Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 9 de junho de 2013

Da sombra do dogma à luz da razão ~


NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA (III)

  O Espiritismo, tendo-nos dado a conhecer o mundo invisível que nos rodeia e no meio do qual vivíamos sem o sabermos, as leis que o regem, as suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos entes que o habitam e, por consequência, o destino do homem depois da morte, é uma verdadeira revelação na acepção científica do termo.

   Pela sua natureza, a revelação espírita possui um carácter duplo: respeita simultaneamente a revelação divina e a revelação científica. Está ligada à primeira no que o seu advento tem de providencial, não sendo resultado da iniciativa e de um intento premeditado do homem; por os pontos fundamentais da doutrina serem resultantes do ensinamento dado pelos Espíritos encarregados por Deus de esclarecerem os homens sobre coisas que ignoravam, que não podiam aprender sozinhos e que é importante conhecerem, hoje que estão preparados para as compreenderem. Liga-se à segunda por este ensinamento não ser privilégio de nenhum indivíduo e ser dado a toda a gente através da mesma via; por os que o transmitem e os recebem não serem de forma nenhuma seres passivos, dispensados do trabalho de observação e de pesquisa; que não abdicam da sua opinião nem do seu livre-arbítrio; que o controlo não lhes é interdito, sendo antes, pelo contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada em todas as suas partes nem imposta à crença cega; que é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos factos que os Espíritos lhes colocaram debaixo dos olhos e das instruções que lhe dão, instruções que estuda, comenta, compara e de que retira ele mesmo as consequências e as aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o facto de a fonte ser divina, a iniciativa pertencer aos Espíritos a sua elaboração ser consequência do trabalho do homem.

   Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exactamente da mesma maneira que as ciências positivas, quer dizer, aplicando o método experimental. Apresentam-se factos de uma nova ordem que não podem ser explicados pelos meios conhecidos; observa-os, compara-os, analisa-os e, remontando os efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz daí as consequências e procura-lhes as aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida; assim, não colocou como hipóteses nem a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perespírito, nem a reencarnação, nem nenhum dos princípios da doutrina; concluiu que existem Espíritos quando esta existência ressaltou como evidência da observação dos factos; e também o mesmo sucedeu com os outros princípios. Não foram os factos que vieram mais tarde confirmar a teoria, mas a teoria que veio subsequentemente explicar e resumir os factos. É portanto rigorosamente exacto dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só registaram progressos sérios depois de o seu estudo se ter baseado no método experimental; mas, até esse dia, sempre se acreditou que este método só era aplicável à matéria, enquanto o é igualmente às coisas metafísicas.

   Citemos um exemplo. Passa-se, no mundo dos Espíritos, um caso muito singular e de que certamente ninguém teria suspeitado; é o dos Espíritos que não acreditam estar mortos. Pois bem! Os Espíritos superiores, que o sabem perfeitamente, não vieram dizer antecipadamente: «Há Espíritos que julgam estar ainda a viver a vida terrestre; que conservaram os seus gostos, os seus hábitos e os seus instintos»; mas provocaram a manifestação de Espíritos desta categoria para que os observássemos. Tendo então visto Espíritos sem terem a certeza do seu estado ou afirmando que ainda faziam parte deste mundo e julgando ocupar-se das suas tarefas habituais, do exemplo concluiu-se a regra. A multiplicidade de factos análogos provou que não se tratava de uma excepção, mas de uma fase da vida espírita; permitiu estudar todas as variedades e as causas desta singular ilusão; reconhecer que esta situação é sobretudo distintiva dos Espíritos pouco evoluídos moralmente e que é característica de certos géneros de morte; que é só temporária, mas que pode durar dias, meses, anos. foi assim que a teoria nasceu da observação. Passa-se o mesmo com todos os outros princípios da doutrina.

   Assim como a ciência propriamente dita tem como finalidade o estudo das leis do princípio material, a principal finalidade do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual; ora, como este princípio é uma das forças da natureza, reagindo constantemente sobre o princípio material e reciprocamente, resulta daí que o conhecimento de um não pode estar completo sem o outro. O espiritismo e a ciência completam-se um ao outro: a ciência sem o Espiritismo fica impotente para explicar certos fenómenos unicamente através das leis da matéria; o Espiritismo sem a ciência não teria apoio nem controlo. O estudo das leis da matéria deveria preceder o da espiritualidade, por ser matéria e ferir primeiro os sentidos. Se o Espiritismo tivesse surgido antes das descobertas científicas teria sido uma obra abortada, como tudo o que surge antes de tempo.
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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 12 a 16, 5º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

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