Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 2 de junho de 2013

Inquietações Primaveris ~


A Escada de Jacob

Nascimento e morte determinam o trânsito especial entre o Céu e a Terra. Dia e noite, sem cessar, descem e sobem os anjos pela escada simbólica da visão bíblica de Jacob. Anjos são espíritos, e o Apóstolo Paulo esclareceu que são mensageiros. Trazem e levam mensagens de um plano para o outro. São mensagens de amor, de estímulo, de orientação e encorajamento. As mensagens são dadas, na maioria, através de intuições, na Terra, aos destinatários encarnados. Mas há também as que são dadas por via mediúnica, através de um médium, ou por sonhos. Essa comunhão espiritual permanente é conhecida desde as épocas mais remotas. Mas só em 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, em Paris, o problema foi encarado como positivo e levado à consideração dos sábios e das instituições científicas. As Igrejas Cristãs, tendo à frente a Católica Romana, levantaram-se contra essa colocação, que diziam simplória, de um grave problema teológico. Só os clérigos e os teólogos, segundo elas, tinham direito a tratar do assunto. Um século depois, a questão estava nas mãos das Ciências e a Ciência Espírita, fundada por Kardec, era colocada à margem do mundo científico, por não possuir um objecto legitimamente científico, material, ao alcance dos sentidos humanos. Richet levantara, na Metapsíquica, a tese do sexto sentido, e Kardec sustentava que os fenómenos mediúnicos, pelo facto mesmo de serem fenómenos, constituíam o objecto sensível da Ciência Espírita.

Em 1830 os professores Joseph Banques Rhine e William McDougall lançavam na Universidade de Duke, na Carolina do Sul (Estados Unidos da América) a nova Ciência da Parapsicologia, para a investigação desses mesmos fenómenos. E em 1840 ambos proclamavam, com seus colaboradores, a prova científica da Clarividência. Dali por diante cresceu rapidamente no mundo o interesse pelo assunto e surgiram pesquisas e cátedras em todas as grandes Universidades da América e da Europa. Hoje a questão é pacífica no plano científico, e mesmo no religioso, pois a Igreja aceitou a realidade dos fenómenos e interessou-se efectivamente pelas pesquisas. A Parapsicologia avançou rapidamente, seguindo a trilha da Ciência Espírita, sem nenhum desvio.

Vencida a barreira dos preconceitos e das sistemáticas a que se apegavam numerosos cientistas, a Parapsicologia definiu-se como a Ciência do Homem. Rhine, ao aposentar-se na Universidade de Duke, estabeleceu a Fundação para a Pesquisa da Natureza Humana. A Parapsicologia sustenta a natureza espiritual do homem e suas possibilidades de acção extensiva e intensiva no plano físico e mental ou espiritual. “A mente, que não é física, age sobre a matéria por vias não físicas”, declarou Rhine, apoiado por grandes nomes da Ciência em todo o mundo. Essa declaração mudou o panorama cultural do planeta. Hoje ninguém duvida, quando nasce uma criança, que se trata de um espírito humano reencarnado biologicamente na Terra. Embora ainda existam sectores científicos infensos à nova Ciência, firmou-se no mundo de maneira definitiva. Os cientistas que a negam ou rejeitam são considerados como retrógrados ou se definem a si mesmos como pertencentes a religiões que não devem aceitar os novos princípios.

A morte perdeu o sentido de negação da vida. Os fenómenos Teta, um dos últimos tipos de fenómenos paranormais pesquisados pela Parapsicologia, nada mais são do que as comunicações mediúnicas. Além do trânsito entre a Terra e o Céu – o mais movimentado do mundo – existe agora a comunicação permanente entre os homens e os espíritos. As descobertas físicas no plano das pesquisas sobre a estrutura da matéria mostraram que não vivemos num mundo tridimensional, mas multidimensional. Os que morrem na Terra passam para os planos da esfera semimaterial, de matéria rarefeita, que a circunda, e, conforme o seu grau evolutivo, para as hipóstases espirituais entrevistas por Plotino, na fase helenista da Filosofia Grega. Nas sessões espíritas, em todo o mundo, milhares de pessoas conseguem conversar com amigos e parentes mortos, que dão provas evidentes de sua sobrevivência após a morte. As restrições dos sistemáticos e preconceituosos continuam, mas a realidade se impõe de tal maneira que essas restrições já diminuíram assustadoramente. A Terra se espiritualiza, apesar do materialismo das religiões. E a morte já não amedronta milhares dos milhões de criaturas que morrem todos os dias.

Geralmente não se pensa no que isso representa para a Humanidade. Entregues às suas preocupações absorventes do seu dia a dia, homens e mulheres ainda vivem na Terra como há milhões de anos. Cuidam da vida sem se preocuparem com a morte. Essa posição anestésica é útil na Terra, mas desastrosa nos planos espirituais. Nas manifestações de espíritos (fenómenos teta) pode-se avaliar o prejuízo causado às criaturas por essa alienação à matéria. Embriagados pelos seus anseios de conquistas materiais, praticamente tragados pela vida prática, a maioria dos que morrem não têm a menor noção do que seja a morte. Entram em pânico após o trespasse, apegam-se depois a pessoas amigas de suas relações, perturbando-as sem querer ou procurando, através delas, sentirem um pouco da segurança perdida na Terra. Além desses prejuízos, a falta de educação para a morte causa o prejuízo maior dos desesperos, angústias existenciais e loucuras que hoje varrem a Terra em toda a sua extensão. Por outro lado é preciso considerar-se os prejuízos imensos produzidos pela ignorância das finalidades da vida. As próprias Ciências sofrem dessa ignorância, que lhe barra o caminho de descobertas necessárias para a melhoria das condições da vida terrena.

Por mais atilados e dedicados que sejam os cientistas, se não tiverem conhecimento das leis fundamentais que regem o planeta e condicionam a Humanidade, não podem penetrar nas causas dos males e problemas que enfrentam. É questão pacífica que a falta de conhecimento preciso e amplo do meio em que estamos nos deixa entregues a perigos que não podemos prever. É o que agora mesmo acontece, no caso da poluição perigosíssima do planeta pelas exigências do desenvolvimento industrial. A falta de interesse pela Ecologia mergulhou o mundo numa situação desastrosa, que ainda não sabemos como poderemos superar. A Ciência ateve-se aos efeitos, deixando as causas por conta da Filosofia e da Religião. Esta última fechou-se em dogmas ilusórios, mandando às calendas a questão fundamental das causas. Entregues aos conhecimentos empíricos da realidade constatada nos efeitos, os homens conseguiram realizar a façanha trágica da poluição total do planeta, com os mais graves prejuízos para a vida humana, bem como os vegetais e os animais. Descuidamos da morte e perdemos a vida. Se não mudarmos urgente de atitude, transformaremos a Terra numa Lua sem atmosfera.

A nossa insistência na consideração escatológica da morte, na sua função essencialmente destruidora – negando-lhe o papel fundamental de controladora da vida e a de renovadora das civilizações –, parece ter provocado uma reacção em nossa própria estrutura ôntica que nos transformou em nadificadores de nós mesmos e de toda a realidade. O estranho privilégio que pretendemos, de sermos os únicos seres condenados ao nada, um Universo em que tudo se renova e se eleva, constitui a mais espantosa contradição de toda a História Humana. Essa contradição monstruosa deforma a figura do homem no mundo que ao invés de imagem e semelhança de Deus, aparece como a fera mais temível do planeta, onde as feras selvagens são sistematicamente destruídas e devoradas pelo animal dotado de inteligência criadora, sentimento, moral, compreensão de sua espiritualidade e sensibilidade ética e estética. O humanismo apaixonado de Marx, que sonhava sem o saber com o Reino de Deus na Terra, negou-se a si mesmo ao formular a teoria do poder totalitário e absoluto de uma classe social contra as outras. Larissa Reissner, que lutou pelos bolchevistas de armas na mão, mostra-se desolada, nas páginas brilhantes de seu livro Homens e Máquinas, ao referir-se aos campos de trabalhos forçados da URSS, em que antigos e bravos companheiros de luta pagavam sob o poder soviético o preço de suas ilusões para o fortalecimento do Estado-Leviatã de Hobbes. A terrível dialéctica das revoluções sociais materialistas, sem Deus e sem coração, levou o Marxismo ao pelourinho da lei de negação da negação, negando-se a si mesma no processo histórico. Sem o respeito do homem por si mesmo, pela sua condição humana, todas as tentativas de melhorar o mundo acabam na asfixia da liberdade, nadificando o homem depois de transformá-lo em objecto. É essa também a contradição fundamental de Sartre em O Ser e o Nada e na Crítica da Razão Dialéctica. Mas é precisamente das contradições entre a tese e antítese que podemos obter a síntese que nos dá a verdade possível de cada problema.

Os anjos que descem pela escada de Jacob, na alegoria bíblica, representam a tese da proposição existencial – a verdade possível do Céu, ou seja, dos planos divinos, entendendo-se por divino aquilo que supera a condição material. Mas são esses mesmos anjos que voltam para o Céu representando a antítese. O trânsito espacial resulta da síntese humana em que a proposta terrena e a resposta celeste se fundem no processo existencial da transcendência. Por isso Kardec rejeitou as revelações proféticas do passado, individuais e exclusivistas, que geraram as religiões da morte, estabelecendo o princípio das revelações conjugadas, de natureza científica, em que o mundo é a tese, o homem é a antítese e a verdade é a síntese. Essa síntese, como acentuou Léon Denis, é a mundividência espírita, de difícil compreensão para os anjos que descem e ficam na rotina terrena, no círculo vicioso das reencarnações repetitivas. A verdade possível é-lhes interditada, não por condenação divina, mas por opção própria. Quando eles romperem o círculo vicioso poderão compreender essa verdade, a verdade possível, ao alcance do homem que soube transcender-se. Na dialéctica espírita o homem propõe a tese, o espírito responde com a antítese e a Razão elabora a síntese do conhecimento possível. A religião, como ensinou Kardec, é a consequência da revelação espiritual fundida com a revelação científica. A verdade possível tem a sua legitimidade e a sua validade precisamente nessa fusão. Os limites da vida terrena condicionam a realidade humana às possibilidades cognitivas da mente humana actualizada na matéria. O espírito revela um princípio espiritual e o cientista revela a lei terrena a ela correspondente. Só nesse processo de perfeito equilíbrio o homem pode evitar os perigos do misticismo alienante, para viver na Terra em marcha para a transcendência, através da Existência. É esse o processo que permite a fusão dialéctica de Ciência e Religião, como fundamento de toda a verdade possível na Era Cósmica. Por isso, não insistimos no Espiritismo por sectarismo ou proselitismo, mas pelo facto inconteste de só ele nos oferecer os instrumentos conceptuais necessários à conquista da realidade. Sem a fusão da afectividade com a razão não poderíamos atingir a síntese do conhecimento geral, na fragmentação dos efeitos sem o esclarecimento das causas. O método indutivo da Ciência permite-nos reunir os efeitos para a compreensão possível da causa única e transcendente.
/…


José Herculano Pires – Educação para a Morte, A Escada de Jacob, 13º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

Sem comentários: