Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 25 de maio de 2013

O Mundo Invisível e a Guerra ~

VI
O Despertar do Génio Céltico
 * (II)

   Assistimos, no presente momento, a um dos maiores dramas da História, a uma nova invasão dos bárbaros, mais terrível que as antigas, e que ameaça destruir a obra dos séculos, arrasando a civilização. Porém as qualidades heróicas de nossa raça despertam a intrepidez, o espírito de sacrifício e o destemor da morte.

   Ante o perigo, os filhos da Gália, da Grã-Bretanha, da Escócia e da Irlanda, em uma palavra, todos os celtas, reuniram-se para conter o avanço feroz dos alemães e, junto com esses celtas, o exército invisível dos seus antepassados também combate com eles, sustentando-lhes a coragem e incutindo-lhes ardor e perseverança em seus esforços. Esse auxílio do Alto é a garantia de uma vitória próxima e segura.

   Após a luta, deveremos procurar meios de levantar moralmente a pátria e dela afastar o abismo dos males em que quase caiu.

   Antes da guerra, o que constituía aos olhos do mundo nossa fraqueza e nosso descrédito era parecermos um povo sem ideal e sem religião.

   É verdade que a doutrina pura do Cristo, alterada, desfigurada e mesclada, no correr dos tempos, com elementos parasitas e estranhos, já não nos oferecia uma concepção da vida e do destino em harmonia com o conhecimento adquirido acerca do Universo e suas leis.

   A França, sem o perceber, caíra na indiferença, no cepticismo e na sensualidade, porém um terrível acontecimento nos deteve nessa descida fatal. Na hora da desgraça, todos compreendemos a necessidade de uma fé verdadeira, estribada na experiência, na razão e nos factos, uma fé que proporcione à alma a convicção de um futuro infinito e o sentimento de uma justiça superior, determinando deveres e responsabilidades.

   Talvez me perguntem de onde virá essa nova fé. Assim como as qualidades varonis de nossa raça salvarão a pátria da ruína e da destruição, também o retorno às tradições da raça restituirá a força moral, preparando a salvação e a regeneração.

   É aí que a obra de Allan Kardec se mostrará providencial, numa oportunidade incontestável, pois o Espiritismo não se constitui em outra coisa que a volta às crenças celtas, enriquecidas pelo trabalho dos séculos, os progressos da ciência e as conquistas do espírito humano.

   Não há possibilidade de ressurgimento sem uma educação nacional que transmita às gerações o real sentido da vida, de sua missão e de sua finalidade; sem um ensino que esclareça as inteligências, fortifique os caracteres e as consciências, ligando os princípios fundamentais, elementares, da Ciência, da Filosofia e da Religião.

   Tais poderes, até então antagónicos, se fundirão para maior benefício da sociedade, porém a humanidade espera por esse ensino, que proporcionará ao ser os meios de se conhecer, de medir as próprias forças e de estudar o mundo desconhecido que cada um traz dentro de si.

   Aceitando essa iniciativa, que está na sua missão e no seu génio, a França se tornaria, realmente, a grande semeadora que daria o sinal da libertação do pensamento.

   Assim, o túmulo de Allan Kardec seria o berço de uma nova ideia, mais radiante e mais pura, guiando o homem através das dificuldades de sua peregrinação terrena.

   A melhor maneira de homenagearmos a memória de nosso ilustre mestre é nos envolvermos em sua obra, comungando com o seu pensamento, tornando-nos mais unidos, mais firmes, mais decididos na vontade de trabalhar pelo seu triunfo e sua divulgação no mundo.

   O Espiritismo não poderá encontrar momento mais favorável que este para manifestar o poder de consolação, verdade e luz que nele reside.

   Em nosso redor não há inumeráveis dores? Quantas pobres criaturas choram entes queridos! Quantas outras, feridas, mutiladas ou privadas da vista para o resto da existência! Quantas famílias arruinadas, despojadas, expulsas de seus lares por um inimigo cruel!

   Para aceitar suas provações, todos precisam de nossas crenças; só a certeza de que um dia irão reunir-se com os seres amados fará menos doloroso o tempo da separação.

   O conhecimento da lei dos destinos fará compreender que os nossos sofrimentos são meios de depuração e de progresso.

   A nossa doutrina devolverá a todos a esperança, o valor e a confiança! Semeemos, pois, abundantemente, a semente fértil, não nos preocupando com as críticas e as zombarias, pois quem hoje ri de nossos princípios amanhã terá a alegria de neles encontrar a força para suportar seus males.

   Oh, Allan Kardec! Espírito do grande Codificador, no momento em que chovem sobre a nossa pátria tantas provações, quando a angústia abate tantos corações, protege-nos, ampara teus adeptos, dando-lhes fé ardente para vencer todos os obstáculos; comunica-lhes o poder de persuasão, o calor do sentimento que desfaz a frieza da incredulidade, dando a todos a confiança no futuro.

   Graças a ti, Kardec, graças à tua obra, depois de vinte séculos de silêncio e de esquecimento, a fé das antigas eras renasce na terra das Gálias como um raio luminoso que vem dissipar as sombras do materialismo e da superstição. Druida reencarnado, tu revelaste para nós esse grandioso pensamento sob uma nova forma, adaptada às circunstâncias do nosso tempo.

   Nós, filhos dos celtas e herdeiros das crenças de nossos pais, te saudamos como a um representante do passado glorioso de nossa raça, que regressou a este mundo para restabelecer a verdade, guiando o homem nas suas lutas para a vida infinita.

   E vós, irmãos, que deixastes a Terra antes de nós, incontáveis legiões dos heróis que sucumbiram em combate pela defesa da pátria, vinde pairar sobre os que lutam, não apenas pela libertação do solo pátrio, mas também pela verdade; vinde animar as energias e estimular em todos o profundo sentimento da imortalidade.

   Ainda bem mais alto, nossos pensamentos e nossas palavras sobem a ti, Pai de todas as criaturas, para te dizer: Deus, escuta o apelo, o grito de agonia e angústia; ouve o gemido doloroso, lancinante, que sobe do solo francês, dessa terra banhada de sangue e lágrimas!

   Salva a nossa pátria da ruína, da morte e do aniquilamento!

   Empresta aos nossos soldados o necessário vigor para repelirem um inimigo cruel e covarde!

   Não podes permitir o triunfo de um adversário tão implacável que, debaixo de teu nome augusto e respeitado, se manchou de crimes, mentiras e infâmia!

   Não podes deixar sem castigo o atentado de Reims! Não podes admitir que estes sagrados princípios que dimanam de ti e que foram, em todas as épocas, o apoio moral, a consolação, a esperança e o ideal supremo da humanidade, isto é, a justiça, a verdade, o direito, a bondade e a fraternidade, sejam violados impunemente, espezinhados e reduzidos a nada!

   Pelo amor a teus filhos, a nossos heróis e a nossos mártires, salva a França de Joana d’Arc, de São Luís e de Carlos Magno!
/…

* Lido no Cemitério Père-Lachaise em 31 de março de 1916, aniversário do falecimento de Allan Kardec.



LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VI – O Despertar do Génio Céltico, 2 de 2, 19º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

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