(*) Nada de novo sobre o sol
"Estando a festa Já a meio, subiu Jesus ao templo e se
pôs a ensinar. E se maravilhavam, então, todos, dizendo: Como sabes estas
letras, sem teres estudado? Jesus então retorquiu dizendo: O ensino que vos
dou não é meu, mas daquele que me enviou... Não falo por mim mesmo. Quem fala
por si mesmo procura a sua própria glória; mas, quem procura a glória de Deus
esse é verdadeiro, não há nele dolo nem iniquidade... Quem crê em mim não é em
mim que crê, mas naquele que me enviou. Eu não posso de mim mesmo fazer coisa
alguma... Graças te dou a ti, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste
estas coisas aos sábios e aos doutos e as revelaste aos pequeninos."
Como é diferente o critério de Jesus do dos homens, em
relação ao saber, aos conhecimentos adquiridos e aos feitos realizados!
O homem procura a fama, a notoriedade pessoal, a sua própria
glória. Jesus, ao ser admirado pelo povo que o escutava; ao observar o efeito
maravilhoso que o seu verbo produziu na mente e no coração das assembleias a
quem se dirigia, exclama: "O ensino que ministro não é meu, mas
daquele que me enviou."
Ao contrário dos homens, que se jactam dos louvores que
recebem, enchendo-se de vaidades, o divino Mestre tira de si qualquer mérito
que lhe pretendam conceder, declarando com toda a sinceridade: "Eu
não posso, de mim mesmo, fazer coisa alguma!"
Às expressões de admiração e surpresa, partidas dos seus
ouvintes, em gestos espontâneos e incontidos, ele retruca: "Quem crê
em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou."
Aos enfermos que, restabelecidos por ele, se mostravam
gratos, dizia invariavelmente: "A tua fé te curou."
Sim, a tua fé, não eu! Quanta sabedoria em toda essa
sublime renúncia, em todo esse excelente altruísmo! Quanta sabedoria,
insistimos, por isso que, ao lado da elevada moral que essa atitude revela,
existe a consciência de um profundo saber. Senão, vejamos. De que é que os homens
tanto se ufanam? De suas descobertas? Mas, aquilo que se descobre é
precisamente o que já existe. Tudo o que é real e verdadeiro, tudo o que é
positivo e indestrutível, sempre existiu, é eterno. Logo, de que se vangloriam
os homens?
Newton (sábio de valor e que foi modesto) descobriu a
lei da atracção e da gravidade dos corpos, lei tão antiga como o próprio
Universo, do qual a Terra é parcela ínfima.
Harvey descobriu que o sangue circula pelas redes
venosas e arteriais. Não obstante, o sangue sempre circulou desde que há formas
de vida organizadas no orbe terráqueo.
Pedro
Álvares Cabral descobriu o Brasil, torrão que em todos os tempos fez
parte de um dos continentes. Colombo descobriu
a América, região que, a seu turno, jamais deixou de fazer parte deste
planeta.
Koch descobriu o micróbio da tuberculose; Hansen,
o da lepra; porém, tais bacilos coexistem com aquelas enfermidades. A lepra vem
de eras imemoriais. Já no tempo de Moisés havia leprosos no mundo. Oxalá
houvessem aqueles sábios descoberto, ao invés do micróbio, a cura de tão
terríveis mórbus.
Não pretendemos com estas considerações negar o merecimento
a que fazem jus todos os que porfiam e lutam na esfera das evidências e das
pesquisas científicas de qualquer natureza. O que apenas queremos é deixar
patente a relatividade dos méritos em tais casos, mesmo quando a descoberta
seja fruto de esforços acurados.
O próprio vocábulo — descobrir — já está previamente
declarado tratar-se de algo existente, apesar de ignorado. O homem devia antes
mostrar-se desapontado, por haver enxergado tão tarde aquilo que é de todos os
tempos. E quando se trata de descobertas de carácter fortuito como a de Cabral?
E quando são obra de um momento, como a de Newton?
Não há nada de novo debaixo do Sol, diz a sabedoria de
Salomão. (i) O homem, com as novas que, por misericórdia,
lhe vão sendo reveladas do alto, faz como as galinhas. Estas, cada vez que põem
um ovo, desandam em alarido, acompanhadas pelos galos e outros galináceos da
capoeira. No entanto, o papel da galinha, em relação à postura de ovos, é
relativamente secundário, por isso que ela não é criadora, mas simples
incubadora do ovo, desde o início de sua formação até à postura. Depois, é
ainda pela incubação exterior que a galinha se presta ao choco e consequente ao
aparecimento do pinto. Tanto a formação do ovo, como a sua evolução até ao pinto,
são fenómenos que se sucedem e se encadeiam à revelia da galinha.
Da mesma sorte, tudo o que é real, tudo o que é verdadeiro,
tudo o que é permanente, tudo o que é luz, tudo o que é sabedoria, tudo o que é
belo, tudo o que é virtude, tudo o que é vida, vem de Deus, é eterno, coexiste
com o Supremo Arquitecto do Universo.
O homem não pode coisa alguma, se do céu não lhe for dado,
afirma com justeza João Baptista.
O que de facto é do homem é aquilo que passa, que é
instável e efémero. O que, infelizmente, para o homem, é sua genuína produção,
é a guerra com os seus horrores; é a enfermidade com seu cortejo de angústias e
gemidos; é a tirania, a iniquidade, o ódio, o ciúme, a cobiça, o vício, o crime
e todas as demais expansões do egoísmo: isso tudo é dele, é obra sua, é seu
engenho, sua criação. Pretenderá o homem envaidecer-se de tais feitos?
E a sua ciência? A sua ciência, após complicados
circunlóquios, termina invariavelmente na força e na matéria, elementos estes
que ele continua ignorando o que sejam. Quereis mais de sua ciência? Eis aqui:
O que é a electricidade? É movimento. O que é a luz? É movimento. O que é o
som? É movimento. Com definições tais a ciência do homem pretende haver
resolvido todas as questões e todos os problemas da vida; mas, continua negando
a Deus, sob o pretexto de o não compreender!
Bendito seja o Senhor do céu e da terra, por haver ensinado
esta lição aos simples e pequeninos, ocultando-a aos doutos e eruditos!
Quando deixará o homem esse personalismo vaidoso e
estiolante? Quando desistirá ele de tirar patentes de invenção e requerer
privilégios? Porquê tanto cacarejar?
Ó Salomão onde estás, que não vens proclamar ainda mais uma
vez esta verdade: Nil nove sub sole!
(*) Nada
de novo sobre o sol
Amor e amores ~
Os homens conhecem muitos amores: o amor materno, o amor
filial, o amor conjugal, o amor fraterno, o amor platónico, o amor da pátria, o
amor divino, etc, etc.
E, talvez por isso mesmo, ignorem o que seja o amor
propriamente dito. O amor sem complementos, desacompanhado de todas as
adjectivações, essa força que preside à harmonia do Universo; o amor,
simplesmente amor.
Da ignorância em que os homens vivem do único amor, origina-se
a causa de todos os seus males e sofrimentos.
Os amores apendiculados não resolvem os problemas da vida,
antes os complicam. Alguns chegam a ser nocivos e perigosos. Aquele que se
denomina conjugal responde quase sempre pelos divórcios e pelas tragédias
domésticas, não raras vezes sanguinolentas. É muito provável que a sua benéfica
influência explique a razão por que os cônjuges, neste mundo, raras vezes se
entendem.
Esse mesmo tipo de amor, quando ainda nos pródromos da conjugação, costuma ter o seu epílogo nos
necrotérios, através de dois crimes: assassínio e suicídio. Chama-se a isso —
drama passional, ou delitos por amor! Blasfémia!
Do amor fraterno resulta que os filhos dos mesmos pais, que
juntos cresceram sob o mesmo tecto, se desestimem e até mutuamente se
hostilizem. Os que se querem constituem excepção.
O amor da pátria gera as dificuldades e os graves problemas
internacionais, as crises económicas, para cuja solução determina a queima de
produtos indispensáveis à vida humana, tais como o trigo, o café, o petróleo,
etc.; esquecendo-se de que há carestia, fome e nudez em várias regiões do
globo.
Faz mais ainda esse decantado amor: emprega a maior
parte das arrecadações, extorquidas ao povo, na manutenção de exércitos
aparelhados com tudo quanto a arte de matar e destruir tem produzido de mais
aperfeiçoado. E, de vez em quando, açula essas matilhas de lobos umas contra as outras em
cruentas lutas, ensopando a terra de sangue e de lágrimas, quando ficou
estabelecido pelo Senhor dos mundos que o solo fosse regado com o suor do
rosto.
O dito amor divino (que dele o céu nos defenda) criou
abismos de separação entre os membros da família humana. Não contente com isso,
inventou a Inquisição, as Cruzadas e a noite de S. Bartolomeu!
Decididamente, os tais amores (salvo as excepções que
transcendem para o amor propriamente dito, pois tais modalidades constituem um
meio para atingir aquela finalidade) são desastrosos.
Certamente, prevendo tudo isso é que o Divino Instrutor da
Humanidade, depois de muito haver falado e exemplificado acerca do amor (sem
complementos, nem apêndices), terminou dizendo aos seus discípulos: Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei.
A novidade do mandamento está no modo como ele ama. O seu
amor é diferente dos muitos amores já bem conhecidos, em todos os tempos, nesta
sociedade.
Deus é amor. Portanto, o verdadeiro amor é uno com o
verdadeiro Deus. O politeísmo, como o amor polimorfo, gera a confusão. Não
podemos servir ao Deus uno, alimentando ideias exclusivistas e sentimentos
sectários, é por isso que todas as coisas e todos os seres são obras suas e
reflectem sempre, de uma ou de outra maneira, a divina presença.
O mesmo sucede no que respeita ao culto do amor. Este nobre
sentimento em tudo palpita, pois, em essência, é a mesma vida universal que
anima a infinita criação. Por isso, podemos senti-lo na estrela que refulge no
azul do céu, no perfume da flor, na gota de orvalho que tremula na relva, no
canto do passaredo, no sorriso da criança...
Tal é a moralidade daquele mandamento a que Jesus chamou
novo há vinte séculos e, que novo contínua a ser hoje, porque ignorado e não
praticado.
É tempo de aprendê-lo, cultivando o amor, até que adquiramos
o hábito de amar; até que nos tornemos, como Jesus, filhos do AMOR
A nossa loucura ~
É vezo dos adversários do Espiritismo, particularmente
da clerezia com e sem batina, acoimar de loucos os profitentes daquele credo.
Não se encontra em qualquer tratado de psiquiatria
fundamento algum em que repouse semelhante aleive. Os especialistas na matéria
sempre que se manifestam serenamente, quer nas obras que tratam do assunto,
quer em artigos avulso pela imprensa, apontam, como factores principais da loucura,
a sífilis, o alcoolismo e a toxicomania.
É possível que certos elementos interessados na difamação
do Espiritismo consigam,
por encomenda, alguma opinião de profissionais, favorecendo-lhes os intentos.
Tais pareceres, porém, reclamados por interesses subalternos de momento, não
têm valor científico nem idoneidade moral. Falecendo em documentos dessa
natureza aqueles requisitos, não podem ser os mesmos levados a sério.
De outra sorte, é público e notório que há inúmeros casos de
insânia em pessoas pertencentes a outros credos e, mesmo no seio de famílias
adversárias, irreconciliáveis da doutrina espírita. Este facto, bastante
eloquente e significativo, destrói por si só a falsa imputação a que nos vimos
aludindo.
Contudo, o estribilho continua: o Espiritismo faz loucos; na
casa onde entram os livros espíritas, entra o gérmen da loucura.
Diante dessa insistência, concluímos que algum motivo devia
existir para corroborar o referido remoque. E, de acordo com o conselho
evangélico — procurai e achareis —, chegamos a desvendar o mistério com grande
satisfação para nós, vítimas da cruel e pertinaz insinuação. Quando se aclarou
na nossa mente o enigma, quase bradamos como Arquimedes:
Eureca! Eureca!
Vamos, portanto, revelar aos leitores a nossa
descoberta.
Como é sabido, procura-se por natural instinto de
curiosidade, muito próprio da psicologia humana, saber o móbil que determina a
conduta de certas pessoas ou de certa classe de indivíduos cujo proceder destoa
do modus vivendi da maioria. O móbil que determina os actos do
homem, segundo o critério geral, é, invariavelmente, o interesse; interesse que
pode ser directo ou indirecto, presente ou remoto, de natureza material ou
moral, mesquinho ou elevado, mas sempre interesse.
Ora, os detractores do Espiritismo tornaram-se
detractores dessa doutrina precisamente porque não conseguiram descobrir onde o
interesse que move os espíritas através dessa actividade fecunda e constante a
que eles se entregam. Indagando, perscrutando e investigando meticulosamente,
por todos os meios, onde o interesse oculto dos espíritas, nada encontraram.
Daí concluíram, aliás logicamente, por estar de acordo com os costumes do
século, que só a loucura poderia explicar o ardor com que se debatem os adeptos
do Espiritismo em prol dos ideais que esta doutrina encarna.
O fenómeno não é novo. Já no início do Cristianismo, os
primitivos discípulos da nova fé passaram também como insanos e como elementos
perigosos à ordem social, motivo por que sofreram as mais cruéis e dolorosas
perseguições.
E, realmente, os que tomam os espíritas como desequilibrados
têm razão, segundo o critério da época. Senão vejamos.
Qual é o móbil que agita os apóstolos do Espiritismo?
Onde está o interesse a que visam? Económico, não é visto como os
seus evangelizadores agem por conta própria, não percebem emolumentos nem
ordenados por via directa ou indirecta, de quem quer que seja. Não fazem jus
tão pouco a títulos honoríficos quaisquer.
São antes, ridicularizados pela atitude que assumem na
sociedade. Recompensa futura, na outra vida, também não pode ser invocada como
justificativa, porque a doutrina espírita reconhece e adopta a lei da
causalidade, isto é, a lei das causas e efeitos mediante a qual todo o erro,
falta ou crime cometido, há de recair fatalmente sobre o seu autor. O espírita
não crê nas indulgências plenárias ou parciais nem no perdão no sentido de anulação
da culpa. Crê na graça divina como auxílio, como a colaboração dos fortes em
favor dos fracos; dos que sabem, em prol dos que ignoram.
Ora, do exposto se conclui claramente que os espíritas
não lutam por motivo algum que se ligue ao interesse. Os seus divulgadores não
percebem côngruas nem dízimos; são comumente lesados nos seus
interesses particulares por questões de intolerância do meio em que vivem. Não
fazem jus, como já vimos, a honras e distinções; são, antes, espezinhados e
escarnecidos. Não pretendem alcançar favores e privilégios no céu. Que podem
ser, então, tais pessoas senão vítimas de loucura? Onde já se viu destoar assim
do século em que vivem? Que significa agir fora da órbita traçada pelo egoísmo
e proceder em desconformidade com a grande maioria? Loucura rematada, não há
dúvida nenhuma.
Por isso, parodiando o Apóstolo da gentilidade (i),
dizemos: Anunciamos uma doutrina que é loucura para os gregos (materialistas) e
escândalo para os judeus (sectários).
O Cristo de Deus fez jus ao mesmo qualificativo.
/…
"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu,
comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.”
Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em
torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição
/ O sumo bem / As milícias do Céu, 16º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de
Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes
Vermeer)
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