Natureza da Revelação Espírita (XI)
Não existe nenhuma ciência que tenha saído de
todas as peças do cérebro de um homem; todas, sem excepção, são o produto de
observações sucessivas, apoiando-se sobre as observações anteriores como sobre
um ponto conhecido para se chegar ao desconhecido.
Foi assim que os Espíritos procederam para o
Espiritismo; é por isso que
o seu ensino é gradual; só abordam as questões à medida que os princípios sobre
os quais se devem apoiar forem estando suficientemente elaborados e a opinião
for estando madura para os assimilar. É até notável que, de todas as vezes que os
centros particulares quiseram abordar as questões prematuramente, só obtiveram
respostas contraditórias ou inconclusivas. Quando, pelo contrário, o momento
favorável chegou, o ensinamento generalizou-se e unificou-se na quase
universalidade dos centros.
Há no entanto entre o andamento do
Espiritismo e o das
ciências uma diferença capital, que reside no facto destas só terem atingido o
ponto a que chegaram após longos intervalos, enquanto ao
Espiritismo bastaram
alguns anos, se não para atingir o ponto culminante, pelo menos para recolher
uma quantidade de observações suficientemente grande para constituir uma
doutrina, isto deve-se ao número incontável de Espíritos que, por vontade de
Deus, se manifestaram simultaneamente, trazendo cada um deles o contingente dos
seus conhecimentos. Daqui resultou que todas as partes da doutrina, em vez de
serem elaboradas sucessivamente durante vários séculos, foram-no quase
simultaneamente em alguns anos e bastou juntá-las para formar um todo.
Deus quis que assim fosse, primeiro para que o
edifício chegasse mais rapidamente ao cume; em segundo lugar, para que se
pudesse, por comparação, ter um controlo por assim dizer imediato e
permanente na universalidade do ensino, não tendo cada uma das partes valor
e autoridade a não ser através da sua ligação ao conjunto, devendo todas
harmonizarem-se, encontrarem o seu lugar na arrumação geral e chegar cada uma a
seu tempo.
Não confiando a um só Espírito o cuidado da
promulgação da doutrina, Deus quis além disso que o mais pequeno bem, assim
como o maior, entre os Espíritos como entre os homens, levasse a sua pedra ao
edifício, a fim de estabelecer entre eles um laço de solidariedade
cooperativa que faltou a todas as doutrinas saídas de uma única fonte.
Por outro lado, cada espírito, tal como cada homem,
só possuindo uma soma limitada de conhecimentos, não conseguiria tratar
individualmente
ex professo as inúmeras questões que o
Espiritismo aborda;
eis também porque a doutrina, para preencher os objectivos do Criador, não
podia ser obra nem de um só Espírito, nem de um só
médium; só podia sair dos
trabalhos colectivos controlados uns pelos outros.
(i)
Uma última característica da revelação espírita,
e que resulta das próprias condições em que é feita, é que, apoiando-se
nos factos, ela é e não pode deixar de ser essencialmente progressiva, tal como
todas as ciências de observação. Pela sua essência, estabelece uma
aliança com a ciência que, sendo a exposição das leis da natureza numa certa
ordem de factos, não pode ser contrária à vontade de Deus, autor dessas leis. As
descobertas da ciência glorificam Deus em vez de o diminuírem: só destroem o
que os homens edificaram sobre as falsas ideias que criaram de Deus.
Portanto, o
Espiritismo estabelece
unicamente como princípio absoluto o que é demonstrado com evidência ou que
ressalta logicamente da observação.
Tocando em todos os ramos da
economia social a que dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará
sempre todas as doutrinas progressistas, sejam de que ordem forem, atingida
a ordem de
verdades práticas e libertadas do domínio da
utopia, sem o que se suicidaria; deixando de ser o que é; mentiria à sua origem
e ao seu objectivo providencial. O Espiritismo, avançando com o progresso,
nunca se excederá porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está errado
num ponto, modificar-se-á nesse ponto; se uma nona verdade se revela,
aceita-a.
(ii)
Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, já
que não é mais do que a de
Cristo?
Tem o homem necessidade de uma revelação e não pode encontrar em si mesmo tudo
o que lhe é necessário para se governar?
Do ponto de vista moral, Deus forneceu sem
dúvida ao homem um guia na sua consciência que lhe diz:
«Não faças aos
outros o que não queres que te façam.» A moral natural está certamente
inscrita no coração dos homens, mas saberão todos lê-la? Não terão nunca
ignorado os seus sábios preceitos? Que fizeram eles da moral de
Cristo? Como a praticam esses
mesmos que a ensinam? Não se tornou ela letra morta, uma bela teoria, boa para
os outros mas não para si mesmo? Censuraríeis um pai por repetir dez vezes, cem
vezes, as mesmas indicações aos filhos se eles não as aproveitassem? Por que
faria Deus menos que um pai de família? Por que haveria de enviar, de tempos a
tempos, mensageiros especiais para o meio dos homens, encarregados de os chamar
às suas obrigações e de os recolocar no bom caminho quando se afastam dele,
abrindo os olhos da inteligência aos que os fecharam, tal como os homens mais
evoluídos enviam missionários para junto dos indígenas e dos bárbaros?
Os Espíritos não ensinam outra moral que não a
de
Cristo por não
haver nenhuma melhor. Mas então, para que servem os seus ensinamentos, uma
vez que apenas dizem o que já sabemos? Poderíamos dizer o mesmo da moral de
Cristo que foi ensinada quinhentos anos antes dele por
Sócrates e
Platão e em termos
quase idênticos; de todos os moralistas que repetem a mesma coisa em todos os
tons e em todas as formas. Pois bem, os Espíritos vêm muito simplesmente
aumentar o número de moralistas, com a diferença que, manifestando-se por todo
o lado, fazem-se entender na cabana tão bem como no palácio, tanto pelos
ignorantes como pelas pessoas instruídas.
O que o ensino dos Espíritos acrescenta à
moral de Cristo é o
conhecimento dos princípios que põem em contacto os mortos e os vivos, que
completam as noções vagas que tinha dado da alma, do seu passado e do seu
futuro e que sancionam a sua doutrina com as leis da mesma natureza.
Com
a ajuda do novo saber trazido pelo Espiritismo e pelos
Espíritos, o homem compreende a solidariedade que une todos os
seres; a caridade e a fraternidade tornam-se uma
necessidade social; faz por convicção o que não fazia por
obrigação e fá-lo melhor.
Quando os homens praticarem a moral de
Cristo, só então poderão dizer
que já não precisam de moralistas encarnados ou não encarnados; mas então,
também Deus não lhes enviará mais nenhum.
/…
(i) Ver, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, a Introdução e, na Revista
Espírita, edição de Abril de 1864, a p. 90: Autoridade da Doutrina
Espírita; Controlo Universal dos Ensinamentos dos Espíritos. (N. do A.)
(ii) Perante declarações tão claras e tão categóricas como as que estão
contidas neste capítulo, caem todas as alegações de tendência para o absoluto e
para a autocracia dos princípios, todas as falsas assimilações que pessoas
preconceituosas ou mal informadas atribuem à doutrina. De resto, estas
declarações não são novas; já as repetimos suficientes vezes nos nossos artigos
para que não fique alguma dúvida a este respeito. Estabelecem-nos além
disso o nosso verdadeiro papel, o único que ambicionamos: o de trabalhadores. (N.
do A.)
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
números de 54 a 56 (XI), 13º fragmento da obra. Tradução portuguesa
de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
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