Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Léon Denis e o Cristianismo ~


Introdução ~

Não foi um sentimento de hostilidade ou de malevolência que ditou estas páginas. Malevolência não a têm por nenhuma ideia, por pessoa alguma. Quaisquer que sejam os erros ou as faltas dos que se acobertam com o nome de Jesus e a sua doutrina, o pensamento do Cristo em nós não desperta senão um sentimento de profundo respeito e de sincera administração. Educados na religião cristã, conhecemos tudo o que ela encerra de poesia e de grandeza. Se abandonámos o domínio da fé católica pelo da filosofia espírita, não esquecemos por isso as recordações da nossa infância, o altar ornado de flores diante do qual se inclinava a nossa fronte juvenil, a grande harmonia dos órgãos, sucedendo aos cantos graves e profundos e, a luz coada através dos vitrais coloridos, a brincar no ladrilhado solo, entre os fiéis prosternados. Não esquecemos que a austera cruz estende os seus braços por sobre o túmulo dos que mais amamos neste mundo. Se há para nós uma imagem sagrada, entre as veneráveis, é a do supliciado do Calvário, do mártir pregado ao madeiro infamante, ferido, coroado de espinhos e que, ao expirar, perdoa aos seus algozes. 

Ainda hoje é com viva emoção que escutamos os longínquos convites dos sinos, a voz de bronze, que vão acordar os sonoros ecos dos bosques e dos vales. E, nas horas de tristeza, apraz-nos meditar na igreja silenciosa e solitária, sob a penetrante influência que nela acumularam as preces, as aspirações, as lágrimas de tantas gerações.

Uma questão, porém, se impõe, questão que muitos resolveram mediante o estudo e a reflexão. Todo esse aparato que impressiona os sentidos e move o coração, todas essas manifestações artísticas, pompa do ritual romano e o esplendor das cerimónias não são como um brilhante véu que oculta a pobreza da ideia e a insuficiência do ensino? Não foi a convicção da sua impotência para satisfazer as elevadas faculdades da alma, a inteligência, o discernimento e a razão, o que impeliu a Igreja para o caminho das manifestações exteriores e materiais?

O protestantismo, ao menos, é mais sóbrio. Se desdenha as formas, a decoração, é para melhor fazer sobressair a grandeza da ideia. Estabelece a autoridade exclusiva da consciência e o culto do pensamento e, de degrau em degrau, de consequência em consequência, conduz logicamente ao livre exame, isto é, à filosofia.

Conhecemos tudo o que a doutrina do Cristo encerra de sublime; sabemos que ela é por excelência a doutrina do amor, a religião da piedade, da misericórdia, da fraternidade entre os homens. Mas a doutrina de Jesus é a que ensina a Igreja Romana? A palavra do Nazareno foi-nos transmitida pura e sem mescla e, a interpretação que dela nos dá a Igreja é isenta de todo o elemento estranho ou parasita?

Não há questão mais grave, mais digna da meditação dos pensadores, como da atenção de todos os que amam e procuram a verdade. É o que nos propomos examinar na primeira parte desta obra, com o auxílio e a inspiração dos nossos guias do espaço, afastando tudo o que poderia perturbar as consciências, excitar as más paixões, fomentar a divisão entre os homens.

É verdade que esse trabalho foi, antes de nós, empreendido por outros. Mas o objectivo destes, os seus meios de investigação e de crítica eram diferentes dos nossos. Procuram menos edificar que destruir, ao passo que, antes de tudo, quisemos fazer obra de reconstituição e de síntese. Consagrámo-nos à tarefa de destacar da sombra das idades, da confusão dos textos e dos factos, o pensamento básico, pensamento de vida, que é a fonte pura, o foco intenso e radioso do Cristianismo e, ao mesmo tempo, explicar os estranhos fenómenos que caracterizam as suas origens, fenómenos renováveis sempre, que efectivamente se renovam todos os dias debaixo dos nossos olhos e podem ser explicados mediante leis naturais. Nesse pensamento oculto, nesses fenómenos até agora inexplicados, mas que uma nova ciência observa e regista, encontramos a solução desses problemas que há tantos séculos pairam sobre a razão humana: o conhecimento da nossa verdadeira natureza e a lei dos nossos destinos progressivos.

Uma das mais sérias objecções lançadas ao Cristianismo pela crítica moderna é que a sua moral e a sua doutrina da imortalidade repousam sobre um conjunto de factos ditos “miraculosos”, que o homem esclarecido relativamente à acção das leis da natureza não poderia hoje admitir.

Se milagres, acrescentam, puderam ser outrora necessários para fundar a crença na outra vida, sê-lo-ão menos na nossa época de dúvida e de incredulidade? E, além disso, a que causa atribuir esses milagres? Não é, como alguns o pretenderam, à natureza divina do Cristo, porquanto os seus discípulos igualmente os obtinham.

A questão, porém, ficará esclarecida por uma luz intensa e, as afirmações do Cristianismo relativamente à imortalidade adquirirão mais força e autoridade, se for possível estabelecer que esses factos, ditos “miraculosos”, se produziram em todos os tempos, particularmente nos nossos dias; que eles são o resultado de causas livres, invisíveis, que perpetuamente actuam, submetidas, porém, a leis imutáveis, se neles, numa palavra, já não vemos milagres, mas fenómenos naturais, uma forma da evolução e da sobrevivência do ser.

É precisamente esta uma das consequências do Espiritismo. Por um aprofundado estudo das manifestações do além-túmulo, ele demonstra que esses factos ocorreram em todas as épocas, quando as perseguições não lhes opunham obstáculos; que quase todos os grandes missionários, os fundadores de seitas e de religiões foram médiuns inspirados; que uma perpétua comunhão une as duas humanidades, ligando aos do mundo terrestre os habitantes do espaço.

Esses factos reproduzem-se em torno de nós com renovada intensidade. Desde há cinquenta anos aparecem formas, fazem-se ouvir vozes, chegam-nos comunicações por via tiptológica ou de incorporação, assim como pela escrita automática. Provas de identidade, em profusão, vêm revelar-nos a presença dos nossos parentes, dos que na terra amámos, que foram a nossa carne e o nosso sangue e, dos quais nos havia momentaneamente a morte separado. Nas suas práticas, nos seus ensinos, aprendemos a conhecer esse Além misterioso, objecto de tantos sonhos, debates e contradições. No nosso entendimento se acentuam e definem as condições da vida ulterior, dissipa-se a obscuridade que reinava sobre tais questões. O passado e o futuro se esclarecem até ao mais íntimo de suas profundezas.

Assim o Espiritismo oferece-nos as provas naturais, tangíveis, da imortalidade e por esse meio conduz-nos às puras doutrinas cristãs, ao próprio âmago do Evangelho, que a obra do Catolicismo e a lenta edificação dos dogmas mal cobriram de tantos elementos incongruentes e estranhos. Graças ao seu estudo escrupuloso do corpo fluídico, ou perispírito, ele torna mais compreensíveis, mais aceitáveis, os fenómenos de aparições e materializações, sobre as quais o Cristianismo repousa integralmente.

Estas considerações melhor farão sobressair a importância dos problemas suscitados no curso desta obra e cuja solução oferecemos, apoiando-nos ao mesmo tempo nos testemunhos de sábios imparciais e esclarecidos e nos resultados de experiências pessoais, realizadas consecutivamente há mais de trinta anos.

Sob esse ponto de vista, a oportunidade do presente trabalho a ninguém decerto escapará. Nunca a necessidade de esclarecimento das questões vitais, a que se encontra indissoluvelmente ligada à sorte das sociedades, se fez sentir de modo mais imperioso.

Cansado de dogmas obscuros, de interesseiras teorias, de afirmações sem provas, o pensamento humano há muito se deixou empolgar pela dúvida. Uma crítica inexorável joeirou rigorosamente todos os sistemas. A fé se extinguiu na sua própria fonte; o ideal religioso desapareceu. Concomitantemente com os dogmas, perderam o seu prestígio as elevadas doutrinas filosóficas.

O homem esqueceu ao mesmo tempo o caminho dos templos e dos pórticos da sabedoria.

Para quem quer que observe atentamente as coisas, os tempos que vivemos estão carregados de ameaças. Parece brilhante a nossa civilização e, todavia, quantas manchas lhe obscurecem o esplendor! O bem-estar e a riqueza se têm espalhado, mas é por acaso pelas suas riquezas que uma sociedade se engrandece? O objectivo do homem na terra é, porventura, levar uma vida faustosa e sensual? Não! Um povo não é grande, um povo não se eleva senão pelo trabalho, pelo culto da justiça e da verdade.

Em que se tornaram as civilizações do passado, aquelas em que o indivíduo não se preocupava senão com o corpo, com as suas necessidades e as suas fantasias? Encontram-se em ruínas; estão mortas.

Voltamos a encontrar, precisamente na nossa época, as mesmas tendências perigosas que as perderam: são as que consistem em tornar tudo adstrito à vida material, em constituir objecto e fim da existência a conquista dos prazeres físicos. A crítica e a consciência materialistas restringiram os horizontes da vida. Às tristezas da hora presente acrescentaram a negação sistemática, a acabrunhadora ideia do nada. E por esse modo agravaram todas as misérias humanas; arrebataram ao homem, com as mais seguras armas morais de que dispunha, o sentimento de suas responsabilidades; abalaram até às suas profundezas o próprio foro íntimo do eu.

Assim, gradualmente, os caracteres se vão abatendo, a venalidade cresce, a imoralidade se alastra como imensa chaga. O que era sofrimento se converteu em desespero. Os casos de suicídio têm-se multiplicado em proporções até aqui desconhecidas – coisa monstruosa e que em nenhuma outra época se viu: este flagelo do século até as próprias crianças tem contaminado.

Contra essas doutrinas de negação e morte falam hoje os factos. Uma experimentação metódica, prolongada, conduz-nos a esta certeza: o ser humano sobrevive à morte e o seu destino é obra sua.

Factos inúmeros se têm multiplicado, oferecendo novos subsídios acerca da natureza, da vida e da ininterrupta evolução dos seres. Esses factos foram pela ciência devidamente autenticados. Importa agora interpretá-los, pô-los em evidência e, sobretudo, deduzir-lhes a lei, as consequências e tudo o que deles pode resultar para a existência individual e social.

Esses factos vão despertar no íntimo das consciências as verdades aí adormecidas. Eles restituirão ao homem a esperança, com o elevado ideal que esclarece e fortifica. Provando que não morremos inteiramente, encaminharão os pensamentos e os corações para essas vidas ulteriores em que a justiça encontra a sua aplicação.

Todos, por esse meio, compreenderão que a vida tem um objectivo, que a lei moral tem uma realidade e uma sanção; que não há sofrimentos inúteis, trabalho sem proveito, nem provas sem compensação; que tudo é pesado na balança do divino Justiceiro.

Em lugar desse campo cerrado da vida em que os fracos sucumbem fatalmente, em lugar dessa gigantesca e cega máquina do mundo que tritura as existências e de que nos falam as filosofias negativas, o Novo Espiritualismo fará surgir, aos olhos dos que pesquisam e dos que sofrem, a portentosa visão de um mundo de equidade, de amor e de justiça, onde tudo é regulado com ordem e sabedoria, harmonicamente.

E dessa forma será atenuado o sofrimento, assegurado o progresso do homem, santificado o seu trabalho; a vida se revestirá de maior dignidade e enobrecimento. Porque o homem tem tanta necessidade de uma crença como de uma pátria, como de um lar. É o que explica que formas religiosas, envelhecidas e caducas, conservem ainda os seus adeptos. Há no coração humano tendências e necessidades que nenhum sistema negativo poderá jamais satisfazer. Mau grado à dúvida que a oprime, desde que a alma sofre, instintivamente se volta para o céu. Faça o que fizer, o homem torna a encontrar o pensamento de Deus nas cantilenas que no berço o embalaram, nos sonhos da sua infância, como nas silenciosas meditações da idade adulta.

Há certas horas, não pode o céptico mais endurecido contemplar o infinito constelado, o curso dos milhões de sóis que na imensidade se efectua, nem passar diante da morte, sem perturbação e sem respeito.

Sobranceira às polémicas vãs, às discussões estéreis, há uma coisa que escapa a todas as críticas: é essa aspiração da alma humana a um ideal eterno, que a sustenta nas suas lutas, consola nas provações e, nas horas das grandes resoluções é a sua inspiradora; é essa intuição do que, por trás da cena em que se desenrolam os dramas da vida e o grandioso espectáculo da natureza, oculta-se um poder, uma causa suprema, que lhes regulou as fases sucessivas e traçou as linhas de sua evolução.

Onde, porém, encontrará o homem a rota segura que o conduza a Deus? Onde haurir a inabalável convicção que, de estádio em estádio, o guiará através dos tempos e do espaço, para o supremo fim das existências? Qual será, numa palavra, a crença do futuro?

As formas materiais e transitórias da religião passam, mas a vida religiosa, a crença pura, desembaraçada de todas as formas inferiores é, na sua essência, indestrutível. O ideal religioso evolverá, como todas as manifestações do pensamento. Ele não poderia escapar à lei do progresso que rege os seres e as coisas.

A futura fé que já emerge dentre as sombras não será nem católica nem protestante; será a crença universal das almas, a que reina em todas as sociedades adiantadas do espaço e, mediante a qual cessará o antagonismo que separa a ciência actual da religião. Porque, com ela, a ciência tornar-se-á religiosa, e a religião se há de tornar científica.

Ela se apoiará na observação, na experiência imparcial, nos factos milhares de vezes repetidos.  

Mostrando-nos as realidades objectivas do mundo dos espíritos, dissipará todas as dúvidas, destruirá as incertezas; a todos franqueará infinitas perspectivas do futuro.

Em certas épocas da História, passam sobre o mundo correntes de ideias que vêm arrancar a Humanidade ao seu torpor. Sopros vindos do alto encrespam a imensa vaga humana e, graças a eles, brotam da sombra as verdades esquecidas na caligem dos séculos. Elas surgem das mudas profundezas em que dormem os tesouros das forças ocultas, onde se combinam os elementos renovadores, onde se elabora a obra misteriosa e divina. Manifestam-se, então, sob inesperadas formas; reaparecem e revivem.

No começo repudiadas, escarnecidas pela multidão, prosseguem, todavia, impassíveis, serenas, o seu caminho. E chega um dia em que se é forçado a reconhecer que essas verdades repelidas vinham oferecer o pão da vida, o cálice da esperança, a todas as almas sofredoras e dilaceradas; que nos traziam nova base de ensinamento e, porventura também, um meio de reabilitação moral. Tal a situação do moderno Espiritualismo (espiritualismo racional)*, em que renascem tantas verdades há séculos ocultas. No seu contexto ele resume as crenças dos sábios e dos antigos celtas, nossos pais; ressurge sob mais imponentes formas, para encaminhar a um novo ciclo ascensional a Humanidade em marcha.  

/…
* Assim melhor sintetizado nos dias de hoje. Adenda desta publicação.


Léon Denis (1846-1927) (i)Cristianismo e Espiritismo, Título Original em Francês; Léon Denis - Christianisme et Spiritisme, Librairie des Sciences Psychiques, Paris (1898).  Introdução, 1º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel)

sábado, 6 de novembro de 2021

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Sr. Home 
(Terceiro artigo) 

(Ver os números de Fevereiro e Março de 1858) (*) 

Não é do nosso conhecimento que o Sr. Home tenha feito aparecer, pelo menos visivelmente a todos, outras partes do corpo além das mãos. Cita-se, entretanto, um general, morto na Crimeia, que teria aparecido à sua viúva e visível somente a ela; mas não pudemos constatar a realidade do facto, sobretudo no que diz respeito à intervenção do Sr. Home em tal circunstância. Limitar-nos-emos apenas àquilo que pudermos afirmar. Por quê mãos, de preferência a pés ou a uma cabeça? É o que não sabemos e ele próprio o ignora. Interrogados a respeito, os Espíritos responderam que outros médiuns poderiam fazer aparecer o corpo inteiro; aliás, isso não é o ponto mais importante; se só as mãos aparecem, as demais partes do corpo não são menos evidentes, como se verá dentro em pouco. 

A aparição de uma mão geralmente manifesta-se, em primeiro lugar, sob a toalha de uma mesa, através de ondulações produzidas a percorrer toda a sua superfície; depois mostra-se à borda da toalha, que ela levanta; algumas vezes vem postar-se sobre a toalha, bem no meio da mesa; frequentemente, pega um objecto e leva-o para baixo da toalha. Esta mão, visível a toda a gente, não é vaporosa, nem translúcida; tem a cor e a opacidade naturais; no punho, termina de maneira vaga, mal definida; se é tocada com precaução, confiança e sem segundas intenções hostis, oferece a resistência, a solidez e a impressão de uma mão viva; o seu calor é suave, húmido e comparável ao de um pombo morto há cerca de meia hora. Não é de forma alguma inerte, porquanto age, presta-se aos movimentos que se lhe imprime, ou resiste, acaricia-vos ou aperta-vos. Se, ao contrário, quiserdes pegá-la bruscamente e de surpresa, somente encontrareis o vazio. Uma testemunha ocular narrou-nos o seguinte facto que se passou com ela. Tinha entre os dedos uma campainha de mesa; uma mão, a princípio invisível, pouco depois perfeitamente visível, veio pegá-la, fazendo esforços para arrancá-la; não o tendo conseguido, passou por cima para fazê-la escorregar; o esforço de tracção era muito sensível, qual se fora uma mão humana. Tendo querido segurar violentamente essa mão, a sua só encontrou o ar; havendo retirado os dedos, a campainha ficou suspensa no espaço e veio pousar lentamente no soalho. 

Algumas vezes há várias mãos. A mesma testemunha contou-nos o facto que se segue. Várias pessoas estavam reunidas em volta de uma dessas mesas de sala de jantar que se separam em duas. Golpes são batidos; a mesa agita-se, abre-se por si mesma e, através da fenda, aparecem três mãos, uma de tamanho natural, muito grande outra e, uma terceira completamente felpuda; toca-se nelas, apalpa-se-lhes, elas vos apertam a mão, depois esvanecem-se. Na casa de um de nossos amigos, que havia perdido um filho de tenra idade, é a mão de um recém-nascido que aparece; todos a podem ver e tocar; essa criança acomoda-se no colo da mãe, que sente distintamente a impressão de todo o seu corpo sobre os joelhos. 

Frequentemente, a mão vem pousar sobre vós. Então a vedes ou, se não o conseguis, percebeis a pressão dos seus dedos; algumas vezes ela vos acaricia, noutras vos belisca até provocar dor. Na presença de várias pessoas, o Sr. Home sentiu que lhe pegavam o pulso e, os assistentes puderam ver-lhe a pele puxada. Um instante depois ele sentiu que o mordiam e a marca da impressão de dois dentes ficou visivelmente assinalada durante mais de uma hora. 

A mão que aparece também pode escrever. Algumas vezes ela se coloca no meio da mesa, pega um lápis e escreve letras sobre um papel especialmente colocado para esse efeito. Na maioria das vezes leva o papel para debaixo da mesa e o traz de volta todo escrito. Se a mão permanece invisível, a escrita parece produzir-se por si mesma. Obtêm-se, por esse meio, respostas às diversas perguntas que se quer fazer. 

Um outro género de manifestações não menos notável, mas que se explica pelo que acabamos de dizer, é o dos instrumentos de música que tocam sozinhos. Em geral são pianos ou acordeões. Nessas circunstâncias, vê-se distintamente as teclas agitarem-se e o fole a mover-se. A mão que toca ora é visível, ora invisível; a ária que se ouve pode ser conhecida e executada a pedido de alguém. Se o artista invisível é deixado à vontade, produz acordes harmoniosos, cujo efeito lembra a vaga e suave melodia da harpa eólica. Na residência de um de nossos assinantes, onde tais fenómenos se produziram muitas vezes, o Espírito que assim se manifestava era o de um rapaz, falecido há algum tempo, amigo da família e que, quando vivo, possuía notável talento como músico; a natureza das árias que preferia tocar não deixava nenhuma dúvida quanto à sua identidade às pessoas que o haviam conhecido. 

O facto mais extraordinário deste género de manifestações não é, na nossa opinião, o da aparição. Se fosse sempre vaporosa, concordaria com a natureza etérea que atribuímos aos Espíritos; ora, nada se oporia a que essa matéria etérea se tornasse perceptível à vista por uma espécie de condensação, sem perder a sua propriedade vaporosa. O que há de mais estranho é a solidificação dessa mesma matéria, bastante resistente para deixar uma impressão visível aos nossos órgãos. Daremos, no nosso próximo número, a explicação deste fenómeno singular, conforme os ensinamentos dos próprios Espíritos. Limitar-nos-emos, hoje, a deduzir-lhe uma consequência relativa ao toque espontâneo dos instrumentos de música. Com efeito, desde que a tangibilidade temporária desta matéria eterizada é um facto constatado; que, nesse estado, uma mão, aparente ou não, oferece bastante resistência para exercer pressão sobre os corpos sólidos, nada há de espantoso em que possa exercer pressão suficiente para mover as teclas de um instrumento. Por outro lado, factos não menos positivos atestam que esta mão pertence a uma inteligência; nada, pois, de admirar que tal inteligência se manifeste por sons musicais, como o pode fazer pela escrita ou pelo desenho. Uma vez entrados nesta ordem de ideias, as pancadas, o movimento dos objectos e todos os fenómenos espíritas de ordem material explicam-se naturalmente. 


Diversidade ~~

Em certos indivíduos a malevolência não conhece limites; a calúnia tem sempre veneno para quem quer que se eleve acima da multidão. Os adversários do Sr. Home encontraram a arma do ridículo demasiado fraca; com efeito, ela devia voltar-se contra os nomes respeitáveis que o cobrem com a sua protecção. Já não podendo divertir-se à sua custa, quiseram denegri-lo. Espalhou-se o boato, adivinhe-se com que objectivo e, as más línguas a repetir, que o Sr. Home não havia partido para a Itália, como fora anunciado, mas que estava preso na prisão de Mazas, sob o peso das mais graves acusações, narradas como anedotas, de que estão sempre ávidos os desocupados e os amantes de escândalo. Podemos garantir que não há nada de verdadeiro em todas essas maquinações infernais. Sob os nossos olhos, temos várias cartas do Sr. Home, escritas de Pisa, Roma e Nápoles, onde se encontra neste momento e, estamos em condições de provar o que afirmamos. Muita razão têm os Espíritos, quando dizem que os verdadeiros demónios estão entre os homens. 

Lê-se num jornal: “Segundo a Gazettte des Hopitaux, o hospital dos alienados de Zurique conta neste momento 25 pacientes que perderam a razão graças às mesas falantes e aos Espíritos batedores”. 

Em primeiro lugar, perguntamos se foi bem averiguado que esses 25 alienados devem, todos, a perda da razão aos Espíritos batedores, o que se pode contestar até prova em contrário. Supondo que esses fenómenos estranhos tenham podido impressionar de maneira lamentável certos caracteres fracos, perguntaríamos, além disso, se o medo do diabo não fez mais loucos do que a crença nos Espíritos. Ora, como não se impedirá os Espíritos de baterem, o perigo está em acreditar que são demónios todos aqueles que se manifestam. Afastai essa ideia, dando a conhecer a verdade e, deles não se terá mais medo do que dos fogos-de-artifício. A ideia de que se é assediado pelo demónio é feita sob a medida de perturbar a razão. Eis, de sobra, a contrapartida do artigo acima. Lemos num outro jornal: “Existe um curioso documento estatístico, de consequências funestas, o de que o povo inglês é levado ao hábito da intemperança e dos licores fortes. De cada 100 indivíduos admitidos no hospício de loucos de Hamwel, há 72 cuja alienação deve ser atribuída à embriaguez.” 

Recebemos dos nossos assinantes numerosas relações de factos muito interessantes, que nos apressaremos a publicar nas nossas próximas edições; a falta de espaço, porém, impede-nos de fazê-lo neste número.                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Allan Kardec
/... 
(*) Sr. Home (primeiro e segundo artigos) 


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Revue Spirite, Sr. Home, Diversidade (Terceiro artigo – Ver os números de Fevereiro e Março de 1858). – Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Abril de 1858, 11º fragmento da Revista objecto do presente título desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)