Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographi-ques) (III) 

A Criação primeira 🌈

  Depois de ter considerado o Universo sob os pontos de vista gerais da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos dirigir os nossos estudos para o modo de formação que deu vida aos mundos e aos seres; desceremos depois à criação da Terra em particular e ao seu estado actual na universalidade das coisas e daí, tomando este globo como ponto de partida e como unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais. 

  Se bem entendemos a relação ou, melhor, a oposição entre a eternidade e o tempo, se nos tivermos familiarizado com esta ideia, que o tempo não passa de uma medida relativa da sucessão de coisas transitórias enquanto a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente e que não é susceptível de qualquer medida sob o ponto de vista da duração, percebemos que, para ela, não existe princípio nem fim. 

  Por outro lado, se fizermos uma ideia correcta – apesar de necessariamente muito fraca – da infinitude do poder divino, perceberemos porque o Universo sempre existiu e porque sempre existirá. A partir do momento em que Deus foi; as suas perfeições eternas falaram. Antes dos tempos nascerem, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fundou o espaço, eterno como ela. 

  Deus, sendo pela sua natureza eterno, criou para a eternidade e, não poderia ter sido de outra maneira; pois, seja qual for a época longínqua para que recuemos em imaginação os supostos limites da Criação, ficará sempre para além desse limite uma eternidade – pesai bem esta ideia –, uma eternidade durante a qual as divinas hipóteses, as volições infinitas, tivessem estado ocultas por uma muda letargia inactiva e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres, de mutismo indiferente pelo Verbo que os governa, de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e de vivificação. 

  Compreendamos melhor a grandeza da acção divina e a sua perpetuidade sob a mão do ser absoluto! Deus é o sol dos astros; é a luz do mundo: ora, o aparecimento do sol dá instantaneamente nascimento a fluxos de luz que se vão espalhando por todas as partes da vastidão; também assim o Universo, nascido do Eterno, remonta aos períodos inimagináveis de infinito de duração, ao fiat lux! Do princípio. 

  O princípio absoluto das coisas remonta portanto a Deus; as suas aparições sucessivas do domínio da existência constituem a ordem da Criação perpétua. 

  O mortal saberá falar das magnificências desconhecidas e soberbamente escondidas sob a noite dos tempos, que se desenvolveram nessas eras antigas em que nenhuma das maravilhas do Universo actual existia; nessa época primitiva em que a voz do Senhor se tendo feito ouvir, os materiais que deveriam no futuro se juntar simetricamente e, por si mesmos, para formarem o tempo da natureza, se encontraram de súbito no seio dos vazios infinitos; quando essa voz misteriosa que cada criatura venera e preza como a de uma mãe, se poduziram notas harmoniosamente variadas para irem vibrar em conjunto e modular o concerto dos vastos céus! 

  O mundo, no seu berço, não foi edificado na sua virilidade e na sua plenitude de vida; não: o poder criador nunca se contradiz e como todas as coisas o Universo nasceu criança. Revestida das leis mencionadas acima e da impulsão inicial inerente à sua formação, a matéria cósmica primitiva deu sucessivamente nascimento a turbilhões, a aglomerações desse fluído difuso, a amontoados de matéria nebulosa que se dividiram por si e se modificaram ao infinito para conceber, em regiões incomensuráveis do espaço, diversos centros de criações simultâneas ou sucessivas. 

  Devido às forças que predominam sobre um ou sobre o outro e às circunstâncias ulteriores que predominam ao seu desenvolvimento, estes centros primitivos tornaram-se morada de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em princípios e em forças actuantes, começaram imediatamente a sua vida astral particular; os outros, ocupando uma extensão ilimitada, só cresceram com extrema lentidão ou voltaram a dividir-se noutros centros secundários. 

  Reportando-nos unicamente a milhões de séculos acima da época actual, a nossa Terra não existe ainda, o nosso próprio sistema solar não começou ainda as evoluções da vida planetária; e, no entanto, já sóis esplêndidos iluminam o éter; já planetas habitados dão vida e existência a uma multidão de seres que nos precederam na carreira humana; as produções opulentas de uma natureza desconhecida e os fenómenos maravilhosos do céu, desenvolvem sob outros olhares os quadros da imensa Criação. Que, digo eu! Já não existem os esplendores que outrora fizeram palpitar os corações de outros mortais sob o pensamento do infinito poder! E nós, pobres pequenos seres que chegamos depois de uma eternidade de vida, nos julgamos contemporâneos da Criação! 

  Uma vez mais, compreendamos melhor a natureza. Saibamos que a eternidade está atrás de nós tal como está à nossa frente, que o espaço é o teatro de uma sucessão e de uma simultaneidade inimaginável de criações. Tais nebulosas que mal distinguimos nos confins do céu são aglomerados de sóis em vias de formação; tais outras são via lácteas de mundos habitados; outras, enfim, o lugar de catástrofes e de ruína. Saibamos que assim como estamos no meio de uma infinidade de mundos, tal como estamos no meio de uma dupla infinidade de períodos anteriores e ulteriores, a Criação universal não está de maneira nenhuma limitada a nós e que não podemos aplicar esta palavra à formação isolada do nosso pequeno globo. 

                                                                                                           Espírito Galileu 
/... 

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – A Criação primeira (de 12 a 16), 25º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites). 

Sem comentários: