Introdução ~
Uma dolorosa observação surpreende o pensador no ocaso da
vida. Resulta também, mais pungente, das impressões sentidas em seu giro pelo
espaço. Reconhece ele então que, se o ensino ministrado pelas instituições
humanas, em geral – religiões, escolas, universidades –, nos faz
conhecer muitas coisas supérfluas, em compensação, quase nada ensina do que mais precisamos saber, para o encaminhamento da existência terrestre e
preparação para o Além.
Aqueles, a quem incumbe a alta missão de esclarecer e guiar a alma humana,
parecem ignorar a sua natureza e, os seus verdadeiros
destinos.
Nos meios universitários, reina ainda, completa incerteza,
sobre a solução do mais importante problema,
com que o homem se defronta na sua passagem pela Terra. Essa incerteza
reflecte-se em todo o ensino. A maior parte dos professores e pedagogos, afasta
sistematicamente das suas lições, tudo o que se refere ao problema da vida,
às questões de termo e finalidade...
Encontramos, a mesma impotência, no padre. Pelas suas
afirmações despidas de provas, apenas consegue comunicar às almas que lhe estão
confiadas, uma crença que já não corresponde às regras duma crítica sã nem
às exigências da razão.
Com efeito, na Universidade, assim como na Igreja, a alma
moderna não encontra senão obscuridade e
contradição em tudo o que diz respeito ao problema da sua natureza e do seu
futuro. É a esse estado de coisas que se deve atribuir, em grande parte, o mal
de nossa época, a incoerência das
ideias, a desordem das consciências, a anarquia moral e social.
A educação que se dá às gerações é complicada; mas, não lhes
esclarece o caminho da vida; não lhes dá a têmpera necessária para as lutas da
existência. O ensino clássico pode guiar na cultura, no ornamento da
inteligência; não inspira, entretanto, a acção, o amor, a dedicação. Ainda
menos possibilita alcançar uma concepção da vida e do destino
que desenvolva as energias profundas do “eu” e nos oriente os impulsos e os
esforços para um fim elevado. Essa concepção, no entanto, é indispensável a todo o ser, a toda a sociedade, porque é o sustentáculo, a
consolação suprema nas horas difíceis, a origem das virtudes másculas e das
altas inspirações.
Carl du Prel refere o facto seguinte: (1)
“Um amigo meu, professor da Universidade, passou pela dor de
perder uma filha, o que lhe reavivou o problema da imortalidade. Dirigiu-se aos
colegas, professores de Filosofia, esperando encontrar consolações nas
suas respostas. Amarga decepção: pedira um pão, ofereciam-lhe pedras;
procurava uma afirmação, respondiam-lhe com um talvez!”
Francisque Sarcey, (2) modelo completo do
professor da Universidade, escrevia: (3)
“Estou na Terra. Ignoro absolutamente
como aqui vim ter e como aqui fui colocado. Não ignoro menos como daqui sairei
e o que de mim será quando daqui sair.”
Ninguém o confessaria mais francamente: a filosofia da
escola, depois de tantos séculos de estudo e de labor, é ainda uma doutrina sem
luz, sem calor, sem vida. (4) A alma dos nossos
filhos, sacudida entre sistemas diversos e contraditórios – o positivismo
de Auguste
Comte, o naturalismo de Hegel, o materialismo de Stuart Mill,
o eclectismo de Cousin, etc. –, flutua incerta, sem ideal, sem fim preciso.
Daí o desânimo precoce e o pessimismo dissolvente, moléstias
das sociedades decadentes, ameaças terríveis para o futuro, a
que se junta o cepticismo amargo e zombeteiro de
tantos jovens da nossa época; em nada mais acreditam do que na riqueza,
nada mais honram que o êxito.
O eminente professor Raoul Pictet assinala
esse estado de espírito na introdução da sua última obra sobre as ciências
psíquicas. (5) Fala ele do efeito desastroso produzido pelas teorias materialistas na mentalidade dos seus alunos, e conclui assim:
“Esses pobres jovens admitem que tudo quanto se passa no
mundo é efeito necessário e fatal de condições primárias, em que a vontade não
intervém; consideram que a própria existência é, forçosamente, joguete da
fatalidade inelutável, à qual estão entregues e
de pés e mãos atados.
Esses jovens deixam de lutar logo às primeiras dificuldades.
Já não crêem em si mesmos. Tornam-se túmulos vivos, onde se encerram, promiscuamente,
as suas esperanças, os seus esforços, os seus desejos, fossa comum
de tudo o que lhes fez bater o coração até ao dia do envenenamento. Tenho
visto cadáveres desses diante das suas carteiras e no
laboratório e, têm-me causado pena vê-los.”
Tudo isso não é somente aplicável a uma parte da nossa
juventude, mas também a muitos homens do nosso tempo e da nossa geração, nos
quais se pode verificar uma espécie de lassidão moral e de
abatimento. F. Myers reconhece-o, igualmente. Diz ele: (6)
“Há uma espécie de inquietação, um descontentamento, uma
falta de confiança no verdadeiro valor da vida. O pessimismo é
a doença moral do nosso tempo.”
As teorias de além-Reno, as doutrinas de Nietzsche,
de Schopenhauer, de Haeckel,
etc., muito contribuíram, por seu lado, para determinar esse
estado de coisas. A sua influência por toda a parte se espalha. Deve atribuir-se-lhes,
em grande parte, esse lento trabalho, obra obscura de
cepticismo e de desânimo, que se desenvolve na alma contemporânea, essa
desagregação de tudo o que fortificava a alegria, a confiança no futuro, as
qualidades viris de nossa raça. (7)
É tempo de reagir com
vigor contra essas doutrinas funestas e de procurar, fora da órbita oficial e
das velhas crenças, novos métodos de
ensino que correspondam às imperiosas necessidades da hora presente. É preciso
dispor os Espíritos para os apelos, os combates da vida presente e das vidas
ulteriores; é necessário, sobretudo, ensinar o ser humano
a conhecer-se, a desenvolver, sob o ponto de vista dos seus fins,
as forças latentes que nele dormem.
Até aqui, o pensamento confinava-se em círculos estreitos: religiões, escolas,
ou sistemas, que se excluem e
combatem reciprocamente. Daí essa divisão profunda dos espíritos, essas correntes violentas e contrárias, que perturbam e confundem o
meio social.
Aprendamos a sair desses círculos austeros e
a dar livre expansão
ao pensamento. Cada sistema contém uma parte da verdade; nenhum contém a
realidade inteira.
O universo e a vida têm
aspectos muito variados, numerosos demais
para que um sistema possa abraçar a todos. Dessas concepções disparatadas,
devem recolher-se os fragmentos de verdade que
contêm, aproximando-os e pondo-os de acordo; é necessário, depois, uni-los aos
novos e múltiplos aspectos da verdade que descobrirmos todos os dias e
encaminharmo-nos para a unidade majestosa e para a harmonia do pensamento.
A crise moral e a decadência da
nossa época provêm, em grande parte, de se ter o espírito humano imobilizado durante
muito tempo. É necessário arrancá-lo à inércia, às rotinas seculares,
levá-lo às grandes altitudes, sem perder de vista as bases sólidas que
lhe vem oferecer uma ciência engrandecida e renovada. É essa ciência do
amanhã que trabalhamos para constituir. Ela nos fornecerá o critério
indispensável, os meios de verificação e de comparação sem os
quais o pensamento, entregue a si próprio, estará sempre em risco de desvairar.
A perturbação e a incerteza que
verificamos no ensino repercutem e se encontram, dizíamos, na ordem social
inteira.
Em toda a parte a crise existe,
inquietante. Debaixo da superfície brilhante de uma civilização apurada esconde-se
um mal-estar profundo.
A irritação cresce nas classes sociais. O conflito dos interesses e a luta pela
vida tornam-se, dia a dia, mais ásperos. O sentimento do dever tem-se
enfraquecido na consciência popular, a tal ponto que muitos homens já
não sabem onde está o dever. A lei do número, isto é, da
força cega, domina mais do que nunca. Pérfidos retóricos dedicam-se a
desencadear as paixões, os maus instintos da multidão, a propagar teorias
nocivas, às vezes criminosas. Depois, quando a maré sobe e sopram os ventos
de tempestade, eles afastam de si toda a responsabilidade.
Onde está, pois, a explicação desse enigma,
dessa contradição notável entre as aspirações generosas do
nosso tempo e a realidade brutal dos factos? Porquê um regime que
suscitara tantas esperanças ameaça chegar à anarquia, à ruptura de todo o
equilíbrio social?
A inexorável lógica vai
responder-nos: a Democracia, radical ou
socialista, nas suas massas profundas e no seu espírito dirigente,
inspirando-se nas doutrinas negativas,
não podia chegar senão a um resultado negativo
para a felicidade e elevação da humanidade. Tal é o ideal, tal é
o homem; tal é a nação, tal é o país!
As doutrinas negativas, nas suas consequências extremas,
levam fatalmente à anarquia, isto é, ao vácuo, ao
nada social. A história humana já o tem experimentado dolorosamente.
Enquanto se tratou de destruir os
restos do passado, de dar o último golpe nos privilégios que restavam, a
Democracia serviu-se habilmente dos seus meios de acção. Mas,
hoje, importa reconstruir a cidade do futuro, o edifício vasto e
poderoso que deve abrigar o pensamento das gerações.
Diante dessas tarefas, as doutrinas negativistas mostram
a sua insuficiência e revelam a sua fragilidade; vemos os melhores operários debaterem-se
com uma espécie de impotência material e moral.
Nenhuma obra humana pode ser grande e
duradoura se não se inspirar, na teoria e na prática, nos seus princípios e nas
suas explicações, nas leis eternas do
universo. Tudo o que é concebido e edificado fora das leis superiores se afunda
na areia e se desmorona.
Ora, as doutrinas do socialismo actual têm uma tara capital.
Querem impor uma regra em contradição com
a Natureza e a verdadeira lei da humanidade: o nível igualitário.
A evolução gradual e progressiva é
a lei fundamental da
Natureza e da vida. É a razão de ser do homem, a norma
do universo.
Insurgir-se contra essa lei, substitui-la com outro fim, seria tão insensato
como querer parar o movimento da Terra ou o fluxo e o refluxo dos oceanos.
O lado mais fraco da doutrina socialista é
a ignorância absoluta
do homem,
do seu princípio essencial, das leis que presidem ao seu destino. E quando se
ignora o homem individual, como se poderia governar o homem social?
A origem de todos os nossos males está na
nossa falta de saber e na nossa inferioridade moral. Toda a
sociedade permanecerá débil, impotente e dividida durante todo o tempo em que a
desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o ódio a dominarem. Não se
transforma uma sociedade por meio de leis. As leis e as
instituições nada são sem os costumes,
sem as crenças elevadas. Quaisquer que sejam a forma política
e a legislação de um povo, se ele possui bons costumes e fortes convicções,
será sempre mais feliz e poderoso do que outro povo de moralidade inferior.
Sendo uma sociedade a resultante das forças individuais,
boas ou más, para se melhorar a forma dessa sociedade é preciso agir primeiro
sobre a inteligência e sobre a consciência dos indivíduos.
Mas, para a Democracia socialista, o homem interior, o homem
da consciência individual não existe; a colectividade o
absorve por inteiro. Os princípios que ela adopta não são mais do que uma
negação de toda a filosofia elevada e de toda a causa superior.
Não se procura outra coisa senão conquistar direitos;
entretanto, o gozo dos direitos não pode ser obtido sem a prática dos
deveres. O direito sem o dever, que o limita e corrige,
só pode produzir novas dilacerações, novos sofrimentos.
Eis por que o impulso formidável do Socialismo não faria
senão deslocar os
apetites, as ambições, os sofrimentos e, substituir as opressões do passado por
um despotismo novo, mais intolerável ainda.
Já podemos medir a extensão dos desastres
causados pelas doutrinas negativas. O Determinismo, o Monismo, o Materialismo,
negando a liberdade humana e a responsabilidade,
minam as próprias bases da Ética universal. O mundo moral não é mais que
um anexo da Fisiologia, isto é, o reinado, a manifestação da
força cega e
irresponsável. Os espíritos de escol professam o Niilismo metafísico e, a massa
humana, o povo, sem crenças, sem princípios fixos, está entregue a homens que
lhe exploram as paixões e especulam com as suas ambições.
O Positivismo, apesar de ser menos absoluto, não é
menos funesto nas suas consequências. Pelas suas teorias do
desconhecido, suprime as noções de fim e de larga evolução.
Toma o homem na fase actual da sua vida, simples fragmento do
seu destino e,
o impede de ver para diante e para trás de si. Método estéril e
perigoso, feito, parece, para cegos de espírito e, que se tem proclamado muito
falsamente como a mais bela conquista do espírito moderno.
Tal é o actual estado da Sociedade. O perigo é
imenso e se alguma grande renovação espiritualista e científica não se
produzisse, o mundo soçobraria na incoerência e na confusão.
Os nossos homens de governo sentem já o que
lhes custa viver numa sociedade em que as bases essenciais da moral estão
abaladas, em que as sanções são
fictícias ou impotentes, em que tudo se funde, até a
noção elementar do bem e do mal.
As igrejas, é verdade, apesar das suas fórmulas antiquadas e
do seu espírito retrógrado, agrupam ainda à sua volta muitas almas
sensíveis; mas, tornaram-se incapazes de conjurar o
perigo, pela impossibilidade em que se colocaram, de fornecer uma definição precisa
do destino humano e do Além, apoiada em factos probantes
e bem estabelecidos. A religião, que teria, sobre
esse ponto capital, o mais alto interesse em se pronunciar, conserva-se no
vago.
A humanidade, cansada dos dogmas e
das especulações sem provas, mergulhou no materialismo ou na indiferença. Não
há salvação para o pensamento, senão por meio de uma doutrina baseada na
experiência e no testemunho dos factos.
De onde virá essa doutrina? Que poder nos livrará do abismo
em que nos arrastamos? Que ideal novo virá dar ao homem a confiança no futuro e
o fervor pelo bem? Nas horas trágicas da História, quando tudo parecia
desesperado, nunca faltou o socorro. A alma humana não se pode
afundar inteiramente e perecer. No momento em que as crenças do passado se
velam, uma concepção nova da vida e do destino, baseada na ciência dos
factos, reaparece. A grande tradição revive sob
formas engrandecidas, mais novas e mais belas. Mostra a todos um futuro cheio
de esperanças e de promessas. Saudemos o novo reino da Ideia,
vitoriosa sobre a Matéria e, trabalhemos para preparar-lhe o caminho.
A tarefa a cumprir é grande. A educação do homem deve ser
inteiramente refeita. Essa educação, já o vimos, nem a Universidade nem
a Igreja estão em condições de fornecer, pois já não possuem
as sínteses necessárias para esclarecer a marcha das novas gerações. Uma só
doutrina pode oferecer essa síntese, a do Espiritualismo científico;
já Ela se
eleva no horizonte do mundo intelectual e
parece que há de iluminar o futuro.
A essa filosofia, a essa ciência, livre, independente,
emancipada de toda a pressão oficial, de todo o compromisso político, as descobertas contemporâneas
trazem a cada dia mais novas e preciosas contribuições.
Os fenómenos do magnetismo, da radioactividade e
da telepatia são
aplicações de um mesmo princípio, manifestações de uma mesma lei,
que rege conjuntamente o ser e o universo.
Mais alguns anos ainda de labor paciente,
de experimentação conscienciosa, de pesquisas perseverantes e, a nova educação
terá encontrado a sua fórmula científica,
a sua base essencial. Esse acontecimento será o maior facto da História,
desde o aparecimento do Cristianismo.
A educação, sabe-se, é o mais poderoso factor
do progresso, pois contém em gérmen todo o futuro. Mas, para ser completa,
deve inspirar-se no
estudo da vida sob as suas duas formas alternantes, visível e invisível,
na sua plenitude, na sua evolução ascendente para os cimos da natureza e do
pensamento.
Os preceptores da humanidade têm, pois, um
dever imediato a cumprir. É o de repor o Espiritualismo na
base da educação, trabalhando para refazer o homem interior e a
saúde moral. É necessário despertar a alma humana adormecida por uma retórica
funesta; mostrar-lhe os seus poderes ocultos, obrigá-la a ter consciência de
si mesma, a realizar os seus gloriosos destinos.
A ciência moderna analisou o mundo
exterior; as suas penetrações no universo objectivo são profundas; isso será a
sua honra e a sua glória; mas nada sabe
ainda do universo invisível e do mundo interior. É esse o império ilimitado
que lhe resta conquistar. Saber por que laços o homem se liga ao conjunto,
descer às sinuosidades misteriosas do ser, onde a sombra e a luz
se misturam,
como na caverna de Platão, percorrer-lhe os labirintos, os redutos secretos,
auscultar o “eu” normal e o “eu” profundo, a consciência e a subconsciência;
não há estudo mais necessário. Enquanto as Escolas e as Academias não o tiverem
introduzido nos seus programas, nada terão feito pela educação definitiva da
humanidade.
Já vemos, porém, surgir e constituir-se uma psicologia maravilhosa
e imprevista, de onde vão derivar uma nova concepção do ser e
a noção de uma lei superior que abarca e resolve todos os
problemas da evolução e do movimento transformador.
Um tempo se acaba; novos tempos se anunciam. A hora em que
estamos é uma hora de transição e
de parto doloroso. As formas esgotadas do passado
empalidecem-se e se desfazem para dar lugar a outras, a princípio vagas e
confusas, mas que se precisam cada vez mais. Nelas se esboça o pensamento
crescente da humanidade.
O espírito humano está em trabalho, por
toda a parte, sob a aparente decomposição das ideias e dos princípios; por toda
a parte, na Ciência, na Arte, na Filosofia e até no seio das religiões, o
observador atento pode verificar que uma lenta e
laboriosa gestação se produz. A Ciência, sobretudo, lança em
profusão sementes de ricas promessas. O século que começa será o das potentes
eclosões.
As formas e as concepções do passado,
dizíamos, já não são suficientes. Por mais respeitável que pareça essa herança,
não obstante o sentimento piedoso com que se podem considerar os ensinamentos
legados por nossos pais, percebe-se que esse ensinamento não foi
suficiente para dissipar o mistério sufocante do porquê da vida.
Pode-se, entretanto, na nossa época, viver e agir com
mais intensidade do que nunca; mas é possível viver
e agir plenamente, sem se ter consciência do fim a
atingir? O estado d’alma contemporâneo pede, reclama uma
ciência, uma arte, uma religião de luz e de liberdade, que venham dissipar-lhe
as dúvidas, libertá-lo das velhas servidões e das misérias do pensamento,
guiá-lo para horizontes radiosos a que se sente levado pela própria natureza
e pelo impulso de forças irresistíveis.
Fala-se muito de progresso; mas o que se entende
por progresso? É uma palavra vazia e
sonora, na boca de oradores na maior parte materialistas, ou tem um sentido
determinado? Vinte civilizações têm passado pela Terra, iluminando com os seus
alvores a marcha da humanidade. Os seus grandes focos brilharam
na noite dos séculos; depois extinguiram-se. E o homem não discerne
ainda, atrás dos
horizontes limitados do seu pensamento, o além sem
limites aonde o leva o destino. Impotente para dissipar o mistério
que o cerca, estraga as suas forças nas obras da Terra e foge aos
esplendores de sua tarefa espiritual, tarefa que fará a sua verdadeira
grandeza.
A fé no progresso não caminha sem a fé
no futuro,
no futuro de cada um e de todos. Os homens não progridem e não se adiantam,
senão crendo no
futuro e caminhando com confiança, com certeza para o ideal entrevisto.
O progresso não consiste somente nas obras
materiais, na criação de máquinas poderosas e de toda a ferramenta industrial;
do mesmo modo, não consiste em descobrir processos novos de arte, de literatura
ou formas de eloquência. O seu mais alto objectivo é
empolgar, atingir a
ideia primordial,
a ideia mãe que há de fecundar toda a vida humana, a fonte elevada e pura de onde hão de dimanar conjuntamente as verdades, os princípios e os
sentimentos que inspirarão as obras de peso e as nobres acções.
É tempo de o compreender: a Civilização só
poderá engrandecer-se, a Sociedade só poderá subir se um
pensamento cada vez mais elevado e uma luz mais viva vierem inspirar,
esclarecer os espíritos e tocar os corações,
renovando-os. Somente a ideia é mãe da acção. Somente a vontade de
realizar a plenitude do ser, cada vez melhor, cada vez maior, nos
pode conduzir aos cimos longínquos em que a Ciência, a Arte, toda a obra
humana, numa palavra, encontrará a sua expansão, a sua regeneração.
Tudo no-lo diz: o universo é
regido pela lei de evolução; é isso o que entendemos pela palavra
progresso. E nós, no nosso princípio de vida, na nossa alma, na nossa
consciência, estamos para sempre submetidos a
essa lei. Não se pode desconhecer, hoje, essa força, essa lei soberana; ela
conduz a alma e as suas obras, através do
infinito do tempo e do espaço, a um fim cada vez mais elevado; mas essa lei não
é realizável senão através dos nossos esforços.
Para fazer obra útil, para cooperar na evolução
geral e recolher todos os seus frutos, é preciso, antes de tudo, aprender a
discernir, a reconhecer a razão, a causa e
o fim dessa evolução, saber aonde ela conduz, a fim
de participar,
na plenitude das forças e das faculdades que dormitam em nós, dessa ascensão
grandiosa.
O nosso dever é traçar a trajectória à
humanidade futura, da qual ainda faremos parte integrante, como no-lo ensinam a
comunhão das almas, a revelação dos grandes Instrutores invisíveis e,
como a Natureza o ensina, também, através dos seus milhares de vozes,
pela renovação perpétua de todas as coisas, daqueles que a
sabem estudar e compreender.
Vamos, pois, para o futuro, para a vida sempre
renascente, pela via imensa que nos abre um Espiritualismo regenerado!
Fé do passado, ciências, filosofias, religiões, iluminai-vos
com uma chama nova; sacudi os vossos velhos sudários e as
cinzas que os cobrem. Escutai as vozes reveladoras do túmulo;
elas nos trazem uma renovação do pensamento com os segredos do Além, que o
homem tem necessidade de conhecer para melhor viver, melhor agir e melhor
morrer!
Léon Denis, Paris 1908
/…
(1) Carl du Prel -
La Mort et l’Au-Delà, pág. 7.
(2) François Sarcey de Suttières, também
conhecido como Francisque Sarcey: célebre crítico literário e
conferencista inspirado. (N.E.)
(3) Petit Journal crónica, 7 de Março de
1894.
(4) A propósito dos exames universitários,
escrevia M. Ducros, deão da Faculdade de Aix, no Journal des Débats, de 3 de
Maio de 1912: “Parece que existe entre o discípulo e as coisas, como que
um anteparo, não sei que nuvem de palavras aprendidas, de factos esparsos e
opacos. É sobretudo em filosofia que se experimenta essa penosa impressão.”
(5) Étude critique du matérialisme et du
spiritualisme, pour la physique expérimentale - F. Alcan, ed., 1896.
(6) F.
Myers - La Personnalité Humaine.
(7) Estas linhas foram escritas antes da
guerra de 1914-15. É preciso reconhecer que, no curso dessa luta gigantesca, a
mocidade francesa demonstrou um heroísmo acima de todo o elogio. Mas, nisso em
nada interveio a educação nacional. Devemos, pelo contrário, ver aí um acordar
das qualidades étnicas que dormitavam no coração da raça.
Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Apresentação, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe),
de uma pintura atribuída a Josefina
Robirosa)
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