VI
O Despertar do Génio Céltico * (II)
O Despertar do Génio Céltico * (II)
Assistimos, no presente momento, a um dos maiores dramas da
História, a uma nova invasão dos bárbaros, mais terrível que as antigas, e que
ameaça destruir a obra dos séculos, arrasando a civilização. Porém as
qualidades heróicas de nossa raça despertam a intrepidez, o espírito de
sacrifício e o destemor da morte.
Ante o perigo, os filhos da Gália, da Grã-Bretanha, da
Escócia e da Irlanda, em uma palavra, todos os celtas, reuniram-se para conter
o avanço feroz dos alemães e, junto com esses celtas, o exército invisível dos
seus antepassados também combate com eles, sustentando-lhes a coragem e
incutindo-lhes ardor e perseverança em seus esforços. Esse auxílio do Alto é a
garantia de uma vitória próxima e segura.
Após a luta, deveremos procurar meios de levantar moralmente
a pátria e dela afastar o abismo dos males em que quase caiu.
Antes da guerra, o que constituía aos olhos do mundo nossa
fraqueza e nosso descrédito era parecermos um povo sem ideal e sem religião.
É verdade que a doutrina pura do Cristo, alterada,
desfigurada e mesclada, no correr dos tempos, com elementos parasitas e
estranhos, já não nos oferecia uma concepção da vida e do destino em harmonia
com o conhecimento adquirido acerca do Universo e suas leis.
A França, sem o perceber, caíra na indiferença, no
cepticismo e na sensualidade, porém um terrível acontecimento nos deteve nessa
descida fatal. Na hora da desgraça, todos compreendemos a necessidade de uma fé
verdadeira, estribada na experiência, na razão e nos factos, uma fé que
proporcione à alma a convicção de um futuro infinito e o sentimento de uma
justiça superior, determinando deveres e responsabilidades.
Talvez me perguntem de onde virá essa nova fé. Assim como as
qualidades varonis de nossa raça salvarão a pátria da ruína e da destruição,
também o retorno às tradições da raça restituirá a força moral, preparando a
salvação e a regeneração.
É aí que a obra de Allan Kardec se mostrará providencial,
numa oportunidade incontestável, pois o Espiritismo não se constitui em outra
coisa que a volta às crenças celtas, enriquecidas pelo trabalho dos séculos, os
progressos da ciência e as conquistas do espírito humano.
Não há possibilidade de ressurgimento sem uma educação
nacional que transmita às gerações o real sentido da vida, de sua missão e de
sua finalidade; sem um ensino que esclareça as inteligências, fortifique os
caracteres e as consciências, ligando os princípios fundamentais, elementares,
da Ciência, da Filosofia e da Religião.
Tais poderes, até então antagónicos, se fundirão para maior
benefício da sociedade, porém a humanidade espera por esse ensino, que
proporcionará ao ser os meios de se conhecer, de medir as próprias forças e de
estudar o mundo desconhecido que cada um traz dentro de si.
Aceitando essa iniciativa, que está na sua missão e no seu
génio, a França se tornaria, realmente, a grande semeadora que daria o sinal da
libertação do pensamento.
Assim, o túmulo de Allan Kardec seria o berço de uma nova
ideia, mais radiante e mais pura, guiando o homem através das dificuldades de
sua peregrinação terrena.
A melhor maneira de homenagearmos a memória de nosso ilustre
mestre é nos envolvermos em sua obra, comungando com o seu pensamento,
tornando-nos mais unidos, mais firmes, mais decididos na vontade de trabalhar
pelo seu triunfo e sua divulgação no mundo.
O Espiritismo não poderá encontrar momento mais favorável
que este para manifestar o poder de consolação, verdade e luz que nele reside.
Em nosso redor não há inumeráveis dores? Quantas pobres
criaturas choram entes queridos! Quantas outras, feridas, mutiladas ou privadas
da vista para o resto da existência! Quantas famílias arruinadas, despojadas,
expulsas de seus lares por um inimigo cruel!
Para aceitar suas provações, todos precisam de nossas crenças;
só a certeza de que um dia irão reunir-se com os seres amados fará menos
doloroso o tempo da separação.
O conhecimento da lei dos destinos fará compreender que os
nossos sofrimentos são meios de depuração e de progresso.
A nossa doutrina devolverá a todos a esperança, o valor e a
confiança! Semeemos, pois, abundantemente, a semente fértil, não nos
preocupando com as críticas e as zombarias, pois quem hoje ri de nossos
princípios amanhã terá a alegria de neles encontrar a força para suportar seus
males.
Oh, Allan Kardec! Espírito do grande Codificador, no momento
em que chovem sobre a nossa pátria tantas provações, quando a angústia abate
tantos corações, protege-nos, ampara teus adeptos, dando-lhes fé ardente para
vencer todos os obstáculos; comunica-lhes o poder de persuasão, o calor do
sentimento que desfaz a frieza da incredulidade, dando a todos a confiança no
futuro.
Graças a ti, Kardec, graças à tua obra, depois de vinte
séculos de silêncio e de esquecimento, a fé das antigas eras renasce na terra
das Gálias como um raio luminoso que vem dissipar as sombras do materialismo e
da superstição. Druida reencarnado, tu revelaste para nós esse grandioso
pensamento sob uma nova forma, adaptada às circunstâncias do nosso tempo.
Nós, filhos dos celtas e herdeiros das crenças de nossos
pais, te saudamos como a um representante do passado glorioso de nossa raça,
que regressou a este mundo para restabelecer a verdade, guiando o homem nas
suas lutas para a vida infinita.
E vós, irmãos, que deixastes a Terra antes de nós,
incontáveis legiões dos heróis que sucumbiram em combate pela defesa da pátria,
vinde pairar sobre os que lutam, não apenas pela libertação do solo pátrio, mas
também pela verdade; vinde animar as energias e estimular em todos o profundo
sentimento da imortalidade.
Ainda bem mais alto, nossos pensamentos e nossas palavras
sobem a ti, Pai de todas as criaturas, para te dizer: Deus, escuta o apelo, o
grito de agonia e angústia; ouve o gemido doloroso, lancinante, que sobe do solo
francês, dessa terra banhada de sangue e lágrimas!
Salva a nossa pátria da ruína, da morte e do aniquilamento!
Empresta aos nossos soldados o necessário vigor para
repelirem um inimigo cruel e covarde!
Não podes permitir o triunfo de um adversário tão implacável
que, debaixo de teu nome augusto e respeitado, se manchou de crimes, mentiras e
infâmia!
Não podes deixar sem castigo o atentado de Reims! Não podes
admitir que estes sagrados princípios que dimanam de ti e que foram, em todas
as épocas, o apoio moral, a consolação, a esperança e o ideal supremo da
humanidade, isto é, a justiça, a verdade, o direito, a bondade e a
fraternidade, sejam violados impunemente, espezinhados e reduzidos a nada!
Pelo amor a teus filhos, a nossos heróis e a nossos
mártires, salva a França de Joana d’Arc, de São Luís e de Carlos Magno!
/…
* Lido no Cemitério Père-Lachaise em 31 de março de 1916,
aniversário do falecimento de Allan Kardec.
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VI – O
Despertar do Génio Céltico, 2 de 2, 19º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos
Alemães, durante a Primeira Guerra
Mundial)
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