Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 3 de junho de 2021

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXII 

Hosanna! 

12 de Novembro de 1918 
(1) 

  A cidade está em festa. Tocam todos os sinos. Troa o canhão e ouvem-se as músicas norte-americanas em todos os cruzamentos das ruas e avenidas. A população inteira, num pensamento comum de libertação e de felicidade, aclama a assinatura do armistício, prenúncio da paz. 

  Não só a velha cidade está alegre, como toda a França vibra de entusiasmo. Das planícies do centro, dos vales do sul e dos bosques da Lorraine sobem os sons das fanfarras e os cantos de alegria. No Espaço, incontáveis legiões dos que tombaram pela pátria se associam ao júbilo de um povo delirante. As harmonias do Céu respondem às vozes da Terra. 

  O sofrimento de 52 meses terminou e, graças ao Novo Espiritualismo, aos guias invisíveis, às suas previsões e aos seus ensinamentos, tudo suportámos com paciência. apesar das tristezas e angústias dessa longa guerra, até mesmo nas horas mais difíceis, como por exemplo, na retirada da Rússia, nunca perdemos a confiança na salvação da pátria e no socorro do Alto. 

  Durante as peripécias da luta, uma poderosa corrente de forças espirituais nunca deixou de passar sobre a França e os seus heróicos soldados, impulsionando-os e exaltando-os até levá-los, finalmente, à vitória. 

  Agora temos que reparar os males causados pela guerra, formar uma alma nova para a França. É necessário que a união nascida nas trincheiras, nos campos de batalha e na retaguarda, entre homens de todas as condições, se fortifique pela vontade e pelos esforços de todos. 

  As lutas partidárias devem terminar diante da firme resolução de todos os franceses: trabalhar, com um mesmo empenho e um só coração, no reerguer e na regeneração do país. 

  É necessário, principalmente, que uma nova fé eleve os pensamentos acima dos interesses egoístas, fazendo penetrar nas consciências o sentimento do dever e das responsabilidades pessoais de quantos pretendam mostrar-se dignos do título de seres humanos. 

  Para todos vós, vivos heróicos ou mortos gloriosos que combateram, lutaram e padeceram por nós; para todos vós, que garantistes o triunfo da justiça e da liberdade neste mundo que se teria tornado inabitável, caso a força brutal e a mentira tivessem prevalecido; para todos vós, um hino de reconhecimento, um tributo de admiração e a gratidão da humanidade inteira! 

  Esta guerra é única na história do mundo, pelos recursos pérfidos e fratricidas que inaugurou, pela extensão mundial e as grandes massas de tropas movimentadas. As dificuldades e complicações que ela originou só foram vencidas graças a esforços gigantescos. 

  O tratamento imposto à Bélgica e à Sérvia pelos seus invasores levou-nos a acreditar numa bancarrota quanto ao mais nobre e ao mais sagrado que existe na consciência. 

  Por outro lado, povos inteiros se lançaram na fogueira em prol da causa do direito, multiplicando-se os actos de heroísmo e de sacrifício. Qualidades morais desconhecidas afloravam de tal forma que a dignidade humana se ergueu e se reabilitou. 

  O rebaixamento dos caracteres, antes da guerra, era notável e evidente. Lamentavelmente, verificávamos quanto a nossa época era pobre em homens geniais; porém, na hora do perigo, numerosas falanges surgiram, enfrentando os riscos e a morte. Embora o orgulho, a falsidade e a crueldade se manifestassem em toda a sua crueza, por outro lado, legiões de almas se elevaram de um salto até às alturas do sublime. 

  A França assumiu resolutamente as suas provações, subiu o seu calvário e arriscou a vida em prol da salvação comum. 

  A humanidade, comovida por esse espectáculo grandioso, acorreu a sustentá-la. Apareceram os homens exactos e providenciais que Deus reserva para a realização dos seus grandes desígnios: Woodrow Wilson, Lloyd George, Georges Clemenceau, Ferdinand Foch, que não foram mais do que instrumentos do Além, executores do plano divino, os agentes pelos quais a justiça superior se realiza com um brilho sem igual na história do mundo. O nosso século nada tem a invejar dos que o precederam, porque se mostrou maior que todos eles. 

  Como, portanto, duvidar do futuro? Através do caos dos acontecimentos, sentimos que uma nova humanidade se esboça; as tradições de um passado de ferro e de sangue parecem definitivamente afastadas. 

  As leis da consciência, paulatinamente, substituem as regras de uma política violenta e de uma força brutal que por muito tempo dominou o nosso mundo ainda bárbaro. Os povos acreditam vislumbrar no horizonte a aurora de um tempo onde a justiça e a fraternidade reinarão. 

  Assim sendo, um grande passo se dará no caminho áspero, porém sagrado, por onde se desenvolve a longa série de gerações humanas. Entretanto, não confiemos muito nisso... Longe, na grande Rússia, permanece um perigo que ameaça invadir a Europa Central e alastrar-se pelo Ocidente. 

  Existem ainda, no nosso atrasado planeta, muitos seres inferiores, ignorantes e passionais, para que a ordem e a harmonia se possam estabelecer de modo definitivo. 

  Provavelmente, a luta recomeçará sob outras formas, criando outros heróis e outros mártires e, nela as legiões invisíveis se associarão aos nossos esforços e às provações que suportaremos. 

  Trata-se de um combate universal do bem contra o mal, da luz contra as trevas e da verdade contra o erro! 

  Por meio dele as almas se robustecem e desenvolvem as suas energias latentes; escalam as ladeiras íngremes coroadas por cimos deslumbrantes. É o imenso concerto onde as contradições e os antagonismos ora se chocam, ora se fundem numa sinfonia quase sobre-humana. E nesse poderoso concerto há um canto que paira sobre todos os outros: a Hosanna, o canto triunfal daqueles que venceram e que, dos sofrimentos, das angústias e das lágrimas, souberam conseguir para as suas almas mais riqueza de pensamentos, de sentimentos, de beleza e de grandeza! 


15 de Dezembro de 1918 
(2) 

  Uma vez terminada a borrasca e que a calma começa a renascer nos espíritos, analisemos seriamente, com sentimento quase religioso, os factos que acabam de acontecer e tentemos obter os altos ensinamentos que eles encerram. 

  Em primeiro lugar, o que mais nos impressiona é a evidente intervenção de um poder, de uma vontade superior: a acção do mundo invisível para salvar a França do fracasso e da morte com o intuito de estabelecer o reinado do direito. 

  Mostrar-me-ão, talvez, as consequências dessa guerra terrível, as alternativas de sucesso e de fracasso, as horas de angústia e incerteza, quando parecia que o destino se voltava contra nós. Poderão dizer que tais peripécias estão em desacordo com a execução de um plano aprovado pelo Alto. 

  A resposta é fácil: Deus deseja que o homem participe da obra divina com os seus esforços e sacrifícios, é por esse preço que o progresso humano se concretiza. Porém, chegado o momento, o poder divino se manifestou e o orgulho germânico foi abatido. Daí a súbita reviravolta na situação, a ofensiva fulminante das nossas tropas e a derrota final para o inimigo. Ainda agora não perdem actualidade as palavras de Jeanne d’Arc: “Os soldados batalharão e Deus dará a vitória.” 

  Durante três anos, desde 1914, acompanhámos diariamente as etapas da guerra, quanto à colaboração do mundo invisível e, relatámos os seus feitos principais em diversos artigos de revistas: a reunião, em conselhos, dos grandes espíritos; a busca de chefes militares capazes de receber as suas inspirações; a acção permanente das legiões do além sobre os combatentes e a previsão dos acontecimentos futuros. 

  Após a batalha de Charleroi, quando o exército alemão avançava como uma avalanche e todas as vanguardas de sua cavalaria já penetravam nos subúrbios de Paris, os nossos guias nos garantiam que eles não entrariam na nossa capital. Mais tarde, diante de Verdun, na hora em que o inimigo chegava à última linha de fortificações de Souville e de Tavannes, aqueles mesmos guias nos afirmavam que os alemães não tomariam a cidade lorena. Da mesma forma, nos momentos mais duvidosos, antes que a sorte dos exércitos estivesse determinada, as predições dos espíritos sobre a nossa vitória final se concretizaram. 

  Entre os soldados muitos perceberam directamente a presença do invisível, outros tiveram a intuição dessa presença, conforme grande número de cartas, procedentes da linha de frente, confirmam. 

  Entre mil exemplos, citemos um: nas suas Cartas de Guerra, recentemente publicadas, o tenente Masson, embora sem ser espírita, declarava: 

  “Sinto-me fraternalmente rodeado por invisíveis que me orientam: todos me dizem que a morte não é tão terrível e que existem coisas que valem mais que a vida.” (*) 

  Os jovens, principalmente, estão vivamente impressionados, porque o contacto permanente com o perigo e a lição dos grandes acontecimentos lhes amadureceu o pensamento, tornando os seus sentimentos mais graves e mais profundos. Eles tornarão à vida civil com noção mais elevada dos seus deveres e, a ideia de pátria, tão desacreditada antes da guerra, assumiu a seus olhos um sentido mais amplo e mais extenso. Sabem que não basta servi-la na guerra, mas também nas horas de paz, em tudo aquilo que possa engrandecê-la, dignificá-la, tornando-a mais respeitada no mundo. 

  Observou-se que as novas classes são superiores, nesse particular, às antigas e que a incredulidade escarnecedora de outrora foi substituída pela confiança e pela fé. As próprias crianças que presenciaram este imenso drama conservarão dele uma forte impressão que exercerá grande influência nas suas vidas. 

  Se houvesse um ensino popular que viesse completar em todos eles estas felizes disposições, se a bela chama do idealismo fosse acesa naquelas almas, veríamos que, aos poucos, as gerações envelhecidas e decepcionadas, prestes a desaparecer, seriam substituídas por uma nova França, ardente e generosa, possuidora de uma fé patriótica que lhe garantiria efectuar grandes empreendimentos. 

  Actualmente, a França recobra o seu posto na vanguarda das nações. Desde 1870, vivíamos vergados sob o peso da derrota. Não podíamos dar um passo no exterior sem que esbarrássemos com as recordações dos nossos fracassos, com mil causas de amargura e humilhação. Depois veio a terrível crise em que o país poderia ter soçobrado. 

  Todas as faltas e todos os erros se expiam. Durante muito tempo as classes entre nós denominadas dirigentes, carcomidas pelo materialismo e pelo ateísmo, só possuíam como objectivo o dinheiro e o prazer. 


  O proletariado, por sua vez, cioso e vingativo, desejava a conquista do bem-estar, da riqueza e do poder, pela força. Disso resultou a perturbação dos espíritos, a incerteza do amanhã e o princípio da decomposição social. 

  Todavia, quando juntos enfrentaram o perigo e sofreram as provações, os traços de solidariedade se apertaram, ganhando a França uma nova alma. A charrua da dor nela cavou a sua marca e fez brotar as fontes de um poder que ajudará o seu reerguer e o seu majestoso voo. 

  Para nós apresenta-se uma imensa tarefa e para realizá-la é necessária a colaboração de todos, pois já não se trata de fazer concessões, nem de aceitar compromissos, mas de prestar uma cooperação sincera e leal, não podendo nenhuma parcela do povo isolar-se e viver sem as outras. 

  Devemos exigir duas condições ao regime político: [a ordem e a liberdade], sem as quais a sociedade não é estável e o progresso não está seguro. Um republicano verdadeiro deve respeitar as opiniões alheias e não querer impor as suas, a não ser pela persuasão, sendo criminosa, nesse domínio, toda e qualquer violência. 

  Porém, só isso não é suficiente: é preciso que a França recupere o seu grande papel histórico, que é o da semeadora e de divulgadora de ideias. Ao aureolar a sua fronte a vitória lhe impõe, como dívida, guiar as outras nações na sua marcha incerta. Para desempenhar essa grande missão necessita, sobretudo, do pensamento, da convicção elevada, da [iniciação na lei dos renascimentos e na comunhão dos vivos com os mortos]. 

  Esta comunhão pode tornar-se, na prática, uma fonte de força e de vida moral, porque é pelos esforços comuns dos dois planos – o visível e o invisível – que será realizada a obra regeneradora e a evolução dos seres para estados de maior sabedoria e mais luz. 

  [Jovens que lerem estas páginas, a estrada do futuro, larga e bela, está-vos aberta e vocês estão convidados a trilhá-la por todas as vozes da Terra e do Espaço]. Deixem para trás o passado, com o seu fardo pesado de terrores e iniquidades; avancem com passo firme e olhos fixos num nobre ideal. 

  Façam dos vossos trabalhos e dos vossos sofrimentos outros tantos degraus para uma subida mais alta. Escutem o apelo das almas invisíveis que vos dizem: “Coragem! Trabalhem com fervor na grande obra que cada geração elabora.” 

  Antes de vocês, na Terra, nós vivemos e sofremos, conhecendo a ingratidão, a zombaria e a perseguição. Porém, a vossa hora vos é mais propícia. 

  A nós calhou atravessar os desertos da descrença, vocês conhecerão no oásis as sombras frescas da esperança e os mananciais vivificantes da fé. Colherão na alegria o que semeamos na dor, porque, no meio da tempestade que acaba de desabar sobre a nossa pátria, surgiram as forças divinas, atenuou-se a descrença e a inteligência do homem se tornou receptiva às grandes verdades que regem os mundos. 

  Trabalhai, portanto, jovens! Nós vos inspiraremos e ampararemos. Do luminoso círculo que alcançámos, nós saudamos os novos tempos, os tempos melhores que se anunciam para a França e para a humanidade! 

/… 

(*) Masson, Cartas de Guerra, editado por Hachette, 1917 / Vejamos um segundo exemplo, mais recente: O general Berdoulat (i), governador militar de Paris, fez o seguinte relato a um repórter do Le Petit Parisien, publicado em 28 de Fevereiro de 1919: “O dia 18 de Julho de 1918 foi a jornada que devia marcar a derrota definitiva do inimigo. Algum tempo antes, eu havia ido, em missão especial, à Alsácia, onde conheci o prefeito de Montreux-le-Vieux. Ora, prevenido, pelas acções que antecederam a nossa grande ofensiva, da iminência de uma batalha, aquele magistrado me escreveu uma carta que me chegou às mãos na manhã do dia 18 de Julho. Ela continha as seguintes palavras: “Apresento a todos os meus votos pelo vosso bom êxito e pela nossa vitória. ” Pois bem! Eu estava, naquele dia, não sei porquê, tão emocionado pela certeza do triunfo, que, no momento em que a acção se delineava, bem antes de saber o seu resultado, respondi ao prefeito de Montreux: “Os vossos votos foram atendidos, esta é a nossa vitória, a derrota do inimigo.” Quem me impulsionou a responder assim, anunciando a vitória de uma batalha que ainda não havia começado? Qual a razão disso? Porquê naquela manhã eu não tinha a esperança, mas a certeza do triunfo? Na verdade, eu estava envolvido por uma força misteriosa. / Em Junho de 1917, num álbum que lhe foi entregue pelo general Guillemont (i) e no qual se lia a pergunta: “Quando terminará a guerra?”, o general Berdoulat respondeu, sob a influência da mesma força: “Em Novembro de 1918!” O armistício foi assinado no dia 11 daquele mês, este prognóstico também deu certo. 



Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXII Hosanna!, (1) 12 de Novembro de 1918 e (2) 15 de Dezembro de 1918, 37º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo informal entre soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes) 

Sem comentários: