NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA (III)
O Espiritismo, tendo-nos dado a conhecer o mundo
invisível que nos rodeia e no meio do qual vivíamos sem o sabermos, as leis que
o regem, as suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos entes
que o habitam e, por consequência, o destino do homem depois da morte, é uma
verdadeira revelação na acepção científica do termo.
Pela sua natureza, a revelação espírita possui
um carácter duplo: respeita simultaneamente a revelação divina e a
revelação científica. Está ligada à primeira no que o seu advento
tem de providencial, não sendo resultado da iniciativa e de um intento
premeditado do homem; por os pontos fundamentais da doutrina serem resultantes
do ensinamento dado pelos Espíritos encarregados por Deus de esclarecerem os
homens sobre coisas que ignoravam, que não podiam aprender sozinhos e
que é importante conhecerem, hoje que estão preparados para as
compreenderem. Liga-se à segunda por este ensinamento não ser privilégio de
nenhum indivíduo e ser dado a toda a gente através da mesma via; por os que o
transmitem e os recebem não serem de forma nenhuma seres passivos,
dispensados do trabalho de observação e de pesquisa; que não abdicam da sua
opinião nem do seu livre-arbítrio; que o controlo não lhes é interdito, sendo
antes, pelo contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi
ditada em todas as suas partes nem imposta à crença cega; que é
deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos factos que os Espíritos
lhes colocaram debaixo dos olhos e das instruções que lhe dão, instruções que
estuda, comenta, compara e de que retira ele mesmo as consequências e as
aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é
o facto de a fonte ser divina, a iniciativa pertencer
aos Espíritos a sua elaboração ser consequência do trabalho do
homem.
Como meio de elaboração, o Espiritismo procede
exactamente da mesma maneira que as ciências positivas, quer dizer, aplicando o
método experimental. Apresentam-se factos de uma nova ordem que não podem ser
explicados pelos meios conhecidos; observa-os, compara-os, analisa-os e, remontando
os efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz daí as
consequências e procura-lhes as aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria
preconcebida; assim, não colocou como hipóteses nem a existência e a
intervenção dos Espíritos, nem o perespírito, nem a reencarnação, nem nenhum
dos princípios da doutrina; concluiu que existem Espíritos quando esta
existência ressaltou como evidência da observação dos factos; e também o
mesmo sucedeu com os outros princípios. Não foram os factos que vieram mais
tarde confirmar a teoria, mas a teoria que veio subsequentemente explicar e
resumir os factos. É portanto rigorosamente exacto dizer-se que o Espiritismo é
uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só
registaram progressos sérios depois de o seu estudo se ter baseado no método
experimental; mas, até esse dia, sempre se acreditou que este método só era
aplicável à matéria, enquanto o é igualmente às coisas metafísicas.
Citemos um exemplo. Passa-se, no mundo dos
Espíritos, um caso muito singular e de que certamente ninguém teria suspeitado;
é o dos Espíritos que não acreditam estar mortos. Pois bem! Os Espíritos
superiores, que o sabem perfeitamente, não vieram dizer antecipadamente: «Há
Espíritos que julgam estar ainda a viver a vida terrestre; que conservaram os
seus gostos, os seus hábitos e os seus instintos»; mas provocaram a
manifestação de Espíritos desta categoria para que os observássemos. Tendo
então visto Espíritos sem terem a certeza do seu estado ou afirmando que ainda
faziam parte deste mundo e julgando ocupar-se das suas tarefas habituais, do
exemplo concluiu-se a regra. A multiplicidade de factos análogos provou que não
se tratava de uma excepção, mas de uma fase da vida espírita;
permitiu estudar todas as variedades e as causas desta singular ilusão;
reconhecer que esta situação é sobretudo distintiva dos Espíritos pouco
evoluídos moralmente e que é característica de certos géneros de morte;
que é só temporária, mas que pode durar dias, meses, anos. foi assim que a
teoria nasceu da observação. Passa-se o mesmo com todos os outros princípios da
doutrina.
Assim como a ciência propriamente dita tem como
finalidade o estudo das leis do princípio material, a principal finalidade do
Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual; ora, como este
princípio é uma das forças da natureza, reagindo constantemente sobre o
princípio material e reciprocamente, resulta daí que o conhecimento de um
não pode estar completo sem o outro. O espiritismo e a ciência completam-se um
ao outro: a ciência sem o Espiritismo fica impotente para explicar certos
fenómenos unicamente através das leis da matéria; o Espiritismo sem a ciência
não teria apoio nem controlo. O estudo das leis da matéria deveria preceder o
da espiritualidade, por ser matéria e ferir primeiro os sentidos. Se o
Espiritismo tivesse surgido antes das descobertas científicas teria sido uma
obra abortada, como tudo o que surge antes de tempo.
/…
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
números de 12 a 16, 5º fragmento da obra. Tradução portuguesa de
Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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