Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 25 de maio de 2013

O Mundo Invisível e a Guerra ~

VI
O Despertar do Génio Céltico
 * (II)

   Assistimos, no presente momento, a um dos maiores dramas da História, a uma nova invasão dos bárbaros, mais terrível que as antigas, e que ameaça destruir a obra dos séculos, arrasando a civilização. Porém as qualidades heróicas de nossa raça despertam a intrepidez, o espírito de sacrifício e o destemor da morte.

   Ante o perigo, os filhos da Gália, da Grã-Bretanha, da Escócia e da Irlanda, em uma palavra, todos os celtas, reuniram-se para conter o avanço feroz dos alemães e, junto com esses celtas, o exército invisível dos seus antepassados também combate com eles, sustentando-lhes a coragem e incutindo-lhes ardor e perseverança em seus esforços. Esse auxílio do Alto é a garantia de uma vitória próxima e segura.

   Após a luta, deveremos procurar meios de levantar moralmente a pátria e dela afastar o abismo dos males em que quase caiu.

   Antes da guerra, o que constituía aos olhos do mundo nossa fraqueza e nosso descrédito era parecermos um povo sem ideal e sem religião.

   É verdade que a doutrina pura do Cristo, alterada, desfigurada e mesclada, no correr dos tempos, com elementos parasitas e estranhos, já não nos oferecia uma concepção da vida e do destino em harmonia com o conhecimento adquirido acerca do Universo e suas leis.

   A França, sem o perceber, caíra na indiferença, no cepticismo e na sensualidade, porém um terrível acontecimento nos deteve nessa descida fatal. Na hora da desgraça, todos compreendemos a necessidade de uma fé verdadeira, estribada na experiência, na razão e nos factos, uma fé que proporcione à alma a convicção de um futuro infinito e o sentimento de uma justiça superior, determinando deveres e responsabilidades.

   Talvez me perguntem de onde virá essa nova fé. Assim como as qualidades varonis de nossa raça salvarão a pátria da ruína e da destruição, também o retorno às tradições da raça restituirá a força moral, preparando a salvação e a regeneração.

   É aí que a obra de Allan Kardec se mostrará providencial, numa oportunidade incontestável, pois o Espiritismo não se constitui em outra coisa que a volta às crenças celtas, enriquecidas pelo trabalho dos séculos, os progressos da ciência e as conquistas do espírito humano.

   Não há possibilidade de ressurgimento sem uma educação nacional que transmita às gerações o real sentido da vida, de sua missão e de sua finalidade; sem um ensino que esclareça as inteligências, fortifique os caracteres e as consciências, ligando os princípios fundamentais, elementares, da Ciência, da Filosofia e da Religião.

   Tais poderes, até então antagónicos, se fundirão para maior benefício da sociedade, porém a humanidade espera por esse ensino, que proporcionará ao ser os meios de se conhecer, de medir as próprias forças e de estudar o mundo desconhecido que cada um traz dentro de si.

   Aceitando essa iniciativa, que está na sua missão e no seu génio, a França se tornaria, realmente, a grande semeadora que daria o sinal da libertação do pensamento.

   Assim, o túmulo de Allan Kardec seria o berço de uma nova ideia, mais radiante e mais pura, guiando o homem através das dificuldades de sua peregrinação terrena.

   A melhor maneira de homenagearmos a memória de nosso ilustre mestre é nos envolvermos em sua obra, comungando com o seu pensamento, tornando-nos mais unidos, mais firmes, mais decididos na vontade de trabalhar pelo seu triunfo e sua divulgação no mundo.

   O Espiritismo não poderá encontrar momento mais favorável que este para manifestar o poder de consolação, verdade e luz que nele reside.

   Em nosso redor não há inumeráveis dores? Quantas pobres criaturas choram entes queridos! Quantas outras, feridas, mutiladas ou privadas da vista para o resto da existência! Quantas famílias arruinadas, despojadas, expulsas de seus lares por um inimigo cruel!

   Para aceitar suas provações, todos precisam de nossas crenças; só a certeza de que um dia irão reunir-se com os seres amados fará menos doloroso o tempo da separação.

   O conhecimento da lei dos destinos fará compreender que os nossos sofrimentos são meios de depuração e de progresso.

   A nossa doutrina devolverá a todos a esperança, o valor e a confiança! Semeemos, pois, abundantemente, a semente fértil, não nos preocupando com as críticas e as zombarias, pois quem hoje ri de nossos princípios amanhã terá a alegria de neles encontrar a força para suportar seus males.

   Oh, Allan Kardec! Espírito do grande Codificador, no momento em que chovem sobre a nossa pátria tantas provações, quando a angústia abate tantos corações, protege-nos, ampara teus adeptos, dando-lhes fé ardente para vencer todos os obstáculos; comunica-lhes o poder de persuasão, o calor do sentimento que desfaz a frieza da incredulidade, dando a todos a confiança no futuro.

   Graças a ti, Kardec, graças à tua obra, depois de vinte séculos de silêncio e de esquecimento, a fé das antigas eras renasce na terra das Gálias como um raio luminoso que vem dissipar as sombras do materialismo e da superstição. Druida reencarnado, tu revelaste para nós esse grandioso pensamento sob uma nova forma, adaptada às circunstâncias do nosso tempo.

   Nós, filhos dos celtas e herdeiros das crenças de nossos pais, te saudamos como a um representante do passado glorioso de nossa raça, que regressou a este mundo para restabelecer a verdade, guiando o homem nas suas lutas para a vida infinita.

   E vós, irmãos, que deixastes a Terra antes de nós, incontáveis legiões dos heróis que sucumbiram em combate pela defesa da pátria, vinde pairar sobre os que lutam, não apenas pela libertação do solo pátrio, mas também pela verdade; vinde animar as energias e estimular em todos o profundo sentimento da imortalidade.

   Ainda bem mais alto, nossos pensamentos e nossas palavras sobem a ti, Pai de todas as criaturas, para te dizer: Deus, escuta o apelo, o grito de agonia e angústia; ouve o gemido doloroso, lancinante, que sobe do solo francês, dessa terra banhada de sangue e lágrimas!

   Salva a nossa pátria da ruína, da morte e do aniquilamento!

   Empresta aos nossos soldados o necessário vigor para repelirem um inimigo cruel e covarde!

   Não podes permitir o triunfo de um adversário tão implacável que, debaixo de teu nome augusto e respeitado, se manchou de crimes, mentiras e infâmia!

   Não podes deixar sem castigo o atentado de Reims! Não podes admitir que estes sagrados princípios que dimanam de ti e que foram, em todas as épocas, o apoio moral, a consolação, a esperança e o ideal supremo da humanidade, isto é, a justiça, a verdade, o direito, a bondade e a fraternidade, sejam violados impunemente, espezinhados e reduzidos a nada!

   Pelo amor a teus filhos, a nossos heróis e a nossos mártires, salva a França de Joana d’Arc, de São Luís e de Carlos Magno!
/…

* Lido no Cemitério Père-Lachaise em 31 de março de 1916, aniversário do falecimento de Allan Kardec.



LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VI – O Despertar do Génio Céltico, 2 de 2, 19º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

terça-feira, 21 de maio de 2013

Nas garras do pensamento crítico ~


Mais vale um pássaro na mão

   Essas fugas pela tangente representam o método mais frequente de combate ao Espiritismo, inclusive por parte dos materialistas dialécticos. Para os observadores serenos e sensatos, bastaria essa insistência na deturpação dos factos e na distorção do raciocínio, para comprovar a seriedade e a importância desses mesmos factos. Aliás, ainda com Engels, encontraremos o argumento mais apropriado: “A única questão consiste em saber se o pensamento está ou não certo, e o desprezo pela teoria é, evidentemente, a maneira mais segura de se pensar de maneira naturalista, e, consequentemente, de modo errado.”

   Engels não ficaria mal nas fileiras espíritas. De facto, ele via bem estes problemas. O desprezo pela teoria espírita, única que pode explicar os fenómenos, tem levado esses homens a trair a dialéctica a todo momento, entrando a fundo e às cegas pela Sofisticaria. A punição da dialéctica, porém, não se faz tardar. Os que pensam de maneira naturalista, voltando as costas à teoria, terminam de encontro à parede, com a espada do ridículo no peito. Porque a “maneira naturalista de pensar”, a que Engels se refere, é a do pensamento a priori, instintivo, que não provém da razão orientada pelo processo da civilização, mas da herança comum e obscura do passado biológico da espécie. Age por meio de impulsos mecânicos, é um automatismo inconsciente. Dir-se-ia, diante das suas manifestações, que o homem tem a vocação da fuga. Como a lebre, colhida de surpresa na beira da estrada, precipita-se no mato, assim o homem, colhido na sua posição materialista pela surpresa dos factos supranormais, precipita-se no matagal das lembranças ancestrais. Improvisa teorias e fabrica rótulos com a desenvoltura inconsequente da avestruz ao enterrar a cabeça na areia. Comete, com uma confiança absurda na impunidade, o crime da desfiguração da verdade, ou passa apenas a negar, indiferente a todas as provas e argumentos, como a criança teimosa que não quer ver a louça quebrada. É o outro lado da crendice, o reverso do fanatismo religioso.

   Por isso, o médico Sérgio Valle nos lembra, no livro Silva Mello e os Seus Mistérios, recentemente publicado: “Enquanto não se realize o fiat da ciência (que se mantém, teimosamente, orgulhosa e cega), para iluminar os factos que possuímos, não é justo que uma criatura sensata despreze o que se acha detido, seguramente detido nas suas mãos, por mínimo que seja, pelo que voeja no espaço do fanatismo religioso ou do fanatismo científico”.
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José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico, Mais vale um pássaro na mão, 9º fragmento da obra.
(imagem: Vi o caçador levantar o arco-íris, pintura em acrílico de Costa Brites)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

a pedra e o joio ~


Quem não pode o menos

   Os inves-tigadores científicos dos fenómenos espíritas operam no campo da matéria. Não são espíritas, mas cientistas interessados pela fenomenologia que dá base concreta à doutrina. Por isso já dissemos, há tempos, a respeito, que a ciência espírita, no que toca às manifestações materiais do espírito, vêm sendo construída pelos adversários do Espiritismo. É este um facto único na história do conhecimento, e uma das maiores glórias da doutrina espírita. Crookes, Richet, Geley, Crawford, ao iniciarem suas pesquisas, não eram espíritas, como Price, Rhine e Bjorkhem, das Universidade de Oxford, de Duke (EE. UU.), e de Upsala (Suécia), respectivamente, não são espíritas. Mas todos contribuem para a ciência espírita.

   Não cabe a nós, espíritas, formular nenhuma teoria científica para investigação dos fenómenos supranormais ou para demonstração da realidade da sobrevivência. O Espiritismo, nos seus três aspectos, o científico, o filosófico e o religioso, possui métodos próprios de observação e investigação, e já provou há muito a realidade da sobrevivência. Os cientistas materialistas, ou pelo menos cépticos, é que devem tratar de provar, através de suas teorias e de seus métodos, que o Espiritismo se encontra em erro. Querer, pois, dotar o Espiritismo de “teorias que lhe facultem o avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório”, como pretende o Sr. Guimarães Andrade, em sua Teoria Corpuscular do Espírito, é invadir atribuições alheias. E dizer que o Espiritismo não possui teorias orientadoras de pesquisas científicas é negar a própria doutrina e esquecer os seus efeitos no mundo científico.

   Humberto Mariotti, o conhecido escritor espírita argentino, encerra o seu livro Dialéctica e Metapsíquica, réplica a um livro materialista de Emílio Troise, com esta advertência: “A filosofia espírita, sempre pronta a renovar-se, espera, pois, para o fazer, uma prova científica de seu opositor: o materialismo. Enquanto isso, continuará forjando o aço desse novo mundo espiritual, que vem assomando por entre os factos da psicologia supranormal, até que a prova mencionada seja produzida”. A teoria espírita, como a chamaram os cientistas, não é apenas teoria, mas toda uma doutrina, solidamente construída sobre um vasto e profundo alicerce de factos, comprovados por adeptos e adversários, crentes ou descrentes. Ela se impõe por si mesma, ou “pela força mesma das coisas”, como dizia Kardec. Não espera as nossas elaborações teóricas para cumprir a sua missão.

   Grande e belo exemplo é o que nos dá Richet, na carta que dirigiu a Ernesto Bozzano, rendendo-se à evidência espírita. Construtor, ele mesmo, de uma teoria, exclama, diante dos argumentos espíritas de Bozzano: “Eles formam um estranho contraste com as nebulosas teorias que atravancam a nossa ciência”. Ao contrário disso, o Sr. Guimarães Andrade pretende que deixemos de lado, considerando-os obsoletos, os conceitos clássicos da doutrina, para construirmos mais uma teoria nebulosa, e com ela aumentarmos o atravancamento científico.

   Nós, espíritas, temos por acaso alguma dúvida a respeito da sobrevivência do espírito e da sua possibilidade de acção sobre a matéria? Precisamos de novas teorias para investigar os fenómenos impropriamente chamados de supranormais? Não. Logo, não compete a nós a formulação de teorias novas. Por outro lado, duvidamos da solidez das provas e do acervo gigantesco de factos da biblioteca espírita, sempre aberta ao possível interesse dos materialistas? Também não. Logo, a estes é que compete, e não a nós, quebrar a cabeça de encontro à rocha em que nos firmamos. Nosso papel, pelo contrário, é o de continuarmos firmes sobre a rocha, que tem resistido, até aqui, a todos os cabeçudos.

   Pergunta o confrade Guimarães: “Será que já conhecemos tudo a respeito do fascinante problema do espírito, das suas relações com o mundo físico, das suas propriedades, da sua natureza real?” Podemos responder com outra pergunta: “Conhecem os materialistas tudo o que se relaciona com o fascinante problema da matéria, das suas relações com forças desconhecidas, das suas propriedades, da sua natureza real?” Estamos, e eles também o estão, absolutamente certos de que não. Então, como pretendermos colocar, na mesma mesa da ciência materialista, servindo-nos dos seus instrumentos rudimentares, ainda em elaboração, o problema espiritual? Se ela é impotente para dizer tudo a respeito da matéria, como querermos que o diga a respeito do espírito? O mais certo, o mais prudente, é admitirmos a explicação de Kardec: “O Espiritismo não é da alçada da ciência”. Sê-lo-á mais tarde. Mas, para tanto, a ciência precisa concluir a sua tarefa no terreno material, o que ainda está longe de fazer.

   Poderão objectar-nos que as pesquisas dos sábios materialistas concorreram para a comprovação da doutrina. Mas não dizemos o contrário. O que dizemos é que isso compete a eles. Quando os sábios, operando no campo da matéria, comprovam os princípios da ciência espírita, contribuem para esta, e só temos que agradecer-lhes. Aquilo que chamamos, com Kardec, a Ciência Espírita, não é mais do que o aspecto científico da doutrina. Neste aspecto, há uma zona fronteiriça, em que a ciência material pode comprovar os factos espíritas. A da fenomenologia mediúnica. Nesta zona é que o materialismo vem construindo, sem querer, a contragosto, a ciência espírita acessível à compreensão materialista.

   O confrade Guimarães Andrade quer que ajudemos os sábios oferecendo-lhes uma teoria espírita que eles possam aceitar. A intenção é boa, mas conduz a desvios perigosos, como já vimos e ainda veremos, na análise de A Teoria Corpuscular do Espírito. Além disso, é conveniente lembrarmos o velho adágio: “Cada macaco no seu galho”. O Espiritismo, como diz Mariotti no mesmo livro acima citado, “é uma estrela de amor”. Essa estrela brilha sobre o atravancamento de hipóteses nebulosas da ciência materialista, e ainda, segundo o mesmo autor, “ilumina os caminhos de todos os peregrinos que vão em busca da verdade”. Não basta isso? Queremos também acompanhar os peregrinos, oferecendo-lhes cajados que eles não nos pedem, e até mesmo rejeitam com desprezo?

   O livro do Sr. Guimarães Andrade é simplesmente um equívoco. E como tal, só pode fazer mal à doutrina e ao movimento espírita. Pedimos perdão ao confrade, por esta rude franqueza. Mas, em questões doutrinárias, é preferível a dureza da verdade. Pensamos já haver demonstrado, até aqui, os vários enganos do autor. Mas prosseguiremos ainda, para que não digam amanhã, como disseram certa vez, a respeito de outra crítica, que passamos de leve sobre o assunto.
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José Herculano Pires – A Pedra e o Joio, Crítica à Teoria Corpuscular do Espírito. Quem não pode o menos, 13º fragmento da obra.
(imagem: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)

terça-feira, 7 de maio de 2013

| o grande enigma ~


Deus | e o Universo (V)

É a ti, ó Potência Suprema! Qualquer que seja o nome que te dêem e por mais imperfeitamente que sejas compreendida; é a ti, fonte eterna da vida, da beleza, da harmonia, que se elevam nossas aspirações, nossa confiança, nosso amor.

Onde estás, em que céus profundos, misteriosos, tu te escondes? Quantas Almas acreditaram que bastaria, para te encontrar, o deixar a Terra! Mas tu te conservas invisível no mundo espiritual, quanto no mundo terrestre, invisível para aqueles que não adquiriram ainda a pureza suficiente para reflectir teus divinos raios.

Tudo revela e manifesta, no entanto, tua presença. Tudo quanto na Natureza e na Humanidade canta e celebra o amor, a beleza, a perfeição, tudo que vive e respira é mensagem de Deus. As forças grandiosas que animam o Universo proclamam a realidade da Inteligência divina; ao lado delas, a majestade de Deus se manifesta na História, pela acção das grandes Almas que, semelhantes a vagas imensas, trazem às plagas terrestres todas as potências da obra de sabedoria e de amor.

E Deus está, assim, em cada um de nós, no templo vivo da consciência. É aquele o lugar sagrado, o santuário em que se encontra a divina centelha.

Homens! Aprendei a imergir em vós mesmos, a esquadrinhar os mais íntimos recônditos do vosso ser; interrogai-vos no silêncio e no retiro. E aprendereis a reconhecer-vos, a conhecer o poder escondido em vós. É ele que leva e faz resplandecer no fundo de vossas consciências as santas imagens do bem, da verdade, da justiça, e é honrando essas imagens divinas, rendendo-lhes um culto diário, que essa consciência, ainda obscura, se purifica e se ilumina.

Pouco a pouco, a luz se engrandece dentro de nós. De igual modo que gradualmente, de maneira insensível, as sombras dão lugar à luz do dia, assim a Alma se ilumina das irradiações desse foco que reside nela e faz desabrochar, em nosso pensamento e em nosso coração, formas sempre novas, sempre inesgotáveis de verdade e de beleza. E essa luz é também harmonia penetrante, voz que canta na alma do poeta, do escritor, do profeta, e os inspira e lhes dita as grandes e fortes obras, nas quais eles trabalham para elevação da Humanidade. Mas, sentem essas coisas apenas aqueles que, tendo dominado a matéria, se tornaram dignos dessa comunhão sublime, por esforços seculares, aqueles cujo senso íntimo se abriu às impressões profundas e conhece o sopro potente que atiça os clarões do génio, sopro que passa pelas frontes pensativas e faz estremecer os envoltórios humanos.
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Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte Deus e o Universo, I O grande Enigma 5 de 5, 8º fragmento da obra.
(imagem: As majestosas e violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Victor Hugo e o invisível ~


O Exílio Luminoso

   Victor Hugo, poeta nacional da França, dedicou boa parte de sua vida literária e espiritual à Doutrina Espírita. Seu talento encontrou, nos princípios desta, fontes de inspiração que lhe permitiram escrever páginas brilhantes, as quais continuam guiando o pensamento humano sobre os grandes problemas metafísicos e religiosos.

   As Contemplações, Raios e Sombras, A Legenda dos Séculos revelam conceitos realmente comovedores. Nestes livros o poeta manifestou uma profunda sabedoria espiritual como que inspirada por grandes potências do mundo invisível. E que Hugo, sempre ao serviço da verdade, tudo escreveu interrogando o Além.

   Seu génio romântico cresceu com a visão espírita do mundo; por isso, seu romantismo foi como uma consequência desses mistérios espirituais que sempre o rodearam. Em Jersey, junto ao tripé mediúnico, o mesmo que foi usado pelas sacerdotisas de Apolo para dar oráculos em Delfos, enquanto o mar fustigava furiosamente a costa, foi que concebeu suas grandes visões poéticas e sobrenaturais. Polemizou em verso com entidades invisíveis, com o que comprovou a existência do mundo dos espíritos.

   O poeta sabia que o tripé era um instrumento mágico pelo qual a luz do mundo invisível pode vencer as trevas da terra. Sentia-se na Ilha de Jersey como João em Patmos, razão pela qual pode ser considerado como o fundador da Patmologia Espírita. Falou com o Espírito no meio do mar e escreveu um novo Apocalipse. Relacionou-se empregando a linguagem de Ronsard com Moliére e A Sombra do Sepulcro, duas elevadas personalidades mediúnicas.

   O mar e a solidão acompanharam-no sempre e foram até os seus confidentes. Não obstante, aquela Ilha de Jersey tinha a virtude de povoar-se de entidades invisíveis que lhe falaram de liberdade, amor e recordações. Sua filha Leopoldina, desaparecida num naufrágio, se lhe fez presente por meio do tripé mediúnico e falou com sua alma de modo terno.

   O poeta sabia que os mortos não são devorados pelo abismo e que as distâncias metafísicas não podem alijá-los dos homens. Por isso, dizia: ''Devemos pedir justiça à morte, mas não devemos ser ingratos com ela. A morte não é, como se diz, uma queda nem uma emboscada''.

   Proclamou, assim, que os mortos voltam. Resistia a aceitar um Além que impedia os espíritos desencarnados de comunicar-se com os homens. Aceitava, em troca, um mundo invisível comunicando-se com o visível; o invisível era para o poeta um templo repleto de presenças espirituais sempre dispostas a relacionar-se com a mente e o coração dos povos. Foi por isso que disse: "Os mortos são os invisíveis e não os ausentes".

   A propósito, sustentava a tese de Allan Kardec, seu amigo nos caminhos da verdade, referente às ciências das manifestações espirituais. Participava destas importantes reflexões do destacado filósofo espírita: "Devemos pedir que os incrédulos nos provem, não por uma simples negativa, porque suas opiniões pessoais não fazem lei, mas por razões lógicas, que isto não pode ser. Nós nos colocaremos sobre o seu terreno e, já que desejam apreciar os factos espíritas com a ajuda das leis da matéria, que tomem por conseguinte neste arsenal alguma demonstração matemática, física, química e fisiológica e provem por A mais B, partindo sempre do princípio da existência e sobrevivência da alma:

1°) Que o ser que pensa em nós durante a vida não pode pensar mais depois da morte.
2°) Que, se pensa, não deve pensar mais do que nos que amou.
3°) Que, se pensa naqueles que amou, não deve querer comunicar-se já com eles.
4°) Que, se pode estar em todas as partes, não pode estar ao nosso lado.
5°) Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se connosco.
6°) Que, por seu envoltório fluídico, não pode agir sobre a matéria inerte.
7°) Que, se pode agir sobre a matéria inerte, não o pode sobre um ser animado.
8°) Que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir sua mão para fazê-lo escrever.
9°) Que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às suas perguntas e transmitir-lhe seu pensamento.''

   E Kardec concluiu dizendo: "Quando os adversários do Espiritismo nos demonstrarem que isto não pode ser, por razões tão patentes quanto aquelas pelas quais Galileu demonstrou que não é o Sol que gira ao redor da Terra, então poderemos dizer que as suas dúvidas são fundadas".

   Se precisássemos de uma definição para provar a qualidade de espírita de Victor Hugo, esta poderia ser: Ele foi o Isaías mediúnico maior da literatura romântica. Recorde-se que o romantismo de Hugo transcendeu às formas clássicas mediante uma transfiguração das coisas. Viu sempre em tudo um mundo invisível, quer dizer, um sustentáculo imaterial do mundo físico. Cantou a natureza com ritmos provenientes do mundo dos espíritos e pincelou poemas dedicados à alma do abismo, que falou por sua boca comovendo a literatura de seu tempo. "É necessário, mais do que nunca  dizia  ensinar aos homens o ideal, este espelho que reflecte o semblante de Deus! Poetas, filósofos, essa é a vossa obrigação''.

  Sua presença era um convite ao transcendente. Tudo nele sugeria novos horizontes espirituais. Como Pedro Leroux, Saint Simón, José Mazzini, acreditava na reencarnação; por isso, sua obra poética e filosófica está impregnada de um profundo lirismo palingenésico.

  É curioso que a crítica não tenha reparado neste aspecto de sua produção, especialmente quando completou cento e cinquenta anos de seu nascimento. Com este motivo, Les Nouvelles Littéraires, reputado periódico literário de Paris, dedicou ao grande poeta francês o seu número 1277, de 21 de Fevereiro de 1952, no qual menciona com bastante discrição o Victor Hugo espírita.

  Mas, apesar dessa reserva, a crítica reconhecerá um dia que o espírito de Victor Hugo, cósmico e profundo, se inspirou nas visões espirituais que o Espiritismo lhe sugeria. Dos poetas românticos, nenhum como ele compreendeu com tanta realidade o processo espiritual do homem e da história, chegando até Deus através de abismos e distâncias. Victor Hugo sustentava com fé poética e religiosa a palingenesia espiritual, de tudo o que existe.

  A psicografia ou mediunidade da escrita secundava notavelmente seu génio poético. Quando escrevia, dava-se conta de que sua mão não lhe pertencia e que estava sob a influência de uma entidade lírica invisível. Porém, rebelava-se quando seu génio era considerado por seus amigos exclusivamente mediúnico. Por isso, dizia: "Quando a obra parece sobre-humana, querem fazer intervir o extra-humano; antigamente era o tripé, em nossos dias a mesinha. A mesinha não é outra coisa que a reaparição do tripé". Victor Hugo aceitava o mediúnico como uma "inspiração directa" do poeta, ou seja, que prescindia do veículo transmissor.

  Todavia, Amado Nervo pensava diferente e para constatá-lo vejamos o que disse em seu poema Mediunidade:

Si mis rimas fuesen bel/as
enorgullecerme de ellas
no está bien,
pues nunca mías han sido
en realidad: ai oído
me las dieta ... ! no sei quién!
Y o no soy más que e/ acento
dei arpa que hiere el viento
veloz,
no soy más que el eco débil
de una voz ...
Quizás a través de mi
van despertando entre sí
dos almas llenas de amor,
en un misterioso estilo,
y yo no soy más que el hilo
conductor.

  A esta declaração poética, Nervo ajuntou o seguinte: ''Grande número de poetas têm confessado o carácter mediúnico de sua inspiração. Alfredo de Musset diz: "On ne travaille pas: on écoute; c'est comme un iconnu qui parle á l'oreille". E Lamartine: "Ce n'est pas moi pense, ce son mes idées qui pensent pour moi".

   E o nosso estranho Gutiérrez Nájera expressou com delicado acerto:

Y o no escriba mis versos; no los creo:
Viven dentro de mi, vienen de fuera:
A ése, travieso, lo formó e! deseo;
A aquél, lleno de luz, la primavera.

Suzanne Misset-Hopes |*, em importante estudo sobre o poeta, disse que multidões de diversas correntes e convicções sentem-se atraídas para recordar "o que se poderia chamar a mensagem de Victor Hugo, que se encontra numa obra magistral tecida de sombras e luzes, de mistérios e revelações, de inquisições e defesas". E mais: "Victor Hugo  todos sabemos  foi levado a sondar experimentalmente os grandes problemas do destino humano e a decifrar os segredos do além-túmulo e da harmonia cósmica por meio das "mesas falantes" de Jersey. Fez-se espírita e no seio de reuniões sobrenaturais tomou consciência de sua missão de profeta dos tempos que verão nascer uma nova ordem mundial, social e religiosa, baseado em leis fundamentais que regem a vida, leis que constituem os cimentos da verdadeira moral e cujo conhecimento solitário se comprova ser capaz de transformar a conduta dos homens em benefício de suas relações mútuas".

   De facto, Victor Hugo foi o profeta que anunciou o advento de um novo espírito do mundo. Teve fé na justiça e na liberdade e afirmou os seus ideais na fraternidade universal. Lembre-se que o poeta imaginava os Estados Unidos da Europa sobre a base da união divina dos espíritos.

  Vejamos como prossegue Suzanne Misset-Hopes: "Em toda sua obra, particularmente na que criou no exílio, bastante impregnada dos contactos que nessa época teve com o Além, deixa ver um ardente desejo de desprendimento das luzes espiritualistas de que se nutria a sua alma".
/…

|* Ver o artigo Victor Hugo, Precursor, em Survie, Setembro-Outubro de 1952.


Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, O exílio luminoso, 5º fragmento da obra.
(imagem: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)