Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo V

A Auvergne. Vercingétorix, Gergovie e Alésia 
(III)

   É no ano de 53 a.C. que, dolorosamente influenciado pela situação da Gália, Vercingétorix toma a resolução de se consagrar à salvação de sua nação. César tinha derrotado separadamente os éburons, os trévires, os sénones, depois retornou para a Itália, deixando suas dez legiões dispersas no norte e no leste. Aproveitando as circunstâncias, Vercingétorix, em pleno inverno, percorreu as tribos preparando uma sublevação geral e, por sua eloquência máscula, reanimou os ardores patrióticos e levantou as coragens abatidas.

   Uma assembleia solene, de todos os chefes gauleses, teve lugar na floresta sagrada dos carnutos. Ali, sob as bandeiras das tribos, reunidas em aglomerados, os chefes fizeram o juramento de se unirem contra os romanos e proclamaram Vercingétorix como chefe supremo. Eles sonhavam com uma pátria colectiva, com uma grande Gália livre e federada, realização dessa fraternidade céltica, concebida pelos druidas. Vercingétorix tentou introduzir mais ordem e método na organização militar e nos movimentos da armada gaulesa. Ele mostrou tanta habilidade e precisão que provocou este elogio pouco comum de seu inimigo: “Ele foi tanto activo quanto severo no seu comando.” *

   Pode-se perguntar onde o grande chefe arverno, ainda jovem, tinha obtido suas aptidões e seu conhecimento. Parece que a função que se deve atribuir ao mundo invisível na história começa a sair do domínio exclusivo das religiões para penetrar pouco a pouco na ciência. Esta função o Sr. Camille Jullian a reconhece, ou melhor, a discerne na vida de seu herói, e a relaciona a outros exemplos célebres; os de Sartório e de Mário, que tiveram suas profetisas, como Civilis teve Velléda. “Vercingétorix disse que teve ao seu redor agentes que o colocavam em relação com o céu.” **

   Mas o terrível procônsul, ao ser informado da sublevação da Gália, deixou rapidamente Ravenna e, após uma viagem rápida, realizou um acto tido como irrealizável em pleno inverno. Ele atravessou as Cévennes por veredas abruptas, com 30 centímetros de neve, e investiu com sua pequena armada sobre o país arverno, obrigando, assim, Vercingétorix a dirigir suas forças para o sul e a libertar as legiões cercadas. Após esse desvio estratégico, César desceu pelo vale do Loire e juntou, às pressas, a parte principal das legiões a fim de ser capaz de enfrentar os acontecimentos.

   Não é surpreendente achar, a dezoito séculos de distância, factos análogos nessa outra existência do mesmo homem de génio que foi sucessivamente Júlio César e Napoleão Bonaparte? A passagem de Cévennes não teria por complemento aquela do Grand Saint Bernard, e o 18 brumário *** não lembra a passagem do Rubicão?

   Alguns meses depois, o cerco de Bourges pelos romanos, heroicamente sustentado pelos seus habitantes, mostrou toda a utilidade das reformas de Vercingétorix.

   Para devastar a área da armada romana, os bitúriges põem fogo, por sua ordem, em vinte de suas vilas. César sobe de novo até a Auvergne com suas legiões e ataca a Gergovie, foco da independência gaulesa; ele é repelido, forçado a deixar seu campo e a bater em retirada durante a noite.

   O general romano, que não tinha cavalaria, não hesitou em mandar vir de além do Reno, para alistar, bandos de cavaleiros germânicos semi-selvagens. E é assim que, após ter proclamado muitas vezes, altissonante, que ele não vinha à Gália a não ser para defendê-la contra os germanos, foi ele mesmo que abriu o caminho às invasões. Na batalha de Dijon, os pesados esquadrões germânicos romperam a cavalaria gaulesa e Vercingétorix, reduzido à sua única infantaria, teve que se refugiar na Alésia.

   Finalmente, vem o cerco memorável dessa vila pelos romanos, os trabalhos gigantescos das legiões para sitiar o lugar e a chegada da armada de socorro, isto é, quase toda a Gália em armas. Esta armada foi lenta para se reunir, os chefes se ajuntaram, de início, em Bibracte, formando um conselho geral, para discutir os planos de Vercingétorix. Se havia entre eles homens devotados, sem excepção, à liberdade da Gália, havia, também os ambiciosos de duas caras, como os dois jovens eduenos Viridomar e Eporédorix, ambos decididos a favorecer, em segredo, os desígnios de César.

   Numa luta horrorosa de três dias, o impulso furioso dos arvernos desbarata as linhas romanas, mas a traição dos eduenos aniquila seus esforços e a armada gaulesa se dispersa, abandonando os defensores de Alésia à sua própria sorte.

   Vercingétorix, vencido, poderia fugir, mas preferiu se oferecer como vítima expiatória a fim de poupar a vida de seus companheiros de armas. César, estando assentado num tribunal, no meio de seus oficiais, vê as portas da Alésia se abrirem. Um cavaleiro de alta estatura, coberto de uma magnífica armadura, aparece a galope, descreve três círculos com seu cavalo ao redor do tribunal e, com ar altivo e grave, joga sua espada aos pés do procônsul. Era o chefe arverno que se entregava ao seu inimigo. Os romanos, impressionados, se afastaram com respeito, mas César, mostrando a baixeza de seu carácter, prostra-o com injúrias, acorrenta-o, manda-o para Roma e o joga na prisão mamertina, calabouço escuro, com uma única entrada, pela abóbada. Após seis anos de prisão horrenda, ele foi retirado para figurar como triunfo de César, e daí foi entregue ao carrasco (46 a.C.).

   Um dia, no correr dos tempos, esses dois homens se reencontraram servindo à mesma causa, sob o mesmo estandarte. César se chamou, então, Napoleão Bonaparte e Vercingétorix tornou-se o general Desaix. Em Marengo, quando a batalha parecia perdida para os franceses, Desaix chegou na hora exacta, com a sua divisão, para salvar seu antigo inimigo, e esta foi toda a sua vingança!

   Edouard Schuré escreveu a respeito de Desaix, **** após ter lembrado seus grandes feitos:

   “Ele foi a modéstia na força, a energia na abnegação. Procurava sempre o segundo lugar, e aí se conduzia como se fosse o primeiro. Batido mortalmente em Marengo, nesta grande batalha que ganhou para o primeiro cônsul, e temendo que sua morte desencorajasse os seus, disse simplesmente àqueles que o dominavam: “Não lhes digam nada.”

   Nesses detalhes históricos, não se encontra uma confirmação daquilo que nos têm dito nossos instrutores do espaço sobre a identidade desses dois personagens, Vercingétorix e Desaix, animados pelo mesmo espírito no correr dos séculos? Foi assim com César e Napoleão e com muitos outros casos semelhantes.

   Se o olhar do homem pudesse sondar o passado e reconstituir o elo que une suas vidas sucessivas, muitas surpresas lhe seriam reservadas, porém más lembranças e angústias também viriam se misturar às dificuldades da vida presente e agravá-las! Eis por que o esquecimento lhe é dado durante a passagem do vau, isto é, durante a estada terrestre. Mas no desprendimento corporal, nas horas de sono e, sobretudo, após a morte, o espírito evoluído retoma o encadeamento de suas existências passadas, e na lei das causas e efeitos, em vez de vidas isoladas, incoerentes, sem precedentes e sem sequência, ele contempla o conjunto lógico e harmonioso de seu destino.

   Do mesmo modo que visitei a pé, com um sentimento de respeito, o santuário céltico da Bretagne, creio dever fazer a peregrinação da Gergovie e da Alésia. Eu escalei as escarpas da Acrópole arverna e mais tarde subi a inclinação suave que, da estação de Laumes, leva à Alise. Uma neblina fria e penetrante envolvia a planície, enquanto no horizonte o disco avermelhado do Sol parecia se esforçar para furar a cerração.

   Percorrendo as ruas da vila, percebi, com surpresa, uma estátua equestre com esta inscrição: “À Jeanne d’Arc, la Bourgogne”. Este é, então, um monumento expiatório? Prosseguindo minha ascensão, atingi o planalto onde se ergue a estátua gigantesca do grande antepassado. Ali, solitário, pensei por muito tempo, meditei tristemente em tudo que é preciso – lutas, sangue e lágrimas – para assegurar a evolução humana.

   A figura grandiosa e nobre de Vercingétorix se liberta da sombra dos tempos como um exemplo sublime de sacrifício e de abnegação. Ele acreditava na pátria gaulesa, no seu futuro, na sua grandeza, e por essa pátria lutou, sofreu e morreu. Ele foi lembrado, na hora suprema, do juramento pronunciado em frente ao céu, no promontório bretão, no seio das vagas furiosas.

   Ao se oferecer em holocausto para salvar seus companheiros de armas, ele se inspirou também naquilo que lhe tinham ensinado os druidas: é pelo esquecimento de si mesmo, por imolação do “eu” em proveito dos outros, que se alcança o “Gwynfyd”.

   Para lembrança desses heróis, Gergovie e Alésia tornaram-se, para sempre, os lugares sagrados onde a alma céltica adora se recolher para meditar e orar.
/…

* Comentários da Guerra Gálica, César.
** Obra citada, p. 133.
*** Brumário – Segundo mês do calendário republicano francês. (N.T.)
**** Ver Les Grandes Légendes de France, p. 65



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO V – A Auvergne. Vercingétorix, Gergovie e Alésia 3 de 3, 18º fragmento da obra.
(imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

domingo, 14 de abril de 2013

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Motivos de Dificuldades nas Curas

Há curas que se verificam com surpreendente facilidade e rapidez, dando às vítimas de graves perturbações e às suas famílias a impressão de um socorro divino especial. Nosso povo, de formação geralmente católica, está sempre disposto a se deslumbrar com milagres. Não há privilégios numa estrutura orgânica perfeita, como a do Universo, regida por leis infalíveis e teleológicas, ou seja, leis que dirigem tudo no sentido de fins previstos. A cura fácil e rápida decorre de méritos pessoais do doente, de compensações merecidas por esforços despendidos por ele no seu desenvolvimento espiritual e em favor da evolução humana em geral. O objectivo da vida é o desenvolvimento das potencialidades que trazemos em nós como sementes de angelitude e divindade semeadas na imperfeição humana. Os que compreendem isso, se procuram conscientemente trabalhar para que essas sementes germinem mais depressa, adquirem créditos que lhes são pagos no momento exacto das necessidades. Quando Jesus dizia a um doente: “Perdoados foram os teus pecados”, não era porque ele fizesse um milagre naquele instante, mas porque o doente vencera a sua prova graças aos seus méritos.

As doenças revelam desajustes da nossa posição existencial. Esses desajustes decorrem da liberdade de que dispomos em face das exigências evolutivas. A dor, a angústia, as inibições são como campainhas de alarme prevenindo-nos de abusos ou descuidos. Sem a liberdade de errar não poderíamos desenvolver as nossas potencialidades espirituais. A ideia do castigo divino, do juízo de Deus condenando os que erram é uma maneira humana, antropomórfica, de interpretarmos os acidentes de nossa viagem na astronave planetária que nos faz rodar em torno do Sol. Podemos socorrer-nos dessa imagem para modificar a nossa antiquada maneira de ver e interpretar a nossa precária passagem pela Terra. Somos passageiros de uma nave cósmica, envoltos no escafandro de carne e osso, submetidos a experiências semelhantes às dos astronautas que, não podendo ainda atingir as estrelas, fazem exercícios na órbita planetária. Acidentes da viagem, falhas técnicas, dificuldades, fracassos perigosos, dor e morte dependem da nossa maneira de agir durante a viagem e da nossa perícia ou imperícia, do grau de responsabilidade, de perspicácia, de bom senso, de calma, de amor e respeito ao semelhante que conseguimos desenvolver. Deus, consciência Cósmica, não interfere em nosso aprendizado, mas também não está alheio ao que se passa connosco. Da mesma maneira que um telepata na Lua pode captar as mensagens mentais que lhe sejam enviadas da Terra ou de outras naves espaciais, a mente suprema de Deus capta, naturalmente, ligada a tudo o que se passa no Universo, nos seus mínimos detalhes. Se necessário, as entidades a seu serviço serão enviadas a socorrer-nos. Por toda a parte os seres espirituais agem continuamente no universo. Como dizia o filósofo e vidente Tales de Mileto, na Grécia Antiga: “O mundo está cheio de deuses, que trabalham na terra, nas águas e no ar.” É fácil compreendermos isso se nos lembrarmos da infinidade de seres invisíveis e visíveis que enchem o Universo agindo em todos os sentidos, sob uma orientação secreta, como robôs vivos, para manterem as condições adequadas em cada organismo dos reinos naturais e em nós mesmos. Se isso se passa no plano material denso, com muito mais facilidade podemos imaginar essa vigilância infinita no plano espiritual. A Providência Divina é o modelo supremo, arquetípico, de todas as formas de providência que os homens organizam na Terra. As grosseiras imagens de Deus e de sua acção no Universo, que as religiões nos deram no passado, são agora substituídas por visões mais lógicas, racionais e justas, graças aos progressos do homem, no conhecimento progressivo e incessante da realidade em que vivemos. São retrógrados todos aqueles que ainda se apegam, em nossos dias, às ideias ingénuas de um passado de milhares de anos. Mal iniciamos os primeiros passos na Era Cósmica e já podemos compreender melhor a beleza e a ordem da Obra de Deus e a importância suprema de seus objectivos que são, na verdade, o destino de cada um de nós.

As dificuldades nas curas pela terapia espírita decorrem, portanto, de nossas atitudes e acções no passado e no presente. Se prejudicámos a evolução de criaturas e comunidades em nossos avatares anteriores, é natural que agora tenhamos de suportar a sua companhia e sofrer a sua inferioridade em nosso ambiente individual. Nenhum mago ou sacerdote nos livrará disso, nenhum exorcismo nos libertará, mas a nossa compreensão espiritual do problema e o nosso desejo natural de reparar os erros do passado nos fará livres através dos entendimentos possíveis que os fenómenos mediúnicos nos propiciam. Como ensinou Jesus, devemos aproveitar a oportunidade de estarmos no mesmo caminho com o adversário, para nos entendermos com ele. Se soubermos fazer isso com amor, chegaremos ao fim da caminhada comum como companheiros e amigos, prontos para novas conquistas em nossa evolução. A terapia espírita nos dá o socorro possível na medida exacta da nossa capacidade de recebê-lo. Não é, porém, por meio de actos vulgares e interesseiros de caridade e nem de medidas artificiais de reforma interior que chegaremos a esse resultado. Lembremo-nos do moço rico que procurou Jesus, perguntando-lhe o que faltava para ele merecer o Reino dos Céus. Jesus tocou-lhe no ponto decisivo da questão – o desapego dos bens terrenos –, mandando-o vender tudo o que possuía e distribuir o resultado aos pobres. O moço entristeceu-se e retirou-se da presença do Mestre. Não era a fortuna em si que o prejudicava, mas o seu apego a ela, a sua incapacidade de compreender ainda o verdadeiro sentido da vida. Por isso também a definição de Paulo sobre a caridade, num arrebatamento espiritual do apóstolo, ainda não foi compreendida por nós. O apego às condições passageiras da vida terrena, aos seus bens transitórios, perecíveis, nos impede de abrir o coração e a mente para a suprema e imperecível grandeza da realidade espiritual. Dar esmolas, socorrer as necessidades do próximo são apenas meios de aprendizagem que nos levam à libertação. Temos de ir além, de abrir a nossa mente e o nosso coração para ver, sentir, brotando em nós mesmos, sem nenhum interesse inferior, a fonte oculta que não está no poço de Jacó, mas na realidade ôntica, espiritual, profunda da pobre mulher samaritana. Temos em nós toda a riqueza do Universo, com todas as suas constelações e todas as hipóstases da teoria de Plotino, mas continuamos apegados às vaidades e intrigas da Terra. A terapia espírita, que é a mesma de Cristo, nos oferece a água viva da sua nova concepção do ser e do mundo. Enquanto essa água não jorra em nós, não seremos curados.
/…


José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Motivos de Dificuldades nas Curas 1 de 2, 13º fragmento da obra.
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

terça-feira, 9 de abril de 2013

Seres Radiantes do espaço ~


Capítulo III

A Natureza, nos seus diversos aspectos, nos oferece um eterno encanto. Nossa vista, órgão ao mesmo tempo delicado e grosseiro, não percebe as formas de conjunto. Mas se, munidos de um microscópio, estudarmos a estrutura íntima dos corpos, o que acontecerá? Seremos obrigados a reconhecer que esses corpos são todos compostos de uma quantidade quase incalculável de partículas de uma subtileza prodigiosa, animadas de movimento constante e que se entrechocam, continuamente, num vertiginoso turbilhão. (I)

Por exemplo, quando a Ciência descobrir a causa da desintegração molecular das partículas do rádio, os cientistas conhecerão as forças profundas da natureza universal, forças misteriosas que, do centro da Terra até à mais distante estrela, interligam todos os mundos numa formidável unidade.

As desintegrações de átomos geram enormes quantidades de energia, maiores do que todas as reacções químicas. Por exemplo, a desintegração de um átomo de urânio libera 400.000 vezes mais energia do que a combustão de um átomo de carbono, segundo os químicos. Os raios catódicos, dizem eles, são produzidos por uma espécie de “bombardeio” contínuo de partículas infinitesimais a que chamamos electrões. Ao se fazer um vácuo suficiente em ampolas de vidro, como provou William Crookes, devolvem-se essas partículas ao estado de liberdade e de actividade, tanto mais acentuado quanto maior for a rarefacção. Com vácuo maior, sob a influência de uma corrente eléctrica, essas radiações apresentam cores delicadas, carmins e violetas e produzem-se, então, fluorescências que atingem o prodígio.

Esses fenómenos luminosos vêm confirmar o que nos dizem os espíritos sobre as propriedades da matéria subtil e os efeitos de luz, o uso das cores que desempenham tão grande papel em todas as situações da vida do Espaço.

Aumentando-se mais a rarefacção, obtêm-se radiações mais poderosas. Os raios catódicos, ao chocar as paredes de vidro, aumentam de intensidade e tomam o nome de raios X. (II) O seu poder de penetração ultrapassa tudo o que se conhecia antes deles; eles atravessam a madeira, os tecidos, os metais e mesmo as paredes; e verificou-se que sua acção se fazia sentir até 50 metros do ponto de emissão. O seu uso necessita de cuidados minuciosos, pois, se contribuíram para tratar de várias doenças, causaram também, às vezes, doenças mortais.

Todas essas descobertas nos revelam a existência de forças evidenciadas pela dissociação da matéria e que os espíritos utilizavam, desde muito tempo, nos fenómenos familiares aos estudantes do mundo invisível.

Não é demais insistir no facto de que os corpos ditos sólidos têm apenas uma densidade aparente, que resulta da imperfeição de nossos sentidos, e que, na realidade, eles se compõem de moléculas separadas umas das outras, por intervalos mais ou menos grandes, conforme a natureza desses corpos. Isso nos explica a sua penetrabilidade por radiações da matéria subtil e dos fluidos, em particular. O fenómeno de transporte, de materialização de espíritos e todos os factos dessa ordem encontram, aí, a sua explicação e todos aqueles que estudam, com atenção, essa Ciência do invisível, chegam a compreender e a admirar a harmonia das leis que unem o mundo sensível às forças e às manifestações do Além.
/…

(I) A análise da matéria, seja sólida, líquida ou gasosa, apresenta resultados inesperados. Foi assim que um físico calculou que um litro de ar (respirável) contém milhares de triliões de moléculas de oxigénio. Essas partículas, elas próprias, seriam apenas grupos de partículas ainda mais subtis; é assim que se chega à unidade da matéria reconhecida, agora, pela Ciência e que, segundo os alquimistas, justificam as esperanças no que se refere à transmutação dos corpos.

(II) Descobertos por W. Roentgen (1845-1923), físico alemão.



Léon Denis, O Espiritismo e as Forças Radiantes, Capítulo III, 1 de 4, 7º fragmento da obra.
(imagem: Anos e Anos de Viagem Sideral, pintura em acrílico de Costa Brites)

sábado, 6 de abril de 2013

Deus na Natureza ~


A Força e a Matéria I Posição do Problema

   O século que vivemos está desde já inscrito com caracteres indeléveis nas páginas da História. A partir dos mais remotos tempos, das velhas civilizações, nenhuma época viu, qual a nossa, esse magnífico despertar do espírito humano, para simultaneamente afirmar os seus direitos e a sua força. O mundo já não é o vale de lágrimas medieval, onde a alma vinha expiar a falta do primitivo pai e, confundindo-se no isolamento e na oração, acreditava conquistar um lugar no paraíso, ciliciando o corpo e cobrindo-se de cinzas.

  Os frutos da inteligência já não atestam as longas, abstrusas e infindáveis discussões de estéril metafísica, construídas de palitos e escoradas em subtilezas escolásticas, a que se entregaram cegamente poderosos génios, consagrando-lhes uma preciosa vida de estudos e despercebidos de assim perderem não apenas o seu tempo, mas o de algumas gerações.

  Lá, onde em murados claustros se concentravam monges e oratórios, ouve-se agora o ruído das máquinas, o ranger das engrenagens e o silvo do vapor das caldeiras combustíveis.

  Se as instituições monásticas tiveram o seu papel no período das invasões bárbaras, nem por isso deixou de soar a sua hora extrema, como sucede a todas as coisas perecíveis: o trabalho fecundo do operário e do agricultor substitui a decadência senil pela juvenilidade laboriosa e fecunda.

  No anfiteatro das Sorbonnes, onde se discutiam exaustivamente os seis dias da Criação, as línguas de fogo da Pentecoste, o milagre de Josué, a passagem do Mar Vermelho, a forma da graça actual, a consubstancialidade, as indulgências parciais ou plenárias, etc., etc., e mil assuntos outros difíceis de aprofundar, vemos hoje instalar-se o laboratório químico, no ambiente do qual a Matéria se faz docilmente pesar e mensurar; a mesa do anatomista, sobre cujo mármore se desvendam o mecanismo orgânico e as funções vitais; o microscópio do botânico, que surpreende os primeiros, oscilantes passos da esfinge da vida; o telescópio do astrónomo, que deixa entrever, para além dos céus transparentes, o movimento majestoso dos sóis gigantescos, regulados pelas mesmas leis que accionam a queda de um fruto; a cátedra de ensinamento experimental, à volta da qual as inteligências populares vêm agrupar suas filas atentas.

  O próprio globo terrestre transformou-se. Circunavegaram-no, mediram-no, e já não haverá Carlos Magnos que pretendam enfeixá-lo na mão. O compasso do geómetra destituiu o ceptro imperial.

  Oceanos e mares, em todas as latitudes, fendem-se ao impulso das quilhas levadas por velas pandas ou pela rotação das hélices potentes e trepidantes.

  Também – dragão flamívomo – a locomotiva percorre célere os continentes e, graças ao telégrafo, podemos falar de um a outro hemisfério. O vapor deu vida nova e inesperada a inúmeros motores; a electricidade nos permite auscultar, num momento e de conjunto, as pulsações da Humanidade inteira.

  Certo, a Humanidade jamais conheceu fase como esta; jamais se repletou em seu seio, de tanta vida e tanta força; jamais seu coração enviou, com tamanha pujança, a luz e o calor às mais longínquas artérias. Nem nunca o seu olhar se iluminou de um tal clarão. Por mais vastos que se deparem os progressos ainda conquistáveis, nossos descendentes serão sempre forçados a reconhecer que a Ciência deve à nossa época o estribo do seu Pégaso e que, embora engrandecendo-se e vendo o Sol ascender ao zénite, brilhante não lhes fora o dia se o não precedera a nossa aurora.

  Mas, o que à Ciência outorga força e poder, convém sabê-lo, é ter por base de estudo elementos determinados, que não abstracções e fantasmas. Assim é que, na Química, ela investe com o volume e peso dos corpos, examina-lhes as combinações, determina-lhes as relações; na Física, investiga-lhes as propriedades, observa-lhes as relações e as leis que as regem; na Botânica, aborda o estudo das primeiras condições da vida; na Zoologia, acompanha as formas existenciais e regista as funções orgânicas peculiares, os princípios da circulação da matéria nos seres vivos, sua manutenção e metamorfoses; na Antropologia, constata as leis fisiológicas em actividade no organismo humano e determina o papel dos diversos aparelhos que o compõem; na Astronomia, inscreve o movimento dos corpos celestes e daí deduz a noção de leis directivas universais; e na Matemática, finalmente, formula essas leis e reconduz à unidade as relações numéricas das coisas.

  Essa exacta determinação de objectivo dos seus estudos é que dá valor e autoridade à Ciência. Aí temos como e porque a Ciência se engrandece. Mas, esses títulos também lhe acarretam um imperioso dever. Se, deslembrada dessa condição de poderio ela se desvia desses objectivos fundamentais para divagar no vácuo imaginário, perde simultaneamente o seu carácter e a sua razão de ser.

  E, desde então, os argumentos que pretende impor, nesses domínios exorbitantes do seu alcance e finalidades, deixam de ter valor científico, e mais ainda do que isso, porque ela se desqualifica e já não pode reivindicar o nome de ciência. Torna-se, por assim dizer, em soberana que acaba de abdicar e não é mais a ela que se ouve, mas aos sábios que peroram, o que nem sempre é a mesma coisa. E estes sábios, seja qual for o seu valor, já não serão mais intérpretes da Ciência, uma vez operando fora da sua esfera.

  Ora, esta é, precisamente, a situação dos defensores do Materialismo contemporâneo, aplicando a Astronomia, a Química, a Física, a Fisiologia, a problemas que elas não podem resolver. E note-se que tais sábios não só constrangem essas ciências a responderem a problemas que lhes escapam à alçada, como ainda as torturam, quais pobres servas, para que confessem a seu mau grado, e falsamente, proposições de que jamais cogitaram. São, assim, inquisidores do facto, e não da palavra. Mas, dessarte, não é a Ciência, é um simulacro de ciência que manejam.

  Nas seguintes controvérsias, demonstraremos que esses cientistas se encontram absolutamente fora da Ciência, que se enganam e nos enganam, que os seus raciocínios, deduções e consequências são ilegítimos e que no seu louco amor por essa virginal ciência eles a comprometem simplesmente e chegariam a lhe alienar de todo a estima pública, se não houvesse o cuidado de mostrar que, ao invés da realidade, eles não possuem dela mais que uma ilusória sombra.

  A circunstância mais penosa e a razão predominante que nos impelem a protestar contra as explorações de um falso rótulo radicam-se ao facto de estarmos vivendo um tempo em que se sente, ou pelo menos se pressente, universalmente, o papel e a finalidade da Ciência. Compreende-se que fora dela é que não há salvação e que a Humanidade, tanto tempo balouçada no oceano do ignorantismo, só tem um porto a proejar – o da terra firme do saber. Também por isso, o espírito público se volta, convicto e esperançoso, para a Ciência. Tantas provas de seu poder e riqueza tem ele recebido, de um século a esta parte, que se predispôs a acatar-lhe, com simpatia e reconhecimento, todos os ensinos e teorias. Mas, nisso está, precisamente uma armadilha para o Espiritualismo. É que um certo número de cultores da Ciência, que a representam ou que se fazem dela intérpretes, ensinam falsas e funestas doutrinas.

 Os espíritos sôfregos e despercebidos, que procuram em seus livros os conhecimentos de que necessitam, absorvem neles um tóxico pernicioso e susceptível de lhes destruir no âmago uma parte dos benefícios do saber.

  Eis porque se impõe sobrestar um tão deplorável arrastamento, aliás, tendente a universalizar-se.

  Eis porque se torna absolutamente indispensável discutir essas doutrinas e demonstrar que longe estão elas de entrosar na Ciência, com tanto rigor e facilidade, quanto pregoam, mas, ao invés, que são o produto grosseiro de pensamentos sistemáticos, que, perpetuamente voltados sobre si mesmos, têm a ilusão de se crerem fecundados pela Ciência, embora do radioso sol que ela simboliza não hajam recebido mais que um tênue raio desviado de sua direcção natural.
/…


Camille Flammarion, Deus na Natureza – Primeira Parte, A Força e a Matéria I - Posição do Problema 1 de 6, 5º fragmento da obra.
(imagem: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)