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quinta-feira, 20 de março de 2025

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo IX

A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico ~

  Na ocorrência matapsíquica chamada materialização existe algo mais do que um fenómeno: temos a imagem do homem e a face espiritual de sua individualidade. Não esqueçamos que se esse fenómeno não tivesse uma raiz que mergulha no eterno, não revelaria, como sempre o faz, uma imagem e uma face espiritual. Seria constituído apenas de representações amorfas ou na formação de figuras caprichosas, alheias à representação humana. Entretanto, no fenómeno metapsíquico, manifesta-se sempre a imagem do homem, tão real e viva, que fala, sente e ama.

  Que demiurgo caprichoso se compraz em manifestar-se nesse fenómeno, não através de loucas fantasmagorias, mas revelando-nos um homem vivo, com a sua própria imagem e natureza? A esta pergunta podemos responder que: se na materialização metapsíquica se apresenta a imagem humana, isso nos fornece a razão para repelirmos as doutrinas do materialismo e estabelecermos os lineamentos de uma biologia da alma, de uma nova concepção filosófica sobre o destino do Ser e da existência.

  O fenómeno de materialização metapsíquica representa um chamado ao sentido metafísico dos novos tempos. Omitir essa manifestação seria retardar o progresso da antropologia, de maneira que os interesses de sistemas ou de seitas não deveriam prevalecer frente a um fenómeno que tão fielmente nos revela a imagem do homem e de seu espírito. Entretanto, essa espécie de traição ao homem espiritual foi consumada pelos próprios “estudiosos” da metapsíquica, temerosos de serem considerados espíritas.

  Não obstante, fenomenologia metapsíquica exige do filósofo uma nova definição do homem, pois a sua inegável realidade nos permite afirmar que o ser humano é algo mais que um facto fisiológico. Para a filosofia espírita e o realismo metapsíquico, o homem é um dínamopsiquismo que ultrapassa a representação física do organismo, ainda que a idiossincrasia universitária, de carácter acomodatício, prefira uma metapsíquica fisiológica, como a de René Sudre. (i)

  Mas não é para isso que o fenómeno metapsíquico nos mostra o seu mundo de aparições e desaparições, esse conjunto de factos que estão revelando, com toda a clareza, que o Espírito ultrapassa os centros nervosos e que possui um mundo espiritual independente das circunvoluções cerebrais.

  Onde a metapsíquica se mostra grandiosa e comovedora é precisamente quando nos revela a imagem do homem, viva e materializada, como se regressasse de um longínquo país. É então que se evidencia, num facto supranormal que revoluciona todo o mundo conhecido da natureza, que a sua origem não é natural, como à força o querem biólogos, filósofos materialistas, e até certas correntes espiritualistas. Esquece-se que a metapsíquica nos oferece uma visão nova do homem e do Universo, apresentando-nos ainda outras conclusões metafísicas e com esta visão, o homem se nos apresenta como um poder psíquico que incide sobre a sua própria morte, para superá-la, como um ser dotado da natureza imortal. Esta superação espiritual da morte, pelo homem, é a razão fundamental do fenómeno metapsíquico; por isso, a imagem do homem está presente na sua manifestação. Não esqueçamos que a fisionomia humana não se manifesta em nenhum outro facto da natureza. Assim, se a metapsíquica no-la revela, é porque persegue algum propósito extraordinário, através do númeno que a conduz e a determina.

  William Crookes viu um espírito em carne e osso; viu um Ser quase ressuscitado, que falava com os vivos e se dava o nome de Katie King. O sábio inglês tocou a sua carne e sentiu que era viva, real e quente, o que levou o grande fisiólogo espanhol Jaume Ferran a dizer, referindo-se às materializações“Temos de confessar que estas materializações constituem o grande enigma da metapsíquica. O facto de aparecerem formas de contornos vagos, dotadas de uma luminosidade especial, que acabam por adquirir o aspecto de órgãos, membros e até de figuras humanas completas, que falam, se movimentam e respiram, exalando ácido carbónico; que têm pulsações arteriais, um coração que bate e a temperatura normal; que se desvanecem na presença dos espectadores e que, ainda quando seguradas firmemente, se esvaem sem deixar o menor vestígio; ninguém poderá negar que realmente constitui um grande mistério.” (ii)

  Crookes comprovou também que essa materialização metapsíquica tinha sangue de imortalidade, (iii) e que a imagem humana de Katie King era tão positiva e real como se não procedesse do outro mundo.

  Mas porque é que a teologia, a teosofia hindu e os sistemas espiritualistas negaram a espiritualidade e a realidade desse assombroso fenómeno? Porque é que negaram a prova da existência imortal do Espírito, quando a tiveram diante dos olhos?

  Acreditamos que a negaram porque se haviam esquecido das próprias aparições de Cristo depois da morte, essas divinas manifestações do Espírito de Jesus, que inauguraram para sempre, diante da humanidade e da história, a relação permanente entre os vivos e os mortos, como um prenúncio do que seria a ciência espírita do futuro. Assim, as ciências espirituais que não aprovam as manifestações de entidades invisíveis tornam-se superficiais e falíveis, divorciam-se das antigas modalidades do cristianismo.

  A investigação metapsíquica racionalizou a busca da imortalidade da alma. Aplicando-lhe o método científico, transformou em matéria experimental o que antes se considerava exclusivamente como sobrenatural ou pertencente à especulação teológica. Deste modo, o que se acreditava ser do domínio religioso passou para o domínio científico; consequentemente, a razão pode agora buscar uma nova fé, através dessa “teologia experimental” a que se referiu Jaume Ferran, ao tratar da obra metapsíquica do professor Charles Richet.

  O organismo humano, segundo a metapsíquica, possui um dinamopsiquismo que não depende dos centros nervosos. É por isso que a velha teoria do paralelismo psicofisiológico se desmorona ante a terrível metapsíquica, pois esta revela fenómenos decisivos a respeito, que constituem verdadeira contribuição de um grande númeno espiritual, encarregado de espiritualizar o conhecimento humano. Segundo as provas metapsíquicas, o Ser é uma força divina que dirige e condiciona o seu próprio desenvolvimento orgânico e espiritual, submetendo-se para isso à maravilhosa lei dos renascimentos.

  As teorias puramente naturalistas passam assim a ocupar um lugar secundário, já que o conhecimento metapsíquico dota o homem de um novo sentido filosófico e religioso. A ideia está recobrando a sua primazia na ordem do conhecimento, mas com acento revolucionário, pois o idealismo da metapsíquica não se parece em nada com o velho idealismo escolástico. A filosofia idealista que emerge dos factos sobrenaturais vem confirmar o carácter dinâmico e revolucionário do espiritismoEm consequência, o homem metapsíquico é totalmente diferente do homem materialista, tendo possibilidades de ampliar os sentidos humanos e até mesmo de dotar a espécie de órgãos psíquicos que modificarão as actuais noções de tempo e espaço. Os cinco sentidos do homem comum poderão ser ampliados por um sexto sentido, nexo psíquico que conectará a espécie com as realidades do mundo espiritual.

  De acordo com a filosofia espírita, a imagem do homem mudará, porque tudo está destinado a renovar-se. Deus não deu à criatura humana uma imagem definitiva, mas uma face espiritual que se irá transformando com a evolução. Porque o Ser é uma entidade que avança para a imagem de Deus, através do grande processo palingenésico a que está sujeito, adentrando-se cada vez mais no Divino Plano do Universo.

  À luz da filosofia espírita podemos dizer que a metapsíquica é a ciência dos fenómenos espirituais. Por esta ciência da Alma, como a chamaram Ernesto Bozzano e Charles Richet, a humanidade conhecerá a verdadeira senda espiritual que deve percorrer. Mas isto só acontecerá quando cessarem as rivalidades religiosas e ideológicas. Então se reconhecerá, para o bem da espécie, que no fenómeno metapsíquico está presente à imagem do homem desencarnado e que o espiritismo será o traço de união entre o materialismo e o espiritualismo clássicos.

  O espiritualismo kardecista guarda esse elo perdido, o nexo que reconciliará o pensamento materialista com o espiritualista. A tese de Gustave Geley, que sustenta não haver matéria sem espírito, nem espírito sem matéria, mostra-nos o enlace do elemento material com o elemento espiritual. Reconhecido o fenómeno metapsíquico como uma manifestação da substância ectoplásmica, será fácil compreender que matéria e espírito “são duas realidades que se conjugam, já que o desenvolvimento espiritual e físico resulta da união entre o corpo e a ideia. Assim se reconhecerá que não existe materialismo nem espiritualismo puros. Ambos os sistemas participarão reciprocamente dos seus respectivos elementos e o que antes os separava, agora os aproximará, demonstrando que o materialismo possui valores para o espiritualismo e o espiritualismo valores para o materialismo. (iv)

  A metapsíquica contribuirá enormemente para esta inter-relação de ambos os sistemas, devido à realidade biológica e espiritual revelada pelos seus fenómenos de materialização, que vieram confirmar a tese de que uma essência una anima e movimenta a vida de todo o Universo. (v)

/...
(i) A posição metapsíquica de Sudre, vigorosamente refutada por Ernesto Bozzano, renova-se actualmente na parapsicologia, Os próprios trabalhos de Sudre estão sendo reeditados, no interesse de refutar as conclusões extrafísicas de Rhine. (Nota de J.H. Pires).
(ii) Do prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, edição espanhola.
(iii) “Sangue de imortalidade”, expressão vigorosa com que o autor se refere à natureza humana do fenómeno. (Nota de J.H. Pires).
(iv) Kardec afirmou que o espiritismo e as ciências devem avançar juntos, porque tratam respectivamente dos dois aspectos fundamentais do Universo: o espírito e a matéria. (Ver a introdução de O Livro dos Espíritos e A Génese) Léon Denis, em O Génio Céltico e o Mundo Invisível, declara que o espiritismo avança para a realização da síntese do conhecimento, reunindo o saber espiritual e o material. Mariotti reafirma essa tese epistemológica da filosofia espírita. (Nota de J.H. Pires).
(v) A metapsíquica é considerada pelo autor como uma espécie de campo científico do espiritismo, uma zona intermediária em que o biológico e o anímico se encontram, dando lugar às manifestações ectoplásmicas que sintetizam espírito e matéria. (Nota de J.H. Pires).


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IX A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea
1936, Salvador Dali).

terça-feira, 6 de agosto de 2024

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Manifestações depois da morte ~

(por Léon Denis)

Acabámos de seguir o espírito do homem através das diferentes fases do desprendimento: o sono ordinário, o sono magnético, o sonambulismo, a transmissão do pensamento e a telepatia, em todas as suas formas. Vimos a sua sensibilidade e os seus meios de percepção aumentarem na razão do afrouxamento dos laços que o prendem ao corpo. Vamos agora vê-lo no estado de liberdade absoluta, isto é, depois da morte, manifestando-se ao mesmo tempo física e intelectualmente aos seus amigos da Terra. Não há solução de continuidade entre estes diferentes estados psíquicos. Quer estes fenómenos se dêem durante a vida material ou depois, são idênticos nas suas causas, nas suas leis e nos seus efeitos; produzem-se segundo modos constantes.

Há continuidade absoluta e graduação entre todos estes factos, desvanecendo-se assim a noção de sobrenatural, que por muito tempo os tornou suspeitos à Ciência. O antigo adágio: “A Natureza não dá saltos” verifica-se mais uma vez. A morte não é um salto: é a separação e não a dissolução dos elementos que constituem o homem terrestre; é a passagem do mundo visível ao mundo invisível, cuja delimitação é puramente arbitrária e devida simplesmente à imperfeição dos nossos sentidos. A vida de cada um de nós no Além é o prolongamento natural e lógico da vida actual, o desenvolvimento da parte invisível do nosso ser. Há concatenação no domínio psíquico, como no domínio físico.

Nas duas ordens de aparições, quer dos vivos exteriorizados, quer dos defuntos, é sempre, como vimos, a forma fluídica, o veículo da alma, a reprodução ou, antes, o esboço do corpo físico, que se concretiza e se torna perceptível para os sensitivos. A Ciência, depois dos trabalhos de BecquerelCurieLe Bon, etc., familiariza-se de dia para dia com os estados subtis e invisíveis da matéria, numa palavra, com os fluidos utilizados pelos Espíritos nas suas manifestações, e que os espíritas bem conhecem. Graças às descobertas recentes, a Ciência se pôs em contacto com um mundo de elementos, de forças, de potências, cuja existência nem sequer imaginava, e mostrou-se-lhe afinal a possibilidade de formas de existência durante muito tempo ignoradas.

Os sábios que estudaram o fenómeno espírita, Sir William CrookesRussel WallaceRobert Dale OwenAksakofOliver LodgePaul GibierMyers, etc., verificaram numerosos casos de aparições de pessoas mortas. O Espírito Katie King, que durante três anos se materializou (i) em casa de Sir W. Crookes, membro da Academia Real de Londres, foi fotografado em 26 de Março de 1874, na presença de um grupo de experimentadores. (ii)

Sucedeu o mesmo com os Espíritos Abdullah e John King, fotografados por Aksakof. O académico R. Wallace e o Dr. Thompson obtiveram a fotografia espírita de suas respectivas mães, falecidas havia muitos anos. (iii)

Myers fala de 231 casos de aparições de pessoas mortas. Cita alguns tirados dos Phantasms(iv) Assinalemos nesse número uma aparição anunciando uma morte iminente: (v)

“Um caixeiro viajante, homem muito saudável, teve certa manhã a visão de uma sua irmã que falecera havia nove anos. Quando contou o caso à família, foi ouvido com incredulidade e cepticismo; mas, ao descrever a visão, mencionou a existência de uma arranhadura na face da irmã. Essa particularidade de tal maneira impressionou sua mãe, que ela caiu desmaiada. Depois que voltou a si, contou que fora ela que, sem querer, fizera essa arranhadura à filha, no momento em que a depunha no caixão; que, em seguida, para disfarçar, cobrira-a com pós, de modo que ninguém no mundo estava a par dessa particularidade. O sinal que o seu filho vira, pois, prova a veracidade da visão e ela viu nele ao mesmo tempo o anúncio da sua morte que, efectivamente, sobreveio algumas semanas depois.” (vi)

Devem ser citados igualmente os casos seguintes: o de um mancebo que se comprometera, se morresse primeiro, a aparecer a uma donzela, sem lhe causar grande susto. Apareceu efectivamente um ano depois à irmã dela, no momento em que ia subir para uma carruagem; (vii) o caso do Sr. Town, cuja imagem foi vista por seis pessoas; (viii) o caso da Sra. de Fréville, que gostava de frequentar o cemitério e passear em volta da campa do marido e aí foi vista, sete ou oito horas depois do seu falecimento, por um jardineiro que por ali passava; (ix) o de um pai de família, falecido em viagem e que apareceu à filha com um vestuário desconhecido que, depois de morto, uns estranhos lhe haviam vestido. Falou-lhe de uma quantia que ela ignorava estar em seu poder. A exactidão desses dois factos foi reconhecida ulteriormente; (x) o caso de Edwin Russell, que se fez visível ao seu mestre de capela com a preocupação das obrigações e compromissos contraídos durante a vida. (xi) Finalmente, o caso de Robert Mackenzie. Quando ainda o patrão ignorava a sua morte, apareceu-lhe ele para se desculpar de uma acusação de suicídio que pesava sobre a sua memória. Foi reconhecida a falsidade dessa acusação, por ter sido acidental a sua morte. (xii)

Na memória apresentada ao Congrès International de Psychologie de Paris, em 1900, o Dr. Paul Gibier, director do Instituto Pasteur de Nova Iorque, fala das “materializações de fantasmas” (xiii) obtidas por ele no seu próprio laboratório, na presença de muitas senhoras da sua família e dos preparadores que habitualmente o auxiliavam nos seus trabalhos de biologia. As ditas senhoras tinham especialmente o encargo de vigiar a médium, Sra. Salmon, despi-la antes da sessão para lhe examinarem os vestidos, sempre pretos, ao passo que os fantasmas apareciam de branco. Por excesso de precaução, metiam a médium dentro de uma gaiola metálica fechada com cadeado e, durante as sessões, o Dr. Gibier não largava a chave.

Foi nessas condições que se produziram, à meia-luz, formas numerosas, talhes diferentes, desde aparições de crianças até fantasmas de alta estatura. A formação é gradual, opera-se à vista dos assistentes. As formas falam, passam de um lado para o outro, apertam as mãos dos experimentadores. “Interrogadas – diz Paul Gibier –, declaram todas ser entidades, pessoas que viveram na Terra, Espíritos desencarnados, cuja missão é nos mostrarem a existência da outra vida.”

A identidade de um desses Espíritos foi estabelecida com precisão: a de uma entidade chamada Blanche, uma familiar falecida de duas senhoras que assistiam às sessões, as quais puderam abraçá-la repetidas vezes e conversar com ela em francês, língua ignorada da médium.

No congresso espiritualista realizado no mesmo ano em Paris, na sessão de 23 de Setembro, o Dr. Bayol, senador das Bocas do Ródano, ex-governador de Dahomey, expunha verbalmente os fenómenos de aparição dos quais foi testemunha em Arles e Eyguières. O fantasma de Acella, donzela romana, cujo túmulo está em Arles, no antigo cemitério de Aliscamps, materializou-se ao ponto de deixar uma impressão do seu rosto em parafina fervente, não em entalhe, como se produzem habitualmente as moldagens, mas em relevo, o que seria impossível a qualquer ser vivo. Essas experiências, cercadas de todas as precauções necessárias, efectuaram-se na presença de personagens tais como o prefeito das Bocas do Ródano, o poeta Mistral, um general de Divisão, médicos, advogados, etc. (xiv)

Numa acta, com a data de 11 de Fevereiro de 1904, publicada pela Revue des Études Psychiques, de Paris, (xv) o Prof. Milèsi, da Universidade de Roma, “um dos campeões mais estimados da nova escola psicológica italiana”, conhecido na França pelas suas conferências na Sorbonne sobre a obra de Auguste Comte, deu testemunho público da realidade das materializações (i) de Espíritos, entre outras a de sua própria irmã falecida em Cremona havia três anos.

Damos aqui um extracto dessa acta:

“O que de mais maravilhoso houve nessa sessão foram as aparições, que eram de natureza luminosa, posto que se produzissem na meia claridade. Foram em número de nove; todos os assistentes as viram... As três primeiras foram as que reproduziram as feições da irmã do Prof. Milèsi, falecida havia três anos em Cremona, no convento das Filhas do Sacré-Coeur, com a idade de 32 anos. Apareceu sorridente, com o esquisito sorriso que lhe era habitual. Do mesmo modo o Sr. Squanquarillo viu uma aparição, na qual reconheceu a sua mãe. Foi a quarta. As cinco restantes reproduziam as feições dos dois filhos do Sr. Castoni. Este afirma ter sido abraçado pelos filhos. Ter conversado com eles várias vezes, ter recebido respostas suas e apertos de mãos; sentiu-os, mesmo, sentarem-se nos seus joelhos.” Assinaram J. B. Milèsi, P. Cartoni, F. Simmons, J. Squanquarillo, etc.

No seu artigo do Figaro de 9 de Outubro de 1905, intitulado: Par delà la ScienceCharles Richet, da Academia de Medicina de Paris, dizia, a propósito de outros fenómenos da mesma ordem: “O mundo oculto existe. Correndo embora o risco de ser tido pelos meus contemporâneos como insensato, creio que há fantasmas.”

O célebre Prof. Lombroso, da Universidade de Turim, no número de Junho de 1907 da revista italiana Arena, expõe o resultado das suas experiências com Eusápia Paladino: fenómenos de levitação, transportes de flores, etc. e acrescenta:

“O leitor vai interpelar-me com compaixão e perguntar-me: “Não se deixou simplesmente ludibriar por farsantes vulgares?” O facto indiscutível é que com Eusápia se tomaram as medidas de precaução mais absolutamente rigorosas contra a possibilidade de qualquer fraude, ligavam-se-lhe as mãos e os pés, ficando uns e os outros cercados por um fio eléctrico que, ao menor movimento, accionava uma campainha. O médium Politi foi, na Sociedade de psicologia de Milão, metido nu em pêlo, num saco, e a Sra. d’Espérance ficou imobilizada numa rede como um peixe e, não obstante, os fenómenos produziram-se.

Depois de tudo isso assisti ainda a sessões em que Eusápia Paladino em transe dava respostas exactas e muito sensatas em línguas que ela não conhecia, como, por exemplo, o inglês. Juntando a esses factos pessoais tudo o que soube das experiências de Crookes com Home e Katie King, das do médium alemão que fazia às escuras as mais curiosas pinturas, adquiri a convicção de que os fenómenos espíritas se explicam, em grande parte, por forças inerentes ao médium e também, por outro lado, pela intervenção de seres supraterrestres, que dispõem de forças das quais as propriedades do radium podem dar uma ideia, por analogia.

...Um dia, depois do transporte, sem contacto, de um objecto muito pesado, Eusápia, em estado de transe, disse-me: “Por que estás a perder o tempo com bagatelas? Sou capaz de fazer com que vejas a tua mãe; mas é necessário que penses nisso com veemência.” Impulsionado por essa promessa, ao fim de meia hora de sessão, tomou-me o desejo intenso de vê-la cumprir-se e a mesa, levantando-se com os seus movimentos habituais e sucessivos, parecia dar a sua anuência ao meu pensamento íntimo. De repente, na meia obscuridade, à luz vermelha, vi sair dentre as cortinas uma forma um tanto curvada, como era a de minha mãe, coberta com um véu. Contornou a mesa para chegar até mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas que a minha meia-surdez não me permitiu escutar. Como, sob a influência de uma viva emoção, eu lhe suplicava que as repetisse, ela me disse: “Cœsar, fiol mio!” o que, confesso, não era costume seu, visto que, sendo de Veneza, dizia mio fiol; depois, afastando o véu, deu-me um beijo.”

Lombroso fala, depois, das casas mal-assombradas e diz:

“Convém acrescentar que os casos de casas em que, durante anos, se reproduzem aparições ou barulhos, concordando com a narrativa de mortes trágicas e observadas sem a presença de médiuns, rivalizam contra a acção exclusiva destes em favor da acção dos mortos.” (xvi)

No Grupo de estudos que por muito tempo dirigi em Tours, os médiuns descreviam aparições de defuntos visíveis apenas a eles, é verdade, mas que nunca haviam conhecido, de quem nunca tinham visto nenhum retrato, ouvido fazer nenhuma descrição, e que os assistentes reconheciam pelas suas indicações.

Às vezes os Espíritos materializam-se ao ponto de poderem escrever, na presença de pessoas humanas e à sua vista, mensagens numerosas, que ficam como outras tantas provas da sua passagem. Foi o que se deu com a mulher do banqueiro Livermore, cuja letra foi reconhecida como idêntica à que ele tinha durante a sua existência terrestre; (xvii) mas, muito mais frequentes vezes, os Espíritos se incorporam no invólucro (corpo) de médiuns adormecidos, falam, escrevem, gesticulam, conversam com os assistentes e lhes fornecem provas certas da sua identidade.

Nesses fenómenos, o médium abandona momentaneamente o corpo; a substituição é completa. A linguagem, a atitude, a letra e o jogo de fisionomia são os de um Espírito estranho ao organismo de que dispõe por algum tempo.

Os factos de incorporação da Sra. Piper, minuciosamente observados e comprovados pelo Dr. Hodgson e pelos Profs. James HyslopWilliam James, Newbold, Oliver Lodge e Myers, constituem o complexo de provas mais poderoso em favor da sobrevivência. (xviii) A personalidade de G. Pelham revelou-se, post mortem, aos seus próprios parentes, a seu pai, a sua mãe, aos seus amigos de infância, cerca de trinta vezes, a tal ponto que não deixou dúvida alguma no espírito deles acerca da causa destas manifestações.

Sucedeu o mesmo com o Prof. Hyslop, que, tendo feito ao Espírito do seu pai 205 perguntas sobre assuntos que ele mesmo ignorava, obteve 152 respostas absolutamente exactas, 16 inexactas e 37 duvidosas, por não poderem ser verificadas. Essas verificações foram feitas no decurso de numerosas viagens efectuadas através dos Estados Unidos para se chegar a conhecer minuciosamente a história da família Hyslop, antes do nascimento do professor, história a que essas perguntas se referiam.

Os Annales des Sciences Psychiques de Paris, Julho de 1907, lembram o seguinte facto, que igualmente se produziu na América no ano de 1860:

“O grande juiz Edmonds, presidente do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Nova Iorque, presidente do Senado dos Estados Unidos, tinha uma filha, Laura, em quem surgiu uma mediunidade com fenómenos espontâneos, que se produziram em volta dela e não tardaram a despertar a sua curiosidade, de tal modo, que começou a frequentar sessões espíritas. Foi então que ela se tornou médium-falante. Quando nela se manifestava outra personalidade, Laura falava por vezes diferentes línguas que ignorava.

Numa noite, em que uma dúzia de pessoas estavam reunidas em casa do Sr. Edmonds, em Nova Iorque, o Sr. Green, artista nova-iorquino, veio acompanhado por um homem que ele apresentou com o nome do Sr. Evangelides, da Grécia. Não tardou a manifestar-se na Senhorita Laura uma personalidade, que falava, em inglês, ao visitante e lhe comunicou grande número de factos tendentes a provar que a personalidade era a de um amigo falecido em casa dele, havia muitos anos, mas de cuja existência nenhuma das pessoas presentes tinha conhecimento. Por momentos intercalares a donzela pronunciava palavras e frases inteiras em grego, o que deu ensejo a que o Sr. Evangelides lhe perguntasse se podia falar em grego. Ele falava efectivamente com dificuldade o inglês. A conversa continuou em grego da parte de Evangelides e alternativamente em grego e inglês da parte da Srta. Laura. Momentos houve em que Evangelides parecia muito comovido. No dia seguinte renovou a sua conversa com a Srta. Laura, depois explicou aos assistentes que a personalidade invisível, que parecia manifestar-se com a intervenção da médium, era a de um dos seus amigos íntimos, falecido na Grécia, irmão do patriota grego Marc Bótzaris. Esse amigo informava-o da morte de um filho seu, também de nome Evangelides, que ficara na Grécia e passava bem no momento em que o seu pai partira para a América.

Evangelides voltou a estar com o Sr. Edmonds várias vezes ainda e, dez dias depois da sua primeira visita, informou-o de que acabava de receber uma carta participando-lhe a morte do seu filho. Essa carta devia vir a caminho quando se realizou a primeira conversa do Sr. Evangelides com a Srta. Laura.

“Estimaria – disse o juiz Edmonds a esse respeito – que me dissessem como devo encarar este facto. Negá-lo é impossível; é demasiado flagrante. Também então podia negar que o Sol nos ilumina.”

Isto passou-se na presença de oito a dez pessoas, todas instruídas, inteligentes, discretas e também todas capazes de fazerem a distinção entre uma ilusão e um facto real.” (xix)

O Sr. Edmonds informou-nos que a sua filha não tinha ouvido até então uma única palavra em grego moderno. Acrescentou que noutras ocasiões ela chegou a falar mais de treze línguas diferentes, entre as quais o polaco e o indiano, quando, no seu estado normal, apenas sabia inglês e francês, este último como se pode aprender na escola. É preciso notar que o Sr. J. W. Edmonds não é uma personalidade qualquer. Nunca lhe puseram em dúvida a perfeita integridade do seu carácter e as suas obras provam a sua luminosa inteligência.

Fenómenos da mesma ordem foram muitas vezes obtidos na Inglaterra. Citemos, neste número, uma manifestação do célebre Prof. Sidgwick pelo organismo da Sra. Thompson, adormecida. Figura nos Proceedings. O Sr. Piddington, secretário da Sociedade, testemunha do facto, redigiu um relatório que foi lido na sessão de 7 de Dezembro de 1903. Fez circular de mão em mão, entre os assistentes, diferentes escritos automáticos, nos quais os amigos e parentes de Sidgwick, o eminente psicólogo que foi o primeiro presidente da Sociedade, reconheceram a sua letra. Ao menos uma vez Sidgwick ter-se-ia esforçado por falar pela boca da Sra. Thompson. O Senhor Piddington descreveu esta cena como a experiência mais realista e impressionante que se encontra em todo o curso das suas investigações. “Não era, diz ele, como se tivesse sido Sidgwick; era ele realmente, ao que se podia julgar.” A personalidade de Sidgwick fez alusão, entre outras coisas, a um incidente que se dera numa das reuniões do Conselho de direcção da Society, “e do qual, se pode dizer com certeza quase absoluta, a Sra. Thompson não podia ter conhecimento”. Uma das pessoas que assistiam à sessão, membro do Conselho de direcção, o Sr. Arthur Smith, levantou-se para dizer que se lembrava muito bem daquela circunstância. (xx)

Relataremos ainda um fenómeno de comunicação durante o sono, obtido pelo Sr. Chedo Mijatovitch, ministro plenipotenciário da Sérvia, em Londres, e reproduzido pelos Annales des Sciences Psychiques, de 1 e 16 de Janeiro de 1910.

“A pedido de espíritas húngaros, para que se pusesse em relação com um médium, a fim de elucidar um ponto da História a respeito de um antigo soberano sérvio, morto em 1350, dirigiu-se à casa do Sr. Vango, de quem muito se falava nessa época e a quem nunca tinha visto até então. Adormecido, o médium anunciou a presença do Espírito de um jovem, ansioso por se fazer ouvir, mas de quem não compreendia a linguagem. No entanto, acabou conseguindo reproduzir algumas palavras.

Elas eram em sérvio, sendo esta a tradução: “Peço-te escrevas à minha mãe Nathalie, dizendo-lhe que imploro o seu perdão.”

O Espírito era o do rei Alexandre.

Chedo Mijatovitch não duvidou, ainda mais quando novas provas de identidade logo se juntaram à primeira: o médium fez a descrição do defunto e este mostrou o seu pesar por não ter seguido um conselho confidencial que lhe havia dado, dois anos antes de ser assassinado, o diplomata consultante.”

Na França, entre um certo número de casos, assinalaremos o do abade Grimaud, director do asilo dos surdos-mudos de Vaucluse. Por meio dos órgãos da Sra. Gallas, adormecida, recebeu, do Espírito Forcade, falecido havia oito anos, uma mensagem pelo movimento silencioso dos lábios, de acordo com um método especial para surdos-mudos, que este Espírito inventara, comunicado ao abade Grimaud, venerável eclesiástico, que era o único dos assistentes que podia conhecê-lo. Há pouco tempo que publicámos a acta dessa notável sessão com as assinaturas de doze testemunhas e o atestado do abade Grimaud. (xxi)

O Sr. Joseph Maxwell, advogado geral no Tribunal de Apelação de Bordéus e doutor em Medicina, na sua obra Phénomènes Psychiques (xxii) estuda o fenómeno das incorporações, que observou em casa da Sra. Agullana, esposa de um estucador, e assim se exprime:

“A personalidade mais curiosa é a de um médico falecido há cem anos. A sua linguagem médica é arcaica. Dá às plantas os nomes medicinais antigos. O seu diagnóstico é geralmente exacto; mas, a descrição dos sintomas internos que ele vê é bem própria a causar admiração a um médico do século XX... Há dez anos que observo o meu colega do além-túmulo. Não tem variado e apresenta uma continuidade lógica surpreendente."

Eu mesmo observei frequentes vezes este fenómeno. Pude, como noutra obra expus; (xxiii) conversar por intermédio de diversos médiuns, com muitos parentes e amigos falecidos, obter indicações que estes médiuns não conheciam e que, para mim, constituíam outras tantas provas de identidade. Se levarmos em conta as dificuldades que comportam a comunicação de um Espírito a ouvintes humanos, por meio de um organismo e, particularmente, de um cérebro que ele não apropriou, a que não deu flexibilidade mediante uma longa experiência; se considerarmos que, em razão da diferença dos planos de existência, não pode exigir-se de um desencarnado todas as provas que a um homem material se pediria, é preciso reconhecer que o fenómeno das incorporações é um dos que mais concorrem para demonstrar a espiritualidade e o princípio da sobrevivência.

Não se trata, nestes casos, de uma simples influência à distância. Há um impulso a que o sujet não pode resistir e que na maior parte das vezes se transforma na tomada de posse do organismo inteiro. Este fenómeno é análogo ao que verificamos nos casos de segunda personalidade. Neste, o “eu” profundo substitui o “eu” normal e toma a direcção do corpo físico, com um fim de fiscalização e regeneração. Mas, aqui é um Espírito estranho que desempenha esse papel e substitui a personalidade do médium adormecido.

As palavras possessão ou posse, de que acabamos de nos servir, foram muitas vezes tomadas em sentido lamentável.

Atribuía-se no passado aos factos que elas designam um carácter diabólico e terrificante, como muito bem disse Myers(xxiv) “O diabo não é uma criatura desconhecida pela Ciência. Nestes fenómenos encontramo-nos somente na presença de Espíritos que foram outrora homens semelhantes a nós e que estão sempre animados dos mesmos motivos que nos inspiram.”

A esse propósito Myers faz uma pergunta: “É a possessão algumas vezes absoluta?”... e responde nestes termos: “A teoria que diz que nenhuma das correntes conhecidas da personalidade humana esgota toda a sua consciência e que nenhuma das suas manifestações conhecidas exprime toda a potencialidade do seu ser, pode igualmente aplicar-se aos homens desencarnados.” (xxv)

Com isso abordaríamos o ponto central do problema da vida humana, a mola secreta, a acção íntima e misteriosa do Espírito sobre um cérebro, quer sobre o seu, quer, nos casos de que nos ocupamos, sobre um cérebro estranho.

Considerada sob esse aspecto, a questão toma importância capital em Psicologia. Myers acrescenta: (xxvi)

“Com o auxilio destes estudos, as comunicações cada vez se tornarão mais fáceis, completas, coerentes, e atingirão níveis mais elevados de consciência unitária. Grandes e numerosas devem ter sido as dificuldades; mas nem de outro modo pode ser quando se trata de reconciliar o espírito com a matéria e de abrir ao homem, do planeta onde está encarcerado, uma fresta para o mundo espiritual...

Assim como, pela clarividência migratória (Myers chama assim à clarividência dos sonâmbulos), o Espírito muda de centro de percepção, no meio das cenas do mundo material, assim também há transmissões espontâneas do centro de percepção para as regiões do mundo espiritual. A concepção do êxtase, no seu sentido mais literal e sublime, resulta assim, sem esforço, quase insensivelmente, de uma série de provas modernas.

Em todas as épocas se tem concebido o Espírito como susceptível de deixar o corpo ou, se não o deixa, de estender consideravelmente o seu campo de percepção, fazendo nascer um estado que se parece com o êxtase. Todas as formas conhecidas de êxtase concordam neste ponto e se baseiam num facto real.”

Vê-se que, graças a experiências, a observações, a testemunhos mil vezes repetidos, a existência e a sobrevivência da alma saem doravante do domínio da hipótese ou da simples concepção metafísica, para se converterem em realidade viva, em facto rigorosamente averiguado. O sobrenatural tocou o fim dos seus dias; o milagre já não passa de uma palavra. Todos os terrores, todas as superstições que a ideia da morte sugeria aos homens se desfazem em fumo. Dilata-se a nossa concepção da vida universal e da obra divina e, ao mesmo tempo, a nossa confiança no futuro fortifica-se. Vemos nas formas alternadas da existência carnal e fluídica o progresso do ser, o desenvolvimento da personalidade a prosseguir e uma Lei Suprema a presidir à evolução das almas através do tempo e do espaço.

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(ii) Ver W. Crookes (i) – Recherches sur les Phénomènes du Spiritisme.
(iii) Aksakof (i) – Animismo e Espiritismo, págs. 620 e 621.
(iv) F. Myers (i) – La Personnalité Humaine, pág. 268.
(v) Idem, pág, 280.
(vi) Há necessidade de fazer notar que o Espírito quis aparecer com esse “arranhão” somente para dar, por esse meio, uma prova da sua identidade. O mesmo se dá em muitos dos casos que se vão seguir, em que Espíritos se mostraram com trajes ou atributos que constituíam outros tantos elementos de convicção para os percipientes.
(vii) Proceedings, X, 284.
(viii) Idem, X, 292.
(ix) Phantasms of the Living, I, 212.
(x) Proceedings, X, 283.
(xi) Proceedings, VIII, 214.
(xii) Proceedings, II, 95.
(xiii) Ver Compte rendu officiel du IV Congrès de Psychologle, Paris, F. Alcan, Fevereiro de 1901, reproduzido in extenso pelos Annales des Sciences Psychiques (i).
(xiv) Ver Compte rendu du Congrès Spiritualiste International de 1900 (i), pág. 241 e seguintes. Leymarie, editor.
(xv) Número de Março de 1904.
(xvi) Recomendamos a leitura da obra Hipnotismo e Mediunidade, de Lombroso (i). (N.E.)
(xvii) Ver Aksakof – Animismo e Espiritismo, págs. 620 e 631.
(xviii) Ver o caso de Mrs. Piper. Proceedings, XIII, 284 e 285; XIV, 6 e 49, resumidos na minha obra No Invisível, cap. XIX.
(xix) Havia, entre outras pessoas, Mr. Green, artista; o Sr. Allen, presidente do Banco de Boston; dois empreiteiros dos caminhos de ferro nos Estados do Oeste; Miss Jennie Keyer, sobrinha do juiz Edmonds, etc.
(xx) Revue des Etudes Psychiques (i), Paris, Janeiro de 1904.
(xxi) Ver No Invisível, cap. XIX.
(xxii) Phénomènes Psychiques (i), pág. 26.
(xxiii) No Invisível, caps. VIII, XIX e XX; Cristianismo e Espiritismo, cap. XI.
(xxiv) F. Myers – La Personnalité Humaine, pág. 369.
(xxv) F. Myers – La Personnalité Humaine, pág. 297.
(xxvi) Idem, ibidem.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VII – Manifestações depois da morte, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)

terça-feira, 23 de abril de 2024

Léon Denis e o Cristianismo ~


Relações com os Espíritos dos Mortos

(I de II)

  Os primeiros cristãos comunicavam-se com os Espíritos dos mortos e deles recebiam ensinamentos. Não há nenhuma dúvida sobre este ponto, porque são abundantes os testemunhos. Resultam dos próprios textos dos livros canónicos, textos que conseguiram escapar às vicissitudes dos tempos e cuja autenticidade é indubitável. (ii)

  O Cristianismo repousa inteiramente em factos de aparição e manifestação dos mortos e fornece inúmeras provas da existência do mundo invisível e das almas que o povoam.

  Estas provas são igualmente abundantes no Antigo e no Novo Testamento. Num, como no outro, se encontram aparições de anjos (iii) dos Espíritos dos justos, avisos e revelações feitos pelas almas dos mortos, o dom de profecias (iv) e o dom de curar. (v) No Novo Testamento são referidas as aparições do próprio Jesus, depois do seu suplício e sepultura.

  A existência do Cristo havia sido uma constante comunhão com o mundo invisível. O filho de Maria era dotado de faculdades que lhe permitiam conversar com os Espíritos. Estes, muitas vezes, se tornavam visíveis a seu lado. Os seus discípulos viram-no, assombrados, conversar um dia no Tabor com Elias e Moisés. (vi)

  Nos momentos críticos, quando uma questão o embaraça, como no caso da mulher adúltera, ele evocava as almas superiores e com o dedo traçava na areia a resposta a dar, do mesmo modo que nos nossos dias o médium, movido por força estranha, traça caracteres na ardósia.

  Estes factos são conhecidos, relatados, mas muitos outros, relacionados com esta troca assídua com o invisível, permaneceram ignorados dos homens, mesmo daqueles que o cercavam.

  As relações do Cristo com o mundo dos Espíritos afirmam-se pelo amparo constante que do Além recebia o mensageiro divino.

  Por vezes, apesar da sua coragem, da abnegação que inspiram todos os seus actos, perturbado pela grandeza da tarefa, ele eleva a alma a Deus; ora, implora novas forças e é atendido. Um grandioso sopro lhe bafeja a mente. Sob um impulso irresistível, ele reproduz os pensamentos sugeridos; sente-se reconfortado, socorrido.

  Nas horas solitárias, os seus olhos distinguem letras de fogo que exprimem as vontades do céu; (vii) soam vozes aos seus ouvidos, trazendo-lhe resposta às suas ardentes preces. São a transmissão directa dos ensinos que deve divulgar, são preceitos regeneradores para cuja propagação baixara à Terra. As vibrações do pensamento supremo que animam o Universo lhe são perceptíveis e lhe incutem esses eternos princípios que espalhará e que jamais se hão de apagar da memória dos homens. Ele percebe melodias celestes e os seus lábios repetem as palavras escutadas, sublimes revelações, mistério ainda para muitos seres humanos, mas para ele a confirmação absoluta dessa constante protecção e das intuições que lhe provêm dos mundos superiores.

  E quando essa grande vida terminou, quando se consumou o sacrifício, depois que Jesus foi pregado na cruz e baixou ao túmulo, o seu Espírito continuou a afirmar-se através de novas manifestações. Essa alma poderosa, que em nenhum túmulo poderia ser aprisionada, aparece aos que na Terra havia deixado tristes, desanimados e abatidos. Vem dizer-lhes que a morte não é nada. Com a sua presença lhes restitui a energia, a força moral necessária para cumprirem a missão que lhes foi confiada.

  As aparições do Cristo são conhecidas e tiveram numerosos testemunhos. Apresentam analogias flagrantes com as que nos nossos dias são observadas em diversos graus, desde a forma etérea, sem consistência, com que aparece a Maria Madalena e que não suportaria o mínimo contacto, até à completa materialização, tal como a pôde verificar Tomé, que tocou com a sua própria mão as chagas do Cristo. (viii) Daí esse contraste nas palavras de Jesus: “Não me toques” – diz ele a Madalena – ao passo que convida Tomé a pôr um dedo nos buracos dos cravos: “Chega também a tua mão e mete-a em mim”.

  Jesus aparece e desaparece instantaneamente. Entra numa casa com as portas fechadas. Em Emaús conversa com dois dos discípulos, que não o reconhecem e, desaparece repentinamente. Encontra-se de posse desse corpo fluídico, etéreo, que há em todos nós, corpo subtil que é o invólucro inseparável de todas as almas e que um alto Espírito como o seu soube dirigir, modificar, condensar, rarefazer à vontade. (ix) E a tal ponto o condensa, que se torna visível e tangível aos assistentes.

  As aparições de Jesus depois da morte são mesmo a base, o ponto capital da doutrina cristã e foi por isso que São Paulo disse: “Se o Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé.” O Cristianismo não é uma esperança, é um facto natural, um facto apoiado no testemunho dos sentidos. Os apóstolos não acreditavam só na ressurreição; estavam convencidos dela.

  E é por esta razão que a sua prédica adquiria aqueles tons veementes e penetrantes, que incutia uma convicção robusta. Com o suplício de Jesus o Cristianismo era ferido em pleno coração. Os discípulos, consternados, estavam prestes a se dispersarem.

  O Cristo, porém, lhes apareceu e a sua fé tornou-se tão profunda que, para a confessar, afrontaram todos os suplícios. As aparições do Cristo depois da morte asseguraram a persistência da ideia cristã, oferecendo-lhe como base todo um conjunto de factos.

  A verdade é que os homens lançaram a confusão sobre estes fenómenos, atribuindo-lhes um carácter miraculosoO milagre é uma postergação das leis eternas fixadas por Deus, das obras que são da sua vontade e, seria pouco digno da suprema Potência exceder da sua própria natureza e variar nos seus decretos.

  Jesus, conforme a Igreja, teria ressuscitado com o seu corpo carnal. Isso é contrário ao texto primitivo do Evangelho. As aparições repentinas, com mudanças de forma, que se produzem em lugares fechados, não podem ser senão manifestações espíritas, fluídicas e naturais. Jesus ressuscitou, como ressuscitaremos todos, quando o nosso espírito abandonar a prisão de carne.

  Em Marcos e Mateus e, na descrição de Paulo (l Coríntios, XV), estas aparições são narradas do modo mais conciso. Segundo Paulo, o corpo do Cristo é incorruptível; não tem carne nem sangue. Esta opinião procede da mais antiga tradição. A materialidade só veio mais tarde, com Lucas. A narrativa complica-se então e é enfeitada com particularidades maravilhosas, no intuito evidente de impressionar o leitor. (x)

  Este modo de ver, como em geral toda a teoria do milagreresulta de uma falsa interpretação das leis do Universo. O mesmo acontece com a ideia do sobrenatural, que corresponde a uma concepção deficiente da ordem do mundo e das normas da vida. Na realidade, nada existe fora da Natureza, que é a obra divina na sua majestosíssima expansão. O erro do homem provém da acanhada ideia que ele faz da Natureza e das formas da vida, limitadas para ele à esfera traçada pelos seus sentidos. Ora, os nossos sentidos apenas abrangem uma porção muitíssimo restrita do domínio das coisas. Além destes limites que eles nos impõem, a vida desdobra-se sob aspectos ricos e variados, sob formas subtis, quintessências, que se graduam, se multiplicam e renovam até ao infinito.

  A este domínio do invisível pertence o mundo fluídico, povoado pelos Espíritos dos homens que viveram na Terra e se despojaram do seu invólucro grosseiro. Subsistem eles sob essa forma subtil de que acabamos de falar, forma ainda material posto que etérea, porque a matéria afecta muitos estados que não nos são familiares. Essa forma é a imagem, ou antes, o esboço dos corpos carnais que estes Espíritos animaram nas suas vidas sucessivas. Eles passam, mas a forma permanece, como a alma, de que é o organismo indestrutível.

  Os Espíritos ocupam posições diferentes em harmonia com a sua elevação moral. A sua irradiação, o brilho, o poder, são tanto maiores quanto mais alto houverem subido na escala das virtudes, das perfeições e, quanto maior tiver sido a sua dedicação em servir à causa do bem e da Humanidade. São estes seres, ou Espíritos, que se manifestam em todas as épocas da História e em todos os lugares, tendo como intermediários sensitivos especialmente dotados e que, conforme os tempos, se chamaram adivinhos, sibilas, profetas ou médiuns.

  As aparições que assinalam os primeiros tempos do Cristianismo, como as épocas bíblicas mais longínquas, não são fenómenos isolados, mas a manifestação de uma lei universal, eterna, que presidiu sempre às relações entre os habitantes dos dois mundos, o mundo da matéria grosseira, a que pertencemos e, o mundo fluídico invisível, povoado pelos Espíritos dos que denominamos, tão impropriamente, de mortos. (xi)

  Foi apenas em época recente que esta ordem de manifestações pôde ser estudada pela Ciência. Graças às observações de numerosos sábios, a existência do mundo dos Espíritos foi positivamente estabelecida e as leis que o regem foram determinadas com certa precisão.

  Conseguiu reconhecer-se a presença, em cada ser humano, de um duplo fluídico que sobrevive à morte, no qual foi reconhecido o envoltório imperecível do Espírito. Este duplo, que já se desprende durante o êxtase e o sono, que se transporta e opera à distância durante a vida, torna-se, depois da separação definitiva do corpo carnal e, de um modo mais completo, o instrumento fiel e o centro das energias activas do Espírito.

  Mediante este invólucro fluídico é que o Espírito preside a tais manifestações de além-túmulo, que já não são segredo para ninguém, desde que comissões científicas lhe estudaram os múltiplos aspectos, chegando a pesar e fotografar os Espíritos, como o fizeram W. Crookes com o Espírito de Katie KingRussell Wallace e Aksakof com os de Abdullah e John King. (xii)

  É provável que o dom das línguas, conferido aos apóstolos, oferecesse analogias com o fenómeno que, sob o nome de xenoglossia, actualmente conhecemos. A força ódica de Reichenbach e a matéria radiante explicam a auréola dos santos; as chamas ou “línguas de fogo”, que apareceram no dia de Pentecostes, reproduzem-se hoje em dia nos factos comunicados ao Congresso Espiritualista de 1900 pelo Doutor Bayol, senador pelo Distrito das Bocas do Ródano, (xiii) e finalmente as visões dos mártires são fenómenos da mesma ordem que os no nosso tempo observados no momento da morte de certas pessoas. (xiv) Assim, também, o desaparecimento do corpo de Jesus do sepulcro em que fora depositado, pode explicar-se pela desagregação da matéria, observada há alguns anos em sessões de experimentação psíquica. (xv)

  Durante muito tempo os homens não viram nisso senão factos miraculosos, provocados pelo próprio Deus ou pelos seus anjos, opinião cuidadosamente alimentada pelos padres, a fim de impressionar a imaginação das massas e torná-las mais submissas ao seu poder.

  Nas Escrituras encontramos exemplos frequentes dos erros de que foram objecto esses fenómenos. Em Patmos, João vê aparecer um génio que, a princípio, ele quer adorar, mas que lhe afirma ser o Espírito de um dos profetas seu irmão. (xvi) Neste caso, foi dissipado o erro; o Espírito deu a conhecer a sua personalidade; em quantos outros casos, porém, não foi ele mantido? É o mesmo que se dá com a intervenção, tão frequente, dos anjos da Bíblia. É preciso pormo-nos em guarda contra as tendências dos judeus e dos cristãos no sentido de atribuir a Deus e aos seus anjos fenómenos produzidos pelos Espíritos dos mortos e, a cujo respeito competia à nossa época fazer luz, restabelecendo-os na sua verdadeira categoria.

  Na época de Jesus, a crença na imortalidade estava enfraquecida. Os judeus encontravam-se divididos a respeito da vida futura. Os cépticos saduceus aumentavam em número e influência. Chegado Jesus. Torna mais amplas as vias de comunicação entre o mundo terrestre e o mundo espiritual. Aproxima a tal ponto os invisíveis dos humanos, que eles se podem corresponder novamente. Com mão possante levanta o véu da morte e surgem visões do âmago da sombra; no meio do silêncio fazem-se ouvir vozes; e essas visões e essas vozes vêm afirmar ao homem a imortalidade da vida.

  O Cristianismo primitivo afecta, pois, este carácter particular de ter aproximado as duas humanidades, a terrestre e a celeste; tornou mais intensas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Efectivamente, em cada grupo espírita, as pessoas se entregavam a evocações; havia médiuns falantes, inspirados, de efeitos físicos, como está escrito no capítulo XII da primeira epístola de Paulo aos Coríntios. Então, como hoje, certos sensitivos possuíam o dom da profecia, o dom de curar, o de expelir os maus Espíritos. (xvii)

  Na Epístola citada, S. Paulo fala também do corpo espiritual, imponderável, incorruptível:

  “O homem é colocado na terra como um corpo animal e, ressuscitará como um corpo espiritual; do mesmo modo que há um corpo animal, há um corpo espiritual.” (I Coríntios, XV, 44)

  Fora um fenómeno espírita, a aparição de Jesus no caminho de Damasco, o que havia feito de S. Paulo um cristão; (xviii) Paulo não conhecera o Cristo e, no momento dessa visão, que decidiu do seu destino, bem longe estava de se encontrar preparado para a sua ulterior tarefa. “Respirando sempre ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”, munido contra eles de ordens de prisão, seguira para Damasco a fim de os perseguir. Neste caso, não cabe invocar, como a respeito dos apóstolos se poderia fazer, um fenómeno de alucinação, provocado pela constante recordação do Mestre. Esta visão, ao demais, não foi isolada; em todo o curso subsequente de sua vida, Paulo entreteve assíduas relações com o invisível, particularmente com o Cristo, de quem recebia as instruções indispensáveis à sua missão. Ele mesmo diz que haure inspirações nos colóquios secretos com o filho de Maria.

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(ii) Ver nota complementar nº 6 ( link para aceder à nota).
(iii) Em hebraico, o verdadeiro sentido da palavra anjo, melach, é de mensageiro.
(iv) O dom de profecia não consistia simplesmente em predizer o futuro, mas, de um modo mais extenso, em falar e transmitir ensinos sob a influência dos Espíritos.
(v) Ver, quanto ao conjunto desses fenómenos, a nota complementar n° 7 ( link para aceder à nota), sobre "Os factos espíritas na Bíblia".
(vi) Jesus tinha escolhido discípulos, não entre homens instruídos, mas entre sensitivos e videntes, dotados de faculdades mediúnicas.
(vii) Estes pormenores, que talvez surpreendam o leitor, não são o produto da nossa imaginação. Foram-nos comunicados por um alto Espírito, cuja vida esteve envolvida com a do Cristo. O mesmo se dá em muitas passagens deste livro.
(viii) João, XX, 15-17 e 24-28.
(ix) Ver a nota complementar nº 9 ( link para aceder à nota), sobre "O perispírito ou corpo fluídico".
(x) Clemente de Alexandria (i) refere uma tradição que circulava ainda no seu tempo, segundo a qual João enterrara a mão no corpo de Jesus e o atravessara sem encontrar resistência. ("Jesus de Nazareth", por Albert Réville, 2°- vol., nota à pág. 470).
(xi) Ver as minhas outras obras, especialmente, "Depois da Morte" e "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade".
(xii) W. Crookes, "Pesquisas sobre os fenómenos espíritas"; Russell Wallace, "O moderno espiritualismo"; Aksakof, "Animismo e Espiritismo". Relativamente a uma série de fenómenos análogos e mais recentes, ver também Léon Denis, "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade", cap. XX.
(xiii) Ver, "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade", pág. 332.
(xiv) Ver a morte de Estevão: Actos, VII, 55 e 56.
(xv) Ver, "No Invisível", pág. 346.
(xvi) Apocalipse, XIX, 10.
(xvii) Apocalipse, XIX, 10.
(xviii) Idem.


Léon Denis (1846-1927) (i)Cristianismo e Espiritismo, Título Original em Francês; Léon Denis - Christianisme et Spiritisme, Librairie des Sciences Psychiques, Paris (1898). – Relações com os Espíritos dos Mortos, 5 (I de II), 6º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel)