Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 30 de junho de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


Princípios da Terapêutica Espírita

Podemos enunciar o primeiro princípio da terapêutica espírita da seguinte maneira:

1) A cura das doenças depende da acção natural das energias conjugadas do homem e da terra (psicológicas e mesológicas), na reconstituição do equilíbrio das energias naturais do doente.

Os demais princípios podem ser definidos na sequência abaixo:

2) A renovação de energias depende da acção conjugada dos espíritos terapeutas com o médium curador, que se põe à disposição dos espíritos para a transmissão dos fluidos energéticos através da prece e do passe.

3) A eficácia do passe depende da boa-vontade do médium, que se entrega humildemente à acção dos espíritos, sem perturbá-la com gesticulações excessivas, limitando-se às que os espíritos lhe sugerirem no momento. Não temos nenhum conhecimento objectivo do processo de manipulação dos fluidos pelos espíritos e poderíamos perturbar-lhes a acção curadora com nossa intervenção pretensiosa. O médium é instrumento vivo e inteligente da acção espiritual, mas só deve utilizar a sua inteligência para compreender o seu papel de doador de fluidos, como se passa no caso da doação de sangue nos hospitais.

4) A acção curadora dos espíritos não é mágica nem milagrosa; está sujeita a leis naturais que regem a estrutura psicobiológica do homem. A emissão de ectoplasma do corpo do médium para o corpo do doente revela-se actualmente, nas pesquisas russas, como emissão de plasma físico acompanhado de elementos orgânicos. As famosas pesquisas da Universidade de Kirov, na URSS, comprovaram e confirmaram as pesquisas de Richet, Schrenk-Notzing, Gustave Geley e Eugéne Osty, no século XIX, sobre a acção do plasma físico (quarto estado da matéria) nos efeitos físicos da mediunidade. Na teoria do perispírito, Kardec já havia também, com grande antecedência, constatado a importância da relação espírito-matéria nesses processos.

5) Nos casos de cura à distância, sem a presença do médium, a eficácia depende das condições psicofísicas do doente, que permitem a colaboração do seu próprio organismo nas elaborações fluídicas do plasma, em conjugação com as energias espirituais dos espíritos terapeutas. Kardec considerava o perispírito como organismo semimaterial. Frederic Myers estudou a actividade da mente supraliminar (consciente) e subliminar (inconsciente) em todos esses processos então considerados como misteriosos.

6) As chamadas operações espirituais (hoje paranormais) podem realizar-se por intervenção física do médium, dominado pelo espírito que dele se serve por influenciação mediúnica no transe hipnótico. Mas a simples acção mental do médium pode produzir efeitos físicos no paciente, como Rhine provou nas suas experiências com animais. Rhine resumiu os resultados de suas pesquisas no seguinte princípio: “A mente, que não é física, age por vias não físicas sobre a matéria.” Soal, Carington e outros verificaram que as actividades internas do organismo animal e humano (funções vegetativas e correlatas) são controladas por acção mental sobre o sistema nervoso, vascular e muscular. A teoria do dinamismo psíquico inconsciente de Geley se desenvolve nesse mesmo sentido.

O mistério teológico da encarnação transformou-se actualmente numa questão científica universalmente pesquisada nos maiores centros universitários do planeta. A terapia espírita está hoje respaldada pelas mais recentes e avançadas descobertas científicas. Os que pretendem rejeitá-la com argumentos se esquecem de que os problemas da ciência só podem ser resolvidos por meio de pesquisas e provas. Maldições e anátemas desvalorizaram-se totalmente num processo inflacionário de dois milénios. Não era sem razão a luta cruenta da Igreja contra o desenvolvimento científico. Ela se defendeu ferozmente do atrevimento dos cientistas porque agia sob a compulsão violenta do instinto de conservação. Mas a favor da ciência estavam as leis irresistíveis da evolução. A era científica nasceu ensanguentada dos calabouços medievais em que os mártires do progresso sofriam nas mãos dos inquisidores, à espera das fogueiras divinas em que seriam purificados. A Ciência avançou, apesar de tudo, derrotando os terroristas da magia negra, da antiga e temível Goécia que os próprios clérigos empregavam em suas lutas de política intestina. Coube ao coronel Albert de Rochas, director do Instituto Politécnico de Paris, pesquisar em laboratório os possíveis efeitos da magia negra, demonstrando o engano dos que a consideravam dotada de poder diabólico. O desprestígio da superstição permitiu aos médiuns, hoje chamados sujeitos paranormais (nem anormais, nem patológicos, nem diabólicos), transformarem-se nos instrumentos humanos da investigação científica das potencialidades da criatura humana. Actualmente a própria Igreja dispõe de organismos de pesquisa dos fenómenos que antes considerava como estigmas infamantes da maldição divina.

Quando a Academia de França reconheceu a realidade do magnetismo e seu interesse científico, mas mudando-lhe o nome para hipnotismo, Kardec escreveu um artigo sobre o facto na Revista Espírita, lembrando que o magnetismo cansara de bater à porta da Academia, sendo sempre enxotado. Por fim resolvera mudar de nome e entrar na casa pela porta dos fundos, sendo então recebido e aclamado pelos cientistas. O mesmo acontece agora com o Espiritismo, que, sendo baptizado na universidade de Duke com o nome de Parapsicologia, teve entrada franca e entusiástica na URSS e no Vaticano. Na verdade, a Parapsicologia, com roupa nova, linguagem grega e seguindo as pegadas de Kardec, para atingir os seus mesmos objectivos, nada ofereceu de novo ao mundo actual além de sua roupagem tecnológica. Prestou, assim mesmo, um grande serviço ao mundo materialão, conseguindo despertar-lhe o interesse pelos problemas espirituais. Os materialistas e os religiosos formalistas tinham medo dos espíritos. Rhine conseguiu mostrar-lhes, por meios estatísticos, que todos somos espíritos. O medo se foi e com ele a ilusão da matéria desfeita na poeira atómica da Nova Física.
/…


José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, 2 Princípios da Terapêutica Espírita 2 de 2, 7º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Narrações do Infinito~



LÚMEN

Segunda narrativa – I

Refluum temporis
(a
maré
vazante
do
tempo)
…/


   Quœrens – Tive também a ideia de que podia ser assim. Mas, não vos foi fácil ter a certeza do acontecimento e constatar se tratava da Terra, ou se outro astro se achava sob vossa vista, examinando a respectiva posição astronómica?

   Lúmen – Foi o que fiz sem demora, e tal exame me confirmou a minha ideia. O astro onde acabava de aperceber quatro factos análogos a outros tantos acontecimentos terrestres, porém inversos, não me pareceu estar na mesma posição primitiva. A pequena constelação do Altar não existia mais e desse lado onde vos recordais me aparecera a Terra no meu primeiro episódio havia um polígono irregular de estrelas desconhecidas. Fiquei, assim, na persuasão de que não era a nossa Terra sob o meu olhar; a dúvida não me foi mais possível e persuadi-me de haver por terreno de observação um mundo muito mais curioso, de vez que não era a Terra, e sua história parecia representar, em ordem inversa, a história do nosso mundo.

   Alguns acontecimentos, é verdade, não me pareceram ter o respectivo correspondente na Terra; mas, em geral, a coincidência foi muito notável, tanto mais quanto meu desapreço aos falsos instituidores da guerra me havia feito esperar que tal burlesca e desalmada loucura não existisse em outros mundos e que, ao contrário, a maior parte dos sucessos por mim testemunhados eram ainda combates ou preparativos.

   Depois de uma batalha que me pareceu muito semelhante à de Waterloo, vi a das Pirâmides. Um sósia de Napoleão imperador se tornara Primeiro Cônsul e vi a Revolução suceder ao Consulado. Algum tempo decorrido, notei a praça do castelo de Versalhes repleta de carruagens de luto e, em um atalho aberto de Ville-d'Avray, reconheci o lento caminhar do botânico João Jaques Rousseau, o qual, sem dúvida, nesse momento filosofava sobre a morte de Luís XV. O acontecimento que mais feriu minha atenção foi, em seguida, uma das festas de gala do começo do reino de Luís XV, dignas sucessoras das da Regência, nas quais o Erário da França escorria em pérolas de água por entre os dedos de três ou quatro cortesãs adoradas. Vi Voltaire, em gorro de algodão, em seu parque de Ferney, e mais tarde Bossuet passeando no pequeno terraço do seu palácio episcopal de Meaux, não distante da colina cortada em nossos dias pela via-férrea, mas não distingui o menor traço desta indústria. Nessa mesma sucessão de acontecimentos, via os caminhos repletos de carros-diligência, e sobre os mares vastos navios de vela. O vapor havia desaparecido, com todas as usinas que move em nossos dias. O telégrafo estava aniquilado e bem assim todas as aplicações da electricidade. Os balões, que se tinham mostrado de tempos a tempos em meu campo de observação se haviam perdido e o último que eu vira fora o globo informe aerizado em Annonay, pelos irmãos Montgolfier, em presença dos Estados-Gerais. A face do mundo estava transformada. Paris, Lião, Marselha, o Havre, Versalhes notadamente, estavam irreconhecíveis. Aquelas primeiras haviam perdido seu imenso movimento; a última tinha ganhado um brilho incomparável. Eu me havia formado uma ideia incompleta do esplendor realengo das festas de Versalhes; estava agora satisfeito por assistir a uma, e não foi sem interesse que reconheci Luís XV, em pessoa, no esplêndido terraço do Oeste, rodeado de mil senhores enfitados. Era de tarde; os derradeiros fulgores de um ardente Sol se reverberavam na fachada palaciana e casais galantes desciam gravemente os degraus da escadaria de mármore, ou se inclinavam rumo das alamedas silenciosas e sombrias. Minha vista se limitava de preferência sobre a França, ou pelo menos na região do mundo desconhecido que me representava a França, porque é agradável estar longe, bastante longe da sua pátria, e nela sonhar sempre, deixando que, a cada vez, a ela retorne o pensamento com júbilo. Não creiais que as almas desencarnadas sejam desdenhosas, indiferentes, libertas de toda recordação; teríamos assim bem triste existência. Não. Guardamos a faculdade de nos recordar, e nosso coração não se absorve na vida do Espírito. Foi, pois, com um sentimento de júbilo íntimo (do qual vos deixo a apreciação) que revi toda a História da nossa França desenrolar-se, qual se as fases se houvessem positivado em uma ordem inversa. Depois da unificação do povo, vi a soberania de um potentado. Após isso, a feudalidade dos príncipes Mazarin, Richelieu, Luís XIII e Henrique IV apareceram-me em Saint-Germain. Os Bourbons e os Guises recomeçaram para mim as suas escaramuças; acreditei distinguir a matança de São Bartolomeu.

   Alguns factos particulares da história de nossas províncias reapareceram, tal, por exemplo, uma cena de diabruras de Chaumont, que tive ocasião de observar diante da igreja de S. João, e o massacre dos Protestantes em Vassy. Comédia humana! muitas vezes tragédia! Subitamente, vi erigir-se no Espaço o cometa magnífico, em forma de sabre, de 1577. Em um plano brilhantemente adornado, divisei Francisco I e Carlos V saudando-se. Luís XI me apareceu sobre um terraço da Bastilha, acompanhado das suas duas sombras pandilheiras. Mais tarde, meus olhos, voltando-se para uma praça de Ruão, distinguiram forte fumarada e chamas; no meio delas, consumia-se o corpo de Joana d'Arc, a virgem de Orleães.

   Na persuasão de que esse mundo era a exacta contra-partida da Terra, eu adivinhava de antemão os acontecimentos que ia ver. Assim, quando, depois de haver avistado S. Luís, que morria sobre cinzas perto de Tunis, assisti à oitava cruzada, depois à terceira (onde reconheci Frederico Barbaroxa, com a sua barba), e ainda à primeira (na qual Pedro, o Eremita, e Godofredo me recordaram o Tasso), senti medíocre admiração. Desejei, em seguida, ver, sucessivamente, Hugo Capeto encabeçar uma procissão em pluvial de oficiante; o concílio de Tauriacum decidir que o julgamento de Deus vai pronunciar-se na batalha de Fontanet, e Carlos, o Calvo, fazer massacrar 100.000 homens e toda a nobreza Merovíngia; Carlos Magno coroado em Roma, a guerra contra os Saxões e Lombardos; Carlo Martel martelando os sarracenos; o rei Dagoberto fazendo edificar a abadia de Saint-Denis, de igual modo que vi o papa Alexandre III colocar a primeira pedra de Notre Dame; Brunehaut (ou Brunhilde) arrastado, nu, pelas ruas, preso a um cavalo; os Visigodos, os Vândalos, os Ostrogodos, Clóvis, Meroveu (ou Merowig), aparecer no país dos Salienos – em uma palavra, as origens mesmas da história de França, desenrolando-se em sentido retrospectivo da sua sucessão –, foi efectivamente o que ocorreu. Muitas questões históricas de grande importância, que haviam permanecido obscuras até então, foram tornadas visíveis para mim. Assim, constatei, entre outras, que os franceses são originários da margem direita do Reno e que os alemães nenhuma razão têm para disputar esse rio e principalmente a margem esquerda.

   Existia em verdade, para mim, um interesse maior – que eu não saberia expressar – em assistir às particularidades de acontecimentos dos quais possuía vaga ideia formada através dos ecos não raro enganadores da História, e de visitar países transformados desde muito tempo. A vasta e brilhante capital da civilização moderna havia rapidamente envelhecido ao nível das cidades ordinárias, embora bastilhada de torres ameadas. Admirei alternativamente a bela cidade do século XV, os tipos curiosos da sua arquitectura, a célebre torre de Nesle; os vastos mosteiros de Saint-Germain-des-Prés. Lá, onde flore agora o jardim da Torre Saint-Jacques, reconheci o pátio sombrio do alquimista Nicolau Flamel. Os telhados redondos e pontudos ofereciam o aspecto bizarro de cogumelos nas bordas de um rio. Depois, essa aparência feudal havia desaparecido, para abrir lugar a um pesado castelo erguido no meio do Sena, rodeado de algumas choupanas, e, enfim, a uma verdadeira planície onde se distinguiam apenas algumas choças de selvagens. Paris não existia mais, e o Sena rolava suas águas silenciosas por entre ervas e salgueiros. Ao mesmo tempo, salientei que dessa civilização o foco se havia deslocado e descido rumo ao Sul. Devo confessar-vos, meu amigo, em circunstância alguma experimentou minha alma um sentimento assim de tão vivo júbilo, quanto no momento em que me foi dado ver a Roma dos Césares em seu esplendor. Era um dia de triunfo e, sem dúvida, sob os principados sírios, pois, no meio das magnificências exteriores, de carros luzidos, de auriflamas de púrpura, duma assembleia de damas elegantes e de ministros de ribalta, distingui um imperador molemente estendido em amplo e dourado carro, inteiramente vestido de seda clara e coberta de pedrarias, de ornamentos de ouro e prata refulgindo sob o Sol de meio-dia. Só poderia ser Heliogábalo, o sacerdote do Sol. O Coliseu, o templo de Antino, os arcos de triunfo e a coluna Trajano estavam erguidos, e Roma se encontrava em toda a sua beleza arqueológica, derradeira beleza que era apenas uma cena de teatro para coroados. Algo mais tarde, assisti à grandiosa erupção do Vesúvio, que sepultou Herculano e Pompéia.

   Por um momento vi Roma em chamas e, embora não haja podido destacar Nero no seu terraço, persuadi-me de que tinha sob meu olhar o incêndio do ano de 64 e o sinal das perseguições cristãs. Algumas horas decorridas, minha atenção estava presa em examinar os vastos jardins de Tibério, em Capreia (hoje Capri), e acabava de ver esse imperador chegar perto do tabuleiro de rosas, rodeado de um grupo de mulheres nuas, quando, em consequência da rotação da Terra, a Judéia veio colocar-se sob minhas vistas, que adivinharam imediatamente Jerusalém. Jesus, carregando sua pesada cruz, subia custosamente a colina do Gólgota, escoltado por uma tropa de soldados e seguido pela populaça de judeus. Esse espectáculo é um daqueles que jamais esquecerei. Foi para mim bem diferente do que para os assistentes de então, pois a glória futura (e contudo passada) da Igreja cristã se desenrolava, a meu ver, no nível de uma coroação do divino sacrifício... Não insisto; compreendeis quais os diversos sentimentos que agitaram minha alma nesta observação suprema...

   Revindo mais tarde rumo a Roma, reconheci Júlio César estendido sobre a sua pira, tendo à cabeceira António, cuja mão esquerda segurava, creio, um rolo de papiro. Os conjurados desciam apressadamente às bordas do Tibre. Remontando, por legítima curiosidade, à vida de Júlio César, eu o reencontrei com Vercingétorix no meio dos Gauleses, e pude constatar que de todas as hipóteses dos nossos contemporâneos a respeito de Alésia, nenhuma acerta com o lugar verdadeiro, atendendo-se a que essa fortaleza estava situado sobre...
/…


CAMILLE FLAMMARION, Narrações do Infinito, LÚMEN Segunda narrativa – I (2 de 3) fragmento global 12º (C. Flammarion faz falar uma alma liberta dos vínculos corporais, a que ele denominou Lúmen)
(imagem: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Seres Radiantes do espaço ~


Capítulo I

Vivemos numa época notável na História do mundo. O universo desconhecido e invisível levanta, lentamente, os véus que nos ocultavam os seus maiores segredos.

Forças de uma potência incalculável foram reveladas, e o homem, com sucesso crescente, trabalha para a sua aplicação.

Citemos, inicialmente, a electricidade. Há meio século, ela era ainda uma curiosidade científica, como cita o general Ferrié em artigo reproduzido em várias revistas. E, eis que ela se tornou um dos elementos essenciais do progresso e não saberíamos mais viver sem ela, sob as formas diversas que apresenta no seu uso industrial e nas mil necessidades da vida diária: corrente contínua, corrente alternada, electricidade estática, ondas hertzianas, raios catódicos, etc.

O general Ferrié enumera os diversos modos de transmissão do pensamento humano através do Espaço; a telegrafia com fio chegou, com o auxílio dos aparelhos Baudot, a transmitir 10.000 palavras em uma hora e por linha. Os cabos submarinos, que transmitem 100.000 palavras por dia, vão aumentar o seu consumo, por processos novos, de tal modo que as tarifas poderão ser bastante diminuídas.

Da telefonia com fio, que permite comunicar a 6.000 km de distância, passemos aos procedimentos sem fio. Neste campo já se pode dizer que a França é, actualmente, a maior potência do mundo dotada de postos de T.S.F. O de Croix-d’Hinx, próximo de Bordeaux, é chamado de Estação Lafayette e pode ser ouvido de todos os pontos do globo. Logo será ultrapassado pelo de Sainte-Assise em vias de acabamento.

No momento, estuda-se o meio de transmitir por T.S.F. desenhos fotografados, escritas, isto é, cartas inteiras, com os documentos anexados.

A electricidade das ondas hertzianas nos reserva outras surpresas. E, entretanto, conclui o general Ferrié, apesar de todas as pesquisas e de nossos trabalhos, ignoramos ainda a verdadeira natureza dessa força maravilhosa, facto este constatado várias vezes por homens de valor.

No decorrer de palestras espiritualistas e, sobretudo, no final de certas palestras contraditórias, várias vezes apresentaram-me essa questão: “O que é a energia nas formas diversas sobre as quais ela actua e que se nos tornaram familiares?” Graças aos ensinos de nossos guias espirituais, estamos em condição de responder: “A energia decorre dessa corrente imensa de forças que percorre o Espaço, regula a marcha dos astros e alimenta a vida de todos os seres nos planetas”.

A electricidade, as ondas hertzianas e todas as forças radiantes, cuja existência constatamos hoje, são apenas emanações derivadas, e poderíamos até dizer parcelas, dessa poderosa corrente de força e de vida que anima o Universo e cuja fonte está em Deus.

A energia ou movimento representa a acção mais sensível do ser universal, no tempo e no Espaço. Deus é a fonte da vida e a vida se manifesta pelo movimento.

Duração, Espaço e Movimento formam, na sua reunião, a unidade que se manifesta: Deus!
/…


Léon Denis, O Espiritismo e as Forças Radiantes, Capítulo I, 1 de 3, 1º fragmento da obra.
(imagem: Ascensão de Cristo, pintura de Salvador Dali, 1958)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

O Espiritismo na Arte~


Parte III

Senso artístico
– Constituição e evolução
|Março de 1922|

Em que consiste o senso artístico?

O estudo atento da alma nos mostra que tudo na natureza – os sons, os perfumes, os raios de luz, as cores – encontra em nós suas correspondências, suas analogias, e que suas radiações se fundem e se harmonizam às profundezas do ser, na medida da nossa evolução. É isso o que constitui o senso artístico, a compreensão do belo sob todas as formas.

A evolução desse senso íntimo, a faculdade de expressá-lo, desenvolvem-se nas almas de vidas em vidas e terminam por produzir o talento, o génio. Nos aspectos superiores da arte, o artista encontra a alta concepção da beleza eterna; ele compreende que sua fonte única está em Deus. Do infinito, essa fonte se lança sobre todos os seres e os penetra de acordo com o seu grau de receptividade.

Raios de luz e cores, sons e perfumes, estão ligados por um encadeamento, uma espécie de escala da qual cada nota representa uma soma particular de vibrações e que constituem, em seu conjunto, uma unidade perfeita. Se a ela se juntam as formas e as linhas, essa unidade se tornará a lei geral do belo, e a arte, em suas múltiplas manifestações, terá por objectivo reproduzi-las.

O estudo da arte e suas realizações nos impregnam, pouco a pouco, de esplendores do Universo. Inicialmente insensível e inconsciente no homem primitivo, esse trabalho acaba consciente, acentua-se, revela-se sob formas crescentes para se tornar como que um reflexo da suprema beleza.

Porém, sobre a Terra, a arte ainda é apenas um balbucio. Nos outros mundos, e principalmente no espaço, dizem-nos os nossos guias, ela produz maravilhas perto das quais as mais belas obras humanas pareceriam bem pobres e quase infantis. Chegada a essas alturas, a arte torna-se a forma mais sublime do culto prestado à divindade.

Até aqui o artista se inspirou nas coisas do mundo visível ou tangível; dele ouviu as vozes, as harmonias; estudou-lhe as formas, as cores e com elas conseguiu impregnar suas obras. Assim, o artista criou uma comunhão mais íntima entre o homem e a natureza. Graças a ele, as coisas obscuras e mudas tomaram uma alma e suas vagas aspirações, suas queixas, suas dores encontraram expressões que, tornando-as mais vivas, as aproximavam de nós, ao mesmo tempo em que a alma humana tornava-se mais sensível ao contacto da vida exterior.

Assim, a arte entregou à vida do globo o sentido profundo que lhe faltava. Por meio da arte, as forças cegas da natureza penetraram em nós e adquiriram como que um reflexo da nossa consciência e dos nossos sentimentos. A alma humana foi em direcção às coisas e sua influência lhes deu um modo mais intenso de vida e de sensações; por intermédio dessa comunhão a alma da Terra se elevou ao conhecimento de si mesma, de seu papel e de seu grande destino.

Agora, como se pode ver pelas lições de o Esteta, é todo um outro mundo que se abre, é toda uma vida ignorada que surge, mais rica, mais abundante, mais variada do que tudo o que conhecemos até aqui, e a arte vai encontrar nesse meio desconhecido de fontes inesgotáveis de inspiração e de poesia, formas insuspeitáveis do pensamento e da vida.

Desde agora, o domínio da matéria subtil e dos fluidos foi aberto, revelando-se sob aspectos prestigiosos, oferecendo ao homem meios de estudo e de observação que estendem ao infinito o campo de suas pesquisas e de seus conhecimentos científicos. As aparições de espíritos nos acostumaram com todas essas formas de existência extraterrestre, desde as materializações mais densas e mais grosseiras, até às manifestações da mais ideal e mais radiosa vida.

Em nossas conversas regulares com os espíritos-guias, obtemos indicações sobre a vida no espaço, sobre a grandiosidade de formas e de cores, sobre suas suaves e poderosas harmonias, que abrem ao músico, ao pintor, ao escultor, caminhos múltiplos e inexplorados.

Aqueles que possuem faculdades medianímicas irão percebê-los directamente e, com eles, todos os recursos da arte serão enriquecidos. O vasto mundo dos espíritos torna-se acessível aos nossos sentidos, pelos espectáculos e ensinamentos que ele nos reserva. As forças intelectuais da humanidade serão centuplicadas, seu génio artístico criará obras que superarão tudo o que os séculos realizaram.
/…


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte III – Senso artístico: constituição e evolução, 10º fragmento da obra
(imagem: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

domingo, 24 de junho de 2012

~~~Párias em Redenção~~~


ASCENSÃO CRIMINOSA E GLÓRIA AMARGA ~

   Transcorrido um ano após o assassínio de Assunta, Dom Girólamo foi assaltado por inesperado pavor. Apareceu-lhe em palácio um irmão da jovem, que vinha em nome da família inteirar-se da vida e da razão do seu demorado silêncio…

   Receando que o visitante estivesse, por acaso, informado de qualquer dado que o pudesse conduzir à verdade, sondou-lhe com toda a habilidade o íntimo, certificando-se de que podia continuar em tranquilidade. Senhor, da situação, apresentou uma estória, que já havia engendrado desde anteriormente, pressupondo qualquer circunstância, e explicou que, na ocasião em que estivera em Florença, a jovem lhe aparecera, dizendo-se cientificada da sua presença na cidade. Informou-lhe necessitar de recursos para se evadir da Toscana. Confessou-lhe pertencer a um jovem que então se encontrava em Génova, preparando-se para seguir ao estrangeiro, e que lhe enviava um mensageiro para consultá-la e levá-la ao seu encontro… Apiedado da moça, aduziu, por quem nutria sentimentos de afeição, em homenagem à sua tia Ângela, não tergiversara em auxiliá-la devidamente, não possuindo, desde a ocasião, qualquer notícia com a qual pudesse ajudar.

   Arengou mais algumas palavras de consolação e ofereceu-lhe o palácio para o necessário repouso da viagem… O visitante, porém, humilde, agradeceu e, comovido, penalizado com a situação da irmã, informou que retornaria incontinente aos seus sítios.

   Fingindo-se sensibilizado pelo destino da moça, ofereceu-lhe pequena bolsa em moedas de prata, pedindo fosse encaminhada à sua mãe, como homenagem pessoal…

   No seu conceito, o dinheiro fora feito para subornar, apagar razões, comprar consciências e silêncios… Facilmente, as moedas mudavam qualquer panorama, segundo pensava, abrindo portas seladas e alargando estradas abruptamente interrompidas. No seu espírito mórbido, somente havia raciocínio para a dissimulação e a iniquidade.

   Evadindo-se de Florença após o assassínio, Girólamo buscara Siena para homiziar-se longe das suspeitas, como fizera antes, fugindo de Siena para Florença.

   Acreditando-se perfeito na sementeira dos delitos, supunha-se sem testemunhas. O espectáculo da paisagem, naquela manhã, brilhava na sua mente. Todavia, entre as moitas, jovem pastor, estarrecido, acompanhara a cena brutal, na qual ele abatera a amante infeliz.

   Depois de um sono hediondo, em que experimentava as Fúrias nas próprias carnes, a desditosa moça, transcorrido longo período de inconsciência – menos para as dores superlativas –, despertou agónica, irreconhecível, no Mundo Espiritual. Seu espírito, que chafurdara demoradamente nos ultrajes à matéria e às leis do equilíbrio, após a destruição dos tecidos orgânicos na vala em abandono, revolvida por chacais e aves de rapina, em que experimentava as punhaladas certeiras que lhe foram cravadas e que não cessavam de perfurar-lhe o corpo, cujas sensações estavam fortemente impressas no perispírito, acordou exangue, atordoado, só a muito custo concatenava ideias e recordando, por fim, o que lhe ocorrera. Ignorando as realidades da vida após a morte, surpreendeu-se por se  encontrar viva, não obstante tudo quanto sofrera. Desejando, porém, sair dali, sentiu-se amarrada aos despojos e constatou, a custo, horrorizada, a realidade em que se encontrava. Surpreendeu-se com a presença de outros seres que a desvencilharam dos vínculos que a retinham ao local, passando a sofrer-lhes nefasta perseguição, em cuja aflição era acometida incessantes vezes por delíquios, de que despertava mais violentada, mais sofrida…

   O tempo perdera a significação na sua desdita. Conquanto seviciada pela horda que a arrastava, impiedosa, para toda parte, sabia-se vítima do amante, por quem experimentava o ardor do ódio incessante queimando e requeimando-a por dentro. Por mais desejasse vê-lo, enfrentá-lo, desferir sua vingança, não conseguia libertar-se da chusma de sequazes do mal, iguais a ela, a que aderira por força que lhe era desconhecida.

   É que faltava um elemento preponderante para reencontrar o nefando companheiro. E esse elo foi ele próprio quem forneceu.

   Na noite de núpcias, enquanto se entregava às muitas libações, pareceu recordar as cenas acontecidas no lustro passado, naquele palácio e, automaticamente, febricitado de desejos, recordou a comparsa, lamentando ter sido obrigado a silenciá-la. Foi, então, acometido de estranha saudade…

   O pensamento em desalinho – vibração que se espraia e sintoniza onde e quando encontra equivalente de onda – foi localizar Assunta atada à turba de vândalos espirituais.

   Chamada mentalmente, sentiu-se ligar ao lúbrico dissipador e como ele prosseguisse recordando os múltiplos lances da vida que levavam, conquanto às ocultas, arrancou-a para o seu lado. Como o pensamento prosseguisse em desvairada imaginação, a infeliz, que recebia o apelo telepaticamente, descobriu-se ao lado do criminoso, violentamente convidada e aceita na primeira comunhão mental, depois da tragédia.

   Ressumando todo o ódio de que era capaz seu espírito selvagem, perfeitamente par de Girólamo, agrediu-o violentamente, descarregando nele o vírus mefítico da sua vingança. O moço, em semiletargia, inesperadamente a viu e se estarreceu ante a cena da amante sangrando, deformada, vestes rasgadas, cabelos desalinhados e colados à face suja de sangue e lama. Despertando violentamente, fugiu às pressas do local em que estava, para partilhar de novos brindes, que o inutilizariam, roubando-lhe a lucidez e deixando-o totalmente embriagado, na noite da boda, começando, inconsciente, desde logo, a afligir a esposa, que o acompanhou ao leito em lastimável estado íntimo de apreensão e desencanto…

   Hospedada pela mente de Girólamo, a vítima reencontrou o solar da sua loucura e passou e rever os sítios onde fora feliz e nos quais se desgraçara. Recordando a vida amargurada e vã, lembrou-se do duque, da Senhora Ângela, de Lúcia e das crianças que ela ajudara a matar. Acometida de remorso de fogo, pôs-se a ulular, arrependida, chorando lágrimas de fogo, que lhe pareciam ferir a face e a alma, quando, oh! desdita maior, apareceu-lhe o duque, igualmente deformado, sombrio, acusador…

   – Por que, desgraça – exprobrou-lhe o antigo amo –, te fizeste sicária dos meus amados? Retribuíste afeição com veneno e foste vítima de ti mesma. Acreditavas que o monstro não te consumiria na própria voragem em que se fará consumir logo mais? Esqueceste de tudo quanto recebeste, para somente cuidar das tuas ambições? Onde está o teu esposo, condessa Cherubini?

   A frase final, pronunciada com sarcasmo e ira, penetrou a jovem desventurada de maneira fulminante.

   O espírito da infortunada mulher estribou gargalhada infrene, saindo a correr, seguida pelo duque, que lhe gritava:

   – “Louca! Mesmo louca não me escaparás…”

   Terminadas as festas, o Palácio di Bicci, lentamente, foi retomando a normalidade, conquanto agora o luxo substituía-se a parcimónia de hábitos dos antigos senhores.

   Enquanto as emoções eram novas, no matrimónio, Girólamo desdobrava-se em cortesias e zelos com a esposa. Saía à caça, passeava no bosque, demorava-se em Siena, sempre acompanhado da bela invejada consorte. Os amigos estranhavam-lhe o comportamento, considerando o dito popular na Toscana, originado de Veneza *|, que muito bem caracterizava a dignidade da época.

   Religioso na aparência, participava das solenidades na catedral e na basílica de Provenzano e ostentava as insígnias de cavaleiro nos ofícios públicos, exibindo as honras da Terra, enquanto penetrava cada vez mais fundo nos abismos da própria insânia.
/...

*| Era, então, popular o adágio: “Pela manhã uma missazinha, à tarde uma mesinha de jogo e à noite uma mulherzinha.”



VICTOR HUGO, Espírito – PÁRIAS EM REDENÇÃO, Livro Primeiro, 5 ASCENSÃO CRIMINOSA E GLÓRIA AMARGA (fragmento 3 de 3) texto mediúnico recebido por DIVALDO PEREIRA FRANCO
(imagem: L’âme de la forêt _1898, pintura de Edgar Maxence)

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Inquietações Primaveris~


Extinção 
da Vida |

A insistência do homem na negação de sua própria imortalidade não decorre, como geralmente se pensa, das dificuldades para prová-la cientificamente, nem da visão caótica do mundo em que se perdem os espíritos cépticos, que vivem como aturdidos entre as certezas e incertezas do conhecimento humano. 

Decorre apenas do sentimento da fragilidade humana, considerado tão importante pelos existencialistas. 

O instinto de morte da tese freudiana, num mundo em que tudo morre, nada permanece, como notava Protágoras desolado, supera e esmaga na sensibilidade humana o instinto de vida, os anseios existenciais geralmente confundidos com o elã vital de Bergson

Sentindo-se frustrado e desolado ante a fatalidade irremovível da morte, e levado ao desespero ante a irracionalidade das proposições religiosas, o homem vê secarem as suas esperanças no inverno único e irremissível da vida material. 

Sua impotência se revela como absoluta, apagando em seu espírito as esperanças e a confiança na vida que o sustentavam na mocidade. A vida se extingue em si mesma e a seus olhos por toda parte, em todos os reinos da Natureza, e ninguém jamais conseguiu barrar o fluxo arrasador do tempo, que leva de roldão as coisas e os seres, envelhecendo-os e desgastando-os, por maiores, mais fortes e brilhantes que possam parecer. A passagem inexorável dos anos marca minuto a minuto, com uma segurança fatal e uma pontualidade exasperante, o fim inevitável de todas as coisas e todos os seres.

Ao contrário do que se diz popularmente, não são os velhos que sonham com a imortalidade, mas os jovens. Porque estes, na segurança ilusória de sua vitalidade, são mais propícios a aceitar e cultivar esperanças de renovação. Por mais geniais que sejam, por mais realistas que se mostrem, os jovens – com excepção dos que sofrem de desequilíbrios orgânicos e psíquicos – crêem na vida que usufruem sem preocupações. 

Alega-se que são os velhos e não os jovens que se interessam pelas religiões, acreditando-se que esse interesse da velhice pela ilusão da sobrevivência é o desespero do náufrago que se apega à tábua de salvação. Imagem aparentemente apropriada, mas na verdade falsa. O velho religioso, não raro fanático, sabe muito bem que os seus dias estão contados e teme a possibilidade de seu encontro com os julgadores implacáveis com que as religiões os ameaçaram, desde a infância remota. Querem geralmente prevenir-se do que pode lhes acontecer ao passarem para outra vida carregados de pecados que as religiões prometem aliviar. 

O medo da morte é tão generalizado entre as pessoas que entram na recta final da existência, que Heideggard acentuou, com certa ironia, a importância da partícula se nas expressões sobre a morte. A maioria das pessoas dizem morre-se ao invés de morremos, porque se refere aos outros e não a si mesmo. 

A figura jurídica da legítima defesa, nos casos de assassinato, institucionalizou racionalmente o direito de matar que, se por um lado reconhece a validade social do instinto de conservação, por outro lado legitima nos códigos do mundo o sentido oculto da partícula se nas fraudes inconscientes da linguagem. Por outro lado, essa partícula confirma o desejo individual de que os outros morram, e não nós, mostrando a inocuidade dos mandamentos religiosos. Por sinal, essa inocuidade, como se sabe, revelou-se no próprio Sinai, quando Moisés, ainda com a Tábua das Leis em mãos, ordenou a matança imediata de dois mil israelitas que adoravam o Bezerro de Ouro.

Chegamos assim à conclusão de que a posição do homem diante da morte é ambivalente, colocando-o num dilema sem saída, perdido no labirinto das suas próprias contradições. Desse desespero resulta a loucura das matanças colectivas, das guerras, do apelo humano aos processos de genocídio, tão espantosamente evidenciados na História Humana. Os arsenais atómicos do presente, e particularmente o recurso novíssimo das bombas de neutrões, revelam no homem o desejo inconsciente, mas racionalizado pelas justificativas de segurança, de extinção total da vida no planeta. Os versos consagrados do poeta: “Antes morrer do que um viver de escravos”, valem por uma catarse colectiva. A extinção da vida é o supremo desejo da Humanidade, que só não se realiza graças à impotência do homem ante a rigidez das leis naturais. Por isso a Ciência acelera sem cessar a descoberta de novos meios de matança massiva. Os escravos da vida preferem a morte.

Esse panorama apocalíptico só pode modificar-se através da Educação para a Morte. Não se trata de uma educação especial nem supletiva, mas de uma para-educação sugerida e até mesmo exigida pela situação actual do mundo. O problema da chamada explosão demográfica, com o acelerado desenvolvimento da população mundial, impossível de se deter por todos os meios propostos, mostra-nos a necessidade de uma revisão profunda dos processos educacionais, de maneira a reajustá-los às novas condições de vida, cada vez mais intoleráveis. 

Como assinalou Kardec, somente a Educação poderá levar-nos às soluções desejadas. Os recursos que, em ocasiões como esta, são sempre produzidos pela própria Natureza, já nos foram dados através da também chamada explosão psíquica dos fenómenos paranormais. O conhecimento mais profundo da natureza humana, levado pelas pesquisas psicológicas e parapsicológicas até às profundezas da alma, revelam que o novo processo educacional deve atingir os mecanismos da consciência subliminar da teoria de Frederich Myers, de maneira a substituir as introjecções negativas e desordenadas do inconsciente por introjecções positivas e racionais. A teoria dos arquétipos de Jung, bem como a sua teoria parapsicológica das coincidências significativas, podem ajudar-nos em dois planos: o da transcendência e o da dinâmica mental consciente. 

A Educação para a Morte socorrerá a vida, restabelecendo-lhe a esperança e o entusiasmo das novas gerações pelas novas perspectivas da vida terrena. Uma nova cultura, já esboçada em nossos dias, logo se definirá como a saída natural que até agora buscamos inutilmente para o impasse.
/…


Herculano Pires, José – Educação para a Morte, 4 A Extinção da Vida 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Mundo Invisível e a Guerra~


IV
O Mês de Joana d’Arc

|Maio de 1915|

   Assim como dominou o século XV, o vulto de Joana d’Arc dominará também nosso tempo. Nela e por seu intermédio se há de consumar a união de nossa pátria.

   Ainda ontem, como no tempo de Carlos VII, a França estava desunida, esfacelada por grupos políticos nascidos da cobiça e de apetites inconfessáveis. Na hora do perigo tudo se desmanchou em fumaça e se calou para permitir que o país fizesse ouvir sua voz e seus apelos aos poderes do Alto.

   Os próprios adeptos do Radicalismo e do Socialismo, que ainda combatiam Joana d’Arc no Palais-Bourbon, para ela se voltam para honrá-la.

   Em 26 de abril, o senador Fabre escrevia a Maurice Barrès: “Acabo de receber uma carta do Sr. Léon Bourgeois, onde ele me diz: Podeis contar com minha cordial adesão à festa nacional de Joana d’Arc. E acrescentava: Estão, portanto, conquistados Hervé, Clemenceau e Bourgeois. Joana d’Arc nos protege. Todos estarão connosco.”

   Vários políticos já consideram próxima a hora em que o governo, apoiando-se em todos os partidos, glorificará em Joana essa sagrada união que possibilitou a obra libertadora. Em compensação, outros afirmam que nada se pode falar, nem fazer, em homenagem a ela, enquanto os ingleses permanecerem em solo francês.

   Para assim se manifestarem é necessário bem pouco conhecer o sentimento que nossos actuais aliados dedicam a Joana d’Arc. Desde Shakespeare, eles lhe tributam uma admiração sempre crescente.

   Todos os anos, nas festas de Rouen, há uma delegação inglesa e agora, que eles estabeleceram uma de suas bases de operação nessa cidade, não deixam de manter na praça do Vieux-Marché, no mesmo lugar do suplício, braçadas de flores enlaçadas com uma faixa com as cores britânicas.

   Em 16 de maio passado, o reverendo A. Blunt, capelão da embaixada inglesa, ao colocar uma coroa aos pés da estátua equestre da Place des Pyramides, dizia:

   “Comparecemos, como membros da colónia britânica de Paris, para depositar algumas flores aos pés da estátua de Joana d’Arc, a valorosa guerreira de França. Reconhecemos que seu espírito de patriotismo, coragem e sublime abnegação anima o exército francês de hoje e estamos certos de que esse espírito o conduzirá à vitória.” 

   Há alguns dias, o grande jornal londrino The Times dedicava à memória da Virgem de Orléans um importante artigo, resumindo todo o pensamento inglês sobre esse nobre assunto:

   “Em toda a Idade Média não há história mais singela e mais grandiosa, nem tragédia mais dolorosa do que a da pobre pastora que, pela fé ardorosa, soergueu sua pátria das profundezas da humilhação e do desespero, para sofrer a mais cruel e a mais infamante das mortes pelas mãos de seus inimigos.

   A elevação e a beleza moral do carácter de Joana conquistaram o coração de todos os homens e os ingleses se lembram, com vergonha, do crime do qual ela foi vítima.

   Entretanto, não é pelo amor à pátria, nem pela coragem na luta, nem pelas visões místicas, que o mundo todo homenageia Joana d’Arc; isto lhe é devido porque, em época triste e dolorosa, ela provou, por palavras e actos, que o espírito da mulher cristã ainda estava vivo entre os humildes e os oprimidos e produzia, profusamente, incomparáveis frutos. Houve, algum dia, natureza mais recta, mais terna, mais pura e mais profundamente piedosa que a de Joana d’Arc?

   Antes mesmo que tivesse conseguido ir até ao rei e desfraldado sua bandeira, o povo, em toda parte, acreditava nela. A força de sua vontade, a elevação dos seus pensamentos e a intensidade do seu entusiasmo superaram todas as oposições.

   É delicada e complacente para com os prisioneiros, e até para os ingleses sua alma se mostra plena de piedade. Convida-os para que se juntem a ela para uma grande cruzada contra o inimigo da cristandade.

   E quando, com auxílio de alguns traidores existentes entre seus compatriotas, a fizeram cair em uma cilada e a condenaram a uma morte horrível, suas últimas palavras foram de perdão para seus algozes.”

   Um patriota francês não se expressaria melhor. É certo que Joana não odiava os ingleses e queria simplesmente colocá-los fora do território da França. Como afirma o The Times, ela pensava até em associá-los aos franceses numa grandiosa empresa que ela tomaria a seu cargo e lhes escrevia:

   “Se derdes satisfação ao rei de França, ainda podereis ir em sua companhia, aonde quer que os franceses realizem o mais belo feito como jamais foi realizado pela cristandade.”
/…


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O Mês de Joana d’Arc, 2 de 3 12º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

terça-feira, 19 de junho de 2012

pensamento crítico ~


Posição do mate-rialismo dialéctico

Não resta dúvida que o materialismo dialéctico é o mais avançado passo da filosofia materialista, graças ao aproveitamento da tríade básica da mais antiga filosofia espiritualista, que podemos encontrar desde o taoísmo chinês ao druidismo gaulês, do antigo bramanismo à filosofia jónica, de Sócrates e Platão ao Evangelho de Cristo.

Diante da sua concepção do mundo e do seu método de análise histórica, o materialismo fixista do século XVIII e o próprio mecanicismo parecem conjecturas infantis. Na Dialéctica da NaturezaEngels observa, a propósito: “A ciência natural da primeira metade do século XVIII estava muito acima da antiguidade grega no tocante ao conhecimento e à classificação dos materiais, mas ao mesmo tempo abaixo dela, no domínio ideal desse material, na concepção da natureza.”

O mesmo podemos hoje dizer, no tocante à posição do materialismo dialéctico em face à filosofia idealista alemã do século XVIII, e particularmente à escola hegeliana. Repete-se, nesse caso, o que se verificara com Feuerbach diante de Hegel, no terreno da análise das relações sociais. A dialéctica marxista se nos apresenta, por isso mesmo, como um pássaro de asa quebrada, que, apesar de bater com energia a asa que lhe sobrou intacta, não consegue elevar-se além da poeira da terra. Falta-lhe a visão tão-somente de metade da realidade objectiva, dessa realidade que ele tanto defende e a que tanto se apega. Marx e Engels preferiram ignorar essa metade, que Hegel lhes oferecera, com os seus olhos de condor, para se reduzirem à miopia de Feuerbach. E cometeram assim o maior equívoco da moderna história da filosofia; tomando, como o fizera Proudhon, a exclusão pela síntese.
/…


José Herculano Pires, Espiritismo Dialéctico – Posição do materialismo dialéctico, 2º fragmento da obra.
(imagem: Diógenes, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

a pedra e o joio~



questão 
metodo-
lógica

   Expostos, nos cinco pontos anteriores, os motivos históricos, espirituais e escriturísticos que nos asseguram a legitimidade da obra de Kardec, demonstrada a sua integração na cultura contemporânea, a confirmação científica, filosófica e religiosa dos seus princípios fundamentais na actualidade e as perspectivas que abre para a renovação cultural, parece-nos inegável a importância fundamental do Espiritismo em nossos dias. Bastaria isso para exigir de todos nós o maior respeito por essa obra ainda tão mal conhecida e mal estudada entre nós. Em consequência, tentativas de reformulá-la não encontram justificativa e as pretensões de a superar chegam às raias (nos dois extremos do processo lógico) da ignorância e da irresponsabilidade.

   Mas para que isso fique mais claro é conveniente tratarmos do problema do método em Kardec. A chamada questão metodológica, de importância basilar em todos os campos do pensamento, passa completamente despercebida entre os opositores, os críticos e os pretensos reformadores da obra de Kardec. É isto o suficiente para mostrar a insuficiência, a incapacidade e o empirismo (no mau sentido do termo) de todos os que defendem teorias e obras reformistas no campo do Espiritismo ou pretendem que certos ramos das Ciências actuais tenham superado a posição espírita, ou, ainda, supõem que suas experiências pessoais, no geral corriqueiras e sem obediência às exigências metodológicas, estão em condições de abrir novos caminhos à pesquisa espírita.

   É simplesmente assombrosa a leviandade com que espíritas e não espíritas, entre gente do povo e homens de cultura, formulam críticas a Kardec sem o conhecerem, sem haverem realmente estudado a sua obra e meditado sobre ela. O próprio Kardec já notara, no seu tempo, a estranha leviandade de homens de ciência que se propunham a opinar sobre questões espíritas sem nada saberem do assunto. A situação continua a mesma em nossos dias. E é evidente que essa continuidade não desmerece a doutrina, mas sim os que se mostram incapazes de compreendê-la.

   Em face dessa situação somos obrigados a tratar do assunto de maneira que muitas vezes parecerá primária a pessoas afeitas a estudos superiores. Somos forçados a lembrar conceitos já considerados vulgares nos meios culturais, a aplicar esquemas analíticos rudimentares (como fizemos em O Verbo e a Carne, no exame do roustainguismo) e a descer a explicações banais de problemas que na verdade não podiam nem deviam existir, mormente no meio espírita. Este problema de método é um deles. Do ponto de vista cultural, é simplesmente vergonhoso que o tenhamos de recolocar constantemente ante os olhos de dirigentes de grupos, de centros e de instituições representativas do movimento doutrinário.
/…


José Herculano Pires – A Pedra e o Joio, Crítica à Teoria Corpuscular do Espírito. A questão metodológica, 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

| o grande enigma ~


Ao Leitor

Nas horas pesadas da vida, nos dias de tristeza e de acabrunhamento, leitor, abre este livro! Eco das vozes do Alto, ele te dará coragem; inspirar-te-á a paciência e a submissão às leis eternas!

Onde e como pensei em escrevê-lo? Em uma tarde de inverno, tarde de passeio na costa azulada de Provença.

Deitava-se o Sol sobre o mar pacífico. Seus raios de ouro, resvalando sobre a vaga adormecida, acendiam tintas ardentes sobre o cimo das rochas e dos promontórios, enquanto o delgado crescente lunar subia no céu sem nuvens. Fazia-se grande silêncio, envolvendo todas as coisas. Solitário, um sino longínquo, lentamente, soava o ângelus.

Pensativo, eu ouvia os ruídos abafados, os rumores apenas perceptíveis das cidades de inverno em festa e as vozes que cantavam em minha alma.

Pensava na indiferença dos homens que se inebriam de prazeres para melhor esquecer o fim da vida, seus imperiosos deveres, suas pesadas responsabilidades.

O mar balouçante, o Espaço que, pouco a pouco, se constelava de estrelas, os odores penetrantes dos mirtos e dos pinheiros, as harmonias longínquas na calma da tarde, tudo contribuía para derramar, em mim e em torno de mim, um encanto subtil, íntimo e profundo.

E a voz me disse:

Publica um livro que nós te inspiraremos, um livrinho que resuma tudo que a Alma humana deve conhecer para se orientar no seu caminho;

publica um livro que demonstre a todos não ser a vida uma coisa vã de que se possa fazer uso leviano, e sim uma luta pela conquista do Céu, uma obra elevada e grave de edificação, de aperfeiçoamento, regida por leis augustas e equitativas, acima das quais paira a eterna Justiça, amenizada pelo Amor.
/…


Léon Denis, O Grande Enigma, Ao Leitor 1 de 3.
(imagem: Salvador Dali, 1950)

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


CAPÍTULO III

O País de Gales. 
A Escócia. 
A obra dos bardos

A Ilha de Man nos oferece também um belo exemplo de ressurreição céltica. 

Ela possui um parlamento autónomo, uma sociedade preservadora da língua Manx, jornais, serviços religiosos de Manx, escolas, etc.

Quanto à Cornualha Inglesa, seu dialecto, o córnico, também não está extinto como se pretende, pois um certo número de famílias ainda o falam.

Assim escreveu Le Goffic:

“O cornualhense, como o bretão da França, a quem se assemelha tão estranhamente, permaneceu em comunicação permanente com o Além. Ele vive, como um bretão, numa espécie de familiaridade dolorosa com os espíritos dos mortos, consultando-os, ouvindo-os e compreendendo-os.”

O País de Gales é considerado como o mais antigo e o mais importante foco ou escola de Bardismo. Eis o que Jean Reynaud escreveu sobre esse assunto na bela obra L’Esprit de la Gaule, página 310:

“Pode-se dizer que os druidas, convertendo-se ao Cristianismo, não se extinguiram totalmente no País de Gales, como na nossa Bretanha e em outros países de sangue gaulês. Eles tiveram, logo em seguida, uma sociedade, solidamente constituída, dedicada, principalmente na aparência, ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou com fidelidade a herança intelectual da antiga Gália: é a Sociedade Bárdica do País de Gales, que se manteve como sociedade ora secreta, ora legalizada, desde a conquista normanda, e após ter, primitivamente, transmitido por via oral sua doutrina, como imitação da prática dos druidas, decidiu, durante a Idade Média, confiar secretamente à escrita as partes mais essenciais dessa herança.”

Na realidade, o bardo é um poeta, um orador inspirado. Pode-se compará-lo aos profetas do oriente, a esses grandes predestinados sobre quem passa o sopro do invisível.

Na nossa época o título de bardo perdeu seu prestígio, devido ao abuso realizado, mas se voltarmos ao sentido primitivo do termo, notaremos a presença de importantes personagens como Taliésin, Aneurin, Llywarch-Hen, etc. Após tantos séculos, seus sotaques viris, quando eles afirmam seu patriotismo e sua fé, fazem ainda vibrar as almas célticas.

Não é preciso ver na obra dos antigos bardos um simples exercício do pensamento, um jogo do espírito ou uma música de palavras. Seus versos e seus cantos constituem um comentário e um desenvolvimento das Tríades, um ensino, uma arte que abre perspectivas imensas aos destinos da alma, elevando-a para Deus. Ela confere a seus intérpretes uma espécie de auréola e de apostolado.

Esse ensino representa um adiantamento enorme sobre os tempos futuros. Tomemos, por exemplo, Le Chant du Monde (O Canto do Mundo), de Taliésin (segundo Barddas, cad. Goddeu, um livro celta). Diz este bardo:

“Grande viajante é o mundo; enquanto ele desliza sem repouso, permanece sempre na sua estrada, e quanto a forma dessa estrada é admirável para que o mundo nunca saia dela!”

Ele descreve assim o caminho do globo através do espaço, muito antes das descobertas de Galileu que puseram fim ao antigo preconceito bíblico da imobilidade da Terra.

Sejam quais forem as constatações que se levantaram sobre a data exacta dessas obras, não se pode duvidar de que elas não sejam bem anteriores à ciência da Idade Média; o mesmo ocorre com o conjunto das Tríades que afirmam a natureza espiritual do ser humano, a evolução da alma por vidas sucessivas através dos renascimentos, verdade que a ciência actual começa aos poucos a entrever.

Esses inspirados também eram videntes. Suas faculdades psíquicas lhe permitiam mergulhar no futuro e aí ler as vicissitudes, os reveses, as provas dolorosas que aguardavam os povos celtas. Mas eles sabiam que o ideal gravado neles não podia perecer. Eles sabiam que o sofrimento tempera as almas e que, mais tarde, esses povos restituiriam às civilizações, pervertidas pelos excessos do materialismo, o conceito elevado que constitui todo o valor da vida e mostra ao homem o caminho recto e seguro.

Os grandes antepassados voltaram mais de uma vez sobre a Terra, seja na Inglaterra, seja na França, em novos corpos. Eles tiveram nomes ilustres que nós poderíamos citar, mas abusaram tanto desses nomes célebres que preferimos deixar aos pesquisadores o cuidado de reconhecê-los entre aqueles que conduziram bem alto, através dos séculos, a tocha da arte poética e do pensamento radiante.
/…


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO III – O País de Gales. A Escócia. A obra dos bardos 3 de 3, 11º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

terça-feira, 12 de junho de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


Princípios da Terapêutica Espírita

A terapêutica espírita se funda na concepção do Universo como estrutura unitária e infinita. 

Tudo se encadeia no Universo, como ensina Kardec. Dessa maneira, há uma constante relação de todas as coisas e todos os seres no Universo Infinito. 

Essa estrutura inimaginável encerra tudo em si mesma e por isso todos os recursos de que necessita estão nela mesma. 

Cada partícula do Universo reflecte o todo e é formada à semelhança do Todo. Esse princípio de similaridade universal supera as nossas concepções e as nossas percepções fragmentárias. 

Foi da intuição natural da similaridade que surgiu a magia, como primeira tentativa de conquista e domínio, pelo homem, das energias da natureza. A magia das selvas, na sua simplicidade elementar, encerrava em potência toda a actualização futura. O homem primitivo percebeu a semelhança das coisas e dos seres nas suas experiências do mundo. Seu mundo era um fragmento do Universo e, para ele, não tinha limites. Na sua intuição globalizante (pois toda intuição é uma percepção global) começou a conquista do real pela conquista progressiva das coisas e seres semelhantes. Para atingir o pássaro no ar precisava de um instrumento voador e fez a flecha. Para curar uma ferida produzida pelo espinho de uma planta, recorreu ao suco de suas folhas. Para saciar os seus impulsos sexuais devia conquistar a mulher. Dessa satisfação nascia um novo ser, semelhante a ambos.

A dialéctica da vida se insinuava naturalmente em sua consciência fragmentária, ligando os factos entre si e desenvolvendo-lhe o tirocínio. Este o levaria às conquistas subsequentes, infundindo-lhe o sentimento do mundo, na fusão da mente com a afectividade. Nessa fusão temos o homem ligado à terra pela similitude de seus interesses vitais, e ao mesmo tempo atraído ao céu pelo despertar de seus impulsos de transcendência. Por isso, desde as inscrições rupestres nas cavernas até às mais altas civilizações do Oriente e do Ocidente, o homem teve sempre a ideia de Deus em seu íntimo e em suas manifestações em busca da sociabilidade. A magia simpatética das selvas impregnara as religiões nascidas dessa dupla fonte, marcadas até hoje pelo impulso da lei de adoração a Deus. Com os pés enraizados na terra do mundo, ele voltará sempre para a luz, o fogo e a chuva que o alimentam e estimulam em suas actividades criadoras. O sentimento do mundo é a confirmação sincrética de suas percepções sensoriais e de sua intuição extra-sensorial do todo como unidade.

O estranho episódio da cura pelo pó de múmia, na História da Medicina, quando as múmias se esgotaram nas escavações do Egipto e os terapeutas mágicos passaram a produzir múmias artificiais para os doentes, revela a que intensidade chegou a ligação do homem com a terra. A múmia representava ao mesmo tempo o homem e a terra, encerrando, portanto, os poderes curadores da natureza humana e os do solo, em cujas entranhas esses poderes se fundiam sob a acção misteriosa do tempo. Dessa mitologia aparentemente absurda nascera em tempos remotos, curtido pelo sentimento do mundo, o sentimento da fraternidade humana, da possibilidade das acções fluídicas entre os corpos dos homens vivos. Jesus empregaria então os seus poderes espirituais na transmissão das energias vitais do terapeuta ao doente, através do rito da imposição das mãos, que marcaria todo o período de desenvolvimento do Cristianismo até o Século XIX, em que Kardec reavivaria essa prática antiquíssima em plena era científica. Tinham razão os que temiam o restabelecimento das superstições do passado remoto, sem conhecer, e portanto sem levar em conta, os princípios renovadores da concepção espírita do mundo. Eram realmente as velhas superstições que renasciam, mas pelas mãos de um cientista que as depurava de sua ganga de milénios para extrair-lhes apenas a essência.

Kardec anunciou que, no seu tempo, com o advento da revelação espírita, divina, pelas manifestações espirituais, e humana, pela elaboração científica dos homens, os erros do passado se transformariam em verdades. Esse é um exemplo das transformações previstas. Os erros de interpretação de um passado obscuro tornaram-se acertos ante as investigações do homem moderno. Assim podemos afirmar que o primeiro princípio da terapêutica espírita é de origem telúrica, fundado na realidade objectiva de um dos mais curiosos e intrigantes episódios da história da Medicina. A volta à Natureza, que Rousseau pregou na Educação, ironizado por Voltaire, Kardec efectivou, como pesquisador científico e médico, professor e director de estudos na Universidade de França. Ao seu lado, o Dr. Demeur, em sua clínica de Paris, dava a Kardec a sua assistência de observador e pesquisador dos efeitos curativos da nova terapêutica. Os médicos modernos tomaram o lugar de Voltaire no caso de Kardec, entendendo que Kardec desejava que o homem voltasse a andar de quatro, como dissera Voltaire sobre a revolução educacional de Rousseau. Não perceberam que essa volta à natureza não se referia às selvas, mas à natureza humana desfigurada pelos artificialismos da civilização. Se o objectivo pedagógico de Rousseau era psicológico e ético, principalmente ético, o de Kardec era também da mesma dupla natureza, abrangendo ao mesmo tempo a Psicologia e a Ética, duas coordenadas históricas e científicas a balizarem as transformações evolutivas dos tempos modernos.
/…


José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, 2 Princípios da Terapêutica Espírita 1 de 2, 6º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Narrações do Infinito~



LÚMEN

Segunda narrativa – I

Refluum temporis
(a
maré
vazante
do
tempo)
…/ 


   Quœrens – As revelações interrompidas pela aurora, ó Lúmen, deixaram, desde então, minha alma ávida de penetrar mais fundo o singular mistério. De igual modo que a criança, a quem se mostrou um fruto saboroso, deseja nele meter gulosamente os dentes, e quando prova mais deseja, assim minha curiosidade procura novos júbilos nos paradoxos da Natureza. É acaso temerária indiscrição submeter-vos algumas questões complementares que meus amigos me comunicaram, desde o dia em que os fiz participantes da nossa conversação? E posso pedir continueis a narrativa das vossas impressões de além-Terra?

   Lúmen – Não posso, meu amigo, consentir em tal curiosidade. Embora perfeitamente disposto que seja vosso Espírito para bem receber minhas palavras, estou persuadido, não obstante, de que as particularidades do meu assunto não vos tocaram harmonicamente, não tiveram todas aos vossos olhos a evidência da realidade. Acusou-se de mística a minha narrativa. Não se compreendeu que aqui não existe romance, nem fantasia, e sim uma verdade científica, um facto físico, demonstrável e demonstrado, indiscutível, e que é tão positivo quanto a queda de um aerólito ou a translação de um projéctil de canhão. O motivo que vos impediu, a vós outros, de bem apreender a realidade do facto, reside em que o caso se desenrola fora da Terra, numa região estranha à esfera de vossas impressões, e não acessível aos sentidos terrestres. É natural que não compreendais (perdoai minha franqueza, mas no mundo espiritual predomina a franqueza: os pensamentos são mesmo visíveis). Só compreendeis o que pertence ao mundo das vossas impressões. E porque estais propensos a ter por absolutas as vossas ideias a respeito do Tempo e do Espaço, que são relativas, tendes o entendimento fechado às verdades que residem fora da vossa esfera, e que não se acham em correspondência com as vossas faculdades orgânicas terrestres. Assim, meu amigo, eu vos prestarei meritório serviço, prosseguindo a narrativa das minhas observações extra-terráqueas.

   Quœrens – Não é por espírito de curiosidade, crede-me sinceramente, ó Lúmen, que me permito evocar-vos do alto do mundo invisível, onde as almas superiores devem fruir inenarráveis júbilos. Compreendi, melhor do que a vossa acusação o admite, a grandeza do problema, e é sob a inspiração de uma avidez estudiosa que procuro aspectos mais novos ainda do que os precedentes (se assim me posso expressar), ou melhor, mais grandiosos e mais difíceis de compreender ainda. À força de reflectir, cheguei a crer que quanto sabemos é nada, e o que ignoramos é tudo. Estou, pois, disposto a tudo acolher e, por isso, vos peço: deixai-me partilhar das vossas impressões.

   Lúmen – Em verdade, meu amigo, eu vo-lo asseguro, ou não estais muito disposto a entendê-las, ou estais. No primeiro caso, não as compreendereis; na segunda hipótese, sereis mui crédulo e não lhes apreciareis o valor. Por isso, volto...

   Quœrens – Ó meu companheiro querido dos dias terrestres!...

   Lúmen – Além de tudo, os factos que eu teria de narrar são muito mais extraordinários do que os precedentes.

   Quœrens – Eu sou a semelhança de Tântalo no centro do seu lago, na mesma condição dos Espíritos do vigésimo-quarto canto do Purgatório, igual aos braços estendidos para os pomos odorantes das Hespérides, na ânsia do desejo de Eva...

   Lúmen – Algum tempo depois da minha partida da Terra, os olhos de minha alma se voltaram melancolicamente para esta pátria, quando atento exame sobre a intersecção do 45º grau de latitude boreal e do 35° de longitude mostrou-me um cinzento triângulo de terra firme, acima do mar Negro, ao bordo do qual, ao oeste, um triste grupo de pobres irmãos meus terrestres se entrematavam encarniçadamente. Entreguei-me à meditação sobre a barbárie dessa instituição, pseudogloriosa – a Guerra, que ainda pesa sobre vós outros –, e reconheci que nesse recanto da Crimeia sucumbiam oitocentos mil homens, ignorando a causa do seu mútuo massacre. Nuvens passaram sobre a Europa. Estava agora, não em Capela, mas no Espaço, entre essa estrela e a Terra, na metade da distância de Vega, e, saído da Terra desde algum tempo, eu me dirigia a um montão de estrelas que se distingue, da vossa pátria, à esquerda do astro precedente. Meu pensamento, no entanto, de tempos a tempos retornava para a Terra. Um pouco depois da observação de que falei, meu olhar, incidindo sobre Paris, foi surpreendido ao ver a Capital presa de uma insurreição popular. Examinando com atenção acurada, divisei barricadas nos bulevares, próximo da Prefeitura Municipal, nas ruas extensas, e cidadãos alvejando-se mutuamente a golpes de fuzil. A primeira ideia que me ocorreu foi a de que uma nova revolução se processava aos meus olhos e que Napoleão III fora derrubado do trono imperial; mas, por uma correspondência secreta das almas, minhas vistas foram atraídas para certa barricada do arrabalde de Santo António, na qual estava estendido o arcebispo Denis-Auguste Affre, que eu conhecera ligeiramente. Seus olhos extintos miravam, sem ver, o céu onde me encontrava; sua mão segurava um galho verde. Estavam, pois, ante mim os dias de 1848, e em particular o 25 de Junho. Alguns instantes (ou horas, talvez) se escoaram, durante os quais minha imaginação e meu raciocínio buscaram, pela ordem natural, a explicação de tal facto particular: ver 1848 depois de 1854, quando meu olhar, de novo atraído para a Terra, assinalou uma distribuição de bandeiras tricolores, em extensa praça da cidade de Lião. Procurando distinguir a personagem oficial que fazia tal distribuição, consegui identificar os uniformes e recordei-me de que, depois da ascensão de Luís Filipe, o jovem Duque de Orleães havia sido enviado a aplacar as agitações da capital da indústria francesa. Conclui-se disso que, após 1854 e 1848, estava diante do meu olhar um acontecimento ocorrido em 1831. Pouco mais tarde, minha visão incidiu sobre Paris em dia de festa. Gordo rei, de abdómen proeminente, face rubicunda, era conduzido em caleche sumptuosa e atravessava nesse momento a Ponte-Nova. O tempo era magnífico. Jovens vestidas de branco estavam dispostas, qual corbelha de alvos lilases, sobre o terrapleno da ponte. Estranhos animais, coloridos de nuançes claras, corriam ao longo de Paris. Era evidentemente a reentrada dos Bourbons em França. Eu não teria compreendido esta última particularidade, se não houvesse recordado que, em tal ocasião, tinham sido lançados para os ares artísticos balões em forma de animais. Vistos do alto do céu, pareciam correr desajeitadamente sobre os telhados das casas. Rever um acontecimento transcorrido eu compreendia, explicando-o pelas leis da luz; mas, rever esses eventos em sentido contrário à sua ordem real, eis o que me parecia fantástico, e mergulhava o meu entendimento numa estupefacção crescente. No entanto, estando os factos diante dos meus olhos, não os podia negar, e excogitava, por isso, qual a hipótese que poderia dar conta de semelhante singularidade.

   A primeira hipótese foi esta: E sem dúvida alguma a Terra que estou vendo, e por um secreto destino, somente de Deus conhecido, a história de França repassa proximamente pelas mesmas fases já atravessadas; a nação avançou até um certo maximum, que acaba de fulgir às vistas maravilhadas dos povos, e eis que retorna rumo das suas origens, por uma oscilação que pode existir, à semelhança das variações da agulha imanada das bússolas, a exemplo dos movimentos dos astros. As personagens que me pareceram ser no momento o Duque de Orleães e Luís XVIII, são talvez outros príncipes que estão repetindo exactamente quanto os primeiros fizeram.

   Tal hipótese, todavia, me pareceu pouco verosímil, e me detive em outra mais racional.

   Dada a multidão de estrelas e de planetas que gravitam em torno de cada uma delas, perguntava-me eu, qual a probabilidade para que se encontre no Espaço um mundo exactamente igual à Terra?

   O cálculo das probabilidades responde a esta questão. Quanto maior o número dos mundos, maior será a probabilidade de que as forças da Natureza hajam dado origem a uma organização semelhante à terrestre. Ora, o número exacto dos mundos ultrapassa toda a numeração humana escrita ou passível de ser escrita. Se compreendemos o Infinito, ser-nos-á talvez permitido dizer que esse número é infinito. Daí concluir eu que há muito alta probabilidade em favor da existência de muitos mundos exactamente semelhantes à Terra, à superfície dos quais se realiza a mesma história, a mesma sucessão de acontecimentos, e que se acham habitados pelas mesmas espécies vegetais e animais, a mesma Humanidade, os mesmos homens, as mesmas famílias, identicamente.

   Perguntei-me, em segundo lugar, se tal mundo, sendo análogo à Terra, não lhe poderia ser simétrico. Aqui ingressava eu na geometria e na teoria metafísica das imagens. Cheguei a admitir possível que o mundo em questão fosse semelhante à Terra, mas todavia inverso. Quando vos examinais diante de um espelho, vereis que o anel-aliança (de casamento), posto na mão direita, passou para o dedo anelar da mão esquerda, o que modifica o seu símbolo; que, se piscais o olho direito, o sósia piscará o esquerdo; que, se estendeis o braço direito, vossa imagem esticará o braço esquerdo. É impossível, pois, que, na infinidade de astros, exista um mundo exactamente inverso do orbe terráqueo? Seguramente, em uma infinidade de mundos, o impossível, ao contrário, seria não existir tal mundo, e mais facilmente milhares em vez de um. A Natureza deverá ter-se não só repetido, reproduzido, mas ainda desempenhado, sob todas as formas, o papel da Criação. Pensei, pois, que o mundo onde via essas coisas não era a Terra, e sim um globo semelhante, cuja história era precisamente o inverso da vossa.
/…


CAMILLE FLAMMARION, Narrações do Infinito, LÚMEN Segunda narrativa – I (1 de 3) fragmento global 11º (C. Flammarion faz falar uma alma liberta dos vínculos corporais, a que ele denominou Lúmen)
(imagem: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)