Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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domingo, 6 de abril de 2025

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Estados vibratórios da Alma – A memória

(por Léon Denis)

A vida é uma vibração imensa que enche o universo e cujo foco está em Deus. Cada alma, centelha destacada do Foco Divino, se torna, por sua vez, um foco de vibrações que hão de variar, aumentar de amplitude e intensidade, consoante o grau de elevação do ser. Esse facto pode ser verificado experimentalmente. (ii)

Toda a alma tem, pois, a sua vibração particular e diferente. O seu movimento próprio, o seu ritmo, é a representação exacta do seu poder dinâmico, do seu valor intelectual, da sua elevação moral.

Toda a beleza, toda a grandeza do universo vivo se resume na lei das vibrações harmónicas. As almas que vibram uníssonas reconhecem-se e chamam-se através do espaço. Daí as atracções, as simpatias, a amizade, o amor! Os artistas, os sensitivos, os seres delicadamente harmonizados conhecem essa lei e lhe sentem os efeitos. A alma superior é uma vibração na posse de todas as suas harmonias.

A entidade psíquica penetra com as suas vibrações todo o seu organismo fluídico, o perispírito, que é a sua forma e imagem, a reprodução exacta da sua harmonia pessoal e da sua luz; mas chegada a encarnação (i) e essas vibrações vão reduzir-se, amortecer-se debaixo do invólucro carnal (corpo). O foco interior já não poderá projectar para o exterior senão uma radiação enfraquecida, intermitente. Entretanto, no sono, no sonambulismo, no êxtase, desde que à alma se abra uma saída através do invólucro de matéria que a oprime e agrilhoa, restabelece-se imediatamente a corrente vibratória e o foco torna a adquirir toda a sua actividade. O Espírito encontra-se novamente nos seus estados anteriores de poder e liberdade. Tudo o que nele dormia desperta. As suas numerosas vidas reconstituem-se, não só com os tesouros do seu pensamento, com as reminiscências e aquisições, mas também com todas as sensações, alegrias e dores registadas no seu organismo fluídico. É essa a razão pela qual, no transe, a alma, vibrando as recordações do passado, afirma as suas existências anteriores e reata a cadeia misteriosa das suas transmigrações.

As menores particularidades da nossa vida registam-se em nós e deixam traços indeléveis. Pensamentos, desejos, paixões, actos bons ou maus, tudo se fixa, tudo se grava em nós. Durante o curso normal da vida, essas recordações acumulam-se em camadas sucessivas e as mais recentes acabam por apagar, pelo menos aparentemente, as mais antigas. Parece que esquecemos aqueles mil pormenores da nossa existência dissipada. Basta, porém, evocar, nas experiências hipnóticas (i), os tempos passados e tornar, pela vontade, a colocar o sujet numa época anterior da sua vida, na mocidade ou no estado de infância, para que essas recordações reapareçam em massa. O sujet revive o seu passado, não só com o estado de alma e associação de ideias que lhe eram peculiares nessa época, ideias às vezes bem diversas das que ele professa actualmente, com os seus gostos, hábitos, linguagem, mas também reconstituindo automaticamente toda a série dos fenómenos físicos contemporâneos daquela época. Leva-nos isso a reconhecer que há íntima correlação entre a individualidade psíquica e o estado orgânico.

Cada estado mental está associado a um estado fisiológico. A evocação de um na memória dos sujets traz imediatamente a reaparição do outro. (iii)

Dadas as flutuações constantes e a renovação integral do corpo físico em alguns anos, esse fenómeno seria incompreensível sem a intervenção do perispírito, que guarda em si, gravadas na sua substância, todas as impressões de outrora. É ele que fornece à alma a soma total dos seus estados conscientes, mesmo depois da destruição da memória cerebral. Assim o demonstram os Espíritos nas suas comunicações, visto que conservam no espaço até as menores recordações da sua existência terrestre.

Esse registo automático parece efectuar-se em forma de agrupamento, ou zonas, dentro de nós, que correspondem a outros tantos períodos da nossa vida, de maneira que, se a vontade, por meio da auto-sugestão ou da sugestão estranha, o que é a mesma coisa, pois que, como vimos, a sugestão, para ser eficaz, deve ser aceite pelo paciente e transformar-se em auto-sugestão, se a vontade, dizemos, faz reviver uma lembrança pertencente a um período qualquer do nosso passado, todos os factos de consciência que têm ligação com esse mesmo período se desenrolam imediatamente numa concatenação metódica. Gabriel Delanne comparou esses estados vibratórios com as camadas concêntricas observadas nas secções de uma árvore e que permitem se lhe calcule o número de anos.

Isso tornaria compreensíveis as variações da personalidade de que falamos. Para observadores superficiais, esses fenómenos se explicam pela dissociação da consciência. Estudados de perto e analisados, representam, pelo contrário, aspectos de uma consciência única, correspondentes a outras tantas fases de uma mesma existência. Esses aspectos revelam-se desde que o sono é bastante profundo e o desprendimento perispiritual (i) suficiente. Se se tem podido acreditar em mudanças de personalidade, é porque os estados transitórios, intermediários, faltam ou se apagam.

O desprendimento, dissemos atrás, é facilitado pela acção magnética. Os passes feitos num sensitivo relaxam pouco a pouco e desatam os laços que unem o Espírito ao corpo. A alma e a sua forma etérea saem da ganga material e essa saída constitui o fenómeno do sono. Quanto mais profunda for a hipnose, tanto mais a alma se separa e se afasta, recobrando a plenitude das suas vibrações. A vida activa concentra-se no perispírito, enquanto que a vida física fica suspensa.

A sugestão aumenta também o ritmo vibratório da alma. Cada ideia contém o que os psicólogos chamam a tendência para a acção e essa tendência transforma-se em acto pela sugestão. Esta, com efeito, não é mais do que um modo da vontade. Levada à mais alta intensidade, torna-se força motriz, alavanca que levanta e põe em movimento as potências vitais adormecidas, os sentidos psíquicos e as faculdades transcendentais.

Vê-se então produzirem-se os fenómenos da clarividência, da lucidez, do despertar da memória. Para essas manifestações se tornarem possíveis, o perispírito deve ser previamente impressionado por um abalo vibratório determinado pela sugestão. Esse abalo, acelerando o movimento rítmico, tem por efeito restabelecer a relação entre a consciência cerebral e a consciência profunda, relação que está interrompida no estado normal durante a vida física. Então as imagens e as reminiscências armazenadas no perispírito podem reanimar-se e tornar-se novamente conscientes; mas, ao despertar, a relação cessa logo, o véu torna a cair, as recordações longínquas apagam-se pouco a pouco e voltam a entrar na penumbra.

A sugestão é, pois, o processo que se deve empregar, de preferência, nessas experiências. Para reconduzir os sujets a uma época determinada do seu passado são eles adormecidos por meio de passes longitudinais, depois se lhes sugere que têm tal ou qual idade. Assim, se faz que remontem a todos os períodos da sua existência; podem obter-se fac-similes da sua letra, que variam segundo as épocas e são sempre concordantes, quando se trata das mesmas épocas evocadas no curso de diferentes sessões. Por meio de passes transversais faz-se com que voltem depois ao ponto actual, tornando a passar pelas mesmas fases.

Pode também – e nós assim o temos feito – sugerir-se ao sujet uma data determinada do seu passado, ainda o mais remoto, e fazê-lo renascer nele. Se o sujet for muito sensível, vê-se então desenrolarem-se cenas de cativante interesse com pormenores sobre o meio evocado e as personagens que nele vivem, pormenores que são às vezes susceptíveis de verificação. “Tem-se podido reconhecer – diz o Coronel de Rochas – que as recordações assim avivadas eram exactas e que os sujets tomavam sucessivamente as personalidades correspondentes à sua idade.” (iv)

Continuamos a tratar desses fenómenos, cuja análise projecta uma luz viva sobre o mistério do ser. Todos os aspectos variados da memória, a sua extinção na vida normal, o seu despertar no transe e na exteriorização, tudo se explica pela diferença dos movimentos vibratórios que ligam a alma e o seu corpo psíquico ao cérebro material. A cada mudança de estado as vibrações variam de intensidade, fazendo-se mais rápidas, à medida que a alma se desprende do corpo. As sensações são registadas no estado normal, com um mínimo de força e duração; mas a memória total subsiste no fundo do ser. Por pouco que os laços materiais se afrouxem e a alma seja restituída a si mesma, ela torna a encontrar, com o seu estado vibratório superior, a consciência de todos os aspectos da sua vida, de todas as formas físicas ou psíquicas da sua existência integral. É, como vimos, o que se pode verificar e reproduzir artificialmente no estado hipnótico. Para bem nos orientarmos no labirinto desses fenómenos é preciso não esquecer que esse estado comporta muitos graus. A cada um desses graus se vincula uma das formas da consciência e da personalidade; a cada fase do sono corresponde um estado particular da memória; o sono mais profundo faz surgir a memória mais extensa. Esta restringe-se cada vez mais, à medida que a alma reintegra o seu invólucro (corpo). Ao estado de vigília, ou acordado, corresponde a memória mais restrita, mais pobre.

O fenómeno da reconstituição artificial do passado faz-nos compreender o que se passa depois da morte, quando a alma, livre do corpo terrestre, torna a encontrar-se na presença de sua memória aumentada, memória-consciência, memória implacável que conserva a impressão de todas as suas faltas, tornando-se o seu juiz e, às vezes, o seu algoz; mas, ao mesmo tempo, o “eu” fragmentado em camadas distintas, durante a vida deste mundo, reconstitui-se na sua síntese superior e na sua magnífica unidade. Toda a experiência adquirida no decorrer dos séculos, todas as riquezas espirituais, fruto da evolução, muitas vezes latentes ou, pelo menos, amortecidas, apoucadas nesta existência, reaparecem no seu brilho e frescura para servir de base a novas aquisições. Nada se perde. Às camadas profundas do ser, juntam-se os desfalecimentos e as quedas, proclamam também os lentos e penosos esforços acumulados no decorrer das idades para constituírem essa personalidade, que irá sempre crescendo, sempre mais rica e mais bela, na feliz expansão das suas faculdades adquiridas, as suas qualidades e as suas virtudes.
/…

(ii) Os doutores Baraduc (i) e Joire construíram aparelhos registadores que permitem medir a força radiante que se escapa de cada pessoa humana e varia segundo o estado psíquico do sujet.
(iii) Essa lei é reconhecida em psicologia com o nome de Paralelismo psicofísico. Wundt (i), nas suas Léçons sur l'Ame (2ª edição, Leipzig, 1892), já dizia: “A cada facto psíquico corresponde um facto físico qualquer.” As experiências dos próprios materialistas fazem sobressair a evidência dessa lei. É assim, por exemplo, que M. Pierre Janet (i), quando faz voltar o seu sujet Rosa, a dois anos antes, no curso da sua vida actual, vê reproduzirem-se nela todos os sintomas do estado de gravidez em que se encontrava naquela época. (P. Janet, professor de psicologia na Sorbonne, L'Automatisme Psychologique, pág. 160.) Ver também os casos assinalados pelos doutores Bourru e Burot, Changements de la Personnalité, pág. 152; pelo Dr. Sollier, Des Hallucinations Autoscopiques (Bulletin de l'Institut Psychique, 1902, págs. 30 e segs.) e os relatados pelo Dr. Pitre, decano da Faculdade de Medicina de Bordéus, no seu livro Le Somnambulisme et l'Hystérie.
(iv) Annales des Sciences Psychiques, Julho de 1905, página 350.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VIII – Estados vibratórios da Alma – A memória, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)

quarta-feira, 26 de julho de 2023

as vidas sucessivas | os elementos ~


Experiências magnéticas 
– O Sono magnético e o corpo fluído

1) Os estados da hipnose

  Antes de expor as minhas experiências sobre a regressão da memória e a precognição, farei um rápido resumo de como o magnetismo age habitualmente sobre os sensitivos que estudei. 

  Sob a influência de passes longitudinais exercidos de cima para baixo e combinados com a imposição da mão direita sobre a cabeça do sujet (i) sentado diante de mim, produz-se uma série de estados semelhantes à vigília, mas apresentando cada uma das características específicas que servem para denominá-los, (ii) e que se sucedem sempre na mesma ordem. 

  Esses estados são separados por fases de letargia com a aparência do sono habitual que permitem distingui-los nitidamente uns dos outros quando o sujet bastante envolvido não queima as etapas. 

  Eis, sumariamente, a enumeração dessas características específicas e a sua sucessão: 

  1º estado: vigília

  I: fase de letargia

  2º estado: sonambulismo. O sujet parece uma pessoa desperta gozando de todas as suas faculdades, no entanto é bastante sugestionável e apresenta o fenómeno da insensibilidade cutânea, que persiste em todos os estados seguintes. A memória é normal. 

  II: fase de letargia

  3º estado: rapport(iii) O sujet não percebe ninguém além do magnetizador e das pessoas que este coloca em relação com aquele, seja por um contacto ou mesmo por um simples olhar. Apresenta a sensação de bem-estar bastante pronunciada,
diminuição da memória normal e da sugestibilidade. A sensibilidade começa a exteriorizar-se numa camada paralela ao corpo e situada a cerca de trinta e cinco milímetros da pele. (iv) sujet vê os eflúvios exteriores dos corpos organizados e dos cristais. 

  III: fase de letargia.

  4º estado: simpatia ao contacto. A sensibilidade continua a exteriorizar-se e pode constatar-se uma segunda camada sensível a seis ou sete centímetros da primeira e de menor sensibilidade. O sujet experimenta as sensações do magnetizador quando este se coloca em contacto com ele. A sensibilidade cutânea desaparece, assim como a memória dos factos; elas não reaparecem nos estados seguintes, mas a memória da linguagem subsiste nesses estados, já que o sujet pode conversar com o magnetizador. 

  IV: fase de letargia

  5º estado: simpatia à distância. O sujet percebe todas as sensações do magnetizador, mesmo sem contacto, desde que a distância não seja muito grande. Ele já não vê os eflúvios exteriores dos corpos, mas vê os órgãos internos dos seres vivos. Já não é sugestionável e perde totalmente a memória de sua vida; e não conhece mais do que duas pessoas, o magnetizador e ele próprio, no entanto não sabe os seus nomes. 

  Em geral, a partir desse estado, um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, de acordo com o sujet, a sensibilidade que até esse momento se exteriorizava em camadas concêntricas à periferia do corpo, condensa-se para formar, primeiramente a cerca de um metro à sua direita, uma coluna nebulosa azul mais ou menos de seu tamanho e, em seguida, à sua esquerda, uma outra coluna análoga vermelha; (v) enfim, as duas colunas reúnem-se para formar uma única coluna cuja forma se precisa cada vez mais para constituir o fantasma do sujet. Esse fantasma, ligado ao corpo físico por um liame luminoso e sensível, que é como o seu cordão umbilical, torna-se cada vez mais móvel e obediente à vontade. Tem uma tendência bem pronunciada a elevar-se até uma altura que ele não pode ultrapassar; isso parece depender do grau de evolução intelectual e moral dos sujets, que vêem flutuar à sua volta seres apresentando uma cabeça com um corpo terminado em ponta como uma vírgula. Ficam felizes por terem saído do seu envoltório físico, dos seus andrajos, segundo uma expressão que utilizam com frequência e, repugna-lhes para aí voltarem. Todos estes fenómenos se desenvolvem e se precisam através de uma série de estados separados por fases de letargia que se sucedem como os dias e as noites. 

  Passes transversais reconduzem o sujet ao estado de vigília, fazendo-o passar, em ordem inversa, por todos os estados e todas as letargias pelos quais passou ao adormecer. 

  Em 1895, publiquei nos Annales des Sciences Psychiques um artigo intitulado “Fantasmas dos Vivos”, no qual expus com detalhes as minhas primeiras experiências sobre essa espécie de fenómenos, onde pude levar os sujets até um décimo terceiro estado, graças à electricidade. 

  Durville as retomou e as completou, expondo as suas próprias experiências num livro publicado em 1909 sob esse mesmo título: Fantómes des vivants(vi) 

/... 
(i) Não apresentando o termo sujet tradução exacta, decidimos mantê-lo, até mesmo porque o seu uso se tornou relativamente habitual. Significa, resumidamente, indivíduo em estudo ou estudado experimentalmente. (N.T.) 
(ii) Essas características foram seleccionadas por serem as que primeiro se apresentam à observação, mas é provável que haja outras ainda não reconhecidas. (A.R.
(iii) Estamos mantendo, nesta tradução, o termo rapport para designar a relação ou ligação que se opera entre o magnetizador e o sujet, durante o transe de regressão de memória. A tradução literal ou outro qualquer vocábulo não se mostraram apropriados e, na verdade, os investigadores sérios e os bons autores têm utilizado sempre o termo francês, que se consagrou. (N.T.) 
(iv) Em junho de 1904, o Sr. Charpentier comunicou à Academia das Ciências a seguinte experiência: “Colocando-se diante de uma parede reflectora e afastando progressivamente da superfície anterior do corpo em uma direcção normal uma pequena tela fosforescente (nódoa de sulfureto sobre cartão preto), vê-se que esta tela passa por máximos e mínimos de intensidade regularmente espaçados, indicando a existência, nas proximidades do corpo, de espécies de ondas estacionárias cujo comprimento é de cerca de 35 milímetros, ou seja, precisamente o comprimento de onda dos nervos.” (A.R.
(v) Em alguns sujets a formação do fantasma ocorre na ordem inversa. (A.R.
(vi) Se há algumas pequenas divergências nas nossas constatações, não se surpreendam. Os primeiros viajantes que penetram num país desconhecido não concentram necessariamente a sua atenção sobre os mesmos pontos e estão sujeitos a não os verem exactamente no mesmo dia. Foi assim que, durante anos, magnetizei sensitivos sem observar o fenómeno da regressão da memória, que passava sem dúvida despercebido por mim, porque eu não interrogava o sujet sobre as coisas que me poderiam indicá-lo. Actualmente, ainda, não estou muito seguro sobre as causas que a determinam, apesar de supor que ela aconteça devido ao facto de que, sob a influência de passes que fixam os laços que unem o corpo material ao corpo fluídico, este se concentra ao invés de exteriorizar-se; pois constatei diversas vezes que eu já não encontrava camada sensível em volta do sujet quando ele recuava no tempo e, os espectadores videntes diziam, quando o fenómeno se produzia depois da formação do corpo fluídico, que viam este corpo mudar de forma e diminuir quando o sujet voltava a ser criança. (A.R.


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Segunda Parte Experiências magnéticas Capítulo I O sono magnético e o corpo fluídico; 1 – Os estados da hipnose, 1º fragmento desta obra.  
(imagem de contextualização: Albert de Rochas d'Aiglun (1837-1914), engenheiro militar francês, historiador da ciência, pesquisador de fenómenos espíritas, escritor, tradutor e administrador da Escola Politécnica de Paris) 

quarta-feira, 31 de maio de 2023

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...) 

A alma e os diferentes estados do sono 

O estudo do sono fornece-nos indicações de grande importância sobre a natureza da personalidade. Em geral não se aprofunda muito o mistério do sono. O exame atento desse fenómeno, o estudo da alma e da sua forma fluídica durante a parte da existência que consagramos ao descanso, conduzir-nos-ão a uma compreensão mais alta das condições do ser na vida do Além. 

O sono possui não só propriedades restauradoras que a Ciência não pôs em devido relevo, mas também um poder de coordenação e centralização sobre o organismo material. Pode, além disso, acabamos de o ver, provocar uma ampliação considerável das percepções psíquicas, maior intensidade do raciocínio e da memória. 

O que é então o sono? 

É simplesmente o desprendimento da alma, que sai do corpo. Diz-se: o sono é irmão da morte. Estas palavras exprimem uma verdade profunda. Sequestrada na carne no estado de vigília, a alma recupera, durante o sono, a sua liberdade relativa, temporária e, ao mesmo tempo o uso dos seus poderes ocultos. A morte será a sua libertação completa, definitiva. 

Já nos sonhos, vemos os sentidos da alma, esses sentidos psíquicos, dos quais os do corpo são a manifestação externa e amortecida, entrar em acção. (ii) À medida que as percepções externas se enfraquecem e apagam, quando os olhos estão fechados e suspenso o ouvido, outros meios mais poderosos despertam nas profundezas do ser. Vemos e ouvimos com os sentidos internos. Imagens, formas, cenas à distância sucederem-se e desenrolarem-se; travarem-se conversas com pessoas vivas ou falecidas. Esse movimento, muitas vezes incoerente e confuso no sono natural, adquire precisão e aumenta com o desprendimento da alma no sono provocado, no transe de sonambulismo (i) e no êxtase. 

Às vezes, a alma afasta-se durante o descanso do corpo e são as impressões das suas viagens, o resultado das suas indagações, das suas observações, que se traduzem pelo sonho. Nesse estado, um laço fluídico ainda a liga ao organismo material e, por esse vínculo subtil, espécie de fio condutor, as impressões e as vontades da alma podem transmitir-se ao cérebro. É pelo mesmo processo que, nas outras formas do sono, a alma governa o seu invólucro terrestre, o fiscaliza e dirige. Essa direcção, no estado de vigília, durante a incorporação, exercita-se de dentro para fora; efectuar-se-á em sentido inverso nos diferentes estados de desprendimento. A alma, emancipada, continuará a influenciar o corpo mediante o laço fluídico que continuamente liga um à outra. Desde este momento, com o seu poder psíquico reconstituído, a alma exercerá sobre o organismo carnal uma direcção mais eficaz e segura. Os sonâmbulos andam à noite, por caminhos perigosos e com inteira segurança; é uma demonstração evidente desse facto. 

Sucede o mesmo com a acção terapêutica provocada pela sugestão. Esta é eficaz, principalmente no sentido de facilitar o desprendimento da alma e dar-lhe o poder absoluto de fiscalização, a liberdade necessária para dirigir a força vital acumulada no perispírito e, por esse meio, restaurar as perdas sofridas pelo corpo físico. (iii) Comprovamos esse facto nos casos de personalidade dupla. A segunda personalidade, mais completa, mais integral que a personalidade normal, substitui-a para um fim curativo, por meio de uma sugestão exterior, aceite e transformada em auto-sugestão pelo Espírito do sujet. Com efeito, este nunca abandona os seus direitos e poderes de fiscalização. Assim, como disse Myers, “não é a ordem do hipnotizador, mas antes a faculdade do paciente que forma o nó da questão”. (iv) 

O sábio professor de Cambridge disse mais: (v) 

“O único fim de todos os processos hipnogénicos é dar energia à vida; é atingir mais rápida e completamente resultados que a vida abandonada a si mesma só realiza lentamente e de forma incompleta.” 

Por outras palavras, o hipnotismo é a aplicação, num grau mais intenso, das energias reparadoras que entram em acção no sono natural. A sugestão terapêutica é a arte de libertar o Espírito do corpo, de abrir-lhe uma saída pelo sono permitindo-lhe que exerça em plenitude os seus poderes sobre o corpo doente. As pessoas sugestionáveis são aquelas cujas almas indolentes ou que pouco têm evolvido não estão aptas para se desprenderem por si mesmas e agir utilmente no sono ordinário para restaurar as perdas do organismo. 

A sugestão em si mesma não é, pois, mais do que um pensamento, um acto de vontade, diferindo somente da vontade ordinária pela sua concentração e intensidade. Em geral, os nossos pensamentos são múltiplos e hesitantes. Nascem e passam ou, então, quando coexistam em nós, chocam-se e se confundem. Na sugestão, o pensamento e a vontade fixam-se num ponto único. Ganham em poder o que perdem em extensão. Por sua acção, que se torna mais penetrante, mais incisiva, provocam no sujet o despertar de faculdades não utilizadas no estado normal. A sugestão torna-se, então, uma espécie de impulso, de alavanca que mobiliza a força vital e a dirige para o ponto onde ela tem de operar. 

A sugestão pode exercer-se tanto na ordem física, por uma influência directa sobre o sistema nervoso, quanto na ordem moral, sobre o “eu” central e a consciência do sujet. Bem empregada, constitui ela um meio muito apreciável de educação, destruindo as más tendências e os hábitos perniciosos. A sua influência sobre o carácter produz, então, os mais felizes resultados. (vi) 

Voltemos ao sono ordinário e ao sonho. Enquanto o desprendimento da alma é incompleto, as sensações, as preocupações da vigília e as recordações do passado se misturam com as impressões da noite. As percepções registadas pelo cérebro desenrolam-se automaticamente, em desordem aparente, quando a atenção da alma está desviada do corpo e deixa de regular as vibrações cerebrais. Daí a incoerência da maior parte dos sonhos; mas, à medida que a alma se desprende e se eleva, a acção dos sentidos psíquicos torna-se predominante e os sonhos adquirem lucidez e nitidez notáveis. Clareiras cada vez mais amplas, melhores perspectivas se abrem no mundo espiritual, verdadeiro domínio da alma e lugar do seu destino. Nesse estado ela pode penetrar as coisas ocultas e até os pensamentos e os sentimentos de outros Espíritos. (vii) 

Há em nós uma dupla vista, pela qual pertencemos, ao mesmo tempo, a dois mundos, a dois planos de existência. Uma está em relação com o tempo e o espaço, como nós os concebemos no nosso meio planetário com os sentidos do corpo: é a vida material; a outra, mediante os sentidos profundos e as faculdades da alma, liga-nos ao universo espiritual e aos mundos infinitos. No decurso da nossa existência terrestre, é principalmente quando dormimos que essas faculdades podem exercer-se e entrar em vibração as potências da alma. Esta torna a pôr-se em contacto com o universo invisível, que é a sua pátria e do qual estava separada pela carne. Retempera-se no seio das energias eternas para continuar, quando desperta, a sua tarefa penosa e obscura. 

Durante o sono a alma pode, segundo as necessidades do momento, aplicar-se a reparar as perdas vitais causadas pelo trabalho quotidiano e regenerar o organismo adormecido, infundindo-lhe as forças tiradas do mundo cósmico, ou, quando está acabado esse movimento reparador, continua o curso da sua vida superior, paira sobre a Natureza, exercer as suas faculdades de visão à distância e penetração das coisas. Nesse estado de actividade independente vive já antecipadamente a vida livre do Espírito; porque essa vida, que é uma continuação natural da existência planetária, a espera depois da morte, devendo a alma prepará-la não somente com as suas obras terrestres, mas também com as suas ocupações quando desprendida durante o sono. É graças ao reflexo da luz do Alto, que cintila nos nossos sonhos e ilumina completamente o lado oculto do destino, que podemos entrever as condições do ser no Além. 

Se nos fosse possível abranger com o olhar toda a extensão de nossa existência, reconheceríamos que o estado de vigília está longe de lhe constituir a fase essencial, o elemento mais importante. As almas que de nós cuidam servem-se do nosso sono para nos exercitar na vida fluídica e no desenvolvimento dos nossos sentidos de intuição. Efectua-se, então, um trabalho completo de iniciação para os homens ávidos de se elevarem. 

Os vestígios desse trabalho encontram-se nos sonhos. Assim, quando voamos, quando deslizamos com rapidez pela superfície do solo, significa isso a sensação do corpo fluídico, ensaiando-se para a vida superior. 

Sonhar que subimos sem cansaço, com facilidade surpreendente, através do espaço, sem embaraço nem medo, ou então que estamos pairando por cima das águas; atravessar paredes e outros obstáculos materiais sem ficarmos admirados de praticar actos que são impossíveis enquanto estamos acordados, não é a prova de que nos tornamos fluídicos pelo desprendimento? Tais sensações, tais imagens, que comportam completa inversão das leis físicas que regem a vida comum, não poderiam vir ao nosso espírito, se não fossem o resultado de uma transformação do nosso modo da existência. 

Na realidade, já não se trata aqui de sonhos, mas de acções reais praticadas noutro domínio da sensação e cuja lembrança se insinuou na memória cerebral. Essas lembranças e impressões no-lo demonstram bem. Possuímos dois corpos e, a alma, sede da consciência, fica ligada ao seu invólucro subtil, enquanto o corpo material está deitado e em completa inércia. 

Apontemos, todavia, uma dificuldade. Quanto mais a alma se afasta do corpo e penetra nas regiões etéreas, tanto mais fraco é o laço que os une, tanto mais vaga a lembrança ao acordar. A alma paira muito longe na imensidade e o cérebro deixa de registar as suas sensações. Daí resulta não podermos analisar os nossos mais belos sonhos. Algumas vezes, a última das impressões sentidas no decurso dessas peregrinações nocturnas subsiste ao despertar. 

E se, nesse momento, tivermos o cuidado de fixá-la fortemente na memória, pode ficar lá gravada. Tive, uma noite, a sensação de vibrações percebidas no espaço, as últimas notas de uma melodia suave e penetrante e, a lembrança das derradeiras palavras de um cântico que findava assim: “Há céus inumeráveis!” 

Às vezes sentimos, ao acordar, a vaga impressão de poderosas coisas entrevistas, sem nenhuma lembrança determinada. Essa espécie de intuição, resultante de percepções registadas na consciência profunda, mas não na consciência cerebral, persiste em nós durante certo tempo e influencia os nossos actos. Outras vezes, essas impressões se traduzem nitidamente no sonho. Eis o que a respeito diz Myers(viii) 

“O resultado permanente de um sonho é muitas vezes de tal ordem que nos mostra claramente que o sonho não é o efeito de uma simples confusão com lembranças avivadas da vida passada, mas que possui um poder inexplicável que lhe é próprio e que ele tira, semelhante nisso à sugestão hipnótica, das profundezas da nossa existência, a que a vida de vigília é incapaz de chegar. Desse género, dois grupos de casos há que, pela clareza com que se patenteiam, facilmente podem ser reconhecidos; um deles, principalmente, em que o sonho acabou por uma transformação religiosa decidida e, o outro em que o sonho foi o ponto de partida de uma ideia obsidente (i) ou de um acesso de verdadeira loucura." 

Esses fenómenos poderiam explicar-se pela comunicação, no sonho, da consciência superior com a consciência normal, ou pela intervenção de alguma Inteligência elevada que julga, reprova, condena o proceder do sonhador, lhe ocasionando perturbação e um salutar receio. A obsessão pode também exercer-se por meio do sonho até ao ponto de causar perturbação mental ao despertar. Terá como autores Espíritos malfazejos, a quem o nosso procedimento no passado e os danos que lhes causamos deram domínio sobre nós. 

Insistimos também na propriedade misteriosa que tem o sono de nos fazer senhores, em certos casos, de camadas mais extensas da memória. 

A memória normal é precária e restrita, não vai além do círculo estreito da vida presente, do conjunto dos factos, cujo conhecimento é indispensável à causa do papel que se tem de desempenhar na Terra e do fim que se deve alcançar. A memória profunda abrange toda a história do ser desde a sua origem, os seus estádios sucessivos, os seus modos de existência, planetários ou celestes. Um passado inteiro, feito de recordações e sensações, esquecido, ignorado no estado de vigília, está gravado em nós. Esse passado só desperta quando o Espírito se exterioriza durante o sono natural ou provocado. Uma regra conhecida de todos os experimentadores é que, nos diferentes estados do sono, à medida que se vai ficando a maior distância do estado de vigília e da memória normal, tanto mais a hipnose é profunda, tanto mais se acentua a expansão, a dilatação da memória. Myers confirma o facto nos seguintes termos: (ix) 

“A memória mais distanciada da vida de vigília é a que mais vasto alcance tem, é a que mais profundo poder exerce sobre as impressões acumuladas no organismo. Por mais inexplicável que esse fenómeno se tenha apresentado aos observadores, que com ele se depararam sem possuírem a decifração do enigma, é certo que as observações independentes de centenas de médicos e de hipnotizadores (i) atestam a sua realidade. O exemplo mais comum é fornecido pelo sono hipnótico ordinário. O grau de inteligência que se manifesta no sono varia segundo os sujets e as épocas; mas todas as vezes que esse grau é suficiente para autorizar um juízo, achamos que existe durante o sono hipnótico a memória considerável, que não é necessariamente uma memória completa ou razoável do estado de vigília; ao passo que na maior parte dos sujets acordados, salvo o caso de uma injunção especial dirigida ao “eu” hipnótico, nenhuma lembrança existe que se relacione com o estado de sono. 

O sono ordinário pode ser considerado como ocupando uma posição que está entre a vida acordada e o sono hipnótico profundo; e parece provável que a memória pertencente ao sono ordinário se liga, por um lado, à que pertence à vida de vigília e, pelo outro, à que existe no sono hipnótico. Realmente assim é, estando os fragmentos da memória do sono ordinário intercalados nas duas cadeias.” 

Myers, no apoio às suas palavras, cita (x) vários casos em que factos retrospectivos esquecidos e, outros dos quais o que dorme nunca teve conhecimento, se revelam no sonho. 

As experiências a que se refere Myers (vê-las-emos quando tratarmos da questão das reencarnações (i)) que foram levadas muito mais longe do que ele previa e, as consequências que daí provêm são imensas. Não só tem sido possível, pela sugestão hipnótica, reconstituir as menores recordações da vida actual, desaparecidas da memória normal dos sujets, como também reatar o encadeamento das suas vidas passadas, já interrompido. 

Ao mesmo tempo em que uma memória mais vasta e mais rica, vemos aparecer no sono faculdades que são muito superiores a todas as que desfrutamos no estado de vigília. Problemas estudados em vão, abandonados como insolúveis, são resolvidos no sonho ou no sonambulismo; obras geniais, operações estéticas da ordem mais elevada, poemas, sinfonias e hinos fúnebres são concebidos e executados. Há em tudo isso uma obra exclusiva do “eu” superior ou a colaboração de entidades espirituais que vêm inspirar os nossos trabalhos? É provável que esses dois factores intervenham nos fenómenos dessa ordem. 

Myers cita o caso de Agassiz (i) descobrindo, enquanto dormia, o arranjo esquelético de ossadas dispersas que ele tentara, por várias vezes e sem resultado, acertar durante a vigília. 

Lembraremos os casos de Voltaire (i), La Fontaine (i), Coleridge (i), S.Bach (i), Tartini (i), etc., executando obras importantes em condições análogas. (xi) 

Finalmente, importa mencionar uma forma de sonhos cuja explicação escapou até agora a Ciência. São os sonhos premonitórios, complexo de imagens e visões que se referem a acontecimentos futuros e cuja exactidão é ulteriormente verificada. Parecem indicar que a alma tem o poder de penetrar o futuro ou que este lhe é revelado por inteligências superiores. 

Assinalemos o sonho da Duquesa de Hamilton, que viu com antecipação de quinze dias a morte do Conde de L... com particularidades de natureza íntima que acompanharam esse acontecimento. (xii) 

Um facto da mesma natureza foi publicado pelo Progressive Thinker de Chicago, a 1 de novembro de 1913. Um magistrado de Hauser, M. Reed, morreu imediatamente, em consequência de uma guinada do automóvel em que viajava. O seu filho, de 10 anos de idade, tinha tido, por duas vezes seguidas, a visão dessa catástrofe em todos os seus pormenores. Apesar dos avisos e das súplicas de sua mulher, M. Reed achou que não devia renunciar ao projectado passeio, em que veio a encontrar a morte, nas circunstâncias idênticas às percebidas no sonho da criança. 

M. Henri de Parville, no seu folhetim científico do Journal des Débats (maio de 1904) refere um, caso afiançado por testemunhos dignos de fé: 

“Uma senhora, cujo marido desapareceu sem deixar vestígios e que ela não pôde descobrir apesar de todas as pesquisas a que procedeu, teve um sonho. – Um cãozinho, que por muito tempo havia vivido na sua companhia, mas que o marido levara, aparece-lhe, dá latidos de alegria e cobre-a de carícias. Instala-se-lhe ao pé, não tira os olhos dela; depois, passados uns instantes, levanta-se e começa a arranhar a porta. Está feita a sua visita e precisa ir-se embora. Ela abre-lhe a porta e, no sonho, segue o animal, que se afasta, correndo; corre também atrás dele e, passado algum tempo, o vê entrar numa casa, cujo andar térreo é ocupado por um café. A rua, a casa e o bairro gravam-se-lhe na memória, que conserva a recordação de tudo isso depois de acordada. Preocupada com esse sonho, conta-o a três pessoas da vizinhança, que depois deram testemunho da autenticidade dos factos. – Decide-se, finalmente, a seguir a pista do cão e encontra o marido na rua e na casa que vira em sonho.” 

Os Annales des Sciences Psychiques, de julho de 1905, citava dois sonhos premonitórios acompanhados de circunstâncias que lhe dão carácter muito comovente. 

Encontramos na Revue de Psychologie de la Suisse Romande, 1905, pág. 379, o caso de um mancebo que se via muitas vezes a si mesmo numa alucinação autoscópica, precipitado do cimo de um rochedo e estendido, ensanguentado e esmagado, no fundo de um barranco. Essa premonição fatal realizou-se, ponto por ponto, a 10 de julho de 1904, no monte du Salève, perto de Genebra. 

Na proporção que nos vamos elevando na ordem dos fenómenos psíquicos, se vão eles apresentando com maior clareza, com maior rigor e trazem-nos provas mais decisivas da independência e da sobrevivência do Espírito. 

As percepções da alma no sono são de duas espécies. Verificamos primeiramente a visão à distância, a clarividência, a lucidez; vem depois um conjunto de fenómenos designados pelos nomes de telepatia e telestesia (sensações e simpatias à distância). Compreende a recepção e transmissão dos pensamentos, das sensações, dos impulsos motrizes. Com estes factos se relacionam os casos de desdobramentos e aparições designados pelos nomes de fantasmas dos vivos. A psicologia oficial teve de verificar estes casos em grande número, sem os explicar. (xiii) Todos estes factos se ligam entre si e formam uma cadeia contínua. Em princípio, constituem, no fundo, um só e o mesmo fenómeno, variável na forma e intensidade, isto é, o desprendimento gradual da alma. Vamos seguir esse desprendimento nas suas diversas fases, desde o despertar dos sentidos psíquicos e das suas manifestações em todos os graus até à projecção, à distância, de todo o Espírito, alma e corpo fluídico. 

Examinemos primeiramente os casos em que a visão psíquica se exerce com agudeza notável. Citamos alguns nas nossas obras precedentes. Aqui apresentamos um, mais recente, publicado por toda a imprensa londrina. 

O desaparecimento da Srta. Holland, processo criminal que apaixonou a Inglaterra, foi explicado por um sonho. A polícia a procurava inutilmente. O acusado, Samuel Douglas, que estava para ser solto, dizia que ela havia partido para destino desconhecido. Os jornais de Londres publicaram desenhos que representavam a casa em que morava a Srta. Holland e o jardim da mesma casa. Uma criada viu a gravura e exclamou: “Aí está o meu sonho!” e, indicou um lugar, ao pé de uma árvore, dizendo: “Está ali um cadáver!” Soube-o a polícia e, na presença dos agentes, ela confirmou as suas declarações. Explicou que vira em sonho esse jardim e, no solo, no lugar indicado, um corpo enterrado. A polícia mandou escavar o terreno nesse lugar e nele foi encontrado o cadáver da Srta. Holland. Ficou provado que a criada nunca conhecera essa pessoa nem pusera os pés nesse jardim. 

C. Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos, menciona uma série completa de visões directas, à distância, durante o sono, resultante de um inquérito feito na França sobre os fenómenos dessa ordem. 

Vamos referir um caso mais complicado. Os Annales des Sciences Psychiques, de Paris, setembro de 1905 (pág. 551), contêm a relação circunstanciada e autenticada pelas autoridades legais de Castel di Sangro (Itália), de um sonho macabro, colectivo e verídico: 

“O guarda rural do Barão Raphaël Corrado viu em sonho, na noite de 3 de março último, o seu pai, falecido havia dez anos. Censurando-o, a ele, aos irmãos e às irmãs, terem-no esquecido e, coisa mais grave, deixarem os seus pobres ossos desenterrados pelos coveiros, abandonados sobre a neve, por trás da torre do cemitério, à mercê dos lobos. Uma irmã do guarda sonhou exactamente a mesma coisa, e um irmão, muito impressionado, pegou numa espingarda e, não obstante a tempestade de neve que atormentava a região, se dirigiu para o cemitério, situado num monte que dominava a cidade. Aí, por trás da torre, entre as silvas e por cima da neve, em que havia sinais de patas de lobo, viu ossos humanos.” 

Os Annales dão depois a narrativa circunstanciada do inquérito e das pesquisas feitas pelo juiz de paz. Estabelecem que os ossos eram, na realidade, os do pai do guarda, que os coveiros, terminado o prazo legal, haviam exumado. Iam eles transportá-los para o ossário, à noitinha, quando o frio e a neve os obrigaram a deixar o serviço para o dia seguinte. Os documentos relativos a esse caso, que foi objecto de um processo, estão assinados pelo tabelião, pelo juiz de paz e por um magistrado da localidade. Foram publicadas pelo Eco del Sangro, de 15 de março de 1905. 

O Prof. Newbold, da Universidade da Pensilvânia, relata nos Proceedings of S. P. R., XII, pág. 11, vários exemplos de sonhos, que indicam uma grande actividade da alma durante o sono e dão ensinamentos que vêm do mundo invisível. Entre outros, citaremos o do Dr. Hilprecht, professor de língua assíria na mesma Universidade, que num sonho teve a revelação de uma inscrição antiga, que até então não havia descoberto. Num sonho mais complexo, em que intervém um sacerdote dos antigos templos de Nippur, dele recebeu a explicação de um enigma de difícil decifração. Foram reconhecidas como exactas todas as particularidades desse sonho. As indicações do sacerdote versavam sobre pontos de Arqueologia completamente desconhecidos dos seres que vivem na Terra. 

Convém notar que em todos estes factos o corpo do percipiente está em repouso e os seus órgãos físicos estão adormecidos; mas, nele o ser psíquico continua em vigília, em actividade; vê, ouve e comunica, sem o auxílio da palavra, com outros seres semelhantes, isto é, com outras almas. 

Este fenómeno tem carácter geral e dá-se com cada um de nós. Na transição da vigília para o sono, exactamente no momento em que os nossos meios ordinários de comunicação com o mundo exterior estão suspensos, se abrem em nós novas saídas para a Natureza e por elas se escapa uma irradiação mais intensa da nossa visão. Já nisso vemos revelar-se uma nova forma de vida, a vida psíquica, que vai amplificar-se nos outros fenómenos dos quais nos vamos ocupar, provando que existem para o ser humano modos de percepção e de manifestação muito diferentes dos de sentidos materiais. 

Depois dos fenómenos de visão no sono natural, vamos apresentar um caso de clarividência no sono provocado. 

O Dr. Maxwell (i), advogado geral no Supremo Tribunal de Bordéus, provoca na Sra. Agullana, sujet muito sensível, o sono magnético. Ela desprende-se, exterioriza-se, afasta-se em espírito da sua morada. O Dr. Maxwell manda-lhe observar, a certa distância, o que está a fazer um seu amigo M. B... Eram 10:20 da noite. Damos a palavra ao experimentador: (xiv) 

“A médium, com grande surpresa nossa, nos disse que estava vendo M. B..., meio despido, a passear descalço sobre a pedra. Pareceu-me que isso não tinha sentido algum. No dia seguinte ofereceu-se-me o ensejo de ver o meu amigo. Mostrou-se muito admirado com o que lhe contei e disse-me textualmente: “Ontem, à noite, não me senti bem. Um amigo meu, M. S..., que mora comigo, aconselhou-me que experimentasse o sistema Kneip e instou tanto que, para satisfazê-lo, fiz pela primeira vez, ontem, à noite, a experiência de passear descalço na pedra fria. Estava efectivamente meio despido quando a fiz. Eram 10 horas e 20 minutos e passeei durante algum tempo nos degraus da escada, que é de pedra.” 

Os casos de clarividência no estado de sonambulismo são numerosos. Vêm relatados em todas as obras e revistas que se ocupam especialmente desses assuntos. 

Médecine Française, de 16 de abril de 1906, refere um facto de clarividência relativo às minas de Courrières. A Sra. Berthe, a vidente consultada, descreveu com exactidão um desabamento na mina e as torturas impostas aos sobreviventes, cuja morte ou libertação ela anunciou. 

Acrescentemos dois exemplos recentes: 

“O Sr. Louis Cadiou, director da Usina de la Grand-Palud, perto de Landerneau (Finistère), tendo desaparecido nos fins de dezembro de 1913, não se lhe viam sinais, apesar das buscas minuciosas. Das sondagens efectuadas na ribeira do rio Elorn nenhum resultado adveio. Uma vidente, moradora em Nancy, a Sra. Camille Hoffmann, tendo sido consultada, disse, em estado de sono magnético, que o cadáver seria encontrado na orla de um bosque vizinho à usina, oculto sob ligeira camada de terra. 

Por essas indicações, o irmão da vítima descobriu, depois, o corpo numa situação idêntica à que a vidente tinha descrito. 

Todos os jornais, entre outros o Le Matin, de 5 de fevereiro de 1914, relatam pormenorizadamente o caso Cadiou, que toda a França acompanhou com apaixonado interesse. 

Alguns dias depois, produziu-se um fenómeno análogo. Havendo-se afogado no Saóne, perto de Màcon, um jovem chamado Charles Chapeland, um seu irmão recorreu à Sra. Camille Hoffmann para encontrar o cadáver. Ela assegurou que ele seria levado pelas águas, 60 dias depois do acidente, para perto do dique de Cormoranche, o que se realizou exactamente.” (xv) 

/… 
(ii) A visão ocular não é mais do que a manifestação externa da faculdade visual, que tem a sua expressão mais ampla na visão interna. A visão interior exterioriza-se e traduz-se pela acção dos sentidos, tanto na vida física como na vida psíquica. No primeiro caso, o órgão terminal pertence ao corpo material; no segundo caso aos órgãos do corpo fluídico. 
A visão no sonho é acompanhada de uma luz especial, constante, diferente da luz do dia. 
(iii) O espírito exteriorizado pode tirar do organismo mais força vital do que o homem normal ou encarnado pode obter. Experiências demonstraram que o espírito assim desprendido, pode, através do organismo, exercer maior pressão num dinamómetro do que o espírito encarnado. 
(iv) F. Myers (i) - La Personnalité Humaine, pág. 204. 
(v) Idem, pág. 187. 
(vi) Em resumo, os frutos que a sugestão hipnótica pode e deve proporcionar e em vista dos quais se deve aplicar, são estes: concentração do pensamento e da vontade; aumento de energia e vitalidade; atenção fixa em coisas essencialmente úteis; alargamento do campo da memória; manifestação de novos sentidos por meio de impulsões internas ou externas. 
(vii) Segundo os antigos, existem duas espécies de sonhos: o sonho propriamente dito, em grego, “onar”, é de origem física, e o sonho “repar”, de origem psíquica. Encontra-se esta distinção em Homero (i), que representa a tradição popular, assim como em Hipócrates (i), que é representante da tradição científica. Muitos ocultistas modernos adoptaram definições análogas. Em tese geral, segundo eles dizem, o sonho propriamente dito seria um sonho produzido mecanicamente pelo organismo e, o sonho psíquico um produto da clarividência adivinhadora; ilusório um, verídico o outro. Porém, às vezes, é muito difícil estabelecer uma limitação nítida e distinta entre estas duas classes de fenómenos. 
O sonho vulgar parece devido à vibração cerebral automática, que continua a produzir-se no sono, quando a alma está ausente. Esses sonhos são muitas vezes absurdos; mas este mesmo absurdo é uma prova de que a alma está fora do corpo físico e deixou de lhe regular as funções. Com menos facilidade nos lembramos do sonho psíquico, porque não impressiona o cérebro físico, mas somente o corpo psíquico, veículo da alma, que está exteriorizada no sono. 
“Os sentidos, diz o Dr. Pascal (Mémoire présenté au Congrès de Psychologie de Paris, em 1900), depois da actividade do dia, já não produzem sensações tão vivas e, como é a energia dessas sensações que tem a consciência “concentrada” no cérebro, esta consciência, quando os sentidos adormecem, escapa-se para fora do corpo físico e fixa-se no corpo psíquico.” 
O sonho lúcido representa o conjunto das impressões recolhidas pela alma no estado de liberdade e transmitidas ao cérebro, quer no decurso das suas migrações, quer no momento do despertar. Poder-se-ia distingui-lo do sonho vulgar ou automático pelo facto de não causar nenhuma fadiga, contrariamente ao que sucede com a actividade cerebral da vigília. 
(viii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 117. 
(ix) F. Myers - La Personnalité Humaine, págs. 121 e 122. 
(x) F. Myers - La Personnalité Humaine, págs. 123 e 124. 
(xi) Ver No Invisível, cap. XII. 
(xii) Proceedings, S.P.R., XI, pág. 505. 
(xiii) Ver Proceedings da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres. 
(xiv) J. Maxwell (i) - Les Phénomènes Psychiques, pág. 173, F. Alcan, Paris, 1903. 
(xv) Ver Le Matin, de 23 de fevereiro de 1914. 


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, V – A alma e os diferentes estados do sono, 6º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)

sábado, 14 de janeiro de 2023

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...) 

A personalidade integral 

A consciência, o “eu”, é o centro do ser, a própria essência da personalidade. 

Ser pessoa é ter uma consciência, um “eu” que reflexiona, se examina, se recorda. Poder-se-á, porém, conhecer, analisar e descrever o “eu”, os seus mistérios recônditos, as suas forças latentes, os seus germens fecundos, as suas actividades silenciosas? As psicologias, as filosofias do passado em vão o tentaram. Os seus trabalhos não fizeram mais do que tocar ao de leve a superfície do ser consciente. As camadas internas e profundas continuaram obscuras, inacessíveis, até ao dia em que as experiências do Hipnotismo, do Espiritismo, da regressão da memória aí projectaram, afinal, alguma luz. 

Então pôde ver-se que em nós se reflecte, se repercute todo o universo na sua dupla imensidade, de espaço e de tempo. Dizemos de espaço, porque a alma, nas suas manifestações livres e plenas, não conhece as distâncias. Dizemos de tempo, porque um passado inteiro dorme nela ao lado do futuro que aí jaz em estado de embrião. 

As escolas antigas admitiam a unidade e a continuidade do “eu”, a permanência, a identidade perfeita da personalidade humana e a sua sobrevivência. Os seus estudos basearam-se no sentir íntimo, no que nos nossos dias se chama introspecção

A nova psicologia experimental considera a personalidade como um agregado, um composto, uma “colónia”. Para ela é apenas aparente a unidade do ser, que pode decompor-se. O “eu” é uma coordenação passageira, disse Th. Ribot(ii) Essas afirmações baseiam-se em factos experimentais, que não se podem pôr de parte, tais como a vida intelectual inconsciente, as alterações da personalidade, a correlação entre as doenças da memória e as lesões do cérebro, etc. 

Como aproximar e conciliar teorias tão dessemelhantes e, contudo, baseadas, ambas, na ciência de observação? Da simples maneira. Pela própria observação, mais atenta, mais rigorosa. Myers disse-o nestes termos: (iii) 

“Uma investigação mais profunda, mais audaz, exactamente na direcção que os psicólogos (materialistas) a preconizam, mostra que eles se enganaram afirmando que a análise não provava a existência de nenhuma faculdade acima das que a vida terrestre, assim como eles a concebem, é capaz de produzir e o meio terrestre de utilizar. Porque, na realidade, a análise revela os vestígios de uma faculdade que a vida material ou planetária nunca poderia ter gerado e cujas manifestações implicam e fazem necessariamente supor a existência de um mundo espiritual. Por outro lado, e em favor dos partidários da unidade do “eu”, pode dizer-se que os dados novos são de natureza a fornecer às suas pretensões uma base muito mais sólida e uma prova presumível que excede em força todas as que eles poderiam ter imaginado e que, prova, especialmente, que o “eu” pode sobreviver, e sobrevive realmente, não só às desintegrações secundárias, que o afectam no curso da sua vida terrestre, mas também à desintegração derradeira que resulta da morte corporal. 

Muito falta ao “eu” consciente de cada um de nós para poder compreender a totalidade da nossa consciência e das nossas faculdades. Existem uma consciência mais vasta e faculdades mais profundas, cuja maior parte se conserva virtual em relação à vida terrestre, das quais se desprenderam, por via de selecção, a consciência e as faculdades da vida terrestre; tais, consciência mais alta e faculdades mais profundas, de novo se afirmam em toda a plenitude depois da morte. 

Tenho sido, há cerca de catorze anos, levado lentamente a essa conclusão, que revestiu para mim a sua forma actual, em consequência de uma longa série de reflexões baseadas em provas, cujo número ia aumentando progressivamente.” 

Em certos casos vê-se aparecer em nós um ser muito diferente do ser normal, possuindo não só conhecimentos e aptidões mais extensas que as da personalidade comum, mas, além disso, dotado de meios de percepção mais poderosos e variados. Às vezes, até mesmo nos fenómenos de “segunda personalidade” o carácter se modifica e difere de tal forma do carácter habitual que alguns observadores se julgaram na presença de um outro indivíduo. 

Cumpre fazer bem a distinção entre esses casos e os fenómenos de incorporações de Espíritos. Os médiuns, no estado de desdobramento, de sonambulismo, emprestam às vezes o seu organismo a entidades do Além, Espíritos desencarnados que dele se servem para comunicar com os homens; mas, então, os nomes, as particularidades, as provas de identidade fornecidas pelos manifestantes não permitem confusão alguma. A individualidade que se manifesta difere radicalmente da do paciente. Os casos de G. Pelham, (iv) de Robert Hyslop, de Fourcade, etc. demonstram-nos que as substituições de Espíritos não podem ser confundidas com os casos de personalidade dupla. 

No entanto, o erro era possível. Com efeito, do mesmo modo que as incorporações de Espíritos, a intervenção de personalidades secundárias é precedida de um sono curto. Estas surgem, a maioria das vezes, num acesso de sonambulismo ou mesmo depois de uma comoção. O período de manifestação, a princípio de breve duração, prolonga-se pouco a pouco, repete-se e vai-se destacando, cada vez com maior precisão, até adquirir e constituir uma cadeia de recordações particulares que se distinguem do conjunto das recordações registadas na consciência normal. Este fenómeno pode ser facilitado ou provocado pela sugestão hipnótica. É mesmo provável que nos casos espontâneos, em que nenhuma vontade humana intervém, o fenómeno seja devido à sugestão de agentes invisíveis, guias e protectores do sujet. Exercem eles nesses casos, como veremos, a sua acção para um fim curativo, terapêutico. 

No caso, célebre, de Félida, estudado pelo Doutor Azam(v) os dois estados de consciência, ou variações da personalidade, são nitidamente estabelecidos: 

“Quase todos os dias, sem causa conhecida ou sob o domínio de uma comoção, ela é tomada pelo que chama ‘a sua crise’. De facto, entra no seu segundo estado. Encontra-se sentada com um trabalho de costura na mão; de repente, sem que nada o possa fazer prever e depois de uma dor nas fontes, mais violenta que de costume, a cabeça cai-lhe sobre o peito, as mãos ficam inactivas e descem inertes ao longo do corpo. Dorme ou parece dormir um sono especial, porque nenhum barulho, nenhuma excitação, beliscadura ou picada a podem acordar. Além disso, essa espécie de sono sobrevém subitamente e dura dois ou três minutos. Antes durava muito mais. 

Depois, Félida acorda: mas o seu estado intelectual não é o mesmo que era antes de adormecer. Tudo parece diferente. Ergue a cabeça e, abrindo os olhos, cumprimenta sorrindo as pessoas que a cercam, como se tivesse chegado nesse momento; a fisionomia, triste e silenciosa antes, ilumina-se e respira alegria. A sua palavra é breve. Cantarolando, continua a obra de agulha que, no estado precedente, havia começado. Levanta-se. O seu andar é ágil e quase não se queixa das mil dores que, momentos antes, a faziam sofrer. Cuida dos arranjos domésticos, anda pela rua, etc. O seu génio mudou completamente; de triste fez-se alegre. A sua imaginação está mais exaltada; o motivo mais insignificante a entristece ou alegra; de indiferente passou a uma sensibilidade excessiva. 

Neste estado, lembra-se perfeitamente de tudo o que se passou nos outros estados semelhantes anteriores e também durante a sua vida normal. Nessa vida, como na outra, as suas faculdades intelectuais e morais, ainda que diferentes, encontram-se incontestavelmente na sua integridade: nenhuma ideia delirante, nenhuma falsa apreciação, nenhuma alucinação. Félida é outra, nada mais. Pode até mesmo dizer-se que nesse segundo estado, nessa segunda condição, como lhe chama M. Azam, todas as suas faculdades parecem mais desenvolvidas e completas. 

Essa segunda vida, em que a dor física não se faz sentir, é muito superior à outra, principalmente pelo facto notável de, enquanto ela dura, Félida se lembra não só do que se passou durante os acessos precedentes, mas também de toda a sua vida normal; ao passo que, durante a vida normal, nenhuma lembrança tem do que se passou durante os acessos.” 

Vê-se que aí não estão em jogo várias personalidades, mas simplesmente vários estados da mesma consciência. A relação subsiste entre esses diversos aspectos do ser psíquico. Pelo menos, o segundo estado, o mais completo, nada ignora do que fez o primeiro; ao passo que este não conhece o outro senão por ouvir falar dele. O modo de existência n° 2 trata o n° 1 com algum desdém. Félida, no segundo estado, fala da “rapariga estúpida”, do mesmo modo que nós o faríamos falando do menino desajeitado, do bebe trapalhão, que fomos noutros tempos. 

No caso de Louis Vivet(vi) encontramo-nos na presença de um fenómeno de “regressão da memória”. O sujet, sob a influência da sugestão hipnótica, revive todas as cenas da sua vida, como diz Myers, “com a rapidez e a facilidade de imagens cinematográficas. Não só os estados mentais passados e esquecidos voltam à memória ao mesmo tempo que as impressões físicas dessas variações, mas também quando um estado mental passado e esquecido é sugerido ao paciente, como sendo o seu estado actual, ele recebe imediatamente as impressões físicas a ele correspondentes”. 

Veremos mais adiante que, graças a experiências da mesma ordem, se tem podido reconstituir as excitações anteriores de certos pacientes com a mesma nitidez, o mesmo poder de impressões e sensações, o que nos levará a reconhecer que a ciência profunda do ser nos reserva muitas surpresas. 

Em Mary Reynolds (vii) assistimos a uma transformação completa do carácter, que apresenta três fases distintas: uma caracterizada pelo desleixo e outra com disposições para a tristeza, tendendo a fundir-se num terceiro estado superior aos dois precedentes. 

Outro caso fornecer-nos-á indicações preciosas sobre a natureza do segundo estado nas variações da personalidade. É o da Srta. R. L..., observado pelo Dr. Dufay e publicado na Revue Scientifique, de 5 de Julho de 1876. 

A Srta. R. L... – diz o Dr. Dufay – apresenta dois estados de personalidade. Tem perfeita consciência, no segundo estado, que é o estado de sonambulismo, da acuidade surpreendente que adquirem os seus sentidos. A alma é mais sensível; a inteligência e a memória recebem também um desenvolvimento considerável. Pode contar os factos mais insignificantes dos quais teve conhecimento em qualquer época, embora deles não se recorde quando volta ao estado normal. 

Não podemos passar em silêncio as observações da mesma natureza, feitas pelo Dr. Morton Prince em relação à Srta. Beauchamp. (viii) Esta apresenta muitos aspectos da mesma personalidade, que se revelaram sucessivamente e foram sendo denominados, à medida que apareciam, B1, B2, B4, B5. 

B1 é a Srta. Beauchamp em estado normal, pessoa séria, reservada, escrupulosa em excesso. B2 é a mesma em estado de hipnose, com mais desembaraço, simplicidade e memória mais extensa. B4, que se revela mais tarde, distingue-se das precedentes por um estado completo de unidade harmónica e de equilíbrio normal, mas a quem faz falta a memória dos seis últimos anos, em consequência de uma emoção violenta. Enfim, B5 que reúne, como em síntese, a memória dos estados já descritos. 

A originalidade desse caso consiste na intervenção, no meio desses diversos aspectos da personalidade da Srta. Beauchamp, de uma personalidade que lhe é completamente estranha, como nos parece. Trata-se de B3, que se diz chamar Sally, ser esperta, travessa, na verdade brincalhona, pregando-lhe partidas repetidas, uma vida bem difícil... Sally adapta-se, fisiologicamente, muito mal aos órgãos da médium

Essa misteriosa Sally não poderia ser, segundo pensamos, senão uma entidade do espaço, conseguindo substituir-se, no sono, à pessoa normal e dispor, por um lapso de tempo, de um organismo cujo estado de equilíbrio está momentaneamente perturbado. Esse fenómeno pertence à categoria das incorporações de Espíritos, de que tratamos especialmente em outra obra. (ix) 

Por seu turno, o Dr. Herbert Mayo aponta um fenómeno de memória quíntuplo. (x) “O estado normal do sujet era interrompido por quatro variedades de estados mórbidos, dos quais ele não se recordava ao acordar, mas cada um desses estados conservava uma forma de memória que lhe era peculiar.” 

Finalmente, F. Myers, na sua obra magistral, (xi) relata, segundo o Dr. Mason, um caso de personalidade múltipla que entendemos dever reproduzir: 

“Alma Z... era uma jovem muito sã e inteligente, de génio inalterável e insinuante, espírito de iniciativa em tudo o que empreendia, estudo, desporto, relações sociais. Em seguida a um cansaço intelectual e a uma indisposição da qual não fez caso, viu a sua saúde seriamente comprometida e, decorridos dois anos de grandes sofrimentos, fez-se uma brusca aparição, uma segunda personalidade. Numa linguagem meio infantil, meio indiana, esta personalidade anunciava-se como sendo a nº 2, que vinha para aliviar os sofrimentos da nº 1. Ora, o estado da nº 1 nesse momento era dos mais deploráveis – dores, debilidade, síncopes frequentes, insónias, estomatite mercurial, de origem medicamentosa, impossibilitando a alimentação. A nº 2 era alegre e terna, de conversa subtil e espirituosa, inteligência clara, alimentando-se bem e abundantemente, com maior proveito, dizia ela, do que a nº 1. A conversa, por mais aprimorada e interessante que fosse, nada deixava suspeitar dos conhecimentos adquiridos pela primeira personalidade. Manifestava uma inteligência supranormal relativamente ao que se passava na vizinhança. Foi nessa época que o autor começou a observar esse caso e eu não o perdi de vista durante seis anos consecutivos. Quatro anos depois de ter aparecido a segunda personalidade, manifestou-se inesperadamente uma terceira que se fez conhecer pelo nome de “moleque”. Era completamente distinta e diferente das outras duas e tomara o lugar da nº 2, que esta ocupara por quatro anos. 

Todas essas personalidades, ainda que absolutamente distintas e características, eram, cada qual no seu género, interessantes, e a nº 2, em particular, tem feito e continua a fazer a alegria dos seus amigos, todas as vezes que aparece e que lhes é dado aproximarem-se dela. Aparece sempre nos momentos de fadiga excessiva, de excitação mental, de prostração. Sobrevém, então, e persiste às vezes durante alguns dias. O “eu” original afirma sempre a sua superioridade, estando ali as outras apenas em atenção a ela e para o seu proveito. A nº 1 nenhum conhecimento pessoal tem das outras duas personalidades; contudo, conhece-as bem, principalmente a nº 2, pelas narrativas das outras e pelas cartas que muitas vezes delas recebe, e admira as mensagens subtis, espirituosas e muitas vezes instrutivas que lhe trazem essas cartas ou as narrativas dos amigos.” 

Limitar-nos-emos à citação dos factos que acabamos de transcrever para não nos alongarmos demais. Existem muitos outros da mesma natureza, cuja descrição o leitor poderá encontrar nas obras especiais. (xii) 

No seu conjunto, esses fenómenos demonstram que além do nível da consciência normal, fora da personalidade comum, existem em nós planos de consciência, camadas ou zonas dispostas de tal maneira que, em certas condições, se podem observar alternâncias nesses planos. Vê-se então emergirem e manifestarem-se, durante um certo tempo, atributos, faculdades que pertencem à consciência profunda, mas que não tardam a desaparecer para voltarem ao seu lugar e tornarem a mergulhar na sombra e na inacção. 

O nosso “eu” ordinário, superficial, limitado pelo organismo, não parece ser mais do que um fragmento do nosso “eu” profundo. Neste está registado um mundo inteiro de factos, de conhecimentos, de recordações referentes ao longo passado da alma. Durante a vida normal, todas essas reservas permanecem latentes, como que sepultadas por baixo do invólucro material; reaparecem no estado de sonambulismo. O apelo da vontade e a sugestão as mobilizam e elas entram em acção e produzem os estranhos fenómenos que a psicologia oficial comprova sem os poder explicar. 

Todos os casos de desdobramento da personalidade, todos os fenómenos de clarividência, telepatia, premonição, aparecimento de sentidos novos e de faculdades desconhecidas, todo esse conjunto de factos, cujo número aumenta e constitui já uma enormíssima amálgama, deve ser atribuído à intervenção das forças e recursos da personalidade oculta. 

O estado de sonambulismo, que permite a sua manifestação, não é um estado “regressivo” ou mórbido, como o julgaram certos observadores; é, antes, um estado superior e, segundo a expressão de Myers, “evolutivo”. É verdade que o estado de degenerescência e enfraquecimento orgânico facilita, em alguns pacientes, o afloramento das camadas profundas do “eu”, o que é designado pelo nome de histeriaTudo o que, de um modo geral, deprime o corpo físico, favorece, convém notar, o desprendimento, a saída do Espírito. A esse respeito, muitos testemunhos nos seriam fornecidos pela lucidez dos moribundos; mas, para avaliar somente esses factos, faz-se mister considerá-los principalmente sob o ponto de vista psicológico. Aí está toda a sua importância. 

A ciência materialista viu nesses fenómenos o que ela chama “desintegrações”, isto é, alterações e dissociações da personalidade. Os diversos estados da consciência aparecem algumas vezes tão distintos e os tipos que surgem são de tal modo diferentes do tipo normal, que têm levado a crer que se está na presença de várias consciências autónomas, em alternância no mesmo paciente. Acreditamos, com Myers, que nada disso sucede. Há aí simplesmente uma variedade de estados sucessivos coincidindo com a permanência do “eu”. A consciência é uma, mas se manifesta de diversos modos: de maneira restrita, na vida normal, enquanto está limitada ao campo do corpo; mais completa, mais extensa em estados de desprendimento e, finalmente, de maneira cabal, perfeita, na ocasião da morte, depois da separação definitiva, como o demonstram as manifestações e os ensinamentos dos Espíritos. A desagregação é, pois, apenas aparente. A única diferença entre os estados variados de consciência é uma diferença de graus. Esses graus podem ser numerosos. O espaço que, por exemplo, medeia entre o estado de incorporação e a exteriorização completa parece considerável. A personalidade não deixa, por isso, de permanecer idêntica através da concatenação (i) dos factos da consciência, que um laço contínuo liga entre si, desde as modificações mais simples do estado normal até aos casos que comportam transformação da inteligência e do carácter; desde a simples ideia fixa e os sonhos até à projecção da personalidade no mundo espiritual, nesse Além onde a alma recupera a plenitude das suas percepções e dos seus poderes. 

Já no decurso da existência terrestre, da infância à velhice, vemos o “eu” modificar-se incessantemente; a alma atravessa uma série de estados, anda em mudança contínua. Não obstante, no meio dessas diversas fases, é invariável a fiscalização que exerce sobre o organismo. A Fisiologia salientou a sábia e harmoniosa coordenação de todas as partes do ser, as leis da vida orgânica e do mecanismo nervoso, que não podem ser explicadas sem a presença de uma unidade central. Essa unidade soberana é a origem e a causa conservadora da vida; relaciona-lhe todos os elementos, todos os aspectos. 

Foi por uma consequência não menos perniciosa das teorias materialistas que os “psicólogos” da escola oficial chegaram a considerar o génio como uma neurose, quando ele pode ser a utilização, em maior escala, dos poderes psíquicos ocultos no homem. 

Myers, falando da categoria dos histéricos que conduzem o mundo, emite a opinião de que “a inspiração do génio não seria mais do que a emergência, no domínio das ideias conscientes, de outras ideias em cuja elaboração a consciência não tomou parte, mas que se têm formado isoladamente, por assim dizer, independentemente da vontade, nas regiões profundas do ser”. (xiii) 

Em geral, aqueles que tão levianamente são qualificados como “degenerados” são muitas vezes “progenerados”, e nestes sensitivos, histéricos ou neuróticos, as perturbações do organismo físico e as alterações nervosas muito caracterizadas em certas inteligências geniais, como noutro lugar vimos (No Invisível, último capítulo), podem realmente ser um processo de evolução pelo qual toda a humanidade terá de passar para chegar a um grau mais intenso da vida planetária. 

O desenvolvimento do organismo humano até à sua expansão completa é sempre acompanhado de perturbações, do mesmo modo que o aparecimento de cada novo ser na Terra é delas precedido. Nos nossos esforços dolorosos para a maior soma de vida, os valores mórbidos transmutam-se em forças morais. As nossas necessidades são instintos em fusão, que se concretizam em novos sentidos para adquirir mais poder e conhecimento. 

Mesmo no estado comum, no estado de vigília, emergências, impulsos do “eu” profundo podem remontar até às camadas exteriores da personalidade, trazendo intuições, percepções, lampejos bruscos sobre o passado e o futuro do ser, os quais denotam faculdades muito extensas, que não pertencem ao “eu” normal. 

Cumpre relacionar com essa ordem de fenómenos a maior parte dos casos de escrita automática. Dizemos a maior parte, porque sabemos de outros que têm como causa agentes externos e invisíveis. 

Há em nós uma espécie de reservatório de águas subterrâneas, donde, em certas horas, rompe e sobe à superfície uma corrente rápida em ebulição. Os profetas, os mártires de todas as religiões, os missionários, os inspirados, os entusiastas de todos os géneros e de todas as escolas conheceram esses impulsos surdos e poderosos, que nos têm brindado com as maiores obras que têm revelado aos homens a existência de um mundo superior. 

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(ii) Th. Ribot - Les Maladies de la Personnalité, páginas 170 e 172. 
(iii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 19. Essa obra representa o mais grandioso esforço tentado pelo pensamento para resolver os problemas do ser. O Professor Flournoy, da Universidade de Genebra, escrevia a respeito desse livro: “O nome de Myers será inscrito no livro de ouro dos grandes iniciadores, a par dos de Copérnico e Darwin, para completar a tríade dos génios que mais profundamente revolucionaram as noções científicas na ordem da Cosmologia, da Biologia e da Psicologia.” 
(iv) Ver a nossa obra No Invisível, cap. XIX (passim), e G. Delanne, A Alma é Imortal. 
(v) Dr. Binet - Altérations de la Personnalité, F. Alcan, Paris, pág. 6 e 20. 
(vi) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 60. Ver também Camuset, Annales Médico-Psychologiques, 1882, página 15. 
(vii) W, James - Principies of Psychology. 
(viii) Dr. Morton Prince. Ver The Association of a Personality, bem como a obra do coronel A. de Rochas, Les Vies Successives, Chacornac, ed., Paris, 1911, págs. 398 e 402. 
(ix) Ver No Invisível, capítulo XIX. 
(x) Revue Philosophique, 1887, I, pág. 449. 
(xi) F. Myers - La Personnalité Humaine, págs. 61 e 62. 
(xii) Ver outra, as dos Drs. Bourru e Burot, Les Changements de la Personnalité; De la Suggestion Mentale, Bibl. científ. contemporânea, Paris, 1887; Binet, Les Altérations de la Personnalité; Berjon, La Grande Hystérie chez l’Homme. Dr. Osgood Mason, Double Personnalité, ses rapports avec l’Hypnotisme et la Lucidité. Ver também Proceedings S.P.R., o caso da Srta. Beauchamp, estudado por Morton, o de Annel Bourne, descrito pelo Dr. Hodgson e o de Mollie Faucher observado pelo juiz americano Cain Dailey. 
(xiii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 69. Acreditamos, todavia, que no exame desse problema de génio Myers não atendeu bastante às aquisições anteriores, fruto das existências acumuladas, tampouco à inspiração medianímica. 


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, IV – A personalidade integral, 5º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)