Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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terça-feira, 13 de maio de 2025

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito
(Études Uranographiques) (XII)

A vida universal ~ 🌈

   Esta imortalidade das almas, de que o sistema do mundo físico constitui a base, pareceu imaginária aos olhos de certos pensadores de sobreaviso; qualificaram-no ironicamente de imortalidade viajante e não perceberam que só ela era verdadeira frente ao espectáculo da Criação. No entanto, é fácil fazer entender toda a sua grandeza, diria quase toda a sua perfeição.

   Que as obras de Deus sejam criadas pelo pensamento e pela inteligência; que os mundos sejam a residência dos seres que os contemplam e que descobrem sob o seu véu o poder e a sabedoria do que os formou, foi questão que deixou de ser o poder duvidosa para nós; mas se as almas que os povoam são solidárias, é o que importa saber.

   A inteligência humana, com efeito, tem dificuldade em reconhecer esses globos radiosos que cintilam no espaço como simples massas de matéria inerte e sem vida; tem dificuldade em imaginar que existem, nessas regiões longínquas, magníficos crepúsculos e noites esplêndidas, sóis fecundos e dias repletos de luz, vales e montanhas onde as múltiplas criações da natureza desenvolveram toda a sua pompa luxuriante; tem dificuldade em imaginar, digo eu, que o espectáculo divino, onde a alma se pode embeber como se da sua própria vida se tratasse, esteja despojado de existência e privado de qualquer ser com peso que o pudesse contemplar.

   Mas a esta ideia eminentemente justa da Criação é preciso acrescentar a da humanidade solidária e é nisso que consiste o mistério da eternidade futura.

   Uma mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e a esses mundos foram dados os elos de uma fraternidade ainda não apreciada por vós. Se estes astros que se harmonizam nos seus vastos sistemas são habitados por inteligências, não é de forma nenhuma por seres desconhecidos uns dos outros, mas sim por seres marcados na fronte pelo mesmo destino, que têm de se encontrar momentaneamente consoante as suas funções na vida e reencontrar-se segundo as suas simpatias mútuas; é a grande família dos Espíritos que povoam as terras celestes; é o grande esplendor do Espírito divino que abraça a vastidão dos céus e que permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual.

   Por que estranha aberração se julgou ser preciso recusar à imortalidade as vastas regiões do éter, quando a encerravam num limite inadmissível e numa dualidade absoluta? O verdadeiro sistema do mundo deveria então anteceder a verdadeira doutrina dogmática e a ciência a teologia? Desviar-se-ia esta enquanto a sua base assentasse sobre a metafísica? A resposta está dada e mostra-nos que a nova filosofia se sentará triunfante sobre as ruínas da antiga, porque a sua base se terá elevado vitoriosa sobre erros antigos.

/…
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – A vida universal (de 53 a 57), 34º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sábado, 5 de outubro de 2024

as vidas sucessivas | os elementos ~


~~ Crenças antigas e conceitos modernos ~
(Victor Hugo)

  Eis como Arsène Houssaye relata a resposta que Victor Hugo deu a ateus em 1866:

  “Quem nos diz – recomeçou o poeta – que não me reencontro através dos séculos? Shakespeare escreveu: A vida é um conto de fadas que se lê pela segunda vez.

  Ele poderia ter dito: “pela milésima vez!”, pois não há século em que eu não veja passar a minha sombra.

  Vós não credes nas materializações que se movem (isto é, nas reencarnações) sob o pretexto de que não vos lembrais de nada de vossas existências anteriores. Porém, como é que as recordações dos séculos dissipados permaneceriam impressas em vós, quando mal vos recordais das mil e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802, houve em mim dez Victor Hugo! Acreditas, pois, que me recordo de todas as suas acções e de todos os seus pensamentos?

  Quando eu tiver atravessado a tumba para reencontrar uma outra luz, todos esses Victor Hugo ser-me-ão um pouco estranhos, porém será sempre a mesma alma!

  Sinto em mim – diz-lhes ele ainda – toda uma vida nova, toda uma vida futura. Sou como a floresta que várias vezes foi abatida: os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Subo, subo em direcção ao infinito! Tudo é radiante diante de mim. A terra me dá a sua seiva generosa, porém o céu ilumina-me com os reflexos dos mundos entrevistos!

  Dizeis que a alma é apenas a expressão das forças corporais. Então, porque é que a minha alma está mais luminosa quando as forças corporais vão em breve abandonar-me? O inverno encontra-se sobre a minha cabeça, porém a primavera eterna está na minha alma! Respiro a esta hora os lilases, as violetas e as rosas como aos vinte anos!

  Quanto mais me aproximo do fim, mais ouço à minha volta as imortais sinfonias dos mundos que me chamam! É maravilhoso e, é simples.

  Há todo um meio século que escrevo o meu pensamento em prosa e em verso: história, filosofia, drama, romance, lenda, sátira, ode, canção, etc.; tudo tentei; porém sinto que não disse a milésima parte do que se encontra em mim. Quando eu me deitar na tumba, não direi como tantos outros: terminei a minha jornada. Não, pois a minha jornada recomeçará no dia seguinte de manhã. A tumba não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no crepúsculo e reabre ao alvorecer!”

Destinos da alma

O homem tem sedes insaciadas;
Em seu passado vertiginoso
Sente reviver outras vidas,
Conta os nós de sua alma.

Procura no fundo das sombrias cúpulas
Sob que forma resplandeceu,
Ouve seus próprios fantasmas,
Que atrás de si lhe falam.

O homem é o único ponto da criação
Em que, para permanecer livre tornando-se melhor,
A alma deve esquecer sua vida anterior.
Ele diz: Morrer é conhecer;
Procuramos a saída tacteando;
Eu era, eu sou, eu devo ser,
A sombra é uma escada, subamos. (*)

(*) Nota do tradutor – Para que pudéssemos ser fiéis ao conteúdo do texto original e aos termos utilizados pelo poeta, obrigamo-nos a prejudicar toda a melodia e as rimas dos versos, pois, para mantê-los, precisaríamos mudar a estrutura das frases e as palavras, o que fatalmente mudaria em parte o sentido do texto original. Preferimos, portanto, traduzi-lo quase que literalmente. Eis a seguir, no entanto, o texto original, com toda a sua beleza quanto à forma como ao conteúdo:

« Des destinées de l’âme / L’homme a des soifs inassouvies; / Dans son passé vertigineux / Il sent revivre d’autres vies, / De son âme il compte de noeuds, / Il cherche au found des sombres dômes / Sous quelle forme il a lui, / Il entend ses propres fantômes / Qui lui parlent derrière lui. / L’homme est l’unique poit de la création / Où, pour demeurer libre en se faisant meilleure, / L’âme doive oublier sa vie anterieure. / Il se dit: Mourir c’est connaítre; / Nous cherchons l’issue à tátons; / J’étais, je suis, je dois être, / L’ombre est une échelle, montons.»

/...


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Primeira Parte – Crenças antigas e conceitos modernos (Victor Hugo), 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Albert de Rochas d'Aiglun (1837-1914), engenheiro militar francês, historiador da ciência, pesquisador de fenómenos espíritas, escritor, tradutor e administrador da Escola Politécnica de Paris)

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*)
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito
(Études Uranographiques) (X)

Os desertos do espaço 🌈

  Um deserto imenso, sem fronteiras, estende-se para lá do aglomerado de estrelas de que acabámos de falar e envolve-o. Ermos se sucedem a ermos e as planícies incomensuráveis do vazio estendem-se ao longe. Encontrando-se os amontoados de matéria cósmica isolados no espaço como ilhas flutuantes de um imenso arquipélago, se quisermos apreciar de qualquer maneira a ideia da enorme distância que separa a pilha de estrelas de que fazemos parte das aglomerações mais próximas, é preciso sabermos que estas ilhas estelares estão disseminadas e são raras no vasto oceano dos céus e que a extensão que as separa umas das outras é incomparavelmente maior do que aquela que lhes mede as dimensões respectivas.

  Ora, lembramo-nos que a nebulosa estelar mede, em números redondos, mil vezes a distância das estrelas mais próximas tomada como unidade, quer dizer uns cem mil triliões de léguas. A distância que se estende entre elas, sendo muito mais vasta, não poderia ser expressa em números acessíveis ao entendimento do nosso espírito; só a imaginação nas suas mais elevadas concepções é capaz de ultrapassar esta imensidão prodigiosa, os seus ermos mudos e privados de qualquer aparência de vida e considerar de qualquer maneira a ideia desta infinidade relativa.

  No entanto, este deserto celeste que envolve o nosso Universo sideral e que parece estender-se como os confins longínquos do nosso mundo astral, é abarcado pela vista e pelo poder infinito do Altíssimo que, para lá destes céus dos nossos céus, desenvolveu a trama da sua Criação ilimitada.

  Para lá destas vastas solidões, com efeito, os mundos resplandecem na sua magnificência assim como nas regiões acessíveis às investigações humanas; para além destes desertos, vogam no límpido éter esplêndidos oásis e renovam constantemente as cenas admiráveis da existência e da vida. Ali, desenvolvem-se os longínquos agregados de substância cósmica que o olho profundo do telescópio entrevê através das regiões transparentes do nosso céu, essas nebulosas a que chamais irresolúveis e que vos aparecem como leves nuvens de poeira branca perdidas num ponto desconhecido do espaço etéreo. Ali, revelam-se e desenvolvem-se mundos novos cujas condições variadas e estranhas às que são inerentes ao vosso globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não conseguem imaginar nem os vossos estudos constatar. É aí que resplandece em toda a sua plenitude o poder criador; para quem venha das regiões ocupadas pelo vosso sistema, ali estão em acção outras leis cujas forças regem as manifestações da vida e os caminhos novos que trilhamos nesses países estranhos abrem-nos perspectivas desconhecidas (**).

/…

(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)

(**) Dá-se em astronomia o nome de nebulosas irresolúveis àquelas a que não foi ainda possível distinguir as estrelas que as compõem. Tinham sido consideradas primeiro como montes de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos, mas hoje pensa-se geralmente que esta aparência se deve ao afastamento e que com instrumentos suficientemente fortes todas seriam resolúveis.

Uma comparação familiar pode dar uma ideia, apesar de muito imperfeita, das nebulosas resolúveis: são os grupos de faíscas projectadas pelo fogo-de-artifício no momento da sua explosão. Cada uma das suas faíscas representará uma estrela e o conjunto será a nebulosa ou o grupo de estrelas reunidas num ponto do espaço e submetidas a uma lei comum de atracção e movimento. Vistas a uma certa distância, estas faíscas mal se distinguem e o seu grupo tem o aspecto de uma pequena nuvem de fumo. Esta comparação não seria exacta caso se tratasse de matéria cósmica condensada.

A nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas; conta com cerca de trinta milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de triliões de léguas de extensão e no entanto não é a maior. Suponhamos somente uma média de vinte planetas habitados circulando à volta de cada sol, o que faria cerca de seiscentos milhões de mundos só para o nosso grupo.

Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para uma outra, estaríamos ali como no meio da nossa Via Láctea, mas com um céu estrelado com um aspecto totalmente diferente; e esta apesar das suas dimensões colossais em relação a nós, aparecer-nos-ia, ao longe, como um pequeno floco lenticular perdido no infinito. Mas antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos como o viajante que sai de uma cidade e percorre um vasto país desabitado antes de chegar a outra cidade; teríamos atravessado espaços incomensuráveis desprovidos de mundos e de estrelas, aquilo a que Galileu chama os desertos do espaço. À medida que fôssemos avançando, veríamos a nossa nebulosa a fugir atrás de nós, diminuindo de extensão à nossa vista ao mesmo tempo que à nossa frente, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíamos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de fagulhas do fogo-de-artifício. Transportando-nos em pensamento para as regiões do espaço, para além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos à nossa volta milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas, contendo cada um milhões de sóis e centenas de mundos habitados.

Tudo o que nos pode identificar com a imensidão do infinito e com a estrutura do Universo é útil para o alargamento das ideias tão reduzidas pelas crenças vulgares. Deus engrandece aos nossos olhos à medida que vamos compreendendo melhor a grandeza das suas obras e a nossa pequenez. Nós estamos longe, como se vê, dessa crença implantada pela Génese de Moisés, que faz da nossa pequena Terra imperceptível a principal criação de Deus e dos seus habitantes o objecto único da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos homens que julgam que tudo no Universo foi feito para eles e dos que se atrevem a discutir a existência do Ente supremo. Dentro de alguns séculos, espantar-se-ão por uma religião, feita para glorificar Deus o ter rebaixado a tão mesquinhas proporções e que tenha rejeitado, por ser concepção do Espírito do mal, as descobertas que só podiam aumentar a nossa admiração pela sua omnipotência, iniciando-nos nos mistérios grandiosos da Criação; ainda se admirarão mais quando souberem que foram rejeitados porque deviam emancipar o espírito dos homens e retirar a preponderância aos que se diziam representantes de Deus na Terra. (N. do A.)


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – Os desertos do espaço (de 45 a 47), 32º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

sábado, 19 de agosto de 2023

~ em torno do mestre


Humildes de espírito ~

  Jesus (i), no sermão da montanha — que bem se pode denominar a plataforma ou o programa de sua obra de redenção — começou proferindo a seguinte sentença: "Bem-aventurados os humildes de Espírito, porque deles é o reino dos céus". (Mateus, 5:3.)

  Porque humildes de Espírito? Bem-aventurados os humildes não seria o bastante? Porque a redundância — humildes de Espírito? Qual o motivo dessa superabundância de palavras? Simplesmente porque há várias formas de humildade; porém, só a de Espírito é que faz jus ao reino dos céus.

  Há pessoas humildes de aspecto, de posição social, de haveres, de profissão, de trajes, de fisionomia, mas que o não são de Espírito.

  Outras há cujas palavras e gestos, manifestando simplicidade e doçura, afecto e humildade, mal-escondem a soberba que domina os seus corações. A verdadeira humildade, como aliás todas as virtudes, vem do íntimo. O exterior nem sempre traduz o interior.

  Há um grande número de maltrapilhos e de mendigos orgulhosos. Existem, outrossim, embora excepcionalmente, exemplos de humildade entre pessoas abastadas, que ocupam posições de destaque. Há também sábios humildes, que constituem honrosas excepções à regra geral que impera entre os letrados e os eruditos. A ignorância petulante e enfatuada é coisa vulgar e corriqueira.

  Até entre os chamados ministros do Cristo se encontram orgulhosos impenitentes, compenetrados da ideia de supremacia e convencidos de que só a eles cabem determinados privilégios de ordem e carácter divinos.

  A moral cristã, em muita gente, não passa da esfera do entendimento, da região puramente mental; jamais atinge o círculo do sentimento, a zona do coração. É do coração, no entanto, que vêm o bem ou o mal, a virtude ou o vício.

  O orgulho, sob os seus aspectos multiformes, é a grande pedra de tropeço da Humanidade. É o pecado original, que os mortais trazem consigo, ao aportarem às plagas deste mundo. Daí a origem de todos os atritos, dissídios e odiosidades que mantêm os homens em atitude de mútuas hostilidades.

  A virtude, como alguém já disse, exclui os cálculos: é espontânea, natural. Os humildes de posição, de saber, ou de haveres estão sujeitos às circunstâncias que os cercam na presente existência. Não há mérito nem virtude por isso, além do modo como suportam e se submetem às inevitáveis condições de precariedade em que se encontram.

  A humildade de espírito, ao contrário, é fruto de uma conquista, de certo estado de elevação moral da alma. E, graças a essa virtude, o Espírito pode avançar com passo seguro na realização dos seus gloriosos destinos. O orgulho não só oblitera o entendimento, senão que impossibilita o Espírito de receber as inspirações e as graças emanadas do alto.

  Não é possível aprender sem possuir humildade de coração. Quem é humilde reconhece que ignora e está sempre pronto a assimilar os ensinamentos que o céu outorga aos mortais, por este ou aquele processo.

  A inibição mental é, as mais das vezes, consequência directa do orgulho. A senda da virtude, como o caminho da sabedoria, só podem ser perlustrados pelos humildes de espírito.

  O orgulho é um entrave do espírito em todos os sentidos. É o legítimo obstáculo às reconciliações, ao perdão, à unidade na fé e na ciência. Consequentemente é o factor da discórdia, desde o simples arrefecimento de afectos, até ao ódio que separa, persegue e mata; é a eterna cizânia, que mantém os homens separados, intranquilos, sobressaltados; é o dispersador de forças e de elementos prestáveis e úteis, que poderiam militar conjuntamente com grande eficiência, em prol das boas causas; é finalmente, o fermento que neutraliza as intenções e as aspirações elevadas de muitos, conservando-os na esterilidade.

  Razão, pois, de sobra assiste ao divino Instrutor da Humanidade, subordinando à humildade de espírito todas as bênçãos celestes, como também o acesso aos tabernáculos eternos.

Tentação ~

  1ª FORMA: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães, visto que tens fome.

  Resposta: Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. (Lucas, 4:3 e 4)

  Moralidade: A fraqueza da carne é uma das portas abertas às tentações. Por ela o Diabo penetra, agindo com grande êxito. Essa porta denomina-se luxúria ou incontinência, gulodice ou intemperança e, tudo o mais que se relaciona com as sensações físicas, cuja sede é a matéria.

  É do domínio da carne sobre o espírito que se originam todos os vícios repugnantes, tais como o alcoolismo, a concupiscência, a gula, o tabagismo, a cocainomania.

  O corpo, quando não é dirigido pelo Espírito, destrói-se a si mesmo através das continuadas sensações e exaltações a que se submete. Daí o dizer profundamente sábio do Mestre: Aquele que muito quer gozar a vida, perdê-la-á; o que renunciar, porém, à vida, por amor de mim, ganhá-la-á.

  Todas as doenças têm origem nas fraquezas da carne, as quais levam o homem a transgredir constantemente as leis de higiene, leis naturais e, por isso mesmo, religiosas. A enfermidade é herança do pecado — reza o Evangelho.

  A matéria não raciocina, não tem inteligência nem discernimento. É sede, apenas, de sensações. Do abuso dessas sensações nascem as exigências caprichosas da animalidade, as quais arrastam o homem ao pélago dos vícios e à voragem do crime.

  Como sair de tal situação? como dominar a carne, fechando assim ao "Diabo" uma das portas por onde tantas vezes consegue levar a cabo os seus malévolos intentos?

  Vence-se a carne não lhe concedendo tanta atenção, não atendendo aos seus arrastamentos e caprichos; fortificando, enfim, o Espírito com o pão do céu, que é a palavra de Deus, a verdade eterna revelada ao mundo pelo seu Verbo humanado — Jesus-Cristo.

  Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (1), eis de que os homens se esquecem, embevecidos como geralmente andam com os cuidados do corpo. Os que só vivem da carne e para a carne, ficam sujeitos às fraquezas da carne.

  O remédio é a palavra de Deus — é o pão do Espírito, pois este, como o corpo, também tem fome e tem sede, necessidades estas que precisam ser satisfeitas. Fortalecer ao máximo o Espírito, dando ao corpo tão somente o necessário para sua conservação — eis a chave com que se cerra para sempre uma das portas por onde o "Diabo" costuma penetrar. Assim procedendo, curaremos também da matéria. Graças à direcção do Espírito, o corpo se embelezará, far-se-á forte, alcançando longevidade acentuada.

  2.ª FORMA: Galgando o pináculo do templo, disse-lhe o Diabo: Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque escrito está: Aos seus anjos ordenará a teu respeito e, eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares em alguma pedra.

  Resposta: Também escrito está: Não tentarás o Senhor teu Deus. (Lucas, 4:9 a 12.)

  Moralidade: O orgulho com as suas modalidades — presunção, arrogância, vaidade, soberba — constitui a segunda porta por onde o Diabo ingressa, arrastando o homem a quedas desastrosas.

  O orgulho é um desafio que o homem faz à Divindade. Desse acto de insânia ele sai sempre vencido e desapontado.

  Daí a justeza desta sentença evangélica: Aquele que se exalta será humilhado.

  Nenhuma paixão exerce tão nefasta influência sobre o homem como o orgulho, cujas raízes estão mergulhadas nas profundezas do egoísmo. Por esta razão é difícil vencê-lo, como também porque assume aspectos multiformes e enganadores.

  O orgulho não é peculiar somente à gentilidade. Ele invade a região da fé, penetra o coração do crente, chegando mesmo a alimentar-se da própria crença de suas vítimas.

  E de quantas formas se reveste! Ora é a cólera rubra que cega o entendimento, que enfurece ao ponto de nivelar o homem à fera bravia. Ora é a presunção arrogante que lhe oblitera a mente e calcina as fibras do coração. Ora é a confiança ilimitada em si mesmo, em pretensos dons e qualidades, na infalibilidade de seus juízos próprios, na superioridade excelsa de sua inteligência. Ora, ainda, na exagerada susceptibilidade de sentimentos, descobrindo por toda a parte desatenções, ofensas e desprezo à sua augusta personalidade. Ora, finalmente, na atitude de hostilidade ou desdém para com todos os empreendimentos e todos os feitos onde a actuação própria não foi exercida, onde o seu juízo não foi emitido nem consultado.

  E, assim, o orgulho envolve o homem numa trama perigosa e traiçoeira, chegando ao prodígio de fazer com que haja quem se orgulhe de ser bom, de possuir certas virtudes e até de ser humilde!

  Se és Filho de Deus, lança-te do pináculo abaixo, pois os anjos te ampararão: eis o desafio dirigido a Deus, às suas leis sábias e imutáveis. É como se dissesse: Homem, és santo e bom; és poderoso e sábio; não deves temer os males, sejam eles quais forem.

  Não te deves incomodar com coisa alguma; não é preciso providência, nem cautelas, nem prudência. Deixa o vigiar e orar para os fracos e pusilânimes; os anjos velarão por ti, impedindo que sejas vítima de mistificações, evitando, enfim, que qualquer dano possa alcançar-te. Arroja-te, sê ousado e intimorato; tens em ti mesmo todo o poder, todo o valor, toda a sabedoria! Assim fala o orgulho, desafiando as leis naturais e provocando a reacção que se não faz demorar: a humilhação do orgulhoso.

  Como nos livrarmos de inimigo que se mascara assim para nos vencer?

  Guardando na mente e no coração a advertência do Mestre: Não tentarás o Senhor teu Deus, isto é, serás sempre humilde, reconhecendo a tua ignorância e fraqueza, através do estudo constante que deves fazer de ti mesmo; agirás sempre com prudência e calma, prevenindo tudo o que estiver ao teu alcance e jamais abusando dos dons e faculdades de teu Espírito; orarás e vigiarás constantemente, pois assim estarás estabelecendo a tua comunhão com a fonte de todo o poder que é Deus, esse Deus a quem nunca desafiarás deixando-te possuir da louca pretensão de submetê-lo aos teus caprichos e veleidades. Dessa sorte, terás fechado outra porta por onde o "Diabo", a cada passo, penetra, invadindo os teus domínios.

  3.ª FORMA: De novo o Diabo o levou a um monte muito alto e, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e, disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares.

  Resposta: Vai-te Satã; pois está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e, só a ele darás culto. (Mateus, 4:8 a 10.)

  Moralidade: A cobiça, a ambição desmedida o apego às riquezas e à fascinação do poder e das glórias mundanas são, em conjunto, a terceira porta aberta às investidas do Diabo.

  Ser idólatra não importa somente no feiticismo que consiste em render culto às imagens. A idolatria mais perniciosa é aquela que se verifica na avareza, no apego às temporalidades, na sede de poder e de gloríolas do século; e, finalmente, na adoração de si mesmo ou egolatria.

  Indescritíveis e inumeráveis são os crimes perpetrados no mundo pela ambição aliada à cobiça. Crimes individuais e crimes colectivos. As guerras cruentas que ensoparam a Terra, por vezes, de sangue e de lágrimas, estendendo o negro véu da viuvez e da orfandade sobre milhares de mulheres e crianças, não têm outra origem, nem outra explicação além da cupidez de corações ávidos de ouro e de pruridos de hegemonia.

  As barreiras alfandegárias que encarecem e dificultam a vida das nações; o despotismo dos governos imperialistas; as tiranias oligárquicas e ditatoriais; todos os vexames e sacrifícios que se têm imposto impiedosamente aos povos, são legítimos frutos dessa insaciável sede de domínio, de glórias e de supremacias, sede maldita que oblitera a razão e destrói as fibras do sentimento humano.

  Por isso, dizia o Apóstolo das gentes:

  A raiz de todos os males é a cobiça.

  E aconselhava: Não vos fascineis com as grandezas: acomodai-vos às coisas humildes.

  Satã entronizou o bezerro de ouro e, com esse manipanso vai enlouquecendo homens e nações. Do alto do monte das ambições o "Diabo" tem precipitado indivíduos e povos, depois de lhes haver prometido o sempre cobiçado domínio da Terra. No que respeita ao passado, sabemos que a Babilónia, o Egipto, a Grécia e a Roma dos Césares se despenharam no abismo. Quanto ao presente, vimos os Impérios Centrais, qual nova Cafarnaum, querendo galgar as nuvens, cair no pó.

  Cumpre, portanto, fecharmos a terceira porta atendendo ao conselho do Mestre: Ao senhor teu Deus adorarás e, só a ele darás culto.

  Adorar a Deus e só a ele prestar culto significa amar o próximo como a si mesmo e viver segundo a justiça. Esta é a realidade da vida. O "Diabo" continua, hoje como ontem, iludindo o homem com falaciosas promessas. O mundo não é propriedade do Diabo nem o será jamais dos ambiciosos. O homem é apenas usufrutuário da Terra por tempo incerto e limitado. O melhor uso que ele pode fazer de sua estada, nesta estância da vida, é iluminar o Espírito e fortalecer a vontade, fechando ao Diabo as portas da fraqueza da carne, do orgulho e da cobiça.

  Desse modo proclamará a sua independência, adorando e servindo a Deus através do culto da justiça, do amor e da verdade.

Ressurreição ~

  Vivemos no mundo da ilusão. A verdade não está naquilo que vemos, mas precisamente no que não vemos. Atrás do que cai sob o domínio de nossos olhos é que ela se oculta. Jogando com as faculdades do Espírito e, não com os sentidos, é que se surpreende a realidade das coisas.

  Ainda hoje há muita gente que supõe a Terra fixa, porque não a vê mover-se. Outros há que imaginam as cores como propriedade dos corpos; e se lhes dissermos que as cores não existem, são aparências ou impressões particulares produzidas na retina pela luz, segundo a sua natureza própria ou segundo a maneira como é reflectida pelos corpos duvidarão da nossa integridade mental.

  São conhecidos os fenómenos denominados — miragem — que se observam nos desertos arenosos da África, onde o viandante, por ilusão de óptica, vê nitidamente na atmosfera a imagem de objectos distantes e, até mesmo cidades, oásis, lagos, etc. E assim somos enganados a cada instante pelos nossos sentidos a propósito daquilo que nos afecta como expressão de realidade e, não passa de ficções...

  Dentre todas as ilusões que nos cercam, a maior e a de mais sérias consequências é a morte. Nada nos parece mais real e verdadeiro do que ela. É o epílogo fatal da vida, segundo o juízo geral. A própria ciência oficializada, longe de combater esse funesto erro, é a primeira a fortalecê-lo, apresentando pretensas documentações em seu abono. Não lhe aproveitam, neste particular, os exemplos do passado com respeito às muitas quimeras e fantasias sustentadas e difundidas como dogmas intangíveis pelo ensino escolástico da época.

  E, por ser assim, a morte, no sentido em que é considerada, vem gozando foros de realidade inconteste, de facto inconfundível e inexorável, não passando, no entanto, da maior de todas as ilusões de que a Humanidade tem sido e continua sendo vítima.

  Já disse alguém, com bastante justeza, que a pior mentira é a que mais se parece com a verdade. A morte está exactamente nesta condição; parecendo, segundo todos os aspectos, a última palavra no cenário da existência humana, não é mais que simples dissimulação da vida.

  A vida — eis a realidade verdadeira. É ela que vence, é ela que triunfa sempre, sobrepondo-se a todas as metamorfoses, a todas as contingências a que se submete na sua maravilhosa trajectória pela senda da eternidade.

  A vida não é o que vemos: o que vemos são apenas as suas manifestações através das formas organizadas. Quereis saber o que é a alma? dizia Santo Agostinho, olhai um corpo sem ela, O corpo com todos os seus órgãos; o corpo intacto, completo e perfeito não passa de um cadáver se lhe escapa a alma, sede da vida. Sem que lhe falte coisa alguma do que se vê, falta-lhe tudo, porque lhe falta a vida que se não vê.

  A semente nos oferece outro exemplo edificante. Divida-se em algumas fracções uma semente em óptimas condições germinativas. Reunindo cuidadosamente essas partes, sem que das mesmas se perca a mais insignificante parcela, reconstitua-se a semente e, lance-se à terra: jamais germinará. Porquê? Porque ao fragmentá-la evolou-se aquilo que os nossos olhos não vêem e, que é tudo: a vida.

  A vida não é a forma organizada, por mais complexa que essa forma seja. Ora, como vemos a forma e não vemos a vida que a anima, tomamos, por isso, o efeito pela causa, concedendo à morte o império sobre a vida, quando, na verdade, é esta que fatalmente reina sobre aquela.

  Difícil, no entanto, tem sido convencer o homem deste facto. A ilusão da morte dominou-o de tal maneira que ele se obstina em considerá-la como flagrante realidade.

  Sendo a ressurreição, como é, um fenómeno natural que a cada instante se opera, no meio em que nos encontramos, é ainda considerada como utopia pela ciência mundana e, como milagre pela fé dogmática.

  A passagem do Homem-Deus pela Terra, assinalando o acontecimento mais extraordinário da História humana, teve por objecto, em síntese, revelar ao homem a imortalidade através de um testemunho positivo, palpável, categórico.

  Jesus (i) veio a este mundo exemplificar o poder da vida sobre a morte; morreu para que todos vissem como se morre; ressuscitou para que todos vissem como se ressuscita. O epílogo de sua existência terrena não foi a agonia do Calvário: foi a ascensão de Betânia. Da mesma sorte, o triunfo majestoso do seu ideal não se verificou no patíbulo da cruz, mas sim nas suas aparições a Madalena, aos dois peregrinos de Emaús e, finalmente, aos apóstolos no cenáculo de Jerusalém.

  O Cristianismo é, por excelência, a religião da vida em oposição às religiões da morte. "Deixai aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos. Deus, não é Deus de mortos: para Ele todos vivem" — assim predicava o Mestre divino. Não obstante, os seus discípulos, testemunhas oculares da imortalidade manifesta no seu Mestre, dificilmente se renderam à evidência dessa revelação, a maior certamente de todas que, na sua misericórdia, o céu tem outorgado à Terra.

  Paulo (i), o insigne pioneiro da nova fé, convertido pelo Cristo redivivo, insistia continuamente sobre a imortalidade, fazendo girar em torno desse assunto todas as suas prédicas e epístolas.

  Jesus (i) ressuscitou: eis a nova alvissareira para a Humanidade Eis a esperança — mais que a esperança — eis a fé; mais que a fé, eis a certeza, eis o facto positivo e palpável da continuidade da vida além do túmulo.

  É necessário, acentuava o Converso de Damasco, que este corpo corruptível se revista de incorruptibilidade; que esta forma mortal se revista de imortalidade. Semeia-se em vileza, ressuscita-se em glória. O derradeiro inimigo a vencer é a morte. Quando, pois, este nosso corpo perecível e mortal se revestir de glória e de imortalidade, então diremos: tragada foi a morte na vitória! Onde está, ó morte, o teu poder?

  São essas palavras de vida que as vozes do céu hoje rememoram, anunciando e testemunhando mais uma vez a eterna verdade; nada morre, nada se extingue, nada se aniquila na Natureza. É a vida e, não a morte, que domina a criação, entoando o cântico sublime da imortalidade. É o Espírito que vence a morte e, não a morte que vence o Espírito.

  A própria matéria não é destruída na mais pequenina parcela. O seu aniquilamento é aparente, é ilusório; as formas se desfazem para se organizarem em seguida sob aspectos novos e mais aperfeiçoados. A ressurreição é a aurora perenal que envolve o Universo; é o sol da vida, sol sem ocaso, pairando majestoso no Levante sempiterno.

  Hosanas a Jesus ressuscitado, imagem da vida eterna, testemunho vivo da imortalidade, símbolo da vitória do Espírito sobre as formas perecíveis!

  Tu és, como bem o disseste, a ressurreição e a vida; o que crê em ti, ainda que esteja morto, viverá; e todo o que vive e crê em ti, nunca morrerá!

/...
(1) Deus/Inteligência organizadora. Adenda desta publicação.

"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.”

                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius”


Pedro de Camargo “Vinícius” (i), "Em torno do Mestre", Primeira Parte / Seixos e Gravetos; Humildes de espírito / Tentação / Ressurreição, 17º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer)  

sexta-feira, 23 de junho de 2023

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXVII 

~~~ A Grande Doutrina 

 A guerra mundial (1) marcou o fim de uma época e para nós se inicia um novo período histórico, oferecendo aos homens de saber e de boa vontade uma tarefa imensa. Trata-se de refazer todo o género humano, por meio de uma educação, uma moral e de uma fé novas. É preciso mostrar às gerações que estão a passar, a meta que devem atingir, lhe ensinar o sentido profundo da vida, a nobreza do trabalho e a grande lição da morte. 

 É preciso ensinar a todos que a vida é sagrada até mesmo nos seus aspectos comuns, apesar de suas provações e de suas dores, principalmente em razão destas, já que a vida é para nós um supremo recurso de progresso e elevação. Devemos ensinar-lhes que as vidas humildes, obscuras e operosas, quando não representam o resgate de um passado criminoso, correspondem a um processo eficaz de aperfeiçoamento. 

 É preciso demonstrar-lhes a virtude do sacrifício e a vaidade das riquezas que nos prendem à matéria. É pela abnegação que o ser adquire todo o seu poder de irradiação e espalha salutar influência em tudo quanto realiza e em tudo que o rodeia. 

 Através de mil vidas, o homem deve ir conhecendo todas as alternativas do prazer e da dor, sendo esta última, inegavelmente, a mais fecunda para o seu progresso. Essa é a razão pela qual temos mais causas de pesar do que de felicidade. 

 A décima sexta Tríade (idiz: “Tudo é padecer em Abred (a Terra) porque sem isso não se pode conseguir conhecimento completo sobre coisa alguma”. 

 O homem deve ocupar, alternadamente, as situações sociais mais variadas, para passar pelas provações e adquirir as qualidades desses diversos meios. As situações fáceis nos estimulam a desenvolvermos as nossas faculdades, cultivarmos as artes e as ciências e exercermos a beneficência. As situações obscuras e de dependência nos ensinam a paciência, a disciplina, a economia e a perseverança no trabalho. 

 Ora vencido pelo destino, ora por ele servido, o homem abre caminho através dos obstáculos, porém cada vez que supera uma dificuldade sente que lhe aumenta a força, a vontade se retempera e a sua experiência se enriquece. 

 Em cada reencarnação ele retorna à vida terrena, como a uma escola saudável onde ganhará novos méritos e, recomeça a luta que deve aumentar-lhe o cabedal de energia e as riquezas do espírito e do coração. 

 Assim, de vida em vida, como a borboleta que sai da crisálida, ele sente desprender-se, pouco a pouco, da individualidade grosseira do começo, um espírito poderoso, luminoso, de sabedoria e de amor. E, de esfera em esfera, de mundo em mundo, prosseguirá a sua carreira, ligado aos seres que ama, para com eles chegar, um dia, à plenitude da ciência, da virtude e da felicidade. 
~~~
 A revelação dos espíritos efectua-se através de fenómenos cujo conjunto forma uma nova Ciência, uma Ciência que encontra, em tais factos, preciosos elementos de desenvolvimento e progresso. A Ciência convencional havia chegado aos limites finais do mundo da matéria. 

 Diante dela, agora, o Invisível se mostra com as suas imensas forças e as suas leis espirituais, sem o conhecimento de tais leis é impossível compreender a vida nas suas variadas formas e no seu progresso colossal. 

 A análise metódica e racional das manifestações colocará a Ciência em contacto com o mundo dos espíritos, aproximando as humanidades e facilitando a sua colaboração num programa de trabalho que resultará no mais amplo entendimento do universo psíquico e das condições da vida nas suas fases superiores, mas esse é apenas um dos dois aspectos de uma grande questão. 

 A Ciência é necessária, mas não é bastante, porque a corrente científica deve ter, como paralelo e complemento, a corrente popular, que levará às multidões o ensino e o conforto de que precisam. A Ciência é complexa e por isso inacessível ao maior número de pessoas. O ensino popular deve ser singelo e estar ao alcance de todos. 

 Faz cinco anos que epidemias, luto e todas as desgraças [ provenientes da guerra ]* causaram cruéis feridas à França; são inúmeras as almas que a dor atingiu e, que exigem a parcela de verdade e luz que lhes cabe. 

 Assim, devemos procurar a humanidade sofredora, mostrando-lhe as perspectivas consoladoras do Invisível e do além-túmulo, demonstrando-lhe a certeza da sobrevivência e da imortalidade da alma, a alegria de se tornarem a ver os que foram separados pela morte. 

 Devemos dirigir-nos ao povo que é desprovido de ideal, aos humildes e aos pequenos aos quais o materialismo enganou, pois só fez medrar neles o gosto pelos prazeres e os sentimentos de ódio e de inveja; devemos ir até eles levando-lhes o ensinamento moral, a alta e pura doutrina que aclara o futuro e nos mostra como a justiça se realiza por intermédio das vidas sucessivas. 

 Todos vós que amais a justiça e a procurais no estreito círculo que o vosso olhar abrange, raro a encontrareis nas obras humanas ou nas instituições deste mundo inferior. Dilatai os vossos horizontes e podereis vê-la expandir-se na série das nossas vidas através dos tempos, pela simples análise dos efeitos e das causas. 

 O bem e o mal remontam sempre às suas origens e o crime recai pesadamente sobre os seus autores. O nosso destino é obra nossa, mas só se ilumina com o conhecimento do passado e, para nos apoderarmos do seu encadeamento, é necessário contemplarmos do alto e, no seu conjunto, o panorama vivo de nossa própria história. 

 Todavia, isso só seria possível para o espírito que se encontre desligado do envoltório carnal, seja pela exteriorização durante o sono, seja pela morte. Então, das sombras e contradições do presente, aparecerá para ele, no seu esplendor e na sua soberana majestade, a grande lei que regula o progresso dos seres, da mesma forma como rege a marcha dos mundos. 

 Quando os apóstolos da causa social compreenderem e ensinarem essa nobre doutrina, nela irão encontrar fecunda fonte de inspiração. Ela lhes dará à palavra o poder de penetração, o calor que derrete os gelos da indiferença e do cepticismo, trazendo-lhes uma onda purificadora e regeneradora ao coração. 

 Espero aqui as mesmas contestações que me foram endereçadas durante certas conferências seguidas de debate público. Dir-me-ão: “Essa é a linguagem que usaram todas as opressões políticas e religiosas através dos séculos, para dominar e subjugar as multidões e, tais promessas de vidas futuras, embora apresentadas de outra forma, são sempre, no dizer de Jean Jaurès; – uma velha cantiga que acalenta a miséria humana”. 

 Pode ser que a nossa forma de ver não coincida com a teoria deste ou daquele teórico; o que procuramos, acima de tudo, é a verdade e, para descobri-la, convém que nos elevemos às serenas regiões onde as paixões políticas não chegam e onde os interesses materiais não reinam. Indagai os grandes mortos – responderei aos meus contraditores –, inspirai-vos com os seus conselhos. Eles confirmarão a existência dessas leis superiores fora das quais é inútil e estéril qualquer obra humana. 

 Enquanto limitardes o vosso pensamento aos estreitos horizontes da vida actual e não quiserdes ver nela o que ela representa na verdade, isto é, um degrau para subir mais alto, serão inúteis as vossas tentativas para criar neste mundo uma ordem de coisas que esteja de acordo com a justiça, assim como têm sido inúteis todos os esforços que o vosso talento tem realizado. 

 [ Observai o que está a acontecer lá no oriente da Europa, onde a tremenda luta de classes lança as nações num abismo, onde nenhum raio de idealismo brilha. Vede essa maré crescente das paixões desencadeadas por um materialismo grosseiro que tudo ameaça invadir! Não obstante certas teorias, o que é necessário fazer para se atingir a paz social e a harmonia é o acordo íntimo das inteligências, das consciências e dos corações e isso só nos será dado por uma grande doutrina, uma revelação superior que trace a rota humana e fixe os nossos deveres comuns. ]* 

 Afirmamos que, na história do mundo, as catástrofes geralmente são sinais precursores de tempos novos, o anúncio de que se prepara uma transformação e de que a humanidade vai passar por profundas transformações. 

 A morte abriu clareiras numerosas entre os homens, porém entidades mais evoluídas encarnarão na Terra e as legiões inumeráveis das almas libertas pela guerra pairarão acima de nós, ávidas por participar dos nossos trabalhos, dos nossos esforços, para transmitir aos que elas deixaram no mundo a confiança em Deus e a fé num porvir mais auspicioso. 

 A acção dessas almas se estende e se impõe cada vez mais, provocando testemunhos inesperados que, às vezes, vêm de bem alto. O jornal "L’Homme Livre", por exemplo, em 1º de janeiro de 1919, registava o seguinte: “Os nossos queridos mortos estão ao nosso lado e a humanidade se compõe mais de mortos que de vivos; somos governados pelos mortos”. 

 Numa oratória magnífica, na Câmara dos Deputados, Georges Clemenceau evocava os espíritos de Léon GambettaAuguste Scheurer-KestnerAlfred Chanzy e outros ilustres mortos, convidando-os a serem “os primeiros a transpor as terríveis portas de ferro que a Alemanha fechou contra nós”. 

 O próprio Presidente da República, Raymond Poincaré, disse no seu discurso de Estrasburgo: “Connosco, Alsácia, tu honrarás a memória de nossos mortos, porque tanto ou mais do que os vivos, foram eles que te libertaram”. 

 Os obreiros de nossa vitória não foram apenas esses grandes mortos, pois à frente deles vemos os Espíritos de Luz (i) que nos mostram o caminho sagrado e os altos destinos que nos aguardam. 

 É lógico que muitos homens e, não apenas os de menor valor, por meio das provações sofridas, foram curados dessa sensualidade e desse cepticismo pestilento que quase levaram a França à perdição. 

 Actualmente, um grande sopro passa pelo mundo, conduzindo as almas para uma síntese onde tudo o que existe de bom e verdadeiro nas antigas crenças se vem juntar às obras da Ciência e do pensamento moderno, formando um instrumento valioso na educação e na disciplina sociais. 

 Entretanto, às vezes a sombra se condensa e a escuridão da noite se torna maior à nossa volta, multiplicam-se os perigos e terríveis ameaças pesam sobre a civilização, porém nessas horas sentimos mais perto de nós os nossos grandes irmãos do Espaço. 

 Os seus fluidos vivificantes nos amparam e nos penetram. Graças a eles acendem-se, no horizonte, clarões de aurora que iluminam o nosso caminho. No meio do caos dos acontecimentos, um novo mundo se delineia... 

/… 
(1) Primeira guerra mundial 1914-1918. Adenda desta publicação. 
Parênteses atribuídos por esta publicação. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXVII A Grande Doutrina, 43º fragmento e o último desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeiraguerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)  

domingo, 18 de junho de 2023

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranografia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographiques)
(IX)

As estrelas fixas ~ 🌈

  As estrelas a que chamamos fixas e que constelam os dois hemisférios do firmamento, não estão de maneira nenhuma isoladas de toda a atracção exterior como geralmente se supõe; longe disso, pertencem todas a uma mesma aglomeração de astros estelares. Esta aglomeração não é outra senão a grande nebulosa de que fazemos parte e cujo plano equatorial que se projecta no céu recebeu o nome de Via Láctea. Todos os sóis que a compõem são solidários; as suas múltiplas influências reagem perpetuamente uma sobre a outra e a atracção universal reúne-as todas numa mesma família.

  Entre estes diversos sóis, a maior parte está, como o nosso, rodeado de mundos secundários que iluminam e fecundam pelas mesmas leis que presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como Sírio, são milhares de vezes mais magníficos em dimensão e em riquezas que o nosso e o seu papel mais importante no Universo, assim como há planetas em maior número e muito superiores ao nosso a rodeá-lo. Outros são muito diferentes pelas suas funções astrais. É assim que um certo número destes sóis, verdadeiros gémeos da ordem sideral, se encontram acompanhados pelos seus irmãos da mesma idade e formam, no espaço, sistemas binários a que a natureza atribuiu funções muito diferentes das que pertencem ao nosso Sol (**).

  Apesar do número prodigioso destas estrelas e dos seus sistemas, apesar das distâncias incomensuráveis que as separam, não deixam por isso de pertencer todas à mesma nebulosa estelar que as observações dos mais potentes telescópios mal podem atravessar e que as concepções mais arrojadas da imaginação mal conseguem ultrapassar; nebulosa que, todavia, não passa de uma unidade na ordem das nebulosas que compõem o mundo astral. 

  As estrelas a que chamamos fixas não estão de maneira nenhuma imóveis na vastidão. As constelações que imaginámos sobre a abóbada do firmamento não são criações simbólicas reais. A distância da Terra e a perspectiva sob a qual medimos o Universo a partir desta estação são as duas causas desta dupla ilusão de óptica. (Capítulo V, n.º 12.) 

  Vimos que a totalidade dos astros que brilham na cúpula azul está encerrada numa mesma aglomeração cósmica, numa mesma nebulosa a que chamamos Via Láctea; mas, por pertencerem todos ao mesmo grupo, estes astros não deixam de ser animados cada um deles por um movimento próprio de translação no espaço; o repouso absoluto não existe em lado nenhum. São regidos pelas leis universais de atracção e rolam no espaço sob o impulso incessante desta força imensa; rolam, não de acordo com rotas traçadas por acaso, mas segundo as órbitas fechadas, cujo centro é ocupado por um astro superior. Para tornar as minhas palavras mais compreensíveis através de um exemplo, falarei especialmente do vosso Sol. 

  Sabemos, pelas observações modernas, que não é fixo nem central, como se julgava nos primeiros tempos da astronomia nova, mas que avança no espaço arrastando com ele o seu vasto sistema de planetas, de satélites e de cometas. 

  Ora esta caminhada não é fortuita e não vai mesmo errando em vazios infinitos, perder longe das regiões que lhe estão consignadas os seus filhos e os seus súbditos. Não, a sua órbita é calculada e, conjuntamente com outros sóis da mesma ordem que ele e como ele rodeados de um certo número de terras habitadas, gravita à volta de um sol central. O seu movimento de gravitação, tal como o dos sóis seus irmãos, não é apreciável nas observações anuais, pois períodos seculares em grande número mal bastariam para marcar o tempo de um desses anos astrais. 

  O sol central de que acabámos de falar é ele mesmo um globo secundário relativamente a um outro mais importante ainda à volta do qual perpetua uma caminhada lenta e calculada em companhia de outros sóis da mesma, ordem. 

  Poderíamos verificar esta subordinação sucessiva de sóis para sóis que a nossa imaginação se cansasse de percorrer uma tal distância; porque, não o esqueçamos, podemos contar em números redondos uns trinta milhões de sóis na Via Láctea, subordinados uns aos outros como gigantescas rodas dentadas de um imenso sistema. 

  E estes astros, em quantidade incontável, vivem, cada um deles, uma vida solitária; tal como nada está isolado na economia do vosso pequeno mundo terrestre, nada está isolado no incomensurável Universo. 

  Estes sistemas de sistemas pareceriam de longe, ao olhar investigador do filósofo que fosse capaz de abarcar o quadro desenvolvido pelo espaço e pelo tempo, uma poeira de pérolas de ouro levantada em turbilhões sob o sopro divino que faz voar os mundos siderais nos céus como grãos de areia no deserto. 

  Acabou-se a imobilidade, o silêncio e a noite! O grande espectáculo que assim se desenvolvesse sob o nosso olhar seria a criação real, imensa e plena de vida etérea que o olhar infinito do Criador abarca no conjunto imenso. 

  Mas até aqui só falámos numa nebulosa; os seus milhões de sóis, os seus milhões de terras habitadas não formam, como dissemos, mais do que uma ilha do arquipélago infinito. 
                                                                                            Pelo Espírito de Galileu 

/… 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.)
(**) É aquilo a que se chama em astronomia estrelas duplas. São dois sóis em que um gira à volta do outro, como um planeta à volta do seu sol. De que estranhos e magníficos espectáculos devem usufruir os habitantes dos mundos que compõem estes sistemas iluminados por um duplo sol! Mas também como devem ser aí diferentes as condições da vida!
Numa comunicação feita posteriormente, O Espírito de Galileu acrescenta: «Há mesmo sistemas mais complicados onde dois sóis diferentes representam, em face um do outro, o papel de satélites. Produzem-se então efeitos de luz maravilhosos para os habitantes dos globos que iluminam; tanto mais que, apesar da sua proximidade aparente, entre eles podem circular mundos habitados e receber alternadamente ondas de luz diversamente coloridas cuja reunião forma a luz branca.» Aí, os anos já não se medem pelos mesmos períodos, nem os dias pelos mesmos sóis e estes mundos iluminados por duplo archote recebem em herança condições de existência inimagináveis para os que nunca saíram deste pequeno mundo terrestre.
Os astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam os melhores elementos de habitabilidade alguma vez dados a alguém. As leis da natureza são diversificadas na sua imensidão e se a unidade é a palavra importante do Universo a variedade infinita não deixa de ser o seu eterno atributo. (N. do A.) 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – As estrelas fixas (de 37 a 44), 31º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida. 
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).