Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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terça-feira, 2 de setembro de 2025

metapsíquica | e depois



~~~ Terceiro Caso ~~~


(A Crise da Morte)

Reproduzo um último caso antigo, que extrai do livro do Doutor Wolfe: Starling Facts in Modern Spiritualism (pág. 388)*. Jim Nolan, o Espírito-guia da célebre médium Sra. Hollis, que disse e demonstrou ter sido soldado durante a Guerra de Secessão da América e haver morrido de tifo num hospital militar, responde da seguinte maneira às perguntas de um experimentador:

P. — Que impressão tiveste à tua primeira entrada no mundo espiritual?

R. — Parecia-me que despertava de um sono, com um pouco de atordoamento a mais. Já não me sentia doente e isso espantava-me grandemente. Tinha uma vaga impressão de que alguma coisa estranha se passara, todavia, não sabia definir o quê. O meu corpo encontrava-se estendido numa cama de campanha e eu o via. Dizia para mim próprio: Que estranho fenómeno! Olhei à minha volta e, vi três dos meus camaradas mortos nas trincheiras diante de Vicksburg e que eu enterrara. No entanto, ali estavam na minha presença! Olhavam a rir. Então, um dos três me saudou e disse:

— Bom-dia, Jim; também és dos nossos?

— Sou dos vossos? Que queres dizer com isso?

— Mas... que te encontras aqui, connosco, no mundo dos Espíritos. Não te apercebeste disso? É um meio onde se está bem.

Estas palavras eram muito fortes para mim. Fui tomado de violenta emoção e exclamei:

— Meu Deus! Que dizes! Estou morto?

— Não; estás mais vivo do que nunca, Jim; porém encontras-te no mundo dos Espíritos. Para te convenceres, não tens mais do que atentar no teu corpo.

Com efeito, o meu corpo jazia, inanimado, diante de mim, sobre aquela tarimba. Como, pois, contestar o facto? Pouco depois, chegaram dois homens que colocaram o meu cadáver numa prancha e o transportaram para junto de um carro; nele o meteram, subiram e à boleia partiram. Acompanhei então o carro, que parou junto de um fosso, onde o meu cadáver foi descarregado e enterrado. Fora eu o único a assistir ao meu enterro...

P. — Quais as sensações que experimentaste na crise da morte?

R. — A que se experimenta quando o sono se apodera da gente, mas deixando que ainda se possa lembrar de alguma ideia que tenha tido antes do sono. A gente, porém, não se lembra do momento exacto em que foi tomado pelo sono. É o que acontece por ocasião da morte. Mas, um pouco antes da crise fatal, a minha mentalidade se tornara muito activa; lembrei-me subitamente de todos os acontecimentos da minha vida; vi e ouvi tudo o que fizera, dissera, pensara, todas as coisas a que estivera associado. Lembrei-me até dos jogos e brincadeiras do campo militar; gozei-os, como quando deles participei.

P. — Conta-nos as tuas primeiras impressões no mundo espiritual.

R. — Ia dizer-vos que os meus bons amigos soldados já não me abandonaram, desde logo que desencarnei (morri) até ao momento em que fiz a minha entrada no mundo espiritual; lá, tinha eu os avós, os irmãos e as irmãs, que, entretanto, não me vieram receber quando desencarnei. Ao entrar no mundo espiritual, parecia-me caminhar sobre um terreno sólido e vi que ao meu encontro vinha uma velhinha, que me disse assim: — Jim, então vieste para onde estávamos?

Olhei-a atentamente e exclamei: — Ó, avozinha, és tu? — Sou eu mesma, meu querido Jim. Vem comigo.

E me levou para longe dali, para a sua morada. Uma vez lá, disse-me ser necessário que eu repousasse e dormisse. Deitei-me e dormi longamente...

P. — A morada de que falas tinha o aspecto de uma casa?

R. — Certamente. No mundo dos Espíritos, há a força do pensamento, por meio do qual se podem criar todas as comodidades desejáveis...

Esta última informação que, no caso de que se trata, remonta a setenta anos atrás, não é apenas um dos detalhes fundamentais a cujo respeito todos os Espíritos estão de acordo; é também a chave de abóbada que permite explicar, resolver, justificar todas as informações e descrições aparentemente absurdas, incríveis, ridículas, dadas pelos Espíritos que se comunicam, a propósito da vida espiritual. Em outras obras, já por mim publicadas, tive que me deter longamente sobre este tema muito importante; limitar-me-ei desta vez, pois, a nele tocar, na medida do estritamente necessário.

Esta grande verdade, que nos foi comunicada pelos Espíritos, permite resolvamos uma imensidade de questões teóricas, obscuras, determinadas pelas informações que hão dado as personalidades mediúnicas, relativamente ao meio espiritual, às formas que os Espíritos revestem, às modalidades da existência deles; todas as informações que constituem uma reprodução exacta, ainda que espiritualizada, do meio terrestre, da humanidade, das modalidades da existência neste mundo. Essa grande verdade, que resolve todos os enigmas teóricos em questão e que se funda no poder criador do pensamento no meio espiritual, é confirmada de modo impressionante por factos que se desenrolam no meio terrestre. Trata-se, com efeito, do seguinte: o pensamento e a vontade, mesmo na existência encarnada (na Terra), são susceptíveis de criar e de objectivar as formas concretas das coisas pensadas e desejadas, do mesmo modo que este fenómeno se realiza no meio espiritual, embora no meio terrestre semelhante criação não se dê senão por intermédio de alguns sensitivos especiais (médiuns). Aludo aos fenómenos de fotografia do pensamento ou de ideoplastia, fenómenos maravilhosos, aos quais consagrei recentemente um longo estudo, em que demonstrava, citando factos, a realidade incontestável e o seu desenvolvimento prodigioso.

Vemos, pois, que, já no mundo dos vivos, o pensamento e a vontade manifestam o poder de se objectivarem e concretizarem numa forma mais ou menos substancial e permanente, ainda que, na existência encarnada, isso se produza sem objectivo e unicamente com o concurso de sensitivos (médiuns) que se encontrem em condições fisiológicas mais ou menos anormais, correspondendo a estados mais ou menos adiantados de desencarnação parcial do Espírito.

Sendo assim, dever-se-ia logicamente concluir daí que, quando a desencarnação do Espírito já não estiver apenas em início e não for transitória, mas total e definitiva (na morte), só então as faculdades de que se trata chegarão a manifestar-se no seu completo desdobramento e, desta vez, normal, prática e utilmente. Ora, é precisamente o que afirmam as personalidades mediúnicas que se comunicam. Cumpre, portanto, se reconheça que as revelações transcendentais, concernentes às modalidades da existência espiritual, confirmam a posterior o que se devera logicamente inferir a priori, em consequência da descoberta de que o pensamento e a vontade são forças que possuem o poder maravilhoso de modelar e organizar, faculdades que, todavia, não se manifestam, senão de maneira esporádica e sem objectivo, no meio terrestre.

Duas palavras ainda acerca de outra circunstância, a de personalidades mediúnicas afirmarem que essas condições de existência espiritual são transitórias e se entendem exclusivamente com a esfera mais próxima do mundo terrestre, isto é, com a que se destina aos Espíritos recém-chegados. Esta circunstância não serve só para justificar inteiramente aquelas condições de existência; prova também a razão de ser providencial de tais condições.

Imagine-se, com efeito, que sensação de desolação e de desorientação não experimentariam a maior parte dos mortos se, logo depois do momento da morte, houvessem de ver-se bruscamente despojados da forma humana e lançados num meio espiritual essencialmente diverso daquele onde se lhes formaram as individualidades, a que ainda se encontram ligados por uma delicada trama de sentimentos afectivos, de paixões, de aspirações, que se não poderiam romper de súbito, sem os levar ao desespero e, onde, sobretudo, se encontra o meio doméstico que lhes é próprio, constituído por um mundo de satisfações temporais e espirituais, de todas as espécies, que contribuem cumulativamente para criar o que se chama a alegria de viver. Se imaginarmos tudo isso, teremos de reconhecer racional e providencialmente que um ciclo de existência preparatória passe entre a existência encarnada e a de Espírito puro, de maneira a conciliar a natureza, por demais terrestre, do Espírito desencarnado, com a natureza, por demais transcendental, da existência espiritual propriamente dita.

O poder criador do pensamento seria de molde a obviar maravilhosamente a este inconveniente; o Espírito, pensando numa forma humana, encontrar-se-ia de novo em forma humana; pensando em estar vestido, encontrar-se-ia coberto das vestes que, sendo tão etéreas como o seu próprio corpo, lhe pareceriam tão substanciais como as roupas terrenas. É assim que o Espírito encontraria novamente, no mundo espiritual, um meio e uma morada correspondentes aos seus hábitos terrestres, morada que lhe preparariam os seus familiares, tornados antes dele á existência espiritual. Como se há podido ver no caso que acabo de referir, é a avó do defunto que estaria encarregue de conduzir o neto à morada que o havia de receber. A este respeito, deve notar-se que, quando o Espírito Jim Nolan narra ter visto que uma velhinha vinha ao seu encontro, fora preciso subentender-se que a avó revestira temporariamente a sua antiga forma terrena, para ser reconhecida.

Deter-me-ei aí, para me não estender demais nos comentários deste facto; os pontos obscuros, de importância secundária, que ficam sem solução nas considerações precedentes, serão sucessivamente assinalados e explicados, à medida que, nos casos que ainda vão ser citados, se oferecer oportunidade.

Com relação ao incidente da visão panorâmica que o Espírito Jim Nolan relata, observarei que, desta vez, o fenómeno se desdobrou sob a forma de recapitulação de lembranças, mais do que sob a de uma visão panorâmica propriamente dita. Isto, naturalmente, em nada muda os termos do problema psicológico a ser resolvido. Daí apenas resultaria que o morto, em vez de pertencer ao que se chama em linguagem psicológica ao tipo visual, pertencia ao tipo especialmente mental-auditivo.

/...

Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Terceiro Caso. 3º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

quinta-feira, 20 de março de 2025

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo IX

A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico ~

  Na ocorrência matapsíquica chamada materialização existe algo mais do que um fenómeno: temos a imagem do homem e a face espiritual de sua individualidade. Não esqueçamos que se esse fenómeno não tivesse uma raiz que mergulha no eterno, não revelaria, como sempre o faz, uma imagem e uma face espiritual. Seria constituído apenas de representações amorfas ou na formação de figuras caprichosas, alheias à representação humana. Entretanto, no fenómeno metapsíquico, manifesta-se sempre a imagem do homem, tão real e viva, que fala, sente e ama.

  Que demiurgo caprichoso se compraz em manifestar-se nesse fenómeno, não através de loucas fantasmagorias, mas revelando-nos um homem vivo, com a sua própria imagem e natureza? A esta pergunta podemos responder que: se na materialização metapsíquica se apresenta a imagem humana, isso nos fornece a razão para repelirmos as doutrinas do materialismo e estabelecermos os lineamentos de uma biologia da alma, de uma nova concepção filosófica sobre o destino do Ser e da existência.

  O fenómeno de materialização metapsíquica representa um chamado ao sentido metafísico dos novos tempos. Omitir essa manifestação seria retardar o progresso da antropologia, de maneira que os interesses de sistemas ou de seitas não deveriam prevalecer frente a um fenómeno que tão fielmente nos revela a imagem do homem e de seu espírito. Entretanto, essa espécie de traição ao homem espiritual foi consumada pelos próprios “estudiosos” da metapsíquica, temerosos de serem considerados espíritas.

  Não obstante, fenomenologia metapsíquica exige do filósofo uma nova definição do homem, pois a sua inegável realidade nos permite afirmar que o ser humano é algo mais que um facto fisiológico. Para a filosofia espírita e o realismo metapsíquico, o homem é um dínamopsiquismo que ultrapassa a representação física do organismo, ainda que a idiossincrasia universitária, de carácter acomodatício, prefira uma metapsíquica fisiológica, como a de René Sudre. (i)

  Mas não é para isso que o fenómeno metapsíquico nos mostra o seu mundo de aparições e desaparições, esse conjunto de factos que estão revelando, com toda a clareza, que o Espírito ultrapassa os centros nervosos e que possui um mundo espiritual independente das circunvoluções cerebrais.

  Onde a metapsíquica se mostra grandiosa e comovedora é precisamente quando nos revela a imagem do homem, viva e materializada, como se regressasse de um longínquo país. É então que se evidencia, num facto supranormal que revoluciona todo o mundo conhecido da natureza, que a sua origem não é natural, como à força o querem biólogos, filósofos materialistas, e até certas correntes espiritualistas. Esquece-se que a metapsíquica nos oferece uma visão nova do homem e do Universo, apresentando-nos ainda outras conclusões metafísicas e com esta visão, o homem se nos apresenta como um poder psíquico que incide sobre a sua própria morte, para superá-la, como um ser dotado da natureza imortal. Esta superação espiritual da morte, pelo homem, é a razão fundamental do fenómeno metapsíquico; por isso, a imagem do homem está presente na sua manifestação. Não esqueçamos que a fisionomia humana não se manifesta em nenhum outro facto da natureza. Assim, se a metapsíquica no-la revela, é porque persegue algum propósito extraordinário, através do númeno que a conduz e a determina.

  William Crookes viu um espírito em carne e osso; viu um Ser quase ressuscitado, que falava com os vivos e se dava o nome de Katie King. O sábio inglês tocou a sua carne e sentiu que era viva, real e quente, o que levou o grande fisiólogo espanhol Jaume Ferran a dizer, referindo-se às materializações“Temos de confessar que estas materializações constituem o grande enigma da metapsíquica. O facto de aparecerem formas de contornos vagos, dotadas de uma luminosidade especial, que acabam por adquirir o aspecto de órgãos, membros e até de figuras humanas completas, que falam, se movimentam e respiram, exalando ácido carbónico; que têm pulsações arteriais, um coração que bate e a temperatura normal; que se desvanecem na presença dos espectadores e que, ainda quando seguradas firmemente, se esvaem sem deixar o menor vestígio; ninguém poderá negar que realmente constitui um grande mistério.” (ii)

  Crookes comprovou também que essa materialização metapsíquica tinha sangue de imortalidade, (iii) e que a imagem humana de Katie King era tão positiva e real como se não procedesse do outro mundo.

  Mas porque é que a teologia, a teosofia hindu e os sistemas espiritualistas negaram a espiritualidade e a realidade desse assombroso fenómeno? Porque é que negaram a prova da existência imortal do Espírito, quando a tiveram diante dos olhos?

  Acreditamos que a negaram porque se haviam esquecido das próprias aparições de Cristo depois da morte, essas divinas manifestações do Espírito de Jesus, que inauguraram para sempre, diante da humanidade e da história, a relação permanente entre os vivos e os mortos, como um prenúncio do que seria a ciência espírita do futuro. Assim, as ciências espirituais que não aprovam as manifestações de entidades invisíveis tornam-se superficiais e falíveis, divorciam-se das antigas modalidades do cristianismo.

  A investigação metapsíquica racionalizou a busca da imortalidade da alma. Aplicando-lhe o método científico, transformou em matéria experimental o que antes se considerava exclusivamente como sobrenatural ou pertencente à especulação teológica. Deste modo, o que se acreditava ser do domínio religioso passou para o domínio científico; consequentemente, a razão pode agora buscar uma nova fé, através dessa “teologia experimental” a que se referiu Jaume Ferran, ao tratar da obra metapsíquica do professor Charles Richet.

  O organismo humano, segundo a metapsíquica, possui um dinamopsiquismo que não depende dos centros nervosos. É por isso que a velha teoria do paralelismo psicofisiológico se desmorona ante a terrível metapsíquica, pois esta revela fenómenos decisivos a respeito, que constituem verdadeira contribuição de um grande númeno espiritual, encarregado de espiritualizar o conhecimento humano. Segundo as provas metapsíquicas, o Ser é uma força divina que dirige e condiciona o seu próprio desenvolvimento orgânico e espiritual, submetendo-se para isso à maravilhosa lei dos renascimentos.

  As teorias puramente naturalistas passam assim a ocupar um lugar secundário, já que o conhecimento metapsíquico dota o homem de um novo sentido filosófico e religioso. A ideia está recobrando a sua primazia na ordem do conhecimento, mas com acento revolucionário, pois o idealismo da metapsíquica não se parece em nada com o velho idealismo escolástico. A filosofia idealista que emerge dos factos sobrenaturais vem confirmar o carácter dinâmico e revolucionário do espiritismoEm consequência, o homem metapsíquico é totalmente diferente do homem materialista, tendo possibilidades de ampliar os sentidos humanos e até mesmo de dotar a espécie de órgãos psíquicos que modificarão as actuais noções de tempo e espaço. Os cinco sentidos do homem comum poderão ser ampliados por um sexto sentido, nexo psíquico que conectará a espécie com as realidades do mundo espiritual.

  De acordo com a filosofia espírita, a imagem do homem mudará, porque tudo está destinado a renovar-se. Deus não deu à criatura humana uma imagem definitiva, mas uma face espiritual que se irá transformando com a evolução. Porque o Ser é uma entidade que avança para a imagem de Deus, através do grande processo palingenésico a que está sujeito, adentrando-se cada vez mais no Divino Plano do Universo.

  À luz da filosofia espírita podemos dizer que a metapsíquica é a ciência dos fenómenos espirituais. Por esta ciência da Alma, como a chamaram Ernesto Bozzano e Charles Richet, a humanidade conhecerá a verdadeira senda espiritual que deve percorrer. Mas isto só acontecerá quando cessarem as rivalidades religiosas e ideológicas. Então se reconhecerá, para o bem da espécie, que no fenómeno metapsíquico está presente à imagem do homem desencarnado e que o espiritismo será o traço de união entre o materialismo e o espiritualismo clássicos.

  O espiritualismo kardecista guarda esse elo perdido, o nexo que reconciliará o pensamento materialista com o espiritualista. A tese de Gustave Geley, que sustenta não haver matéria sem espírito, nem espírito sem matéria, mostra-nos o enlace do elemento material com o elemento espiritual. Reconhecido o fenómeno metapsíquico como uma manifestação da substância ectoplásmica, será fácil compreender que matéria e espírito “são duas realidades que se conjugam, já que o desenvolvimento espiritual e físico resulta da união entre o corpo e a ideia. Assim se reconhecerá que não existe materialismo nem espiritualismo puros. Ambos os sistemas participarão reciprocamente dos seus respectivos elementos e o que antes os separava, agora os aproximará, demonstrando que o materialismo possui valores para o espiritualismo e o espiritualismo valores para o materialismo. (iv)

  A metapsíquica contribuirá enormemente para esta inter-relação de ambos os sistemas, devido à realidade biológica e espiritual revelada pelos seus fenómenos de materialização, que vieram confirmar a tese de que uma essência una anima e movimenta a vida de todo o Universo. (v)

/...
(i) A posição metapsíquica de Sudre, vigorosamente refutada por Ernesto Bozzano, renova-se actualmente na parapsicologia, Os próprios trabalhos de Sudre estão sendo reeditados, no interesse de refutar as conclusões extrafísicas de Rhine. (Nota de J.H. Pires).
(ii) Do prólogo ao Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, edição espanhola.
(iii) “Sangue de imortalidade”, expressão vigorosa com que o autor se refere à natureza humana do fenómeno. (Nota de J.H. Pires).
(iv) Kardec afirmou que o espiritismo e as ciências devem avançar juntos, porque tratam respectivamente dos dois aspectos fundamentais do Universo: o espírito e a matéria. (Ver a introdução de O Livro dos Espíritos e A Génese) Léon Denis, em O Génio Céltico e o Mundo Invisível, declara que o espiritismo avança para a realização da síntese do conhecimento, reunindo o saber espiritual e o material. Mariotti reafirma essa tese epistemológica da filosofia espírita. (Nota de J.H. Pires).
(v) A metapsíquica é considerada pelo autor como uma espécie de campo científico do espiritismo, uma zona intermediária em que o biológico e o anímico se encontram, dando lugar às manifestações ectoplásmicas que sintetizam espírito e matéria. (Nota de J.H. Pires).


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo IX A Imagem do Homem no Fenómeno Metapsíquico, 14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea
1936, Salvador Dali).

sábado, 26 de outubro de 2024

metapsíquica | e depois


~~~ Segundo Caso ~~~

(A Crise da Morte)

Tiro este segundo facto do volume De MorganFrom Matter to Spirit (i(pág. 149). (*) A personalidade mediúnica do Doutor Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira como o seu Espírito se separou do organismo somático:

Como acontece em muito elevado número de humanos, o meu espírito não se libertou facilmente do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos laços orgânicos, mas encontrava-me em condições pouco lúcidas de existência, afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel. Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pode o meu espírito despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu via distintamente as pessoas que me cercavam o corpo.

Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no ar. Depois desse acontecimento, suponho ter passado por um período bastante longo em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece frequentemente, se bem que isso não sucede em todos os casos); deduzo-o do facto que, quando tornei a ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição.

Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos da minha vida desfilaram aos meus olhos, como que em panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões naturais, como se o meu passado se tivesse tornado o presente. Revi todo o meu passado, tendo compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de reflectir, tendo ficado como que arrebatado por um turbilhão de emoções. A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se mostrara; as meditações sobre o passado e o futuro, provocaram vivo interesse em mim pelas condições actuais.

Eu ouvira dizer aos espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no mundo espiritual pelos seus parentes, ou pelos seus Espíritos-guardiães. Não vendo ninguém perto de mim, conclui que os espíritas se tinham enganado. Mas, logo que este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de afinidade. Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu, não haviam cogitado em desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me pelo meu nome, sem que eu o tivesse pronunciado, e me acolheram com uma familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até àquele momento. Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos, entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido há algum tempo...

Notarei que no último parágrafo do episódio precedente se encontra um outro o dos detalhes secundários habituais, que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos que se comunicam. Este detalhe encontrará a sua razão de ser nas condições espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações transcendentais, lê-se que os Espíritos dos mortos entram num meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos dos seus parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou num meio nubloso, onde foi acolhida amistosamente por dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das condições espirituais. É fácil de julgar que este aparente desacordo entre as primeiras impressões deste Espírito desencarnado e outras muito mais frequentes dependa da circunstância de que, como ele próprio diz, se descuidara em vida em desenvolver em si o elemento espiritual e que os Espíritos que lhe foram ao encontro se encontravam nas mesmas condições. Daí resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava às condições transitórias, mas obscurecidas, dos seus Espíritos.

De outro ponto de vista, notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma ter sofrido a prova da visão panorâmica do seu passado, prova que, neste caso, em vez de se desenrolar espontaneamente, em consequência de uma superexcitação sui generis das faculdades mnemónicas (superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem as psicologistas), pareceria antes provocada pelos guias espirituais, com o fim de predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de exame de consciência.

Esta interpretação do fenómeno ressaltará muito mais claramente de alguns dos casos que se vão seguir.

Notarei, finalmente, que este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante de bilocação no leito de morte, seguido do fenómeno consistente na situação que durante algum tempo o Espírito desencarnado se manteve, pairando por cima do cadáver. Frequentes incidentes análogos encontrar-se-ão nas comunicações da mesma natureza; com mais frequência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de episódios deste género, a começar pelos que foram descritos pelo famoso vidente Andrew Jackson Davis e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev. William Stainton Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy Snell (i), que tem vindo a assistir à produção de fenómenos desta espécie desde há vinte anos. Ora, quem não vê que o facto das afirmações de videntes, concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritas desencarnados, tem inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente? E também, com relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente, ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da existência de tais fenómenos e da maneira pela qual se produzem no leito de morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos começos do movimento espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância o médium e os assistentes ignoravam tudo o que concerne aos fenómenos de bilocação em geral e, sobretudo, à maneira como se dão com os moribundos.

/...

(*) From Matter to Spirit (Da Matéria ao Espírito), uma obra escrita por Sophia Elizabeth De Morgan (1809–1892) foi esposa do matemático e lógico Augustus De Morgan e mãe do célebre ceramista William De Morgan. Neste livro, publicado em 1863, De Morgan, escrevendo como 'CD' – com um prefácio de seu marido assinado como 'AB' – reconhece que supostas manifestações espirituais enfrentaram muitas críticas e cepticismo, mas argumenta que era um fenómeno pouco compreendido que merecia mais investigação. Ela passou uma década nesta pesquisa e se concentrou no papel dos médiuns, pessoas que se acreditava comunicarem-se com o mundo espiritual. Ela foi auxiliada nisso pela chegada de um médium que viveu com a família De Morgan durante seis anos. Os seus capítulos também examinam em profundidade o processo de morrer e as ideias sobre a vida depois da morte. Um relato em primeira mão do mundo espiritualista do século XIX, este livro fornece um vislumbre fascinante do cenário religioso em mudança da Grã-Bretanha à época. Adenda desta publicação.


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Segundo Caso. 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

sábado, 11 de maio de 2024

metapsíquica | humana


~~~ a propósito da mediunidade da Sra. Piper

Passando às experiências feitas com a Sra. Piper, o nosso autor em muito reduz a sua tarefa. Recorre ao sistema de citar tudo o que foi obtido de menos probante e mesmo de negativo com esta médium, principalmente no transcorrer de certos períodos da sua longa carreira profissional, em que nela se verificava uma decadência medianímica, transitória é verdade, mas pronunciada. Nesses momentos, ela não mantinha o seu papel de médium, na verdadeira acepção do termo; tornava-se antes um paciente sonambúlico, sugestionado em determinada direcção ou podendo sê-lo à vontade dos experimentadores, mormente quando estes eram pretensos homens de ciência, mas de tal modo incapazes que, longe de se conservarem passivos, a fim de não provocarem interferências desta natureza, intencionalmente, sugestionavam a médium em transe, por meio de insidiosas interrogações. Obtinham, destarte, justamente o que procuravam, como teriam conseguido com qualquer paciente hipnóticoE esse sistema é tanto mais extravagante, quanto ninguém põe em dúvida a possibilidade de, através de sugestões apropriadas, conseguir-se perturbar e mesmo suprimir as delicadas condições medianímicas, sempre oscilantes, num estado instável de equilíbrio, e transformá-las nas do sonambulismo propriamente dito. Daí a possibilidade de se poder provocar, à vontade, o fenómeno hipnótico da “objectivação dos tipos”. Ora, de uma vez, aconteceu que a Sra. Piper, insidiosamente sugestionada no sentido da “objectivação de um tipo”, o personificou, como fazem os pacientes hipnóticos, enquanto pretenso “Espírito Guia” da médium parecia levar a sério a personificação sugerida; compreende-se, entretanto, que o pretenso “Guia” não era mais do que a personificação subconsciente que, por efeito auto-sugestivo, havia tomado o nome de um “Espírito Guia” autêntico. Como era de prever em tais circunstâncias, nenhuma prova de conhecimentos supranormais de outra natureza foi obtida. Deveria o facto bastar ao experimentador para que ele compreendesse a diferença existente entre um caso de “objectivação de um tipo” e a manifestação de uma personalidade autêntica espírita. Mas o pseudo-sábio não estava à altura para poder discernir; pelo contrário, serviu-se triunfante da sua “admirável” descoberta, para os fins que tinha em vista. E esta se reduzia, evidentemente, a uma verdade elementar, dado ninguém jamais haver contestado que, em determinadas circunstâncias, um médium em transe possa ser transformado em paciente sonambúlico. Se nos quisermos lembrar que o professor Hyslop demonstrou, em polémica memorável, como esses factos devem ser interpretados, chegando a conclusões decisivas, veremos que existe, de sobra, motivo para desânimo ao constatar que, ainda hoje, haja quem persista em ressuscitar essas experiências tolas e deploráveis, como se Hyslop não as houvesse, para sempre, marcado com o ferrete da futilidade.

Enfim, por mais que desta última observação ressalte o esforço ingente de tentar fazer-se ouvir por aqueles que fecham propositadamente os ouvidos, eu venho aqui demonstrar, firmando-me nos factos, que uma série inumerável de casos de identificação de Espíritos de mortos foi conseguida com a medianimidade da Sra. Piper. Esses casos permanecem, de modo absoluto, inexplicáveis pela teoria da “prosopopese-metagnomia”, teoria que longe está de ser nova, pois sob a capa de todos esses neologismos se encontram apenas as antigas hipóteses das “personificações sonambúlicas” e da “clarividência telepática”. A hipótese mesmo da “criptestesia” aí a descobriremos. Empreendendo a tarefa que aqui me incumbe, devo lembrar a máxima, cientificamente sem possibilidade de apelo, de Sir William Crookes, segundo a qual “o valor teórico de cem experiências negativas fica literalmente anulado por uma só experiência positiva bem observada”.

Vou começar por um exemplo que Sudre transcreve no seu livro, embora o faça de modo abreviado, ao ponto de lhe tirar todo o valor teórico:

“George Pelham, incorporado na Sra. Piper, reconhece os seus amigos, dentre as pessoas que lhe são apresentadas, e lhes dirige palavras, como o teria feito quando vivo. É verdade que a prova fracassa quando chega a vez da Srta. Warner, que conhecera menina, mas os esforços que faz para se recordar o lançam sobre a pista de novas provas de identidade.”

O episódio acima parece relatado com fidelidade, mas se tivermos em conta o ponto de vista antiespírita do autor, veremos que foi resumido com “grande habilidade”. Como está, aqueles que desconhecem o texto não podem imaginar que o incidente negativo, ocorrido com a Srta. Warner, contém a prova positiva de que as hipóteses combinadas da “prosopopese-metagnomia” são impotentes para explicar o caso da identificação de George Pelham.

Vamos, por isso, reproduzir o incidente em apreço, relatando integralmente a parte que se prende ao caso.

Como se sabe, à personalidade medianímica de George Pelham foram apresentados, cada um de per si, trinta dos seus antigos amigos, que foram imediatamente por ela reconhecidos, sem que uma só pessoa haja sido com eles confundida. E não só Pelham chamou cada um desses pelos próprios nomes, mas ainda a todos dirigiu a palavra, em tons diferentes, como fazia em vida. (Nós não falamos, aqui na Terra, do mesmo modo com todos os nossos amigos; o carácter da nossa conversa varia de acordo com a categoria das pessoas, com a sua idade, com a intimidade que com elas temos e com a estima ou afeição que a cada uma nos prende.)

Chega, enfim, a vez da Srta. Warner, rapariga que Pelham conhecera pequenina, quando contava apenas 8 anos. Pelham não a reconheceu, perguntando ao Dr. Hodgson quem podia ela ser. Hodgson respondeu que a mãe da jovem era amiga da Sra. Howard, que Pelham havia, com alguma familiaridade, conhecido. Reproduzo o diálogo que, em seguida, se travou entre Pelham e a Srta. Warner:

G. P. – Não creio ter-vos conhecido muito.

Srta. W. – Muito pouco, com efeito; vínheis algumas vezes visitar a mamã.

G. P. – Devo, portanto, também ter-vos visto.

Srta. W. – Sim, algumas vezes. Vínheis acompanhado do Sr. Rogers.

G. P. – Interessante! Noutro dia, quando pela primeira vez vos notei a presença, pensei, não sei porque, em Rogers.

Srta. W. – Compreendo, mas não falastes.

G. P. – Não obstante isso, não chego a reconhecer-vos e desejava muito reconhecer todos os meus amigos, o que consegui até agora... Talvez me encontre já muito afastado da esfera terrestre. Em suma, não me posso recordar da vossa fisionomia... Deveis estar muito mudada, não é?

Nesse momento interveio o Dr. Hodgson: – “Vejamos, não te lembras, por acaso, da Sra. Warner?”

A mão da médium traduziu uma forte excitação:

G. P. – Sim, sim, de facto dela me lembro; porventura será a sua filhinha?

Srta. W. – Sim, sou eu mesma.

G. P. – Meu Deus, como crescestes!... Oh, eu conheci muito bem a vossa mãe.

Srta. W. – Realmente, ela apreciava muito a vossa conversa.

G. P. – Tínhamos as mesmas aspirações.

Srta. W. – Como escritores?

G. P. – Sim, precisamente. Mas então conhecestes o Sr. Marte?

Srta. W. – Encontrei-me, de facto, algumas vezes com ele.

G. P. – A vossa mãe compreenderá o motivo por que a ele me refiro. Perguntai-lhe se ainda se lembra do livro que lhe emprestei.

Srta. W. – Perguntar-lhe-ei, podeis estar certo.

G. P. – Perguntai-lhe ainda se ela se recorda das nossas longas palestras, à noite, em sua casa.

Srta. W. – Não sei se delas se lembra, mas perguntarei.

G. P. – Quisera ter-vos reconhecido melhor; não podeis imaginar como é agradável voltar ao passado em companhia dos amigos da Terra!

Srta. W. – Eu era ainda muito criança e não seria de esperar que melhor me houvésseis reconhecido.”

Tal foi o interessante episódio do não reconhecimento, por parte de George Pelham, de uma pessoa que conhecera, quando vivo. O Dr. Hodgson faz a seguinte observação:

“Esta sessão, cumpre não esquecer, realizou-se cinco anos depois da morte de Pelham, e este, ao morrer, havia já três ou quatro anos não via a Srta. Warner. Além disso, convém repetir que a Srta. Warner era apenas uma menina quando, pela última vez, Pelham a vira, de quem não podia, portanto, ser o que se chama um amigo particular, devendo ao mesmo tempo ter sensivelmente mudado depois dos 8 anos. Esse episódio interessante, de não reconhecimento por parte de George Pelham, torna-se, portanto, inteiramente natural. O facto, porém, de estar eu perfeitamente informado do nome e do prenome da Srta. Warner e de sabê-la conhecida de Pelham, dá, ao do não reconhecimento, valor do melhor argumento possível, em favor da tese da existência independente de George Pelham, visto contrapor-se à hipótese de uma personalidade secundária, dependente, para as suas informações, da consciência e da subconsciência de pessoas vivas.”

A ninguém escapará que as considerações do Dr. Hodgson encerram, implicitamente, a refutação da hipótese da “prosopopese-metagnomia”, hipótese que é apenas a reprodução, sob denominação nova, das antigas hipóteses a que Hodgson se refere na sua crítica. Repito, portanto, que, se se tratasse de uma “personificação subconsciente”, assistida pelas faculdades clarividentes da médium, a personalidade de que se trata poderia ter colhido das subconsciências dos assistentes as informações necessárias para uma mistificação, ou, por outra, deveria ter reconhecido imediatamente, na moça que tinha diante de si, a menina que Pelham havia conhecido, quando vivo. Por que não o conseguiu, quando lhe foi possível fazê-lo em relação a todos os demais amigos? Que consequências teóricas daí se devem tirar? Se fosse o caso de uma “personificação subconsciente”, esta, em tais circunstâncias, deveria reconhecer a Srta. Warner, sem hesitar. Se, pelo contrário, se tratasse da presença real do Espírito de George Pelham, este não a deveria reconhecer, dado que ele só a havia visto algumas vezes na primeira infância, sendo ela agora uma mulher. Noutros termos: no caso da interpretação espírita dos factos, observa-se uma concordância admirável entre o que se devia passar e o que, de facto, se passou; enquanto que na hipótese oposta se verifica uma discordância desastrosa, que se manifesta precisamente no momento crítico da “corroboração” experimental da hipótese em apreço. Somos, portanto, obrigados a optar pela hipótese que explica realmente os factos e que não pode ser senão a espírita, pois outra não existe, nem pode existir, capaz de explicar casos análogos. Ora, os casos dessa natureza se contam por centenas nas experiências com a Sra.Piper.

Ainda assim, como a fertilidade sofística dos nossos antagonistas não conhece limites, não deixaria de ser útil acautelar-nos, desde já, imaginando as objecções de que poderiam lançar mão. E não descubro mais que duas.

Vejamos a primeira. Poderiam objectar que as investigações metapsíquicas têm demonstrado que o médium ou o sensitivo não percebe senão com grande dificuldade uma coisa pensada, em dado momento, pelo consultante, enquanto que facilmente a apreende desde que este dela tire o sentido; quer isto dizer que os sensitivos lêem, em geral, facilmente no subconsciente dos indivíduos e só com grande dificuldade na sua mentalidade consciente. Poder-se-ia, pois, presumir que, no caso ora examinado, a personalidade sonambúlica não tivesse apreendido as informações pedidas, pelo facto de nelas estar pensando o consultante. A esta objecção especiosa respondo que, se assim fosse, não haveria como explicar os trinta casos dos amigos, anteriormente reconhecidos, não obstante ter cada um deles em mente os seus próprios nomes, prenomes, parentesco e 16 qualidades, exactamente como se dava com a Srta. Warner e com o Dr. Hodgson. A objecção assim formulada não se mantém de pé; tem contra si os factos, que a deitam por terra.

Abordando a segunda das duas objecções presumíveis, percebo bem que poderiam lembrar que, se a “metagnomia” existe, ninguém afirma deva ela exercer-se permanentemente, donde a possibilidade de não haver ela funcionado no caso em litígio. Que seja. Admitamo-lo, embora aquele diálogo medianímico contenha outras coisas, que merecem ser esclarecidas, além do detalhe que nos prende; mas admitamo-lo, por um momento, ao menos para vermos surgir, formidável, a outra ponta do dilema. De facto, se para o caso que agora nos interessa a metagnomia não funcionava, qual a origem dos detalhes verídicos dados, de conta própria, pelo comunicante? Não; não há fugir: ou admitimos que a metagnomia funcionou e então prova decisiva nos é dada da sua impotência para explicar os casos de identificação espírita, análogos ao citado, ou sustentamos que a metagnomia não funcionou e evidente se torna que as provas de identificação pessoal, fornecidas pelo comunicante, provinham do Espírito do morto que, ali, se declarava presente. Para este dilema outra solução não existe.

Tendo, de modo completo e decisivo, elucidado este primeiro caso contrário à tese “prosopopese-metagnomia” e a todas as outras hipóteses naturalistas forjadas até hoje para explicar os casos de identificação espírita, venho trazer outros exemplos do mesmo género, tirados todos das experiências feitas com a Sra. Piper, limitando-me a fazê-los acompanhar apenas de certos esclarecimentos, por isso que a todos se adaptam aos comentários de ordem geral, que acabo de fazer.

No caso que se segue, a circunstância inconciliável com a hipótese da “prosopopese-metagnomia” consiste em que a personalidade comunicante se equivoca sobre a significação de uma pergunta a ela feita pelo experimentador e responde, citando factos que, embora exactos e apropriados, não correspondem à pergunta; entretanto, rectifica o erro, logo que o percebe.

No decorrer de uma sessão, a que assistia o professor James Hyslop, manifestou-se uma entidade que dizia ser Carruthers, tio do professor. Pergunta-lhe este:

“– Poderás dizer-me algo sobre um passeio de carro que ambos fizemos, pouco tempo depois da morte de meu pai?

– Lembras-te, James, da epígrafe colocada...

– Colocada... onde?

– Sobre o túmulo.

– Sim, meu tio, mas sobre que túmulo?

– Sobre o túmulo de teu pai.

– Sim, lembro-me perfeitamente.

– É a esse passeio de carro que te queres referir?

– Não.

– Aludes, então, à visita que juntos fizemos a Nannie?

– Também não. Diz-nos o que se passou connosco durante um passeio.

– Ah! Julgava que aludias ao dia em que colocamos a epígrafe sobre o túmulo... mas vejo que estamos a pensar em duas coisas diferentes... Deixa-me reflectir. Queres falar da tarde de um domingo...

– Sim, meu tio, é isso mesmo.

– Recordo-me agora; e tu... lembras-te do acidente...

(Esta palavra está em lugar de ruptura; assim explicou o “Espírito-guia” Rector, que, como se sabe, prestava-me a servir de intermediário, com o fim de facilitar as comunicações.)

– Ruptura está muito bem; continua.

– Espera um pouco, James, eu disse que tinha havido uma ruptura e eu a liguei com a... Peguei uma faca e fiz um furo, depois, como nos foi possível, consertamos as rédeas com um cordel...

(Aqui Rector intervém novamente, dizendo: “Ele experimenta tão grande emoção que eu não consigo apanhar-lhe todas as palavras.”) E logo depois a entidade Carruthers recomeçou a expor, em frases entrecortadas, mas de modo claro e minucioso, o incidente em todos os seus detalhes.”

Prof. Hyslop comenta:

“O incidente do nosso passeio ao cemitério, para ver o epitáfio que havia mandado colocar no túmulo de meu pai, é verdadeiro e verificou-se um ano depois da morte deste. Mas eu o tinha completamente esquecido e dele só me lembrei depois que o Espírito de meu tio a ele se referiu. É claro, pois, que absolutamente eu não pensava nele, quando fiz a pergunta. Uma circunstância interessante do diálogo está no facto de a entidade perceber em determinado momento que nós estávamos a pensar em duas coisas diferentes e de assinalá-lo imediatamente...” (American Proceedings, vol. IV, págs. 536-537.)

Trata-se, é certo, de um detalhe teoricamente importante, na sua espontaneidade sugestiva. Dá ele impressão do fragmento de uma conversa entre duas pessoas vivas, que se não houvessem, desde logo, bem compreendido. Esses incidentes parecem de pouca monta, mas sob o ponto de vista teórico têm alta significação em favor da existência real de duas mentalidades independentes, enquanto que se não poderiam de modo algum enquadrar dentro da hipótese da “prosopopese-metagnomia”. Acresce que eles correspondem exactamente aos incidentes não menos insignificantes que, nos tribunais de justiça humana, servem para esclarecer os juízes e o fazem ao ponto de determinar a condenação ou a absolvição do réu.

Neste outro episódio análogo, a personalidade medianímica, dizendo-se o Dr. Hodgson, engana-se sobre o sentido de uma pergunta que lhe é feita pela Sra. William James, esposa do célebre psicólogo.

A Sra. James nunca havia estado em casa do Dr. Hodgson, enquanto ele vivo, e apenas uma vez, depois dele morto. Pensando nessa visita, perguntou-lhe ela:

“– Podeis dizer-me quando estive em vossa casa?  

– Vós, em minha casa! Para tomar chá?

– Não.

– Para consultar documentos, talvez?

– Também não.

– Quem sabe, então, se depois de minha morte?

– Sim, para buscar objectos que vos tinham pertencido...

– Muito bem; eis uma boa prova. Lodge e Piddington ligam grande importância aos incidentes em que me não posso lembrar das coisas que não aconteceram...”

(Proceedings, vol. XXII, pág. 103.)

Esta última reflexão do Dr. Hodgson constitui um traço bem característico do experimentado psiquista, quando vivo. Com efeito, sob o ponto de vista teórico, deve ligar-se importância máxima aos casos em que a entidade comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas, declarando não se lembrar, sempre que tal acontece. E quando se trata, como no caso supra, de um falso indício, que tende insinuar a ideia de incidentes pessoais precisos, esquecidos pelo comunicante, mas que, na realidade, nunca aconteceram, a coisa reveste-se ainda de maior importância, diante da sugestão, nesses casos, forte bastante para ser acolhida até mesmo por pessoas vivas e normais. O facto, em tal circunstância, de não se lembrar de coisas que não se deram, demonstra a presença de uma individualidade independente que, naturalmente, não deve ser outra senão a do defunto, que se diz presente.

Há ainda a observar a natural espontaneidade do diálogo. Já pela primeira exclamação: “Vós, em minha casa!”, Hodgson mostra claramente não se recordar que a Sra. James tenha ido vê-lo; já porque, não confiando demasiadamente na sua memória de Espírito comunicante, ele continua a questionar com certa perplexidade, como o teria feito, com a maior simplicidade, qualquer mortal. Sob o nosso ponto de vista, é evidente que, se se tratasse de “prosopopese-metagnomia”, a personalidade, neste caso mistificadora, teria imediatamente discernido a intenção da Sra. James, ao invés de procurar alcançá-la por meio do critério eliminatório.

Seguem-se dois incidentes análogos e interessantes que, pela preocupação de ser breve, exporei, aproveitando-me do excelente resumo feito por M. Sage, no trabalho por ele consagrado às experiências da Sra. Piper:

“Quando vivia no Estado de Ohio, o Sr. Robert Hyslop, pai do Prof. Hyslop, tinha por vizinho um certo Samuel Cooper. Os cães deste último mataram, certo dia, alguns carneiros de Robert Hyslop, o que provocou, entre ambos, uma desavença, que durou anos. Numa sessão, onde se manifestava uma entidade que dizia ser a de Robert Hyslop, o Dr. Hodgson, que substituía o Prof. Hyslop, fez àquele uma pergunta, que este último lhe havia enviado por escrito, pretendendo, por ela, chamar a atenção do pai sobre os incidentes da sua vida em Ohio. A pergunta era assim concebida: “Lembras-te de Samuel Cooper e a respeito poderias dizer-nos alguma coisa?” O comunicante respondeu: “James quer referir-se ao velho amigo que eu tive no Oeste. Recordo-me perfeitamente das visitas que mutuamente nos fazíamos, e das longas palestras em que nos entretínhamos sobre assuntos filosóficos.” Noutra sessão, onde o Dr. Hodgson ainda estava só, ele voltou ao assunto: “Eu tive um amigo chamado Cooper, cujo espírito apresentava uma feição muito filosófica; nutria por ele um grande respeito. Tivemos oportunidade de muitas vezes, como amigos, discutir; trocamos mesmo muitas cartas, algumas das quais guardei, que talvez possam ser ainda encontradas.” Noutro dia, estando então presente o Prof. Hyslop, o comunicante disse ainda: “Procurei lembrar-me da escola de Cooper.” E no dia imediato, mais uma vez tornou: “Tu me perguntaste, James, o que eu sabia de Cooper: pensaste, por acaso, que ele tivesse deixado de ser meu amigo? Havia guardado algumas das suas cartas, que julgava estivessem contigo.”

Em tudo isso o Prof. Hyslop não encontrava qualquer sinal de Samuel Cooper. Não sabia mesmo que pensar a respeito, quando, por uma pergunta directa, procurou conduzir o pai ao assunto que ele tinha em mente:

– Queria saber – disse ele – se te lembras dos cães que mataram os nossos carneiros.

– Oh, lembro-me perfeitamente, mas me havia esquecido. Foi a causa da desavença entre Samuel Cooper e eu. Mas eu não pensei nele, desde logo, porque não era dos meus parentes nem dos meus amigos. Se eu tivesse compreendido que era dele que querias falar, teria feito um esforço para me recordar. Ele está aqui, mas eu o distingo apenas vagamente.

Este episódio é interessante. Tudo o que Robert Hyslop havia dito até então relativamente a Cooper, nada se referia a Samuel, mas a um velho amigo seu, o Dr. Joseph Cooper. Robert Hyslop havia tido efectivamente com ele numerosas discussões filosóficas e comummente se correspondiam. O Prof. Hyslop talvez tivesse ouvido pronunciar o nome desse homem, mas ignorava completamente houvesse sido íntimo do seu pai. Foi a sua madrasta que lhe forneceu tais pormenores no decorrer das investigações que fez, junto dos seus, com o fim de esclarecer os incidentes das sessões, para ele obscuros. Nota-se que, como nós, os desencarnados são passíveis de se enganarem.

Vou passar, agora, ao incidente certamente mais dramático do caso. O Prof. Hyslop, lembrando-se que o seu pai dava o nome de “catarro” à sua última doença, enquanto que ele, James Hyslop, pensava tratar-se de um cancro da laringe, fez-lhe calculadamente uma pergunta para trazer à baila a palavra “catarro”. Para isso, serviu-se de um termo de que não temos o equivalente, tendo, ao mesmo tempo, dois sentidos, o que impede traduzir a pergunta à letra. Efectivamente a palavra trouble tanto pode significar aflição física como mal-entendido. Deu isso lugar a um curioso equívoco da parte do comunicante, equívoco que a hipótese da telepatia dificilmente poderá explicar. Este, denotando grande espanto, disse:  

– Eu não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, qualquer mal-entendido; se me não falha a memória, tivemos sempre um pelo outro viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido, certamente, com outra pessoa.

– Compreendeste mal, meu pai; quero referir-me à doença.

– Ah! então bem, isso sim; eu sofria do estômago.

– Não sofrias, por acaso, de outra coisa?

– Sim, do estômago, do fígado e da cabeça. Tinha grande dificuldade de respirar; o meu coração, James, o meu coração me fazia sofrer bastante. Não te recordas com que dificuldade eu respirava? Creio, mesmo, que era o meu coração o que mais me fazia sofrer; o coração e os pulmões. Tinha a impressão de que alguma coisa me constringia o peito e me sufocava. mas, por fim... adormeci.

Um pouco depois acrescentou:

– Sabes que a última coisa de que me lembro foi de te ouvir falar: Foste o último a falar. Recordo-me perfeitamente de haver visto o teu rosto, mas estava já demasiado fraco para poder dizer alguma coisa.

Este diálogo desconcertou o Prof. Hyslop, que viu baldados todos os esforços no sentido de obter do pai o nome da doença, que este julgava ter nos últimos tempos de vida. Só um pouco mais tarde, ao redigir a acta da sessão, foi que notou haver o pai descrito, em termos muito seus, as suas últimas horas de vida. O médico havia constatado uma dor no estômago, às 7 horas da manhã; às 9:30 o bater do coração tornou-se menos sensível; pouco depois, a dificuldade de respirar era enorme e o moribundo expirava. Cerrando-lhe os olhos, o filho, James Hyslop, disse: “Tudo está acabado”. Foi o último a falar. Este incidente parece indicar que a consciência nos moribundos dura muito mais tempo do que, em geral, se pensa.” (M. Sage – Mme. Piper, etc., págs. 201-295.)

É de notar que, neste último caso, além dos episódios onde o comunicante se engana na interpretação das perguntas que lhe são feitas, respondendo de acordo – atitude inexplicável pela hipótese da “prosopopese-metagnomia” –, um se apresenta, análogo ao precedentemente citado, em que o comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas; levado por estas a supor que se não pode lembrar dos acontecimentos importantes de sua vida, sente-se tão senhor de si mesmo, que recusa admitir esse esquecimento. Com efeito, o comunicante Robert Hyslop, tendo-se equivocado sobre a significação de uma palavra e crendo que o seu filho fizesse alusão a um mal-entendido ocorrido entre ambos, diz com verdadeira surpresa: “Não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, o menor mal-entendido. Se me não falha a memória, sempre tivemos, um pelo outro, a mais viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido certamente com outra pessoa.” A espontaneidade eloquente dessa linguagem a ninguém deixará de impressionar, assim como a importância teórica de episódios semelhantes, somente explicáveis com o auxílio da hipótese espírita.

Neste outro exemplo, de que nos vamos ocupar, a inaplicabilidade da hipótese da “prosopopese-metagnomia” ressalta do facto de a personalidade do comunicante chegar às últimas particularidades de que se lembra, sobre o leito de morte, e que coincidem com alguns dos seus movimentos, indicando a própria consciência, sem invadir o campo das recordações complementares, presentes no pensamento do interlocutor, recordações efectivamente pouco conciliáveis com as condições comatosas em que se encontrava o moribundo.

Numa sessão muito interessante, onde a entidade comunicante era a finada esposa do professor Hyslop, ela disse, dirigindo-se ao marido:

“Lembras-te da noite anterior à minha morte? Estavas sentado comigo, ou antes, perto de mim; mas, a não ser disso, de bem pouco mais me recordo.

– Lembro-me perfeitamente, Maria.

– E tu tomaste a minha mão; não foi?

– Sim, exactamente.

– E eu me recordo, ao contrário, de muito pouca coisa.

(Não tendo sido esta última frase enunciada claramente, Rector explica que ela queria dizer que se lembrava muito pouco do incidente e que ele se devia recordar melhor.)”

Prof. Hyslop comenta:

“A minha mulher piorara na manhã de sexta-feira. Havia passado ao estado de inconsciência (dentro do que era possível presumir) na noite de quarta-feira, às 11 horas, e assim permaneceu, pelo menos aparentemente, até à morte. Na tarde de quinta-feira, se não me engano (o que não é provável, por haver de tudo tomado nota logo após o falecimento), encontrando-me à sua cabeceira, tomei-lhe a mão e fiquei surpreendido de constatar que, se eu fazia determinado sinal, ela demonstrava dele ter consciência, de modo evidente... Para não diminuir o valor de ulteriores alusões, da parte dela, e ainda possíveis, sobre esse incidente, abstenho-me de dizer como me conduzi nessa ocasião. Basta se saiba, por enquanto, que o conteúdo da mensagem é exacto, parecendo apenas, como é provável e natural, que ela se lembra de bem pouca coisa além dos pormenores comunicados... Nestas condições, como poderia a telepatia chegar a circunscrever os limites do estado de coma, em que se encontrava a suposta comunicante, ao ponto de saber distinguir os detalhes conciliáveis com as condições em que se encontrava, daqueles que só por mim podiam ter sido apreendidos? Por que não fornecer os outros pormenores complementares? Por que parar tão oportunamente?” (American Proceedings of the S.P.R.; vol. IV, pág. 545.)

De facto, se pensarmos que os detalhes complementares estavam presentes no espírito do consultante, nem mais nem menos que os outros observados, não poderíamos compreender o mistério de uma selecção tão sábia da parte da... “prosopopese-metagnomia”.

Longa já vai a lista dos exemplos que opus às malfadadas hipóteses aqui combatidas; resumirei, portanto, mais dois apenas.

Nas sessões experimentais da Srta. Macleod, uma irmã desta, de nome Etta, manifestou-se quando ainda viva e atormentada pelo mal que a devia levar ao túmulo, julgava ela sofrer de uma doença do estômago; as demais pessoas da família sabiam, entretanto, tratar-se de uma doença do coração. Ora, na mensagem medianímica, ela, entre outras, faz alusão à causa da sua morte, atribuindo-a a uma doença do estômago. (Proceedings of the s.P.R., vol. XIII, pág. 351.)

Como conciliar esse género de erros com a hipótese da “prosopopese-metagnomia”? A Srta. Macleod conhecia a verdade, os familiares ausentes também a não ignoravam; nem a metagnomia com os presentes nem com os ausentes, bastaria para elucidar o incidente.

Difícil ainda seria harmonizar a “prosopopese-metagnomia” com este outro incidente. No admirável caso de identificação dos gémeos do casal Thaw, o “Espírito-guia” Phinuit, que afirmava os estar a ver exactamente como se apresentavam em vida, equivocou-se, julgando fosse um menino a menina Ruthy; ora, enquanto eles vivos, toda a gente que via a menina Ruthy tomava-a por um menino. (Proceedings, vol. XIII, pág. 384.)

A confissão feita por Phinuit não precisa ser comentada, desde que tomemos à letra a sua própria afirmação de estar a ver os gémeos, exactamente como eram em vida; mas nada se explicaria, ao contrário, pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia”, se considerarmos que os pais, presentes, conheciam bem o sexo da filhinha e deveriam, por conseguinte, ter telepaticamente influído sobre Phinuit.

Antes de nos despedirmos dos casos que se relacionam com a medianimidade da Sra. Piper, convém abordar um outro facto negativo, sobrevindo nas experiências com essa médium. Sudre a ele liga grande importância, encarando-o como prova decisiva, em apoio da sua tese. Mal se concebe não tenha percebido que, embora negativo, desastroso é ele para as hipóteses da “prosopopese-metagnomia”.

A personalidade medianímica, que afirmava ser o Espírito de Myers, não conseguiu revelar o conteúdo de um invólucro lacrado, pelo eminente psiquista deixado antes de morrer, a fim de poder, depois de morto, provar, medianimicamente, a própria identidade. Daquilo que, sob o ponto de vista espírita, pode ser facilmente explicado, com o auxílio das considerações feitas pelo Prof. Hyslop, relativamente às interferências perturbadoras que se produzem no acto da comunicação, não nos ocuparemos por enquanto. O que urge deixar bem claro é que, depois de diversas tentativas, os directores da Society for Psychical Research, depositários do invólucro, decidiram abri-lo e tomar conhecimento do seu conteúdo. Se a medianimidade da Sra. Piper consistisse realmente numa forma de metagnomia combinada com a prosopopese, deveria ela ter desalojado o famoso segredo, ao menos de uma das subconsciências que então já o possuíam, e isso com tanto maior razão, quanto os detentores do segredo se encontravam habitualmente presentes nas sessões realizadas posteriormente. Não obstante, nada foi revelado.

O mesmo se pode dizer do caso do Sr. Blodgett, e este com a circunstância notável de, constatado o insucesso e aberto o invólucro, continuar ele as sessões com o fim deliberado de, ainda que demasiado tarde, obter qualquer manifestação a respeito. Renovaram-se as tentativas também da parte da personalidade comunicante, ou da médium em transe, se preferirem, para a revelação do conteúdo já conhecido do Sr. Blodgett e do Prof. W. James, mas tudo resultou também inútil.

Como vimos, mesmo nos dois últimos casos com a Sra. Piper, em que as circunstâncias eram em extremo favoráveis, não conseguiu essa médium captar telepaticamente o pensamento consciente ou subconsciente dos assistentes ou dos ausentes. Quer isto dizer que nos casos com a Sra. Piper a hipótese da “prosopopese-metagnomia” foi ainda uma vez rebatida pelos factos, que se encarregaram de demonstrar que os incidentes de identificação pessoal de defuntos, que se produziram por intermédio dessa médium, devem ser considerados como autenticamente espíritas.

Ainda uma observação. Os casos acima, que na sua totalidade representam variadas formas de manifestações inexplicáveis por qualquer uma das hipóteses naturalistas, oferecem-nos o ensejo de formular uma conclusão de ordem geral, mas de excepcional valor teórico a que cheguei, isto é, que a repulsa que se verifica no campo dos metapsiquistas puros pela explicação espírita dos casos de identificação dos mortos deve ser atribuída, principalmente, à circunstância de ali estarem sinceramente convencidos de que o simples facto da existência da metagnomia (ou clarividência ou criptestesia, se mais preferem) torna supérflua a hipótese espírita, por poderem explicar cientificamente todos os casos dessa natureza por meio das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana. Mas absolutamente assim não é. Aquela opinião, fruto de uma análise superficial dos factos, não passa de um preconceito deplorável, de um erro evidente, que precisa ser combatido com energia, se quisermos que as investigações metapsíquicas enveredem pela senda de uma orientação menos partidária.

Vimos, com efeito, que em todas as circunstâncias análogas às que tive ocasião de citar, de casos de identificação pessoal de mortos, os mesmos não são absolutamente explicáveis pela metagnomia. Vimos, ao mesmo tempo, que nas circunstâncias acima referidas se podem facilmente discernir os casos autenticamente espíritas dos que o não são, ou mais precisamente, dos que não apresentam suficientes garantias nesse sentido.

Longe, portanto, de concordarmos que graças a “prosopopese-metagnomia” se conseguem explicar os casos de identificação de mortos, deveremos concluir que todos os casos de identificação de mortos, com episódios análogos aos que por mim foram aqui citados, devem ser considerados autenticamente espíritas, como experimentalmente têm sido demonstrados.

Aqueles que sustentam o contrário precisam justificar as suas opiniões, refutando, com argumentos, os argumentos por nós até aqui expostos, e também os que se vão seguir.

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(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto ao leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); II – A propósito da mediunidade da Sra. Piper, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)