Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 5 de março de 2023

~ em torno do mestre


«Nil novi sub sole» (*) 

(*) Nada de novo sobre o sol 

 "Estando a festa Já a meio, subiu Jesus ao templo e se pôs a ensinar. E se maravilhavam, então, todos, dizendo: Como sabes estas letras, sem teres estudado? Jesus então retorquiu dizendo: O ensino que vos dou não é meu, mas daquele que me enviou... Não falo por mim mesmo. Quem fala por si mesmo procura a sua própria glória; mas, quem procura a glória de Deus esse é verdadeiro, não há nele dolo nem iniquidade... Quem crê em mim não é em mim que crê, mas naquele que me enviou. Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma... Graças te dou a ti, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos doutos e as revelaste aos pequeninos." 

 Como é diferente o critério de Jesus do dos homens, em relação ao saber, aos conhecimentos adquiridos e aos feitos realizados! 

 O homem procura a fama, a notoriedade pessoal, a sua própria glória. Jesus, ao ser admirado pelo povo que o escutava; ao observar o efeito maravilhoso que o seu verbo produziu na mente e no coração das assembleias a quem se dirigia, exclama: "O ensino que ministro não é meu, mas daquele que me enviou." 

 Ao contrário dos homens, que se jactam dos louvores que recebem, enchendo-se de vaidades, o divino Mestre tira de si qualquer mérito que lhe pretendam conceder, declarando com toda a sinceridade: "Eu não posso, de mim mesmo, fazer coisa alguma!" 

 Às expressões de admiração e surpresa, partidas dos seus ouvintes, em gestos espontâneos e incontidos, ele retruca: "Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou." 

 Aos enfermos que, restabelecidos por ele, se mostravam gratos, dizia invariavelmente: "A tua fé te curou." 

 Sim, a tua fé, não eu! Quanta sabedoria em toda essa sublime renúncia, em todo esse excelente altruísmo! Quanta sabedoria, insistimos, por isso que, ao lado da elevada moral que essa atitude revela, existe a consciência de um profundo saber. Senão, vejamos. De que é que os homens tanto se ufanam? De suas descobertas? Mas, aquilo que se descobre é precisamente o que já existe. Tudo o que é real e verdadeiro, tudo o que é positivo e indestrutível, sempre existiu, é eterno. Logo, de que se vangloriam os homens? 

 Newton (sábio de valor e que foi modesto) descobriu a lei da atracção e da gravidade dos corpos, lei tão antiga como o próprio Universo, do qual a Terra é parcela ínfima. 

 Harvey descobriu que o sangue circula pelas redes venosas e arteriais. Não obstante, o sangue sempre circulou desde que há formas de vida organizadas no orbe terráqueo. 

 Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, torrão que em todos os tempos fez parte de um dos continentes. Colombo descobriu a América, região que, a seu turno, jamais deixou de fazer parte deste planeta. 

 Koch descobriu o micróbio da tuberculose; Hansen, o da lepra; porém, tais bacilos coexistem com aquelas enfermidades. A lepra vem de eras imemoriais. Já no tempo de Moisés havia leprosos no mundo. Oxalá houvessem aqueles sábios descoberto, ao invés do micróbio, a cura de tão terríveis mórbus. 

 Não pretendemos com estas considerações negar o merecimento a que fazem jus todos os que porfiam e lutam na esfera das evidências e das pesquisas científicas de qualquer natureza. O que apenas queremos é deixar patente a relatividade dos méritos em tais casos, mesmo quando a descoberta seja fruto de esforços acurados. 

 O próprio vocábulo — descobrir — já está previamente declarado tratar-se de algo existente, apesar de ignorado. O homem devia antes mostrar-se desapontado, por haver enxergado tão tarde aquilo que é de todos os tempos. E quando se trata de descobertas de carácter fortuito como a de Cabral? E quando são obra de um momento, como a de Newton

 Não há nada de novo debaixo do Sol, diz a sabedoria de Salomão. (i) O homem, com as novas que, por misericórdia, lhe vão sendo reveladas do alto, faz como as galinhas. Estas, cada vez que põem um ovo, desandam em alarido, acompanhadas pelos galos e outros galináceos da capoeira. No entanto, o papel da galinha, em relação à postura de ovos, é relativamente secundário, por isso que ela não é criadora, mas simples incubadora do ovo, desde o início de sua formação até à postura. Depois, é ainda pela incubação exterior que a galinha se presta ao choco e consequente ao aparecimento do pinto. Tanto a formação do ovo, como a sua evolução até ao pinto, são fenómenos que se sucedem e se encadeiam à revelia da galinha. 

 Da mesma sorte, tudo o que é real, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é permanente, tudo o que é luz, tudo o que é sabedoria, tudo o que é belo, tudo o que é virtude, tudo o que é vida, vem de Deus, é eterno, coexiste com o Supremo Arquitecto do Universo. 

 O homem não pode coisa alguma, se do céu não lhe for dado, afirma com justeza João Baptista

 O que de facto é do homem é aquilo que passa, que é instável e efémero. O que, infelizmente, para o homem, é sua genuína produção, é a guerra com os seus horrores; é a enfermidade com seu cortejo de angústias e gemidos; é a tirania, a iniquidade, o ódio, o ciúme, a cobiça, o vício, o crime e todas as demais expansões do egoísmo: isso tudo é dele, é obra sua, é seu engenho, sua criação. Pretenderá o homem envaidecer-se de tais feitos? 

 E a sua ciência? A sua ciência, após complicados circunlóquios, termina invariavelmente na força e na matéria, elementos estes que ele continua ignorando o que sejam. Quereis mais de sua ciência? Eis aqui: O que é a electricidade? É movimento. O que é a luz? É movimento. O que é o som? É movimento. Com definições tais a ciência do homem pretende haver resolvido todas as questões e todos os problemas da vida; mas, continua negando a Deus, sob o pretexto de o não compreender! 

 Bendito seja o Senhor do céu e da terra, por haver ensinado esta lição aos simples e pequeninos, ocultando-a aos doutos e eruditos! 

 Quando deixará o homem esse personalismo vaidoso e estiolante? Quando desistirá ele de tirar patentes de invenção e requerer privilégios? Porquê tanto cacarejar? 

 Ó Salomão onde estás, que não vens proclamar ainda mais uma vez esta verdade: Nil nove sub sole!

 (*) Nada de novo sobre o sol 


Amor e amores ~ 

 Os homens conhecem muitos amores: o amor materno, o amor filial, o amor conjugal, o amor fraterno, o amor platónico, o amor da pátria, o amor divino, etc, etc. 

 E, talvez por isso mesmo, ignorem o que seja o amor propriamente dito. O amor sem complementos, desacompanhado de todas as adjectivações, essa força que preside à harmonia do Universo; o amor, simplesmente amor. 

 Da ignorância em que os homens vivem do único amor, origina-se a causa de todos os seus males e sofrimentos. 

 Os amores apendiculados não resolvem os problemas da vida, antes os complicam. Alguns chegam a ser nocivos e perigosos. Aquele que se denomina conjugal responde quase sempre pelos divórcios e pelas tragédias domésticas, não raras vezes sanguinolentas. É muito provável que a sua benéfica influência explique a razão por que os cônjuges, neste mundo, raras vezes se entendem. 

 Esse mesmo tipo de amor, quando ainda nos pródromos da conjugação, costuma ter o seu epílogo nos necrotérios, através de dois crimes: assassínio e suicídio. Chama-se a isso — drama passional, ou delitos por amor! Blasfémia! 

 Do amor fraterno resulta que os filhos dos mesmos pais, que juntos cresceram sob o mesmo tecto, se desestimem e até mutuamente se hostilizem. Os que se querem constituem excepção. 

 O amor da pátria gera as dificuldades e os graves problemas internacionais, as crises económicas, para cuja solução determina a queima de produtos indispensáveis à vida humana, tais como o trigo, o café, o petróleo, etc.; esquecendo-se de que há carestia, fome e nudez em várias regiões do globo. 

 Faz mais ainda esse decantado amor: emprega a maior parte das arrecadações, extorquidas ao povo, na manutenção de exércitos aparelhados com tudo quanto a arte de matar e destruir tem produzido de mais aperfeiçoado. E, de vez em quando, açula essas matilhas de lobos umas contra as outras em cruentas lutas, ensopando a terra de sangue e de lágrimas, quando ficou estabelecido pelo Senhor dos mundos que o solo fosse regado com o suor do rosto. 

 O dito amor divino (que dele o céu nos defenda) criou abismos de separação entre os membros da família humana. Não contente com isso, inventou a Inquisição, as Cruzadas e a noite de S. Bartolomeu! 

 Decididamente, os tais amores (salvo as excepções que transcendem para o amor propriamente dito, pois tais modalidades constituem um meio para atingir aquela finalidade) são desastrosos. 

 Certamente, prevendo tudo isso é que o Divino Instrutor da Humanidade, depois de muito haver falado e exemplificado acerca do amor (sem complementos, nem apêndices), terminou dizendo aos seus discípulos: Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei. 

 A novidade do mandamento está no modo como ele ama. O seu amor é diferente dos muitos amores já bem conhecidos, em todos os tempos, nesta sociedade. 

 Deus é amor. Portanto, o verdadeiro amor é uno com o verdadeiro Deus. O politeísmo, como o amor polimorfo, gera a confusão. Não podemos servir ao Deus uno, alimentando ideias exclusivistas e sentimentos sectários, é por isso que todas as coisas e todos os seres são obras suas e reflectem sempre, de uma ou de outra maneira, a divina presença. 

 O mesmo sucede no que respeita ao culto do amor. Este nobre sentimento em tudo palpita, pois, em essência, é a mesma vida universal que anima a infinita criação. Por isso, podemos senti-lo na estrela que refulge no azul do céu, no perfume da flor, na gota de orvalho que tremula na relva, no canto do passaredo, no sorriso da criança... 

 Tal é a moralidade daquele mandamento a que Jesus chamou novo há vinte séculos e, que novo contínua a ser hoje, porque ignorado e não praticado. 

 É tempo de aprendê-lo, cultivando o amor, até que adquiramos o hábito de amar; até que nos tornemos, como Jesus, filhos do AMOR 


A nossa loucura ~ 

 É vezo dos adversários do Espiritismo, particularmente da clerezia com e sem batina, acoimar de loucos os profitentes daquele credo. 

 Não se encontra em qualquer tratado de psiquiatria fundamento algum em que repouse semelhante aleive. Os especialistas na matéria sempre que se manifestam serenamente, quer nas obras que tratam do assunto, quer em artigos avulso pela imprensa, apontam, como factores principais da loucura, a sífilis, o alcoolismo e a toxicomania. 

 É possível que certos elementos interessados na difamação do Espiritismo consigam, por encomenda, alguma opinião de profissionais, favorecendo-lhes os intentos. Tais pareceres, porém, reclamados por interesses subalternos de momento, não têm valor científico nem idoneidade moral. Falecendo em documentos dessa natureza aqueles requisitos, não podem ser os mesmos levados a sério. 

 De outra sorte, é público e notório que há inúmeros casos de insânia em pessoas pertencentes a outros credos e, mesmo no seio de famílias adversárias, irreconciliáveis da doutrina espírita. Este facto, bastante eloquente e significativo, destrói por si só a falsa imputação a que nos vimos aludindo. 

 Contudo, o estribilho continua: o Espiritismo faz loucos; na casa onde entram os livros espíritas, entra o gérmen da loucura. 

 Diante dessa insistência, concluímos que algum motivo devia existir para corroborar o referido remoque. E, de acordo com o conselho evangélico — procurai e achareis —, chegamos a desvendar o mistério com grande satisfação para nós, vítimas da cruel e pertinaz insinuação. Quando se aclarou na nossa mente o enigma, quase bradamos como Arquimedes: Eureca! Eureca! 

 Vamos, portanto, revelar aos leitores a nossa descoberta. 

 Como é sabido, procura-se por natural instinto de curiosidade, muito próprio da psicologia  humana, saber o móbil que determina a conduta de certas pessoas ou de certa classe de indivíduos cujo proceder destoa do modus vivendi da maioria. O móbil que determina os actos do homem, segundo o critério geral, é, invariavelmente, o interesse; interesse que pode ser directo ou indirecto, presente ou remoto, de natureza material ou moral, mesquinho ou elevado, mas sempre interesse. 

 Ora, os detractores do Espiritismo tornaram-se detractores dessa doutrina precisamente porque não conseguiram descobrir onde o interesse que move os espíritas através dessa actividade fecunda e constante a que eles se entregam. Indagando, perscrutando e investigando meticulosamente, por todos os meios, onde o interesse oculto dos espíritas, nada encontraram. Daí concluíram, aliás logicamente, por estar de acordo com os costumes do século, que só a loucura poderia explicar o ardor com que se debatem os adeptos do Espiritismo em prol dos ideais que esta doutrina encarna. 

 O fenómeno não é novo. Já no início do Cristianismo, os primitivos discípulos da nova fé passaram também como insanos e como elementos perigosos à ordem social, motivo por que sofreram as mais cruéis e dolorosas perseguições. 

 E, realmente, os que tomam os espíritas como desequilibrados têm razão, segundo o critério da época. Senão vejamos. 

 Qual é o móbil que agita os apóstolos do Espiritismo? Onde está o interesse a que visam? Económico, não é visto como os seus evangelizadores agem por conta própria, não percebem emolumentos nem ordenados por via directa ou indirecta, de quem quer que seja. Não fazem jus tão pouco a títulos honoríficos quaisquer. 

 São antes, ridicularizados pela atitude que assumem na sociedade. Recompensa futura, na outra vida, também não pode ser invocada como justificativa, porque a doutrina espírita reconhece e adopta a lei da causalidade, isto é, a lei das causas e efeitos mediante a qual todo o erro, falta ou crime cometido, há de recair fatalmente sobre o seu autor. O espírita não crê nas indulgências plenárias ou parciais nem no perdão no sentido de anulação da culpa. Crê na graça divina como auxílio, como a colaboração dos fortes em favor dos fracos; dos que sabem, em prol dos que ignoram. 

 Ora, do exposto se conclui claramente que os espíritas não lutam por motivo algum que se ligue ao interesse. Os seus divulgadores não percebem côngruas nem dízimos; são comumente lesados nos seus interesses particulares por questões de intolerância do meio em que vivem. Não fazem jus, como já vimos, a honras e distinções; são, antes, espezinhados e escarnecidos. Não pretendem alcançar favores e privilégios no céu. Que podem ser, então, tais pessoas senão vítimas de loucura? Onde já se viu destoar assim do século em que vivem? Que significa agir fora da órbita traçada pelo egoísmo e proceder em desconformidade com a grande maioria? Loucura rematada, não há dúvida nenhuma. 

 Por isso, parodiando o Apóstolo da gentilidade (i), dizemos: Anunciamos uma doutrina que é loucura para os gregos (materialistas) e escândalo para os judeus (sectários). 

 O Cristo de Deus fez jus ao mesmo qualificativo. 

/…  

"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.” 

                                                                                 Pedro de Camargo “Vinícius”        


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição / O sumo bem / As milícias do Céu, 16º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer)  

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