Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 12 de junho de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


Princípios da Terapêutica Espírita

A terapêutica espírita se funda na concepção do Universo como estrutura unitária e infinita. 

Tudo se encadeia no Universo, como ensina Kardec. Dessa maneira, há uma constante relação de todas as coisas e todos os seres no Universo Infinito. 

Essa estrutura inimaginável encerra tudo em si mesma e por isso todos os recursos de que necessita estão nela mesma. 

Cada partícula do Universo reflecte o todo e é formada à semelhança do Todo. Esse princípio de similaridade universal supera as nossas concepções e as nossas percepções fragmentárias. 

Foi da intuição natural da similaridade que surgiu a magia, como primeira tentativa de conquista e domínio, pelo homem, das energias da natureza. A magia das selvas, na sua simplicidade elementar, encerrava em potência toda a actualização futura. O homem primitivo percebeu a semelhança das coisas e dos seres nas suas experiências do mundo. Seu mundo era um fragmento do Universo e, para ele, não tinha limites. Na sua intuição globalizante (pois toda intuição é uma percepção global) começou a conquista do real pela conquista progressiva das coisas e seres semelhantes. Para atingir o pássaro no ar precisava de um instrumento voador e fez a flecha. Para curar uma ferida produzida pelo espinho de uma planta, recorreu ao suco de suas folhas. Para saciar os seus impulsos sexuais devia conquistar a mulher. Dessa satisfação nascia um novo ser, semelhante a ambos.

A dialéctica da vida se insinuava naturalmente em sua consciência fragmentária, ligando os factos entre si e desenvolvendo-lhe o tirocínio. Este o levaria às conquistas subsequentes, infundindo-lhe o sentimento do mundo, na fusão da mente com a afectividade. Nessa fusão temos o homem ligado à terra pela similitude de seus interesses vitais, e ao mesmo tempo atraído ao céu pelo despertar de seus impulsos de transcendência. Por isso, desde as inscrições rupestres nas cavernas até às mais altas civilizações do Oriente e do Ocidente, o homem teve sempre a ideia de Deus em seu íntimo e em suas manifestações em busca da sociabilidade. A magia simpatética das selvas impregnara as religiões nascidas dessa dupla fonte, marcadas até hoje pelo impulso da lei de adoração a Deus. Com os pés enraizados na terra do mundo, ele voltará sempre para a luz, o fogo e a chuva que o alimentam e estimulam em suas actividades criadoras. O sentimento do mundo é a confirmação sincrética de suas percepções sensoriais e de sua intuição extra-sensorial do todo como unidade.

O estranho episódio da cura pelo pó de múmia, na História da Medicina, quando as múmias se esgotaram nas escavações do Egipto e os terapeutas mágicos passaram a produzir múmias artificiais para os doentes, revela a que intensidade chegou a ligação do homem com a terra. A múmia representava ao mesmo tempo o homem e a terra, encerrando, portanto, os poderes curadores da natureza humana e os do solo, em cujas entranhas esses poderes se fundiam sob a acção misteriosa do tempo. Dessa mitologia aparentemente absurda nascera em tempos remotos, curtido pelo sentimento do mundo, o sentimento da fraternidade humana, da possibilidade das acções fluídicas entre os corpos dos homens vivos. Jesus empregaria então os seus poderes espirituais na transmissão das energias vitais do terapeuta ao doente, através do rito da imposição das mãos, que marcaria todo o período de desenvolvimento do Cristianismo até o Século XIX, em que Kardec reavivaria essa prática antiquíssima em plena era científica. Tinham razão os que temiam o restabelecimento das superstições do passado remoto, sem conhecer, e portanto sem levar em conta, os princípios renovadores da concepção espírita do mundo. Eram realmente as velhas superstições que renasciam, mas pelas mãos de um cientista que as depurava de sua ganga de milénios para extrair-lhes apenas a essência.

Kardec anunciou que, no seu tempo, com o advento da revelação espírita, divina, pelas manifestações espirituais, e humana, pela elaboração científica dos homens, os erros do passado se transformariam em verdades. Esse é um exemplo das transformações previstas. Os erros de interpretação de um passado obscuro tornaram-se acertos ante as investigações do homem moderno. Assim podemos afirmar que o primeiro princípio da terapêutica espírita é de origem telúrica, fundado na realidade objectiva de um dos mais curiosos e intrigantes episódios da história da Medicina. A volta à Natureza, que Rousseau pregou na Educação, ironizado por Voltaire, Kardec efectivou, como pesquisador científico e médico, professor e director de estudos na Universidade de França. Ao seu lado, o Dr. Demeur, em sua clínica de Paris, dava a Kardec a sua assistência de observador e pesquisador dos efeitos curativos da nova terapêutica. Os médicos modernos tomaram o lugar de Voltaire no caso de Kardec, entendendo que Kardec desejava que o homem voltasse a andar de quatro, como dissera Voltaire sobre a revolução educacional de Rousseau. Não perceberam que essa volta à natureza não se referia às selvas, mas à natureza humana desfigurada pelos artificialismos da civilização. Se o objectivo pedagógico de Rousseau era psicológico e ético, principalmente ético, o de Kardec era também da mesma dupla natureza, abrangendo ao mesmo tempo a Psicologia e a Ética, duas coordenadas históricas e científicas a balizarem as transformações evolutivas dos tempos modernos.
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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, 2 Princípios da Terapêutica Espírita 1 de 2, 6º fragmento.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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