, ficam animalizados e inacessíveis às vibrações que os anjos lhes transmitem. Como queres, pois, que um Espírito possa despertar os teus irmãos, quando não lograram despertar-te! A justiça se cumprirá com eles como se está cumprindo contigo: a dor ensiná-los-á a compreender a responsabilidade em que todos se encontram perante a soberana e indefectível justiça de Deus. A dor os fará saber e sentir que aqueles a quem muito é dado — seja em bens espirituais, seja em bens temporais — muito será exigido; ensinará também que os homens são responsáveis, não só pelo mal que praticam, como pelo bem que, podendo, deixam de praticar. 

  E o rico conformou-se, compreendendo que — dura lex, sed lex. (A lei é dura, mais é a lei) 


Jesus, o Mestre ~ 

  Jesus curou cegos de nascença, surdos-mudos, epilépticos, hidrópicos, doidos e lunáticos, paralíticos, reumáticos e leprosos; sarou, finalmente, enfermos de toda a casta que a ele recorreram em busca do maior bem temporal — a saúde. No entanto, jamais o Senhor pretendeu que o dissessem médico, ou clínico. 

  Jesus frequentava o templo e as sinagogas onde atendia aos sofredores e ensinava ao povo as verdades eternas, mas nunca se inculcou levita ou sacerdote. 

  Jesus predisse com pormenores e particularidades o cerco, a queda e a ruína de Jerusalém; como essa, fez várias outras profecias de alta relevância. Penetrava o íntimo dos homens, devassando-lhes os arcanos mais secretos, porém não consta que pretendesse as prerrogativas de vidente ou de profeta. 

  Jesus realizou maravilhas, tais como: alimentar mais de cinco mil pessoas com três pães e dois peixes; acalmar a tempestade, impondo inconcebível autoridade às ondas revoltas do oceano. Ressuscitou a filha de Jairo, o filho da viúva de Naim e, também, Lázaro, sendo que este último já estava sepultado havia quatro dias. Transformou a água em vinho nas bodas de Cana da Galiléia e, muitos outros prodígios operou não pretendendo, apesar disso que o considerassem milagreiro ou taumaturgo. 

  Jesus aclarava as páginas escriturísticas, fazendo realçar da letra que mata o espírito que vivifica, mas não se apresentou como exegeta ou, ministro da palavra. 

  O único título que Jesus reclamou para si, fizesse jus às mais excelentes denominações honoríficas que possamos imaginar, foi o de “mestre”. Esse o título por ele reivindicado, porque realmente Jesus é o Mestre excelso, o Educador incomparável. 

  A sua fé na obra da redenção humana, mediante o poder incoercível da educação, acordando as energias espirituais, é inabalável, é absoluta. Tão firme é a crença na regeneração dos pecadores, na renovação de nossa vida, que por esse ideal se ofereceu em holocausto. 

  Educar é remir. O Filho de Deus deu-se em sacrifício pela causa da liberdade humana. A cruz plantada no cimo do Calvário não representa somente a sublime tragédia do amor divino: representa também o símbolo, o atestado da fé viva que Jesus tem na transformação dos corações, na conversão das nossas almas. "Quando eu for levantado no madeiro, atrairei todos a mim..." asseverou ele. Todos, notemos bem; já não uma parcela mas a totalidade. Vemos por aí como é radical a sua confiança, a sua crença na reabilitação dos culpados, através da educação. 

  Sim da educação, dizemos bem, porque só um título Jesus reclamou, chamando-o a si e, o fez sem rodeios sem rebuços, nem perífrases, antes com a máxima franqueza e toda a ênfase: o título de mestre. Dirigindo-se aos seus discípulos, advertiu-os desta maneira: "Um só é o vosso mestre, a saber — o Cristo Portanto, a ninguém mais chameis mestre senão a mim". (Mateus, 23:8.) 

  Jesus rejeitou o ceptro, o trono, a realeza, alegando que o seu reino não é deste mundo. Dispensando igualmente, a glória e as honras terrenas; um só brasão fez questão de ostentar: ser mestre, ser educador. É significativo! 

  "Eu sou a luz do mundo, sou a verdade, sou o pão que desceu do céu" — proclamou o Senhor. Esparzir Luzes revelar a verdade, distribuir o pão do Espírito — tal a obra da educação, tal a missão do Redentor da Humanidade. 

  Que dúvida nos poderá restar a nós, neo-cristãos, sobre o rumo que deve tomar a nossa actividade, uma vez que o advento do Espiritismo é o do Consolador prometido? Que outra forma poderemos dar ao nosso trabalho, que seja tão eficaz, tão profícua e benéfica à renovação social, como aquela que se prende à educação, no seu sentido lato e amplo? 

  Trabalhemos, pois, com ardor e entusiasmo pela causa da educação da Humanidade, começando pela infância e pela juventude desta terra de Santa Cruz (*)

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(*) Nome dado ao Brasil pelos portugueses no ano seguinte ao seu descobrimento (i)Adenda desta publicação. 

“Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.” 
                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius” 


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A natureza humana / Lázaro e o rico / Jesus, o Mestre, 14º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: A Arte da Pintura, óleo sobre tela (1666), de Johannes Vermeer)