Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques) (VIII) 

A Via Láctea ~ 🌈

  Durante as belas noites estreladas e sem Lua, todos puderam notar esse clarão esbranquiçado que atravessa o céu de uma extremidade à outra, a que os antigos tinham dado o nome de Via Láctea (i) devido ao seu aspecto leitoso. Este clarão difuso foi longamente explorado pelo olho do telescópio nos tempos modernos e esse caminho de poeira de ouro ou esse ribeiro de leite da antiga mitologia transformou-se num vasto campo de maravilhas desconhecidas. As pesquisas dos observadores levaram ao conhecimento da sua natureza e mostraram, ali onde o olhar perdido só encontrava uma fraca claridade, milhões de sóis mais luminosos e mais importantes que o que nos ilumina. 

  A Via Láctea, com efeito, é um campo semeado de flores solares ou planetárias que brilham na sua extensa vastidão. O nosso Sol e todos os corpos que o acompanham fazem parte desses globos brilhantes de que a Via Láctea se compõe; mas apesar das suas dimensões gigantescas relativamente à Terra e à grandeza do seu império, só ocupa, no entanto, um lugar inapreciável nesta vasta criação. Podemos contar uns trinta milhões de sóis semelhantes que gravitam nesta imensa região, afastados uns dos outros mais de cem mil vezes o raio da órbita terrestre (**). 

  Podemos avaliar por esta aproximação da extensão desta região sideral a relação que une o nosso sistema à universalidade dos sistemas que o ocupam. Podemos igualmente avaliar a exiguidade do domínio solar e, a fortiori, o nada da nossa pequena Terra. Que seria então se considerássemos os seres que o povoam! 

  Digo do nada porque as nossas determinações aplicam-se não somente à extensão material, física, dos corpos que estudamos – seria pouco – mas também e sobretudo ao seu estado moral de habitação, ao grau que ocupam na eterna hierarquia dos seres. A Criação mostra-se aí em toda a sua majestade, criando e propagando, à volta do mundo solar e em cada um dos sistemas que o rodeiam de todos os lados, as manifestações de vida e de inteligência. 

  Conhecemos deste modo a posição ocupada pelo nosso Sol ou pela Terra no mundo das estrelas; estas considerações adquirirão um maior peso ainda se reflectirmos no próprio estado da Via Láctea que, na imensidão das criações siderais, só representa um ponto insensível e desprezível vista de longe; porque não é mais do que uma nebulosa estelar como existem milhares no espaço. Se nos parece mais vasta e mais rica do que as outras é pela única razão de nos rodear e se desenvolver em toda a sua extensão sob os nossos olhos; enquanto as outras, perdidas nas profundezas insondáveis, mal se deixam entrever. 

  Ora, se sabemos que a Terra não é nada ou quase nada no sistema solar, que este é nada ou quase nada na Via Láctea, que esta é nada ou quase nada na universalidade das nebulosas e que essa mesma universalidade é muito pouca coisa no meio do imenso infinito, começaremos a perceber o que é o globo terrestre. 

Espírito Galileu 

/… 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 
(**) Mais de três triliões e quatrocentos biliões de léguas. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – A Via Láctea (de 32 a 36), 30º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sábado, 10 de setembro de 2022

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques) (VII) 

Os cometas 🌈 

  Astros errantes, mais ainda que os planetas que mantiveram esta denominação etimológica, os cometas serão os guias (i) que nos ajudarão a ultrapassar os limites do sistema a que a Terra pertence para nos levarem até às regiões longínquas do espaço sideral. 

  Mas antes de explorarmos com ajuda destes viajantes do Universo os domínios celestes, será bom dar a conhecer tanto quanto possível a sua natureza intrínseca e o seu papel na economia planetária. 

  Viram-se muitas vezes nestes astros cabeludos mundos a nascerem, elaborando no seu caos primitivas condições de vida e de existência que são dados em partilha às terras habitadas; outros imaginaram que estes corpos extraordinários eram mundos em fase de destruição e a sua aparência singular foi para muitos tema de apreciações erradas sobre a sua natureza; de tal modo que não foi só a astrologia judicial que fez disso presságios de desgraça enviados por decretos providenciais à Terra espantada e assustada. 

  A lei da variedade é aplicada com uma profusão tão grande nos trabalhos da natureza, que nos questionamos como é que os naturalistas, astrónomos ou filósofos construíram tantas teorias para assimilarem os cometas aos astros planetários e para não verem neles mais do que astros num grau maior ou menor de desenvolvimento ou de caducidade. No entanto, os quadros da natureza deveriam ser amplamente suficientes para afastar do observador a preocupação de procurar relações que não existem e deixar aos cometas o papel modesto mas útil, de astros errantes servindo de exploradores dos impérios solares. Pois os corpos celestes em questão são muito diferentes dos corpos planetários; não têm de maneira nenhuma, como eles, a função de servir de morada às humanidades? Vão sucessivamente de sol em sol, por vezes enriquecendo-se pelo caminho com fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, colher nos seus domicílios os princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos  terrestres. (Capítulo IX, n.º 12.) 

  Se, quando um destes astros se aproxima do nosso pequeno globo para lhe atravessar a órbita e regressar ao seu apogeu situado a uma distância incomensurável do Sol, nós o seguimos, em pensamento, para visitar com ele as regiões siderais, franquearemos essa vastidão prodigiosa da matéria etérea que separa o Sol das estrelas mais próximas e observando os movimentos combinados deste astro que julgaríamos perdido no deserto do infinito, encontraríamos aí também uma prova eloquente da universalidade das leis da natureza (ique se exercem a distâncias que a imaginação mais fértil mal pode conceber. 

  Aí, a forma elíptica (i) toma a forma parabólica (i) e o andamento abranda ao ponto de só percorrer alguns metros no mesmo tempo em que no seu perigeu percorria vários milhares de léguas. Talvez um sol mais potente, mais importante do que aquele que acaba de abandonar usasse para com este cometa de uma atracção preponderante e o recebesse nas fileiras dos seus próprios súbditos e, então, os filhos espantados da vossa pequena Terra esperariam em vão o regresso que tinham prognosticado através de observações incompletas. Nesse caso, nós, cujo pensamento seguiu o cometa errante a essas regiões desconhecidas, encontraremos então uma nova nação impossível de encontrar pelos olhos terrestre, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra, inconcebível até para a sua mente, pois será teatro de maravilhas inexploradas. 

  Chegámos ao mundo astral nesse mundo deslumbrante dos vastos sóis que brilham no espaço infinito e que são as flores brilhantes do canteiro magnífico da Criação. Aí chegados, saberemos então o que é a Terra. 

                                                                                                            Espírito Galileu  

/… 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os cometas (de 28 a 31), 29º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques) (VI) 

Os satélites 🌈 

  Antes das massas planetárias terem atingido um grau de arrefecimento suficiente para lhes operar a solidificação, massas mais pequenas, verdadeiros glóbulos líquidos, destacaram-se de algumas no plano equatorial, plano onde a força centrifuga (i) é maior e que por virtude das mesmas leis adquiriram um movimento de translação (i) à volta do seu planeta gerador, tal como aconteceu com eles à volta do seu astro gerador. 

  Foi assim que a Terra deu nascimento à Lua, cuja massa, menos considerável, deve ter sofrido um arrefecimento mais rápido. Ora as leis e as forças que presidiram à sua separação do equador terrestre e o seu movimento de translação neste mesmo plano agiram de tal modo, que este mundo em vez de revestir a forma esferóide tomou a de globo ovóide, isto é, tendo a forma alongada de um ovo cujo centro de gravidade estaria fixado à parte inferior. 

  As condições em que se efectuou a desagregação da Lua mal lhe permitiram afastar-se da Terra e constrangeram-na a permanecer perpetuamente suspensa no seu céu como uma figura ovóide, cujas partes mais pesadas formaram a força inferior virada para a Terra e cujas partes menos densas ocuparam o topo, se designarmos com esta palavra o lado voltado para o lado oposto da Terra e elevando-se para o céu. É o que faz com que este astro nos apresente continuamente a mesma face. Pode ser comparado, para melhor se entender o seu estado geológico, a um globo de cortiça, em que a base virada para a Terra seria feita de chumbo. 

  Daí a existência de duas naturezas essencialmente diferentes na superfície do mundo lunar: uma, sem qualquer analogia possível com a nossa, pois os corpos fluidos e etéreos são-lhe desconhecidos; a outra, leve em relação à Terra, dado que todas as substâncias menos densas se transportaram para este hemisfério. A primeira, perpetuamente voltada para a Terra, sem água e sem atmosfera, a não ser por vezes nos limites deste hemisfério subterrestre, a outra, rica em fluidos, perpetuamente oposta ao nosso mundo (**)

  O número e o estado dos satélites de cada planeta variam consoante as condições especiais nas quais se formam. Alguns não deram origem a nenhum astro secundário, tais como Mercúrio, Vénus e Marte, enquanto outros formaram um ou vários, como a Terra, Júpiter, Saturno, etc. 

  Para além dos seus satélites ou luas, o planeta Saturno apresenta o fenómeno especial do anel que, visto de longe, parece envolvê-lo como que com uma branca auréola. Esta formação é para nós uma nova prova da universalidade das leis da natureza. Este anel é com efeito o resultado de uma separação que se operou nos tempos primitivos no equador de Saturno, tal como uma zona equatorial se escapou da Terra para formar o seu satélite. A diferença consiste em que o anel de Saturno se encontrava formado, em todas as suas partes, de moléculas homogéneas, provavelmente já num certo estado de condensação e, pode, desta maneira, continuar o seu movimento de rotação no mesmo sentido e num tempo mais ou menos igual ao que anima o planeta. Se um dos pontos deste anel tivesse sido mais denso do que outro, uma ou várias aglomerações de substância ter-se-iam subitamente operado e Saturno teria contado com vários satélites mais. Desde o tempo da sua formação, este anel solidificou-se assim como os outros corpos planetários. 
                                                                                                          Espírito Galileu 
/… 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 

(**) Esta teoria da Lua, inteiramente nova, explica através da lei de atracção, a razão pela qual este astro apresenta sempre a mesma face à Terra. Encontrando-se o seu centro de gravidade, em vez de estar no centro da esfera, num dos pontos da sua superfície e por consequência atraído para a Terra por uma força maior do que as partes mais ligeiras, a Lua produz o efeito das figuras chamadas sempre em pé, que se mantêm constantemente direitas sobre a base, enquanto os planetas, cujo centro de gravidade se encontra a igual distância da superfície, giram regularmente sobre o eixo. Os fluidos vivificadores, gasosos ou líquidos, devido à sua leveza específica, encontrar-se-iam acumulados no hemisfério superior constantemente oposto à Terra; o hemisfério inferior, o único que vemos, não os possuiria, sendo por consequência impróprio para a vida, enquanto esta reinaria no outro. Se, portanto, o hemisfério superior é habitado, os seus habitantes nunca viram a Terra, a não ser que fizessem incursões ao outro hemisfério, o que lhes seria impossível, não havendo ali as condições necessárias de vitalidade. 
Por muito racional e científica que esta teoria seja, como não pode ainda ser confirmada por qualquer observação directa, não pode ser aceite a não ser a título de hipótese e como ideia a poder servir à ciência; mas não podemos negar que seja a única, até agora, que dá uma explicação satisfatória das particularidades que este globo apresenta. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os satélites (de 24 a 27), 28º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*)  
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques) (V) 

~ Os sóis e os planetas 🌈 

  Ora, aconteceu que num ponto do Universo, perdido entre as miríades (i) de mundos, a matéria cósmica se condensou sob a forma de uma imensa nebulosa. Esta nebulosa estava animada com as leis universais que regem a matéria; devido a estas leis e sobretudo à força molecular de atracção, tomou a forma de uma massa de matéria isolada no espaço. 

  O movimento circular produzido pela gravitação rigorosamente igual de todas as zonas moleculares em direcção ao centro, em breve transformou a esfera primitiva para a conduzir, de movimento em movimento, até à forma lenticular – falamos do conjunto da nebulosa. 

  Novas formas surgiram como consequência deste movimento de rotação: a força centrípeta e a força centrífuga; a primeira tendendo a reunir todas as forças no centro, a segunda tendendo a afastá-las. Ora, acelerando-se o movimento à medida que a nebulosa se condensa e o seu raio aumentando à medida que se aproxima da forma lenticular, a força centrífuga, constantemente desenvolvida por estes dois motivos, em breve predominou sobre a atracção central. 

  Tal como um movimento demasiado rápido da funda lhe quebra a corda e deixa fugir o projéctil para longe, assim o predomínio da força centrífuga separou o círculo equatorial da nebulosa e com esse anel formou uma nova massa isolada da primeira mas mesmo assim submetida ao seu império. Esta massa conservou o seu movimento equatorial que, passou a ser o seu movimento de translação à volta do astro solar. Além disso, o seu novo estado dá-lhe um movimento de rotação à volta do seu próprio centro. 

  A nebulosa geradora que deu nascimento a este novo mundo condensou-se e retomou a forma esférica; mas o calor primitivo, desenvolvido pelos seus diversos movimentos, enfraquecendo com extrema lentidão, fez com que o fenómeno que acabamos de descrever se reproduza frequentemente e durante um longo período, enquanto esta nebulosa não se tiver tornado demasiado densa, demasiado sólida para opor uma resistência eficaz às alterações de forma que o seu movimento de rotação lhe imprime sucessivamente. 

  Não terá então dado vida a um único astro, mas a centenas de mundos destacados da morada central, provenientes dela através do modo de formação referido acima. Ora, cada um desses mundos, revestido tal como o mundo primitivo com forças naturais que presidem à criação dos Universos, engendrará a seguir novos globos gravitando a partir daí à sua volta, como gravita conjuntamente com os seus irmãos à volta do domicílio da sua existência e da sua vida. Cada um destes mundos será um sol, centro de um turbilhão de planetas sucessivamente fugidos do seu equador. Estes planetas receberão uma vida especial, particular, embora dependente do seu astro gerador. 

  Os planetas são assim formados por massas de matéria condensada, mas ainda não solidificada, destacadas da massa central pela acção da força centrífuga e tomando, devido às leis do movimento, uma forma esferóide mais ou menos elíptica, consoante o grau de fluidez que conservam. Um destes planetas será a Terra que antes de esfriar e ficar revestida com uma crosta sólida, dará nascimento à Lua através do mesmo modo de formação astral a que deve a sua própria existência; a Terra, a partir de então inscrita no livro da vida, berço de criaturas cuja fraqueza está protegida com a ajuda da divina Providência, nova corda na harpa infinita que deve vibrar no seu lugar no concerto universal dos mundos. 

                                                                                                     Espírito Galileu 

/… 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os sóis e os planetas (de 20 a 23), 27º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques)
(IV) 

~ A Criação universal 🌈

  Depois de nos termos elevado, tanto quanto a nossa fraqueza o permite, até à fonte escondida de onde brotam os mundos como gotas de água do rio, consideremos o andamento das criações sucessivas e os seus desenvolvimentos em série. 

  A matéria cósmica primitiva continha elementos materiais, fluídicos e vitais de todos os universos que desenvolveram as suas magnificências perante a eternidade; ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira antepassada e, o que é mais, a geradora eterna. Não desapareceu em absoluto, essa substância de onde provêm as esferas siderais; não está de maneira nenhuma morta essa força, pois dá ainda incessantemente vida a novas criações e recebe incessantemente os princípios reconstituídos dos mundos que se apagam do livro eterno. 

  A matéria etérea, mais ou menos rarefeita que desce por entre os espaços interplanetários, esse fluido cósmico que enche o mundo, mais ou menos rarefeito nas regiões imensas, ricas em aglomerados de estrelas, mais ou menos condensada ali onde o céu astral ainda brilha, mais ou menos modificada por diversas combinações consoante as localizações do espaço, não é mais do que a substância primitiva onde residem as forças universais, de onde a natureza retirou tantas coisas (**).

  Este fluido penetra os corpos como um imenso oceano. É nele que reside o princípio vital que dá nascimento à vida dos seres e a perpetuidade a cada globo segundo a sua condição, princípio em estado latente que dormita quando a voz de um ser não o chama. Cada criatura, mineral, vegetal ou outra – pois existem muitos outros reinos naturais de que nem sequer suspeitamos a existência – sabe por virtude deste princípio vital universal apropriar-se das condições da sua existência e da sua duração. 

  As moléculas do mineral têm a sua quota desta vida, assim como o grão e o embrião e, agrupam-se, como no organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos. 

  É muito importante compenetrarmo-nos desta noção: que a matéria cósmica primitiva estava revestida não só com leis que garantem a estabilidade dos mundos, como também com o princípio vital universal que forma gerações espontâneas em cada mundo, à medida que se vão manifestando as condições da existência sucessiva dos seres e quando a hora da aparição dos filhos da vida durante o período criador. 

  Assim se efectua a Criação universal. É portanto verdade dizer-se que, sendo as operações da natureza a expressão da vontade divina, Deus criou sempre, criou sem pausa e sempre criará. 

  Mas até aqui deixámos passar em silêncio o mundo espiritual que, também ele, faz parte da Criação e cumpre os seus destinos consoante a augusta prescrição do Mestre. 

  Só posso transmitir um ensinamento muito restrito sobre o modo de criação dos Espíritos, devido à minha própria ignorância e, devo calar-me ainda sobre certas questões, apesar de me ter sido permitido aprofundá-las. 

  Aos que estão religiosamente desejosos de conhecer e que são humildes perante Deus, direi, suplicando-lhes que não construam nenhuma teoria prematura sobre as minhas palavras: o Espírito não consegue receber a iluminação divina que lhe dá, ao mesmo tempo que o livre-arbítrio e a consciência, a noção dos elevados destinos sem ter passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualidade; é só a partir do dia em que o Senhor imprime na sua fronte a sua augusta matriz que o Espírito toma posição entre as humanidades. 

  Uma vez mais, não construam sobre as minhas palavras os vossos raciocínios, tão tristemente célebres na história da metafísica (i); preferia mil vezes calar-me sobre questões tão acima das nossas meditações vulgares, do que vos expor a desvirtuar o sentido do meu ensinamento e mergulhar-vos, por minha culpa, nos labirintos inextrincáveis do deísmo e do fatalismo. 

Espírito Galileu 

/... 

(**) Se perguntássemos qual é o princípio dessas forças e como pode estar na própria substância que o produz, responderíamos que a mecânica nos oferece numerosos exemplos. A elasticidade que faz distender uma mola não está ela mesma na própria mola e não depende da forma de agregação das moléculas? O corpo que obedece à força centrifuga recebe o seu impulso do movimento primitivo que lhe foi imprimido. (N. do A.) 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – A Criação universal (de 17 a 19), 26º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographi-ques) (III) 

A Criação primeira 🌈

  Depois de ter considerado o Universo sob os pontos de vista gerais da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos dirigir os nossos estudos para o modo de formação que deu vida aos mundos e aos seres; desceremos depois à criação da Terra em particular e ao seu estado actual na universalidade das coisas e daí, tomando este globo como ponto de partida e como unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais. 

  Se bem entendemos a relação ou, melhor, a oposição entre a eternidade e o tempo, se nos tivermos familiarizado com esta ideia, que o tempo não passa de uma medida relativa da sucessão de coisas transitórias enquanto a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente e que não é susceptível de qualquer medida sob o ponto de vista da duração, percebemos que, para ela, não existe princípio nem fim. 

  Por outro lado, se fizermos uma ideia correcta – apesar de necessariamente muito fraca – da infinitude do poder divino, perceberemos porque o Universo sempre existiu e porque sempre existirá. A partir do momento em que Deus foi; as suas perfeições eternas falaram. Antes dos tempos nascerem, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fundou o espaço, eterno como ela. 

  Deus, sendo pela sua natureza eterno, criou para a eternidade e, não poderia ter sido de outra maneira; pois, seja qual for a época longínqua para que recuemos em imaginação os supostos limites da Criação, ficará sempre para além desse limite uma eternidade – pesai bem esta ideia –, uma eternidade durante a qual as divinas hipóteses, as volições infinitas, tivessem estado ocultas por uma muda letargia inactiva e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres, de mutismo indiferente pelo Verbo que os governa, de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e de vivificação. 

  Compreendamos melhor a grandeza da acção divina e a sua perpetuidade sob a mão do ser absoluto! Deus é o sol dos astros; é a luz do mundo: ora, o aparecimento do sol dá instantaneamente nascimento a fluxos de luz que se vão espalhando por todas as partes da vastidão; também assim o Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis de infinito de duração, ao fiat lux! Do princípio. 

  O princípio absoluto das coisas remonta portanto a Deus; as suas aparições sucessivas do domínio da existência constituem a ordem da Criação perpétua. 

  O mortal saberá falar das magnificências desconhecidas e soberbamente escondidas sob a noite dos tempos, que se desenvolveram nessas eras antigas em que nenhuma das maravilhas do Universo actual existia; nessa época primitiva em que a voz do Senhor se tendo feito ouvir, os materiais que deveriam no futuro se juntar simetricamente e, por si mesmos, para formarem o tempo da natureza, se encontraram de súbito no seio dos vazios infinitos; quando essa voz misteriosa que cada criatura venera e preza como a de uma mãe, se poduziram notas harmoniosamente variadas para irem vibrar em conjunto e modular o concerto dos vastos céus! 

  O mundo, no seu berço, não foi edificado na sua virilidade e na sua plenitude de vida; não: o poder criador nunca se contradiz e como todas as coisas o Universo nasceu criança. Revestida das leis mencionadas acima e da impulsão inicial inerente à sua formação, a matéria cósmica primitiva deu sucessivamente nascimento a turbilhões, a aglomerações desse fluído difuso, a amontoados de matéria nebulosa que se dividiram por si e se modificaram ao infinito para conceber, em regiões incomensuráveis do espaço, diversos centros de criações simultâneas ou sucessivas. 

  Devido às forças que predominam sobre um ou sobre o outro e às circunstâncias ulteriores que predominam ao seu desenvolvimento, estes centros primitivos tornaram-se morada de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em princípios e em forças actuantes, começaram imediatamente a sua vida astral particular; os outros, ocupando uma extensão ilimitada, só cresceram com extrema lentidão ou voltaram a dividir-se noutros centros secundários. 

  Reportando-nos unicamente a milhões de séculos acima da época actual, a nossa Terra não existe ainda, o nosso próprio sistema solar não começou ainda as evoluções da vida planetária; e, no entanto, já sóis esplêndidos iluminam o éter; já planetas habitados dão vida e existência a uma multidão de seres que nos precederam na carreira humana; as produções opulentas de uma natureza desconhecida e os fenómenos maravilhosos do céu, desenvolvem sob outros olhares os quadros da imensa Criação. Que, digo eu! Já não existem os esplendores que outrora fizeram palpitar os corações de outros mortais sob o pensamento do infinito poder! E nós, pobres pequenos seres que chegamos depois de uma eternidade de vida, nos julgamos contemporâneos da Criação! 

  Uma vez mais, compreendamos melhor a natureza. Saibamos que a eternidade está atrás de nós tal como está à nossa frente, que o espaço é o teatro de uma sucessão e de uma simultaneidade inimaginável de criações. Tais nebulosas que mal distinguimos nos confins do céu são aglomerados de sóis em vias de formação; tais outras são via lácteas de mundos habitados; outras, enfim, o lugar de catástrofes e de ruína. Saibamos que assim como estamos no meio de uma infinidade de mundos, tal como estamos no meio de uma dupla infinidade de períodos anteriores e ulteriores, a Criação universal não está de maneira nenhuma limitada a nós e que não podemos aplicar esta palavra à formação isolada do nosso pequeno globo. 

                                                                                                           Espírito Galileu 
/... 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – A Criação primeira (de 12 a 16), 25º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites). 

domingo, 24 de janeiro de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranorafia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographi-ques) (II) 

~ As leis e as forças 🌈

  Se um destes seres desconhecidos que consomem a sua existência efémera no fundo das regiões tenebrosas do oceano, se uma dessas poligaláceas, uma dessas nereidas – miseráveis animalejos que só conhecem da natureza os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse subitamente o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de estabelecer sobre as suas apreciações um raciocínio conjectural extensivo à universalidade das coisas, que ideia fariam eles da natureza viva que se desenvolve no seu meio e do mundo terrestre que não faz parte do seu campo de observação? 

 Se agora, por um efeito maravilhoso do seu novo poder, esse mesmo ser conseguisse elevar-se acima das trevas eternas, à superfície do mar, não longe dos rios opulentos de uma ilha de esplêndida vegetação, ao sol fecundo, fornecedor de um benfazejo calor, que pensariam então das teorias antecipadas da Criação universal, teoria que bem cedo apagaria através de uma apreciação mais vasta mas ainda relativamente tão incompleta como a primeira? É esta, ó homens, a imagem da vossa ciência toda ela especulativa (ii)

 Quando então venho tratar aqui a questão das leis e das forças que regem o Universo, eu que tal como vós não sou mais que um ser relativamente ignorante relativamente à ciência real, apesar da aparente superioridade que me dá sobre os meus irmãos da Terra a possibilidade de estudar questões naturais que lhes são proibidas na sua posição, o meu objectivo é unicamente expor-vos a noção geral das leis universais sem explicar em pormenor o modo de acção e a natureza das forças especiais que daí dependem. 

 Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos; este fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, gerador do mundo e dos seres. Ao éter são inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que governam o mundo. Estas formas múltiplas, indefinidamente variadas, consoante as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas nas formas de acção consoante as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra com o nome de peso, coesão, afinidade, magnetismo, electricidade activa; os movimentos vibratórios do agente, são conhecidos pelos de som, calor, luz, etc. Noutros mundos apresentam-se sob outros aspectos, apresentam outros caracteres desconhecidos deste e na mesma extensão dos céus, forças em número indefinido, desenvolvendo-se numa escala imaginária de que somos tão incapazes de avaliar a grandeza como os crustáceos no fundo do oceano, são incapazes de abarcar a universalidade dos fenómenos terrestres (iii)

  A natureza nunca está em oposição consigo mesma. O brasão do Universo só tem uma divisa: UNIDADE / VARIEDADE. Subindo a escala dos mundos, encontramos a unidade de harmonia e de criação ao mesmo tempo que uma variedade infinita nesse imenso canteiro de estrelas; percorrendo os degraus da vida, desde o mais ínfimo dos seres até Deus, a grande lei da continuidade dá-se a conhecer; considerando as forças em si mesmas, podemos formar com elas uma série cuja resultante, confundindo-se com a geradora, é a lei universal. 

  Não poderíeis apreciar esta lei em toda a sua extensão dado que as forças que a representam no campo das vossas observações são restritas e limitadas; no entanto, a atracção e a electricidade podem ser consideradas como uma vasta aplicação da lei primordial que reina para além dos céus. 

  Todas estas forças são eternas – explicaremos esta palavra – e eternas como a Criação; sendo inerentes ao fluido cósmico, agem necessariamente em tudo e em todo o lado, modificando a sua acção pela sua simultaneidade ou pela sua sucessão; predominando aqui, apagando-se mais longe; poderosas e activas nalguns pontos, latentes ou secretas noutros; mas finalmente preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos nos seus diversos períodos de vida, governando os trabalhos maravilhosos da natureza em qualquer sítio que ocorram, garantindo para todo o sempre o eterno esplendor da Criação. 

                                                                                                         Espírito Galileu 

/… 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 
(ii) É esta também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, depois de se terem despojado do seu invólucro carnal, os horizontes deste mundo se desenvolvem a seus olhos. Percebem então o vazio das teorias com que pretendiam tudo explicar através unicamente da matéria. No entanto, estes horizontes têm ainda para eles mistérios que só se revelam a pouco e pouco, à medida que se elevam por depuração. Mas, a partir dos seus primeiros passos, neste mundo novo, são obrigados a reconhecer a sua cegueira e até que ponto estavam longe da verdade. (N. do A.) 
(iii) Relacionando tudo com aquilo que conhecemos e não entendemos o que escapa à percepção dos nossos sentidos assim como o cego nato não percebe os efeitos da luz e a utilidade dos olhos. Pode no entanto acontecer que noutros meios o fluido cósmico tenha propriedades, combinações, de que não fazemos qualquer ideia, efeitos apropriados às necessidades que nos são desconhecidos, dando lugar a novas percepções ou outros modos de percepção. Não percebemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz; mas quem nos diz que não existem outros agentes para além da luz a que estejam afectos organismos especiais? A visão sonambúlica, que não é travada nem pela distância, nem pelos obstáculos materiais, nem pela obscuridade, dá-nos disso um exemplo. Suponhamos que, num mundo qualquer, os seres são normalmente aquilo que os nossos sonâmbulos só são excepcionalmente, não terão necessidade nem da luz, nem dos nossos olhos e no entanto verão o que nós não podemos ver. Passa-se o mesmo com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de percepção, as sensações e as necessidades variam consoante os meios. 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – As leis e as forças (de 8 a 11), 24º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*)
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito
(Études Uranographi-ques) (I)

~ O espaço e o tempo 🌈

  Têm-se dado várias definições de espaço; a principal é esta: o espaço é a extensão que separa dois corpos. De onde certos sofistas deduziram que onde não houver corpos, não haverá espaço; foi no que se basearam os doutores em teologia para estabelecer que o espaço era necessariamente finito, alegando que corpos limitados num certo número não poderiam formar uma sucessão infinita; e que onde os corpos parassem, o espaço também pararia. Definiu-se também o espaço: o lugar onde os mundos se movem, o vazio onde a matéria age, etc. Deixemos nos tratados onde repousam todas estas definições que não definem nada.

 O espaço é uma dessas palavras que representam uma ideia primitiva e axiomática, evidente por si mesma, e as diversas definições que lhe podemos dar só servem para a obscurecer. Sabemos todos o que é o espaço e eu só quero estabelecer a sua infinidade para que os nossos ulteriores não tenham qualquer barreira a opor-se às investigações da nossa maneira de ver.

 Ora, digo que o espaço é infinito por ser impossível imaginar-lhe um limite e que apesar da dificuldade que temos em conceber o infinito, é-nos no entanto mais fácil viajar eternamente no espaço, em pensamento, que pararmos num sítio qualquer para além do qual não encontrássemos mais extensão a percorrer.

  Para imaginarmos, tanto quanto o permitem as nossas faculdades da Terra, perdida no meio do infinito, em direcção a um ponto qualquer do Universo e isto com a velocidade prodigiosa da faísca eléctrica que percorre milhares de milhas em cada segundo, mal tivéssemos saído deste globo, tendo percorrido milhões de léguas, encontrávamo-nos num sítio de onde a Terra já só nos aparecia com o aspecto de uma pálida estrela. Um instante depois, seguindo sempre a mesma direcção, chegávamos às estrelas longínquas que mal se avistam da nossa estação terrestre; e daí, não só a Terra estaria completamente perdida para o nosso olhar nas profundezas do céu como também o vosso próprio Sol no seu esplendor estaria eclipsado pela extensão que nos separa dele. Animados sempre com a mesma rapidez do relâmpago, atravessávamos estes sistemas de mundos à medida que íamos avançando na vastidão, ilhas de luz etérea, vias estelares, paragens sumptuosas onde Deus semeou mundos com a mesma profusão com que semeou as plantas nas pradarias terrestres.

 Ora, há só alguns minutos que caminhamos e já centenas de milhões e milhões de léguas nos separam da Terra, milhares de mundos nos passaram debaixo dos olhos e, no entanto escutai! Na realidade, não avançamos um único passo no Universo

 Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares e incessantemente com a mesma velocidade do relâmpago, não teremos avançado mais! E isto seja qual for o lado para que vamos e em direcção seja a que ponto for a partir deste grão invisível que deixámos e que se chama Terra.

 É isto o espaço!

 O tempo, tal como o espaço, é uma palavra definida por si mesma; fazemos dele uma ideia mais correcta estabelecendo a sua relação com o todo infinito.

  O tempo é a sucessão das coisas; está ligado à eternidade da mesma maneira que estas coisas estão ligadas ao infinito: imaginemo-nos na origem do nosso mundo, nessa época primitiva quando a Terra não balouçava ainda sob o impulso divino; numa palavra, no início da Génesis. Aí, o tempo não saiu ainda do misterioso berço da natureza; e nada pode dizer em que era de séculos nós estamos, dado que o pêndulo dos séculos não está ainda em movimento.

  Mas silêncio! A primeira hora de uma Terra isolada soa na sineta eterna, o planeta situa-se no espaço e imediatamente passa a haver noite e manhã. Para lá da Terra, a eternidade permanece impassível e imóvel apesar de o tempo avançar para muitos outros mundos.

  Na Terra, o tempo substitui-a e durante uma série determinada de gerações, contar-se-ão os anos e os séculos.

 Transportemo-nos agora até ao último dia deste mundo, à hora em que, curvada ao peso da vetustez, a Terra se apagará do livro da vida para não voltar a aparecer: aqui a sucessão de acontecimentos pára; os movimentos terrestres que mediam o tempo interrompem-se e o tempo acaba com eles.

  Esta exposição simples das coisas naturais que dão origem ao tempo, o alimentam e deixam que se acabe, basta para mostrar que, vista do ponto onde nos devemos situar para os nossos estudos, o tempo é uma gota de água que cai da nuvem para o mar e cuja queda é calculada.

  Quantos os mundos na vasta extensão, outros tantos tempos diversos e incompatíveis. Fora dos mundos, só a eternidade substitui estas sucessões efémeras e preenche pacificamente com a sua luz imóvel a imensidão dos céus. Imensidão sem limites e eternidade sem limites são estas as duas grandes propriedades da natureza universal.

  O olho do observador que atravessa, sem nunca encontrar paragem, as incomensuráveis distâncias do espaço e o do geólogo que recua para além do limite das eras ou que desce às profundezas da eternidade hiante, onde um dia se perderão, agem de acordo, cada qual na sua via, para adquirir essa dupla noção de infinito: extensão e duração.

  Ora, mantendo essa ordem de ideias, ser-nos-á fácil conceber que não sendo o tempo mais do que a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se medem, se, tomando os séculos terrestres por unidades, os acumularmos milhares sobre milhares para com eles formar um número colossal, este número nunca representaria mais que um ponto na eternidade; tal como os milhares de léguas juntos aos milhares de léguas não passam de um ponto na vastidão.

  Assim, por exemplo, estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos escrever um número tão comprido como o equador terrestre e supormo-nos mais velhos esse número de séculos, sem que na realidade a nossa alma conte um dia a mais; e acrescentando a esse número infindável de séculos uma série extensa como daqui ao Sol de números semelhantes, mais consideráveis ainda, e imaginando-nos a viver durante a prodigiosa sucessão de períodos seculares representados pela adição de tais números, quando chegássemos ao fim, o amontoado incompreensível de séculos a pesarem-nos sobre as nossas cabeças seria como se não existissem: à nossa frente permaneceria sempre a eternidade inteira.

  O tempo não passa de uma medida relativa da sucessão das coisas; a eternidade não é susceptível de qualquer medida do ponto de vista da duração; para ela, não há começo nem fim: para ela tudo é presente.

  Se séculos de séculos são menos que um segundo em relação à eternidade, o que será a duração da vida humana?

                                                                                                           Espírito Galileu
  A matéria

  À primeira abordagem, nada parece tão profundamente variado, tão essencialmente distinto como várias substâncias que compõem o mundo. Entre os objectos que a arte ou a natureza nos fazem todos os dias passar debaixo dos olhos, existem dois que revelam uma identidade perfeita ou somente uma paridade de composição? Que diferença do ponto de vista da solidez, da compressibilidade, do peso e das propriedades múltiplas dos corpos, entre os gases atmosféricos e o fio de ouro; entre a molécula aquosa da nuvem e a do mineral que forma o esqueleto ósseo do globo! Que diversidade entre o tecido químico das plantas variadas que decoram o reino vegetal e o dos representantes não menos numerosos da animalidade sobre a Terra!

  No entanto, podemos colocar como princípio absoluto que todas as substâncias conhecidas e desconhecidas, por muito diferentes que pareçam quer do ponto de vista da sua constituição intima, quer da relação da sua acção recíproca, não são, de facto, mais do que modos diversos sob os quais a matéria se apresenta; em quantas variedades se transformou sob a orientação das inúmeras forças que a governam.

  A química, cujos progressos foram tão rápidos desde a minha época, quando os seus próprios adeptos a relegaram ainda para o domínio secreto da magia, esta nova ciência que podemos com razão considerar filha do século observador e como unicamente baseada, muito mais solidamente que as suas irmãs mais velhas, no método experimental; a química, digo eu, usou bem os quatro elementos primitivos que os Antigos tinham consentido em reconhecer na natureza; mostrou que o elemento terrestre não é mais do que a combinação de substâncias diversas variadas ao infinito; que o ar e a água são igualmente decomponíveis e produto de um certo número de equivalentes do gás; que o fogo, longe de ser, também ele, um elemento principal, não passa de um estado da matéria resultante do movimento universal a que está submetida e de uma combustão sensível ou latente.

  Em contrapartida, encontrou um número considerável de princípios até então desconhecidos que lhe pareceram formar, pelas suas combinações determinadas, os diversos corpos que estudou e que agem simultaneamente consoante certas leis e em certas proporções, nos trabalhos executados no grande laboratório da natureza, a estes princípios deu o nome de corpos simples, indicando com isso que os considerava primitivos e não decomponíveis e que nenhuma operação, até hoje, os pode reduzir a partes relativamente mais simples que eles mesmos (ii).

  Mas onde as apreciações do homem param, até ajudados pelos seus sentidos artificiais mais impressionáveis, a obra da natureza continua; onde a pessoa vulgar toma a aparência pela realidade, onde o prático levanta o véu e distingue o início das coisas, o olho do que conseguiu captar o modo de acção da natureza só vê nos materiais que constituem o mundo a matéria cósmica primitiva, simples e una, diversificada em certas regiões na época do seu nascimento, dividida em corpos solidários durante a sua vida, materiais desmembrados um dia no receptáculo da vastidão pela sua decomposição.

  Há questões assim que nós mesmos, espíritos apaixonados pela ciência, gostaríamos de aprofundar e sobre as quais só poderíamos emitir opiniões pessoais mais ou menos conjecturadas; sobre estas questões calar-me-ei ou justificarei a minha maneira de ver; mas esta não faz parte desse número. Aos que então se sentissem tentados a ver nas minhas palavras unicamente uma teoria fortuita, direi: Abarcai, se possível, num olhar investigador, a multiplicidade de operações da natureza e reconhecereis que, se não admitirmos a unidade da matéria, é impossível explicar não direi unicamente os sóis e as esferas, mas, sem ir tão longe, a germinação de uma semente na Terra ou a produção de um insecto.

 Se observamos uma tal diversidade na matéria é porque as forças que presidiram às suas transformações, as condições em que se produziram, sendo em número ilimitado, as combinações variadas da matéria só podiam ser elas mesmas ilimitadas.

 Portanto, quer a substância que encaramos pertença aos fluidos propriamente ditos, quer dizer aos corpos imponderáveis, ou quer esteja revestida com os caracteres e as propriedades ordinárias da matéria, só há em todo o Universo uma única substância primitiva: o cosmo ou matéria cósmica dos uranógrafos.

                                                                                                          Espírito Galileu
/…

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)
(ii) Os principais corpos simples são: entre os corpos não metálicos o oxigénio, o hidrogénio, o azoto, o cloro, o carbono, o fósforo, o enxofre, o iodo; entre os corpos metálicos: o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o chumbo, o estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsénio, o sódio, o potássio, o cálcio, o alumínio, etc. (N. do A.)


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo, A matéria (de 1 a 7), 23º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).