Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
Mostrar mensagens com a etiqueta Gustave Geley. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Gustave Geley. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 20 de março de 2025

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo IX

A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico ~

  Na ocorrência matapsíquica chamada materialização existe algo mais do que um fenómeno: temos a imagem do homem e a face espiritual de sua individualidade. Não esqueçamos que se esse fenómeno não tivesse uma raiz que mergulha no eterno, não revelaria, como sempre o faz, uma imagem e uma face espiritual. Seria constituído apenas de representações amorfas ou na formação de figuras caprichosas, alheias à representação humana. Entretanto, no fenómeno metapsíquico, manifesta-se sempre a imagem do homem, tão real e viva, que fala, sente e ama.

  Que demiurgo caprichoso se compraz em manifestar-se nesse fenómeno, não através de loucas fantasmagorias, mas revelando-nos um homem vivo, com a sua própria imagem e natureza? A esta pergunta podemos responder que: se na materialização metapsíquica se apresenta a imagem humana, isso nos fornece a razão para repelirmos as doutrinas do materialismo e estabelecermos os lineamentos de uma biologia da alma, de uma nova concepção filosófica sobre o destino do Ser e da existência.

  O fenómeno de materialização metapsíquica representa um chamado ao sentido metafísico dos novos tempos. Omitir essa manifestação seria retardar o progresso da antropologia, de maneira que os interesses de sistemas ou de seitas não deveriam prevalecer frente a um fenómeno que tão fielmente nos revela a imagem do homem e de seu espírito. Entretanto, essa espécie de traição ao homem espiritual foi consumada pelos próprios “estudiosos” da metapsíquica, temerosos de serem considerados espíritas.

  Não obstante, fenomenologia metapsíquica exige do filósofo uma nova definição do homem, pois a sua inegável realidade nos permite afirmar que o ser humano é algo mais que um facto fisiológico. Para a filosofia espírita e o realismo metapsíquico, o homem é um dínamopsiquismo que ultrapassa a representação física do organismo, ainda que a idiossincrasia universitária, de carácter acomodatício, prefira uma metapsíquica fisiológica, como a de René Sudre. (i)

  Mas não é para isso que o fenómeno metapsíquico nos mostra o seu mundo de aparições e desaparições, esse conjunto de factos que estão revelando, com toda a clareza, que o Espírito ultrapassa os centros nervosos e que possui um mundo espiritual independente das circunvoluções cerebrais.

  Onde a metapsíquica se mostra grandiosa e comovedora é precisamente quando nos revela a imagem do homem, viva e materializada, como se regressasse de um longínquo país. É então que se evidencia, num facto supranormal que revoluciona todo o mundo conhecido da natureza, que a sua origem não é natural, como à força o querem biólogos, filósofos materialistas, e até certas correntes espiritualistas. Esquece-se que a metapsíquica nos oferece uma visão nova do homem e do Universo, apresentando-nos ainda outras conclusões metafísicas e com esta visão, o homem se nos apresenta como um poder psíquico que incide sobre a sua própria morte, para superá-la, como um ser dotado da natureza imortal. Esta superação espiritual da morte, pelo homem, é a razão fundamental do fenómeno metapsíquico; por isso, a imagem do homem está presente na sua manifestação. Não esqueçamos que a fisionomia humana não se manifesta em nenhum outro facto da natureza. Assim, se a metapsíquica no-la revela, é porque persegue algum propósito extraordinário, através do númeno que a conduz e a determina.

  William Crookes viu um espírito em carne e osso; viu um Ser quase ressuscitado, que falava com os vivos e se dava o nome de Katie King. O sábio inglês tocou a sua carne e sentiu que era viva, real e quente, o que levou o grande fisiólogo espanhol Jaume Ferran a dizer, referindo-se às materializações“Temos de confessar que estas materializações constituem o grande enigma da metapsíquica. O facto de aparecerem formas de contornos vagos, dotadas de uma luminosidade especial, que acabam por adquirir o aspecto de órgãos, membros e até de figuras humanas completas, que falam, se movimentam e respiram, exalando ácido carbónico; que têm pulsações arteriais, um coração que bate e a temperatura normal; que se desvanecem na presença dos espectadores e que, ainda quando seguradas firmemente, se esvaem sem deixar o menor vestígio; ninguém poderá negar que realmente constitui um grande mistério.” (ii)

  Crookes comprovou também que essa materialização metapsíquica tinha sangue de imortalidade, (iii) e que a imagem humana de Katie King era tão positiva e real como se não procedesse do outro mundo.

  Mas porque é que a teologia, a teosofia hindu e os sistemas espiritualistas negaram a espiritualidade e a realidade desse assombroso fenómeno? Porque é que negaram a prova da existência imortal do Espírito, quando a tiveram diante dos olhos?

  Acreditamos que a negaram porque se haviam esquecido das próprias aparições de Cristo depois da morte, essas divinas manifestações do Espírito de Jesus, que inauguraram para sempre, diante da humanidade e da história, a relação permanente entre os vivos e os mortos, como um prenúncio do que seria a ciência espírita do futuro. Assim, as ciências espirituais que não aprovam as manifestações de entidades invisíveis tornam-se superficiais e falíveis, divorciam-se das antigas modalidades do cristianismo.

  A investigação metapsíquica racionalizou a busca da imortalidade da alma. Aplicando-lhe o método científico, transformou em matéria experimental o que antes se considerava exclusivamente como sobrenatural ou pertencente à especulação teológica. Deste modo, o que se acreditava ser do domínio religioso passou para o domínio científico; consequentemente, a razão pode agora buscar uma nova fé, através dessa “teologia experimental” a que se referiu Jaume Ferran, ao tratar da obra metapsíquica do professor Charles Richet.

  O organismo humano, segundo a metapsíquica, possui um dinamopsiquismo que não depende dos centros nervosos. É por isso que a velha teoria do paralelismo psicofisiológico se desmorona ante a terrível metapsíquica, pois esta revela fenómenos decisivos a respeito, que constituem verdadeira contribuição de um grande númeno espiritual, encarregado de espiritualizar o conhecimento humano. Segundo as provas metapsíquicas, o Ser é uma força divina que dirige e condiciona o seu próprio desenvolvimento orgânico e espiritual, submetendo-se para isso à maravilhosa lei dos renascimentos.

  As teorias puramente naturalistas passam assim a ocupar um lugar secundário, já que o conhecimento metapsíquico dota o homem de um novo sentido filosófico e religioso. A ideia está recobrando a sua primazia na ordem do conhecimento, mas com acento revolucionário, pois o idealismo da metapsíquica não se parece em nada com o velho idealismo escolástico. A filosofia idealista que emerge dos factos sobrenaturais vem confirmar o carácter dinâmico e revolucionário do espiritismoEm consequência, o homem metapsíquico é totalmente diferente do homem materialista, tendo possibilidades de ampliar os sentidos humanos e até mesmo de dotar a espécie de órgãos psíquicos que modificarão as actuais noções de tempo e espaço. Os cinco sentidos do homem comum poderão ser ampliados por um sexto sentido, nexo psíquico que conectará a espécie com as realidades do mundo espiritual.

  De acordo com a filosofia espírita, a imagem do homem mudará, porque tudo está destinado a renovar-se. Deus não deu à criatura humana uma imagem definitiva, mas uma face espiritual que se irá transformando com a evolução. Porque o Ser é uma entidade que avança para a imagem de Deus, através do grande processo palingenésico a que está sujeito, adentrando-se cada vez mais no Divino Plano do Universo.

  À luz da filosofia espírita podemos dizer que a metapsíquica é a ciência dos fenómenos espirituais. Por esta ciência da Alma, como a chamaram Ernesto Bozzano e Charles Richet, a humanidade conhecerá a verdadeira senda espiritual que deve percorrer. Mas isto só acontecerá quando cessarem as rivalidades religiosas e ideológicas. Então se reconhecerá, para o bem da espécie, que no fenómeno metapsíquico está presente à imagem do homem desencarnado e que o espiritismo será o traço de união entre o materialismo e o espiritualismo clássicos.

  O espiritualismo kardecista guarda esse elo perdido, o nexo que reconciliará o pensamento materialista com o espiritualista. A tese de Gustave Geley, que sustenta não haver matéria sem espírito, nem espírito sem matéria, mostra-nos o enlace do elemento material com o elemento espiritual. Reconhecido o fenómeno metapsíquico como uma manifestação da substância ectoplásmica, será fácil compreender que matéria e espírito “são duas realidades que se conjugam, já que o desenvolvimento espiritual e físico resulta da união entre o corpo e a ideia. Assim se reconhecerá que não existe materialismo nem espiritualismo puros. Ambos os sistemas participarão reciprocamente dos seus respectivos elementos e o que antes os separava, agora os aproximará, demonstrando que o materialismo possui valores para o espiritualismo e o espiritualismo valores para o materialismo. (iv)

  A metapsíquica contribuirá enormemente para esta inter-relação de ambos os sistemas, devido à realidade biológica e espiritual revelada pelos seus fenómenos de materialização, que vieram confirmar a tese de que uma essência una anima e movimenta a vida de todo o Universo. (v)

/...
(i) A posição metapsíquica de Sudre, vigorosamente refutada por Ernesto Bozzano, renova-se actualmente na parapsicologia, Os próprios trabalhos de Sudre estão sendo reeditados, no interesse de refutar as conclusões extrafísicas de Rhine. (Nota de J.H. Pires).
(ii) Do prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, edição espanhola.
(iii) “Sangue de imortalidade”, expressão vigorosa com que o autor se refere à natureza humana do fenómeno. (Nota de J.H. Pires).
(iv) Kardec afirmou que o espiritismo e as ciências devem avançar juntos, porque tratam respectivamente dos dois aspectos fundamentais do Universo: o espírito e a matéria. (Ver a introdução de O Livro dos Espíritos e A Génese) Léon Denis, em O Génio Céltico e o Mundo Invisível, declara que o espiritismo avança para a realização da síntese do conhecimento, reunindo o saber espiritual e o material. Mariotti reafirma essa tese epistemológica da filosofia espírita. (Nota de J.H. Pires).
(v) A metapsíquica é considerada pelo autor como uma espécie de campo científico do espiritismo, uma zona intermediária em que o biológico e o anímico se encontram, dando lugar às manifestações ectoplásmicas que sintetizam espírito e matéria. (Nota de J.H. Pires).


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IX A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea
1936, Salvador Dali).

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

metapsíquica | humana


~~~ análise crítica de uma alínea sofística

Lamento sinceramente ter de interromper aqui o exame dos argumentos que o nosso autor, profusamente, espalha em volta das experiências feitas com a Sra. Piper. Se me fosse dado continuar esse exame, dele resultaria uma crítica bastante instrutiva, pois teria de continuar, através dos factos, a demonstrar que, na sua maioria, os incidentes verificados com esta médium são inexplicáveis pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia (clarividência, *)”, embora não seja necessário mais do que ficou dito para fazer ruir, nesse primeiro embate, o castelo de sofismas e paralogismos, tão laboriosamente edificado por Sudre. Impus-me, entretanto, o dever de analisar todos os pontos abordados por ele num livro exageradamente parcial; longo, portanto, é o percurso a cobrir e minguado o espaço para refutar as inexactidões, as afirmações gratuitas, os paralogismos e os sofismas que como serpentes se entrelaçam uns nos outros, não raro amontoando-se às dezenas numa só página. A maior dificuldade está na escolha. Eis uma pequena amostra. Na página 338, apresenta-nos ele este parágrafo surpreendente:

“Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer, de um lado, que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos e, de outro, que no fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos. Discutem então sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas, quando não se vêm apoiar audaciosamente no animismo, para provar o Espiritismo, sem a necessária preparação para distinguirem um do outro. Mas os espíritas que o fanatismo não cega desistem de encontrar nos factos provas cruciais. Sabem que as suas presunções serão aceites como provas, segundo a concepção que cada um tem “das probabilidades dramáticas da Natureza” (para usar a expressão original de William James). Como Myers, como Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico, fundado noutras ciências, que não a Metafísica, quando não sobre postulados morais. Assim o Espiritismo dito “científico”, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec (i) que, em si, não é, de todo, mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

Não existe no trecho acima uma única afirmação que não seja errónea, gratuita, insidiosa ou sofística. Sudre começa dizendo: “Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos.” Ora, os espíritas sempre o reconheceram; foi justamente um espírita, Alexandre Aksakof, que, há quarenta anos, classificou os fenómenos medianímicos em três categorias; fenómenos de Personismo, de Animismo e de Espiritismo, demonstrando que as duas primeiras categorias provinham das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana, sem qualquer intervenção do Espírito dos mortos.

Com que direito, pois, dizer que os espíritas foram “hoje” compelidos a reconhecer esse facto?

Continua Sudre afirmando que (“hoje” sempre) os espíritas foram obrigados a concordar que no “fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos”. Abstracção feita do “sempre”, que é aí demasiado, posso afirmar que os espíritas, pelo contrário, reconheceram o facto desde a alvorada do movimento espírita. Eis, por exemplo, como se exprime um espírita, de primeira, Adin Ballou, na página 67 do seu livro Spirit Manifestation, vindo à luz em 1852:

“O que se passa através do médium deve, em verdade, estar sujeito à influência do espírito dos vivos. As ideias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos, os pontos de vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos dos mortos procuram transmitir, por intermédio de um cérebro alheio. Além disso, as influências mesméricas e psicológicas da parte da mentalidade dos experimentadores, que podem dominar a do médium, devem igualmente produzir um efeito perturbador análogo. Segue-se que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são transmitidas ou, mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente diferentes, daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um francês se comunicasse com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco familiarizado com aqueles dois idiomas. O interlocutor inglês teria não pequena dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido. Nos casos desta natureza, nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida uma tradução perfeita do que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir.”

Eis o raciocínio de Adin Ballou, há setenta e cinco anos e, esta sua opinião encontra-se transcrita nas obras de Capron (1858), do professor Robert Hare (1855), do Dr. Wolfe (1869), de Alexandre Aksakof (1889); mas para Sudre só “hoje” os espíritas foram obrigados a reconhecê-lo e, isso mesmo, graças à força esclarecedora das pesquisas dos metapsiquicos destes últimos tempos.

Mas continuemos. O nosso autor ainda assim se exprime: “Então discutem (os espíritas) sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pela teoria metapsíquica.” Estas “algumas” categorias de fenómenos inexplicáveis pela teoria metapsíquica” são antes numerosas e nada mais natural que os espíritas as declarem inexplicáveis pela hipótese naturalista, pois, de facto, o são. Os próprios metapsiquistas anti-espíritas de tal forma o compreendem e, com isso, tal embaraço experimentam, que evitam prudentemente discuti-las, contentando-se de apenas a elas aludir, de modo geral, em nada concludente ou a elas não se referindo de modo algum, o que ainda é mais cómodo. Isso não impede, porém, que esses mesmos metapsiquistas continuem a inculcar a sua argumentação anti-espírita, como se houvessem respondido, refutado, destruído a dos seus opositores. Mais tarde voltaremos a este ponto, particularmente importante.

A continuação do trecho, cujo exame empreendemos, é curiosíssima. Com efeito, ele faz-nos saber que os espíritas “se apoiam audaciosamente no animismo para provar o Espiritismo, sem terem a necessária preparação para distinguir um do outro”. A primeira parte desta objecção é estupenda e, a segunda completamente falsa. Estou eu entre aqueles que, de há trinta anos para cá, se apoiam “audaciosamente” no animismo para provar o Espiritismo; nos números de Novembro-Dezembro de 1925 e de Janeiro-Fevereiro de 1926, da Revue Spirite fiz sair um longo artigo, rigorosamente documentado, com o fim de demonstrar que o Animismo, sob o ponto de vista de demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma, era mais importante e decisivo do que o próprio Espiritismo; e nesse artigo fiz ressaltar a circunstância, altamente eloquente, de Frank Podmore, isto é, o adversário mais encarniçado da hipótese espírita, haver, mesmo ele, reconhecido essa verdade, nos termos que se seguem:

“Seja ou não verdade que as condições do além permitem, às vezes, aos que lá se encontram, entrar em comunicação com os vivos, é, em todo o caso, claro que essa questão se tornaria de importância secundária se se chegasse a demonstrar, sobre a base das faculdades inerentes ao espírito, que a vida da alma não está ligada à vida do corpo. Noutros termos, deve necessariamente admitir-se que, se é verdade que no sono medianímico ou extático, o Espírito conhece o que, à distância, se passa, percebe coisas escondidas, prevê o futuro e lê no passado, como num livro aberto, então – considerando que estas faculdades não foram certamente adquiridas no processo de evolução terrena, cujo meio lhes não é próprio nem lhes justifica a emergência – então, dizia, parece que se poderá inferir que estas faculdades demonstram a existência de um outro mundo mais elevado, no qual elas se deverão exercer livremente, em harmonia com outro ciclo evolutivo, que já não seria regido pelo nosso meio terreno. É importante acrescentar que a teoria aqui esboçada não é nenhuma especulação filosófica, fundada em suposições não verificáveis; é uma hipótese científica, baseada na interpretação de uma categoria precisa de factos... Seria inútil contestar que, se se pudesse provar a autenticidade dos fenómenos de premonição, de clarividência e tantos outros que testemunhassem que no nosso espírito se encontram faculdades psíquico-sensoriais transcendentais, então o facto da independência do espírito do corpo seria manifesta.”

Por conseguinte, segundo Podmore “seria inútil contestar” a sobrevivência da alma, desde que se provasse a existência de fenómenos de “metagnomia”. E não é outra coisa o que, por minha vez, tenho sustentado desde sempre. O que pensa disto Sudre? Amarga decepção deve ter sido a sua, quando viu, pelo meu artigo anterior, que o próprio Podmore, audaciosamente, pensava que o Animismo constituía prova para o Espiritismo! E o que de mais “trágico” se verifica na situação de Sudre é que Podmore pelo menos se mantinha dentro da ilusão de poder reduzir todos os fenómenos metapsíquicos exclusivamente à telepatia e de, consequentemente, poder negar os fenómenos de metagnomia propriamente dita. Com isto ele se sentia garantido na sua qualidade de campeão mundial do anti-espiritismo; enquanto que Sudre não deve ter fácil a porta de saída, ele que está firmemente convencido da existência das faculdades supranormais em questão.

Como, pois, salvar do naufrágio inevitável o frágil barquinho do seu anti-espiritismo materialista? Com as “bolsas de vento” que lhe prende às bordas? Não; nem será com as frases ocas e retumbantes, das que lança mão nos momentos críticos, que poderá enfrentar a argumentação que, intimamente, reconhecendo invulnerável, não ousa atacar de frente. É o que ainda agora se dá ao ter de enfrentar o caso da demonstração irrefutável do Espiritismo pelo Animismo; interpõe no período a palavra audaciosamente, com a qual pretende insinuar que as pretensões dos espíritas a esse respeito são injustificáveis e temerárias.

Deve ele compreender bem que as frases apenas para armar não produzem refutação, não constituem provas e são de duração efémera; mas ele se dá por satisfeito, desde que elas produzam pelo menos uma pequena impressão deletéria no espírito dos leitores menos prudentes e pouco ao corrente da discussão. É possível que consiga isso algumas vezes, o que não impede, entretanto, que, demonstrando não poder responder à argumentação firme e lógica dos espiritualistas, ele vote a sua causa a irremediável desastre. E o seu livro transborda dessas frases, do mesmo modo que os seus artigos delas vêm salpicados. Por mais de uma vez fui visado pelos rasgos, um tanto embotados, dessa fraseologia, rasgos que, antes, me divertiram, porque, nas circunstâncias em que me procuraram atingir, não representaram para o seu autor mais do que uma satisfação demasiado efémera. O meu contraditor não havia conseguido responder à refutação de uma das suas teses, apesar de imprudentemente haver prometido pronta resposta que, a seu ver, não poderia deixar mesmo de ser “muito fácil”. Chegado, porém, o momento, a coisa lhe pareceu, ao contrário, bem difícil, ou, para ser mais claro, só então se convenceu de ser logicamente impossível refutar aqueles argumentos.

Mesmo assim, Sudre continua a servir-se da hipótese reduzida a zero, tal como se a houvesse vitoriosamente defendido, ou pelo menos refutado com algum êxito a minha argumentação.

Voltando ao assunto, deixo aqui consignado que se Sudre lançar uma das suas frases habituais, a propósito da afirmação irrefutável de que o Animismo constitui uma prova para o Espiritismo, não me hei de assustar, antes farei ao meu antagonista um apelo formal – em nome da investigação sincera e apaixonada da Verdade pela Verdade – para que nos oriente do modo pelo qual explica a existência, na subconsciência humana, de faculdades e sentidos supranormais, independentes da lei da evolução biológica.

O que peço a Sudre é que, ao elucidar-nos, o faça do único modo plausível, isto é, destruindo com lógica os argumentos por mim, nesse sentido, expostos no artigo, cujo texto já dei e que pode ser por ele encontrado na Revue Spirite, artigo em que eu demonstrava, de modo decisivo, que sempre que os nossos antagonistas pensam combater a hipótese espírita, recorrendo aos poderes da metagnomia, nada mais fazem, na realidade, do que demonstrar a existência e a sobrevivência da alma, apenas colocando a questão, antes, sob o ponto de vista do Animismo que do Espiritismo, o que, em suma, vem a ser uma e a mesma coisa.

Espero o meu contraditor no terreno da prova; mas sinceramente digo estar, de antemão, convencido de que ele terá o cuidado de não responder a esta questão de valor decisivo para o ponto de vista espiritualista. Não impedirá isso, no entanto, de continuar a fazer prevalecer imperturbável a sua opinião contrária à sobrevivência da alma e a tachar de audaciosos os argumentos que ele é incapaz de demonstrar que sejam falsos. São inconsequências fatais naqueles que têm o espírito obscurecido por irredutíveis preconceitos.

Poderiam objectar-me ser inútil a minha insistência em procurar convencer os que se obstinam em não querer compreender, mas a minha insistência não visa convencer o meu competidor e tão-somente a levar a tranquilidade de espírito àqueles poucos que, por acaso, se tenham deixado perturbar pelas suas insinuações sofísticas.

Abro aqui um parêntesis para tratar com o professor Charles Richet.

Havia acabado de escrever as páginas acima, quando recebi o número de Janeiro-Fevereiro da Revue Metapsychique, 1926, onde, num breve artigo, o Prof.Richet, fazendo notar a existência, nos nossos dias, de um certo número de sensitivos clarividentes, pensa que pode isto traduzir o prelúdio do próximo aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”. Passando a examinar cientificamente a origem presumível desse novo sentido, procura explicar o facto pela teoria muito conhecida do Dr. Vries, sobre as “mutações bruscas” transmissíveis à descendência, tal como se observa no reino vegetal.

Ouso lembrar ao Prof. Richet que a frequência actual de sensitivos clarividentes – frequência aliás muito relativa – decorre exclusivamente do facto de, nestes últimos anos, entre os povos civilizados, serem esses indivíduos muito procurados e observados, ao passo que antigamente eram em geral conduzidos à fogueira, o que, em muito, lhes reduzia o número. Nada, entretanto, de novo sobre o caso. Se interrogarmos a respeito a história da antiguidade clássica, bíblica, egípcia, babilónica, se ascendermos a eras mais remotas, até às crónicas sagradas dos povos do Oriente, encontraremos os melhores elementos para nos provar que as faculdades de clarividência permanecem em estado absolutamente estacionário, através dos séculos, não obstante as civilizações e as raças, o que já não é pouco para condenar aquela hipótese.

Mas outra circunstância de facto, que contradiz a tese do Prof. Richet, de modo decisivo, é a frequência de fenómenos de clarividência, sob as suas múltiplas formas, no meio dos povos selvagens.

Pessoalmente estudei o assunto, em longa monografia que, como todas que a precederam, não é fruto de pesquisas superficiais, mas de acurado estudo, em longo período de 35 anos. Adquiri, portanto, certa competência no assunto e posso afirmar não existir tribo selvagem que não tenha o seu feiticeiro-curador, com predicados absolutamente análogos aos dos clarividentes, entre os povos civilizados.

Os relatórios dos exploradores e dos missionários estão repletos de casos dessa natureza, que se contam por centenas. Daí podermos concluir em sentido diametralmente oposto ao que nos sugere o Prof. Charles Richet, isto é, que, se as faculdades de clarividência sob todas as formas são mais frequentes entre os povos primitivos que entre os civilizados, não há razão para admitirmos a hipótese do aparecimento, no homem, de um “sexto sentido” graças à lei biológica das “mutações bruscas”.

Devemos, além disso, ter presente uma outra consideração, teoricamente de grande importância, qual a do Prof. Richet se não haver lembrado da impossibilidade de se tratar de um “sexto sentido” em gestação, por isso que os fenómenos de clarividência se produzem pela utilização dos sentidos existentes: visão, audição e tacto. Acrescentaremos que, por outro lado, deixou ele de considerar que esses fenómenos, ao contrário de serem determinados pela percepção directa, isto é, da periferia para o cérebro, como se deveriam produzir para todo e qualquer sentido biológico passado, presente ou futuro, eles se determinam por percepção inversa, ou seja, do cérebro para a periferia, sob a forma de visões ou audições subjectivas, projectadas fora e quase sempre de natureza simbólica, mais ou menos manifesta. Ora, a natureza simbólica de quase todas as percepções supranormais reveste-se de alto valor teórico, porque mostra que essas percepções independem, não somente dos sentidos periféricos, mas também dos centros cerebrais correspondentes. Com efeito, o simbolismo das percepções prova que os centros cerebrais não percebem activamente, mas registam passivamente o que lhes é transmitido, por um terceiro agente a elas estranho, único a perceber directamente, para depois transmitir os seus conhecimentos ao sensitivo, sob a forma de representações simbólicas. Isto, evidentemente, porque sendo as suas percepções qualitativamente diferentes das que podem assimilar os centros cerebrais do sensitivo, ele é obrigado a transmiti-las sob a forma de objectivações alucinatórias, que o sensitivo ou os interessados podem, facilmente, interpretar. E como esse terceiro agente estranho ao cérebro, outro não pode ser senão a personalidade integral subconsciente do sensitivo, conclui-se que, baseando-se nas circunstâncias expostas, nós veremos emergir, manifesta e incontestável, a contraprova de que a “personalidade integral subconsciente” é uma “entidade espiritual” independente de toda a ingerência funcional, directa ou indirecta, do órgão cerebral. Resulta ainda, disso, que as faculdades supranormais, esporadicamente assinaladas, de todos os tempos e em todos os lugares, na Humanidade são, na realidade, as faculdades de sentidos espirituais da personalidade integral subconsciente, em estado latente, na subconsciência humana, para emergir e se exercer num meio espiritual, após a crise da morte; do mesmo modo que no embrião se encontram formadas, de antemão e em estado latente, as faculdades de sentidos terrenos, à espera do momento que lhes há de permitir se exerçam no seio do meio terrestre, após a crise do nascimento.

Como se pode verificar, as induções sobre a base dos factos nos arrastam para longe da hipótese aventada pelo Prof. Richet, hipótese que aparece insustentável, sob o ponto de vista biológico, psicológico e metapsíquico.

Dito isto, devo confessar sinceramente que o artigo do Prof. Richet me produziu, pessoalmente, uma impressão dolorosa, de profundo desalento. Revela-me a inutilidade dos esforços intelectuais, a que me submeto há trinta e cinco anos, com o fim de dar a minha contribuição à investigação da ciência metafísica. Se o Prof. Richet, antes de expor a sua hipótese, houvesse demonstrado o erro da minha argumentação, eu teria testemunhado o meu reconhecimento àquele que assim me houvesse esclarecido sobre problema do mais alto valor científico. Mas o Prof. Richet enuncia a sua hipótese sem fazer a mínima alusão à existência de um estudo recente sobre o assunto, estudo que o contradiz no terreno dos factos. Ora, como do choque das ideias é que ressalta a centelha da Verdade, se no meio metapsíquico, uma das partes segue o seu caminho sem se preocupar com o que faz a outra, não se chegará, nesse ramo de ciência, a qualquer conclusão. Nessas condições, tanto vale não escrever coisa alguma, cada um se limitando egoisticamente a estudar apenas para si, deixando que os demais pensem como melhor lhes parecer.

Agora que já me expliquei com o Prof. Richet, fecho o longo parêntesis e retomo a discussão com o Sr. René Sudre, examinando a segunda parte do curto mas virulento trecho do seu trabalho, em cuja análise me detive.

Havia eu dito que a primeira parte deste trecho era estupenda e a segunda inteiramente falsa. Com efeito, nesta segunda parte, o autor tem a “audácia” (para usar-lhe do termo) de escrever que os espíritas afirmam que o Animismo prova o Espiritismo “sem estarem preparados para entre os dois poderem discernir”. Para colocar logo as coisas nos seus lugares (pois a insinuação de Sudre tem por fim apenas embaralhar), devo lembrar que a questão que acabamos de tratar, relativamente aos fenómenos anímicos, que só por eles demonstram a sobrevivência da alma, nada tem de comum com aquela que distingue os casos de animismo dos de Espiritismo. Referindo-se, agora, de um modo directo, à objecção formulada e, segundo a qual, os espíritas não estão em condições de poder distinguir os fenómenos anímicos dos espíritas, lembro ao meu opositor que toda a discussão, que vimos de sustentar a propósito da Sra. Piper, prova, ao contrário, a existência de critérios analíticos capazes de permitir fácil distinção entre os fenómenos positivamente espíritas e aqueles que não o são ou, mais precisamente, aqueles que não apresentam suficientes garantias científicas nesse sentido.

Reservo-me a voltar posteriormente ao assunto, trazendo novos factos e novos argumentos. Convido, pois, o meu contraditor a me responder também sobre este ponto, refutando toda a argumentação que a precede e a que se vai seguir. Se, porém, ele preferir o meio mais cómodo do silêncio, isto quererá dizer que ele reconhece não poder responder. Quanto a mim, pelo contrário, reconheço estar em condições de responder em todas as circunstâncias – graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo. Assim, não deixarei passar uma só objecção contrária sem convenientemente a refutar.

Continuando a análise do trecho referido, vemos que Sudre diz: “Mas os espíritas que o fanatismo não cega e, que têm uma cultura científica suficiente, renunciam a encontrar nos factos provas cruciais.”

Se se trata de “provas cruciais”, no sentido de “provas absolutas”, a renúncia, de facto, existe, por isso que não há quem ignore ser absurdo e impossível pretender uma “prova absoluta” num ramo de saber qualquer ou numa circunstância da vida, seja ela qual for. Esperamos que os nossos contraditores comecem por nos fornecer a “prova absoluta” daquilo que adiantam, em sentido negativo. Não o podem fazer, assim como também nós, porque nenhum representante da ciência oficial nunca poderá fornecer a “prova absoluta” de qualquer coisa. E isso pela simples razão de que nós mesmos, pobres individualidades condicionadas, vivemos no “relativo”, não podendo, por isso, jamais afirmar uma coisa em termos de certeza absoluta. Mas se Sudre, ao contrário, pela expressão de que faz uso, quer aludir às provas científicas suficientes para legitimar uma hipótese, então labora em grande erro, pois os espíritas de “cultura científica” são da opinião do professor Hyslop, que tinha essa cultura e que solenemente afirmou esta verdade nos seguintes termos:

“Não existe outra explicação racional dos factos senão a hipótese da sobrevivência da alma; as provas cumulativas, que convergem em seu favor, são por tal forma peremptórias que não hesito em declará-las em tudo equivalentes, senão mesmo superiores, àquelas que confirmam a teoria da evolução.” (Contacts with the other world, pág. 328.)

Acrescenta, afinal, Sudre: “Como Myers e Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico edificado sobre outras ciências que não a metafísica, quando não sobre postulados morais.” Ignoro a que se quer referir o nosso autor quando cita Myers e Geley, mesmo porque, ao se citarem autoridades deste valor em defesa de uma tese, tem-se por dever reproduzir as opiniões para as quais se apela, sem o que os nomes invocados não representam mais do que simples expediente de retórica.

Em todo o caso, afirmo, por meu lado, que nada pode haver de tão contrário à verdade, como de supor que os defensores da hipótese espírita firmem o seu ponto de vista sobre a base de um “acto de fé”. É justamente o contrário que se verifica. A força de expansão do Espiritismo, precisamente, reside no facto de haver ele banido para sempre os “actos de fé”, baseando-se exclusivamente nas induções e nas deduções dos factos, do mesmo modo que sobre a convergência das provas, tudo exactamente como em todo o outro departamento do saber humano. Quanto a mim, posso mesmo acrescentar que sempre tive pelos actos de fé uma espécie de “fobia”, que ressalta em todos os meus escritos, baseados sempre nos factos e na dedução dos factos.

Eis-nos, enfim, diante das conclusões a que chega Sudre, no trecho em análise. Elas valem o resto. Com efeito, ele conclui: “Assim, o Espiritismo dito científico e, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é de todo mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

É de supor que as vãs ilusões, de que fala Sudre, devam referir-se às próprias esperanças iludidas, no que se prende ao Espiritismo científico, cuja falência esperava, mas que, na realidade, nunca teve vitalidade e pujança como actualmente.

É que ele contempla as fases evolutivas da nova Ciência da Alma do cimo do observatório nebuloso dos seus preconceitos.

E basta para este parágrafo.

/…
(*) metagnomia – em metapsíquica (ver fonte ), termo usado por alguns autores para indicar o que hoje se chama comummente; conhecimento paranormal ou percepção extra-sensorial e, também como sinónimo do termo tradicional de clarividênciaNota desta publicação.

(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto do leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); III – Análise crítica de uma alínea sofística, 3º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de JosefinaRobirosa)

sábado, 13 de maio de 2023

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo VI 

A Realidade Viva do Pensamento Espírita 

a) A Necessidade Ideológica do Estudo da Filosofia 

 É indiscutível que, para o estudo do novo espiritualismo, se torna necessário conhecer os princípios essenciais da filosofia. Mas porque é que é necessário este conhecimento? Porque o kardecismo está estreitamente ligado à filosofia espiritualista, sem a qual não poderíamos compreender exactamente os valores e o alcance da teoria e a prática do espiritismo. (1) 

 Torna-se indispensável o conhecimento filosófico para a refutação com êxito das falsas imputações feitas ao espiritismo, pelas correntes eclesiásticas e materialistas. Mas o que é a teoria filosófica? Segundo o critério geral, é aquela que abrange a própria essência do Conhecimento; sem uma teoria filosófica amplamente desenvolvida na mente e na consciência, será de todo impossível chegar-se a compreender o sentido real da concepção kardecista. 

 E o que é a prática filosófica? É o acto volitivo de converter a teoria em factos, mas factos reais e positivos. Sem a prática filosófica, não haveria uma filosofia objectiva do espiritualismo espírita, nem a acção social e espiritual do kardecismo. 

 Na filosofia, é indispensável conjugar a teoria com a prática. É necessário que o ideal se aposse do real. De contrário, haveria desvinculação entre o espírito e a forma, isto é, entre a essência e a existência. Mas a teoria espírita é exequível? Sim, a teoria espírita é exequível, porque é uma realidade espiritual, cuja finalidade é ordenar e transformar a ordem imperfeita da existência, isto é, da sociedade e de toda a humanidade. A prática do espiritualismo, através do kardecismo, é a melhor demonstração da objectividade que se consegue alcançar, com referência à espiritualidade do homem e da natureza. Desta maneira, fica desmentida a negação assacada contra o idealismo pelo materialismo, porém, sempre e quando o idealismo se apoiar no espiritualismo espírita. É por isso que todo o homem activo deverá conhecer os princípios fundamentais da filosofia, único meio de passar do espiritualismo teórico ao kardecismo prático. (2) 

b) Em Que se Baseia a Filosofia? 

 A filosofia baseia-se no conhecimento da essência que informa as coisas, a individualidade e a personalidade do homem. É um método para reflexionarmos sobre a própria existência e a existência dos demais; para observarmos de que maneira essa existência está vinculada ao semelhante e ao dessemelhante, fundando-se especialmente neste fio essencial que unifica a todo o existente. É por meio desta noção ideológica que a filosofia espiritualista se fortifica, mediante o kardecismo, passando a ser uma filosofia prática da realidade. A teoria filosófica se transforma em acção e prática da existência espiritual, única forma de evidenciar a convicção ideológica que emana da realidade espírita. A filosofia torna-se prática, além disso, ao demonstrar a essência real do Ser encarnado e do seu espírito imortal, o que ainda se reafirma pelos fenómenos da mediunidade. 

c) O método Kardecista Como Fundamento do Espiritualismo Positivo 

 O kardecismo constitui, no novo desenvolvimento do espírito filosófico, o método racional pelo qual se poderá estabelecer, — como já se vem fazendo, — a realidade do espiritualismo espírita e positivo. O antigo espiritualismo está viciado, como se sabe, por crenças e supostos metafísicos que não se conformam com o pensamento científico dos novos tempos. O seu conteúdo é uma mixórdia de ideias sustentadas no passado, que não se apresentam harmónicas nem uniformes. A mentalidade moderna busca uma doutrina baseada na verdade, mas concorde e objectiva em relação ao mundo. O espiritualismo antigo foi apenas um desejo de conhecer o passado, mas nunca poderá aspirar a apresentar-se como uma real filosofia espiritualista, já que a sua parte essencial está recoberta por uma carapaça impenetrável. 

 O espiritualismo positivo nasce, entretanto, com o método kardecista e, se expressa vivamente através de uma filosofia que prepara o espírito, fazendo-o penetrar a fundo nos problemas da existência. Isso se deve ao facto de ser o espiritualismo espírita a consequência natural do fenómeno metapsíquico, cuja realidade fundamentou o conhecimento filosófico da Terceira Revelação. Daí a conclusão de que o verdadeiro espiritualismo deve estar apoiado no método kardecista, pois todo o espiritualismo proveniente de tradições e lendas, mescladas caoticamente, não chegará nunca ao grau de veracidade necessária e, não passará nunca de um pensamento espiritual híbrido e desvitalizado. 

 No antigo espiritualismo predominou sempre, por mais adiantado que se apresentasse, o método eclesiástico e ritualístico, pela sua absoluta adesão ao passado. Ao contrário, o espiritualismo espírita é a resultante de uma evolução mental e espiritual do homem. Por isso é que o método kardecista nos leva do espiritualismo ao espiritismo, revelando-nos que este último é a concepção espiritual mais adequada para penetrarmos no conhecimento do Espírito e, como dizia o filósofo e biólogo alemão Hans Driesch, no mundo dos espíritos. O antigo espiritualismo, por não avançar para a concepção espírita, mantém-se na sua ambiguidade filosófica; admite o insustentável, por medo ao espiritismo; mas tarde ou cedo o realismo metapsíquico o fará aproximar-se da concepção kardecista, para se transformar em espiritualismo positivo. 

d) A Dialéctica Palingenésica do Kardecismo 

 O método kardecista baseia-se na dialéctica palingenésica do progresso e da evolução, enquanto o antigo espiritualismo se funda numa concepção fatalista, no que respeita à lei de causalidade ou de causa e efeito. A dialéctica de Hegel é o grande instrumento com que se pode conhecer o fenómeno palingenésico, a que está sujeito o Ser na sua ascendente evolução. Além disso, é por meio da dialéctica que se poderá transformar a ideia da reencarnação, que nos vem do Oriente, em renascimento ou palingenésia dinâmica, para a civilização do Ocidente. Sem o método dialéctico e kardecista, a reencarnação continuará sendo um exotismo oriental, sem ligação nem entrosamento com o processo histórico. 

 Quem velou sempre, com o seu conceito quietista, a reencarnação, foi esse antigo espiritualismo, inspirado, por assim dizer, na ideologia eclesiástica a que já nos temos referido. O kardecismo, ao contrário, apresenta-se como uma consequência das três etapas que presidem à revelação espiritual: a mosaica, a crística e a mediúnica. Como se sabe, a Terceira Revelação é o produto desse espírito invisível que passou através da história, até se sintetizar no método kardecista, que está a elaborar a nova consciência religiosa da humanidade por meio do espiritualismo espírita e cristão. 

 O professor Asmara, destacado filósofo espanhol, dizia que o espiritismo dialéctico havia nascido no Congresso Espírita de Barcelona; mas os pregadores do espiritismo, posteriores a Denis e Delanne, esqueceram-se desse aspecto original da filosofia espírita, que nada mais era do que a reafirmação do kardecismo. Outro que também realizou uma ampla interpretação dialéctica do espiritismo foi o nosso compatriota Manuel S. Porteiro, com o seu livro Espiritismo Dialéctico(3) no qual se observa como a filosofia espírita determinou a aparição de um espiritualismo positivo, em relação com os fenómenos históricos. 

 Na ideologia dialéctica do kardecismo o processo palingenésico do Ser revela uma evolução incessante, que nos coloca em novos ambientes espirituais, determinando ainda uma nova visão religiosa para a consciência humana. Com efeito, se o processo dialéctico da história se interpretasse na sua exacta realidade, seria preciso aplicar-lhe o sentido palingenésico do espírito, mas recorrendo ao kardecismo, que nos fará ver a intervenção do mundo espiritual no referido processo. 

e) Oposição da Ideologia Dogmática ao Kardecismo 

 A ideologia dogmática coloca-se decididamente contrária ao kardecismo e ao espiritualismo espírita, do que se deduz que essa ideologia está em crise e, que já não resiste ao transformismo espiritual que o método kardecista realiza no social e no espiritual, juntamente com o fenómeno mediúnico, sobre o qual se baseia a realidade espírita. 

 Se o espiritualismo espírita fosse um erro, não haveria motivos para temê-lo nem para sair-lhe ao encontro. Entretanto, a ideologia dogmática sabe bem que o kardecismo é uma realidade positiva e que avança conduzida pelo Espírito de Verdade. Por isso o enfrenta e combate, tratando de preservar os seus domínios espirituais. Mas o espiritismo proclamou esta sentença histórica: São chegados os tempos, e isso é o que está motivando um novo ideal nas consciências, ao calor de um novo espírito religioso. Já não haverá uma só ideologia religiosa; futuramente, o ideal deísta será um imperativo da consciência, visto que o aparecimento desse novo espírito religioso não dependerá da exterioridade do indivíduo, mas do fundo do seu inconsciente. Isto quer dizer que o progresso religioso provirá da zona interna do Ser, estando assim no próprio inconsciente do homem o maior adversário da ideologia dogmática. 

 Oprimir o mundo interno do homem, por meio de ideias já superadas, seria provocar uma rebelião anímica e espiritual, capaz de fazer desmoronar violentamente as antigas formas religiosas. Não se deve esquecer que a opressão do inconsciente significaria, além disso, uma oposição obstinada ao que tem que vir: o novo mundo religioso, que é um mundo do espírito, o que vale dizer que surgirá, apesar dos obstáculos, das profundas raízes do Eu. 

 Do seu mundo inconsciente dependerá o verdadeiro sentimento religioso do homem. Nesta realidade psíquica do Eu é que jazem os germes da nova consciência religiosa, elaborada, como sabemos, pelo processo palingenésico a que ele está sujeito. Isto nos está a indicar que o Ser espiritual não é a consequência do corpo físico: o Eu é a divina essência que avança através das idades, levando consigo todo o saber adquirido. Resulta, assim, num resumo das múltiplas existências vividas pelo espírito. Daí que a Divina Sabedoria surgirá ao desenvolvimento da consciência, sendo o obstáculo principal do dogma o inconsciente do indivíduo, de cujas profundezas surgirá a religião-Sabedoria, que fará vibrar unissonamente com o Universo o corpo psíquico da humanidade. 

 No mistério interno do Eu radica-se a chave das novas ideias religiosas que vão aparecendo. A psicologia do Ser agora se reestuda através de introspecções e explorações íntimas. Nestes novos tempos, o Espírito se está a libertar das influências dogmáticas, para se sentir na plenitude de si mesmo. É por essa evolução que o Eu se vai afirmando como independente e individual, livrando-se de falsos instrutores para entrar nas profundas regiões da sua natureza imortal e conseguir, por ele mesmo, a luz e a sabedoria de que tanto necessita. (4) 

f) O Que é a Filosofia Espiritualista? 

 A filosofia espiritualista do kardecismo é a prova fenomenológica da realidade espiritual do espiritismo. Não nos esqueçamos de que o espiritismo é o clímax da filosofia espiritualista e, que se apoia positivamente no método kardecista. Sem o espiritismo, o espiritualismo resulta numa utopia filosófica; mas, com o espiritismo, os seus princípios se nutrem da realidade espiritual. De maneira que todo o espiritualismo filosófico, que aspire objectivar a sua ideologia, deverá apoiar-se no espiritismo e no seu método kardecista. 

 A verdadeira filosofia espiritualista é uma consequência iniludível do fenómeno espírita e metapsíquico, constituindo uma interpretação normal e supranormal do homem e do Universo, se é que não abandonamos a lógica irrefutável do kardecismo. 

g) As Relações Entre o Espiritualismo e o Kardecismo 

 A realidade do espiritualismo deverá basear-se na objectividade filosófica; sem esta objectividade o espiritualismo será uma metafísica irreal, com vida temporária. Se é certo que se relaciona subjectivamente com o homem, sem objectividade não penetrará no âmbito real do Ser e por essa razão terá de assimilar o kardecismo, um dos melhores métodos para reconhecer a realidade existente nas diversas utopias espirituais. Repetimos que o espiritualismo só se afirmará quando se transformar em espiritismo e se afastar das nebulosidades metafísicas. A filosofia do kardecismo é um método lógico para captar a realidade espiritual do mundo. Disto se deduz que o Espírito imortal está a demonstrar pelos mesmos espíritos comunicantes, que têm expressado o seguinte entimema: Existo: logo, o nada não existe. (5) Por conseguinte, qualquer espiritualismo dogmático, que não esteja demonstrado por esse realismo mediúnico-comunicante, está viciado nas suas bases e se encontra frente à possibilidade de ser anulado pelas ciências materialistas. Pelo contrário, no espiritualismo espírita existe uma certeza racional, um idealismo lógico e objectivo, cujo testemunho favorável se encontra na comunicação espírita. Por isso, o método kardecista é o resultado de uma experiência metapsíquica do fenómeno mediúnico. 

 O espiritualismo espírita, condicionado pelo kardecismo, é a resultante de uma verdade substancial emanada do próprio processo evolutivo da inteligência. Esta é a razão das suas sólidas bases ideológicas e, porque resiste filosoficamente às contradições da existência. 

h) A Transformação do Fenómeno Mediúnico em Comunicação Espírita 

 A tríade dialéctica constitui o método sobre o qual se baseia a filosofia palingenésica do kardecismo. O fenómeno mediúnico veio confirmar o antigo conceito de Heráclito: “Tudo passa e se transforma”, pois, a matéria, ao ser movida pelo referido fenómeno, revelou o estado vibratório do mundo atómico e a possibilidade da sua fusão nuclear. (6) 

 Esse primeiro efeito do fenómeno mediúnico resultou realmente extraordinário, visto haver determinado a transformação do espiritualismo em espiritismo. Esta transformação dialéctica determinou, por sua vez, uma evolução do sentido espiritual da filosofia. O espiritualismo dogmático possuía apenas um vago sentido do Espírito. Com o fenómeno mediúnico e a acção dos espíritos comunicantes, transformou-se em espiritismo, isto é, produziu o enlace e a relação entre o visível e o invisível. Com o kardecismo, essência pura da filosofia espírita, se revelou a influência do mundo dos espíritos sobre a história e a natureza. 

 O fenómeno mediúnico foi considerado, desde o início, como perigoso pelo espiritualismo dogmático. Não obstante essa apreciação, ao lado do mesmo se fez presente um númeno espiritual que, com a dialéctica kardecista, expressando: Todo o efeito inteligente possui uma causa inteligente, trocou o seu primeiro sentido de fenómeno pelo de comunicação. Foi desta maneira que se teve consciência da mensagem dos espíritos, os quais fundaram o método kardecista do espiritualismo. 

 Com o fim de refutar os erros e contradições do materialismo, o fenómeno mediúnico continua sendo uma necessidade. Mas, nos tempos actuais, é justamente avaliado como uma evolução para a revelação e comunicação dos espíritos superiores. Esta etapa alcançada pela mediunidade corresponde a um grau superior da consciência religiosa e filosófica da humanidade. Por isso é que o espiritualismo espírita é como uma síntese de todo o antigo espiritualismo, depurado e renovado pelo kardecismo. 

 A única esperança do espiritualismo dogmático, de vencer o espiritismo, consistia em mostrá-lo como uma causa do demónio, à base da irrealidade da comunicação dos espíritos. Mas o caso é que esta comunicação ou revelação se acentuou cada vez mais, ao ponto de se tornar impossível contê-la e proscrevê-la. A sua constante e crescente actualização está a mostrar, aos antigos espiritualistas, que o espiritismo não é uma invocação dos mortos pelos homens, como eles o afirmavam até há pouco tempo, mas um chamamento espiritual dos mortos ao homem, para que este se faça consciente da realidade do além-túmulo e da ligação constante que existiu, existe e existirá sempre, entre o visível e o invisível. 

i) Do Espiritualismo Inconsciente ao Espiritualismo Consciente 

 O espiritualismo inconsciente, adequada definição do espiritualismo dogmático, foi superado pelo kardecismo, isto é, pela forma consciente do novo espiritualismo expresso na filosofia espírita. Gustave Geley confirmou cientificamente o kardecismo, este notável método que permitiu a transformação do espiritualismo em espiritismo. A partir desse momento, a consciência espiritual do homem se fez consciente de sua ideologia espiritualista, que se afastou inteiramente das velhas crenças religiosas. Assim se une o Ser com a grandeza do Universo, sentindo-se actor consciente no grande processo da evolução e, reconhecendo que Deus está presente e actua no próprio seio do Cosmos. 

 Pelo espiritualismo consciente, o seu ideal filosófico se ajusta com a amplitude do Universo: o homem encara a Terra como uma estação de paragem, mas sabendo que no espaço existem outras, onde ainda voltará a deter-se, para recolher novos ensinamentos que auxiliem o desenvolvimento da sua natureza divina e, assim prosseguir na sua carreira infinita. 

 Podemos dizer que o espiritualismo consciente é uma consequência do método kardecista, que une o Espírito com a vida Universal e o maravilhoso Plano Divino, sob cuja influência se desenvolve a evolução palingenésica dos seres e das formas. 

/… 
(1) Veja-se o n°1, “Espiritismo e Espiritualismo”, na “Introdução da Doutrina espírita”, em O Livro dos Espíritos. (Nota de J. H. Pires). 
(2) Embora Kardec recusasse a expressão kardecismo, por humildade, Mariotti a emprega, como vemos nesta frase, num sentido de objectivação da teoria espírita. Realmente, a teoria se objectivou através da acção prática de Allan Kardec. (Nota de José Herculano Pires). 
(3) Espiritismo Dialéctico, de Manuel S. Porteiro, Editorial Victor Hugo, Buenos, Aires, 1960, aparecerá também na Colecção Filosófica Edicel. Porteiro e Mariotti participaram do Congresso de Barcelona, em 1934. (Nota de J. H. Pires). Esse livro, traduzido por José Rodrigues, foi lançado pelo Pense em edição digital, em 2001 e pelo CE João Barroso, em formato de livro. (Nota do Pense).
(4) Leia-se o Cap. I de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Com os novos tempos, surge a religião em espírito e verdade, livre de exigências materiais e de sectarismo, como Jesus anunciou à mulher samaritana. João, 4:5-24. (Nota de J.H. Pires). 
(5) Allan KardecA Génese, cap. I. 
(6) Vejam-se as pesquisas de Friedrich Zollner, em Provas Científicas da Sobrevivência, Colecção Científica Edicel, 1966. (Nota de J.H. Pires). 


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo VI – A REALIDADE VIVA DO PENSAMENTO ESPÍRITA, 11º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali