Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 28 de outubro de 2012

~~~Párias em Redenção~~~


ACOSSAMENTO IRREVERSÍVEL ~

   A chegada ao Palácio T., na parte superior da cidade, fez-se seguida das homenagens dos anfitriões. Francesco e sua esposa, uma morena de grandes olhos claros e tez bronzeada, de aparência sensual e leviana, acolheram o visitante com reais demonstrações de cordialidade e júbilo. Por estranho processo magnético, porém, Girólamo sentiu que a esposa do amigo experimentou a mesma sensação de prazer que ele, ao primeiro encontro, e rejubilou-se interiormente. Francesco conduziu-o à peça interior, em que se deveria hospedar, e apresentou-lhe as bilhas de água fresca e a bacia de fina porcelana, para a higiene corporal.

Sacudido pelas alegrias espontâneas do momento, Girólamo pareceu novamente ouvir ensurdecedora gargalhada a estrugir dentro de sua cabeça, reconhecendo a voz de Assunta assassinada, como se ela estivesse presente. Empalideceu de inopíno e fez-se lívido.

   Francesco, surpreso, inquiriu o amigo a respeito do seu estado.

   – Não é nada de assustar – asseverou o cavaliere.

   – Creio que o sol causticante na viagem me fez mal. Tive um pesadelo e, desde então, estou sendo acometido de desconhecidas sensações, quais delírios produzidos pela maremma *, conquanto não esteja febril. Desejava mesmo perguntar-lhe se há, na cidade, algum ervanário que mereça uma consulta, ou algum médico, embora a minha indiferença e quase perversão total contra os médicos…

   – Sim – redarguiu o anfitrião –, sei que fora da cidade, além da Porta Ovile, reside estranho misto de ervanário e adivinho, que atende seleta clientela, não obstante permaneça em silencioso abandono, entre os seus unguentos e misteres exóticos. Nossa família consultou-o mais de uma vez, com excelentes resultados. Mas, que teria o Conde Cherubini para interessar-se por gente desse jaez?

   – Se me guarda segredo – falou, esfogueado, o nobre –, gostaria de consultá-lo para acalmar-me a respeito de problemas graves de família. Não ignora você a tragédia de que foi palco o solar que hoje é propriedade minha. Não posso negar que cruéis presságios me acossam, desde que para ali transladei residência. E desde que há alguém que se atreve a penetrar nos meandros dos mortos, muito gostaria de inteirar-me de algumas questões que me perturbam, a respeito do assunto.

   Depois de uma pausa de demorada reflexão, Girólamo interrogou:

   – Como a ceia nestes dias de verão é sempre recuada para horas frescas e avançadas da noite, não poderíamos ir ao encontro desse misterioso oráculo? Seriam somente duas horas, no máximo, entre ida e volta. Se você aprova, poderemos chamar o palafreneiro e seguiremos de carruagem até lá.

   Francesco surpreendeu-se com o estado de exaltação do amigo. Os olhos estavam arregalados e o aspeto da face traduzia profunda desesperação. Assentindo, foram dadas ordens para que se atrelassem animais à carruagem e minutos depois os dois moços partiam, apressados, em direção da Porta Ovile.

   Sopravam os ventos campesinos do entardecer, embora o sol ainda estivesse modorrento por sobre o longínquo crepúsculo. Vencida a Porta, os animais galoparam por mais alguns poucos quilómetros e atingiram a habitação do sensitivo.

   Foram recebidos à porta pelo estranho hierofante, que se trajava à grega antiga. De idade avançada e plácido olhar, a cabeleira basta e as barbas crescidas, estas desciam durando-lhe o rosto dando-lhe a feição de venerando vulto bíblico arrancado às páginas do passado. Delicado, o intérprete dos Espíritos convidou os moços a entrarem em pequena câmara profusamente decorada de caratéres astrológicos e com os signos do Zodíaco, ervas perfumadas e turibulos com fumo odorífero. Assentou-se sobre um almofadão, em cima de um tapete envelhecido, e solicitou aos jovens que se acercassem, descalçando-se e sentando-se, também.

   Após demorada concentração, em que as têmporas apareciam dilatadas e suando fartamente, recompôs-se, solicitando a anuência de Francesco para ficar a sós com Girólamo, no que foi atendido.

   De imediato, falou ao moço intrigado e medrica:

   – Vejo sombras vingadoras que o ameaçam. Sua vida está em grave perigo. Ouço choros convulsos de crianças indefesas que suas mãos assassinaram…

   – Mentiroso! – trovejou o consulente, dominado de ira singular.

   – Você não me atemoriza nem me intimida. Estou acostumado às ameaças dos que se encontram julgados ao remorso e dos que temem a verdade. Você sabe que não são mentiras nem infâmias, quanto lhe digo. Vejo e ouço, como você mesmo tem ouvido, as vozes clamando por justiça e suplicando punição contra o criminoso que lhes roubou a vida… Por que, meu filho? Por que investiu contra a vida daqueles que eram os filhos do seu benfeitor? Onde você colocou a Justiça Divina? Não sabe que a vida do próximo é património sagrado da Divindade?...

   Repentinamente, o ancião se tornou muito lívido e, com a boca retorcida em rito cruel, enunciou com voz inesquecível, pelo tom de sarcasmo e ameaça:

   – Não escaparás à Justiça, bandido! Trouxe-te até aqui para que me ouvisses em lucidez. Não poderás dizer que estás sonhando ou em delírio. Ouvirás minha voz onde estejas, causticando-te o cérebro até despertar a tua consciência nefanda. Sigo-te os passos desde a hora do crime, como a sombra acompanha o corpo onde este se encontre. Não te permitirei respirar o ar da paz, como não facultaste aos meus filhos e a Lúcia aspirarem o oxigénio da sobrevivência. Usarei da mesma técnica de que utilizaste: impiedade e segurança! Agora possuis o que um dia seria teu, por outro processo, e que a tua precipitação roubou. Desgraçaste os outros, e doravante sentirás as mãos tingidas de sangue… do sangue das tuas vítimas, de Assunta, que te odeia tanto quanto eu. Também ela aqui está.

   Girólamo desejou evadir-se do local abafado. As ervas, ardendo no incensório, e a fumaça, ondulante na peça quadrada, pareciam ao criminoso, estupidificado, fantasmas dos a quem trucidara, que se corporificavam. Tinha a sensação de enlouquecer.

   Caído, em contrações dolorosas, o oráculo continuava a falar, sôfrego, odiento:

   – Sou o duque di Bicci, homocida nefasto, que a morte libertou para a vida e a justiça. É tarde para que voltes atrás. Já não podes recuar… Apareceu-me a tua tia e rogou-me piedade para ti. Eu, que tanto a tenho amado, sofri-lhe a reprovação à minha conduta. Por ela, recebi-te no meu lar, apesar de jamais ter por ti nutrido compaixão ou simpatia; dei-te o meu amparo legal; tornei-te “filho” e, peçonhento, voltas-te contra o colo que te amamentou… como poderia perdoar-te? Nunca, nunca! Não te concederei o lenitivo da trégua, a fim de que as tuas forças não se removam, nem se refaçam as tuas energias. Impedirei que sigas o caminho que trilhas. Possuis tudo o que antes era meu de outrem; não experimentarás, todavia, uma posse maior: a da paz! Ouvirás sempre minha voz, até à hora em que te arrebatarei para , tomando-te aos meus cuidados. Rolarão séculos de horror sobre nós dois. Nunca, ouve-me: nunca terás o meu perdão. Desgraçado, infeliz criminoso! Recebe, agora, o fruto ácido da tua rapina…

   Uma gargalhada em espasmos doloridos ecoou na sala abafada. O ancião estremeceu e silenciou, dominado por ignota inconsciência.

   O moço, vencido em toda a pusilanimidade, queria chamar o amigo, rogar socorro; não o conseguiu. Parecia chumbado ao solo, aparvalhado, imóvel, com as têmporas dilatadas, a respiração descompassada, com suores álgidos.

   Aqueles minutos pareciam não ter fim. Marmóreo, o oráculo jazia estendido sobre o tapete, respirando com dificuldade, arquejante…
/…

* Maremmas toscana – impaludismo, febres…



VICTOR HUGO, Espírito “PÁRIAS EM REDENÇÃO” – LIVRO PRIMEIRO, 6 ACOSSAMENTO IRREVERSÍVEL (fragmento 4 de 5 texto mediúnico recebido por DIVALDO PEREIRA FRANCO.
(imagem: L’âme de la forêt _1898, pintura de Edgar Maxence)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O Espiritismo na Arte~


Literatura e oratória
A língua francesa e a ideia espiritualista

| Abril de 1922 |

A literatura e a oratória também são formas de arte, meios poderosos de fazer o pensamento brilhar em nosso mundo. Pode-se dizer o que Esopo (i) dizia da língua: “ela é, segundo o uso que se fizer dela, o que há de melhor ou de pior.” Sob esse ponto de vista, a França sempre teve um papel privilegiado. A clareza, a nitidez de seu idioma, ainda que mais pobre que outros em qualificativos, serviu largamente para a expansão do seu talento e a difusão das ideias generosas. São, portanto, as qualidades desse idioma que asseguram ao nosso país, ao mesmo tempo, um lugar à parte no mundo e uma alta situação no futuro.

Nossa língua, por sua limpidez, sua clara compreensão das coisas, é o instrumento predestinado das grandes anunciações, das revelações augustas. As outras línguas têm seu charme, sua beleza, porém nenhuma consegue esclarecer melhor as inteligências, persuadir, convencer. Assim, os espíritos de elite que vierem à Terra cumprir uma missão renovadora encarnarão de preferência em nosso país e, dentre eles, os maiores de todos, a fim de que nossa língua possa servir de veículo aos seus altos e nobres pensamentos através do mundo. Sua presença e sua ação, dizem-nos do Além, ainda contribuirão para aumentar o prestígio e a glória da França.

A literatura francesa sobressai principalmente na análise dos sentimentos e das paixões; ela se caracterizou sobretudo no romance, cujo tema geral é o amor sensual. Sob a influência do materialismo ávido de todos os prazeres, ela perdeu-se em contradições, assim como em prazer, e, em lugar de cooperar para o enobrecimento da raça, contribuiu, a maior parte das vezes, para corromper seus costumes e precipitar sua decadência. A maioria dos autores do nosso tempo se compraz em expor suas aventuras na ostentação de um cinismo picante. Daí, em certos momentos, o descrédito da França no exterior e as medidas tomadas contra nossa língua em inúmeros estabelecimentos de educação. Já é tempo de uma nova corrente de ideias vir inspirar a arte e a literatura francesas, com um senso mais filosófico das coisas e uma noção mais ampla do destino. Somente isso pode restituir às obras do pensamento toda a sua amplitude e sua eficácia regeneradora.

Sob a inspiração de colaboradores e instrutores invisíveis, essa reação vai se acentuar. Os escritores, os oradores, sentem-se levados pelas forças ocultas em direção a horizontes mais puros, mais luminosos. De toda parte surgem produções impregnadas de doutrinas amplas e elevadas.

O pensamento francês começa a adquirir esse poder de irradiação ao qual tem direito; um dia ele atingirá as alturas que, até agora, só a música soube fazer entrever e pressentir. Ele chegará a possuir esse dom de penetração, de persuasão, essas qualidades estéticas que asseguram sua predominância definitiva. Pode-se constatar desde agora que, sob a sua influência, o mundo latino se impregnou inteiramente das doutrinas de Allan Kardec sobre as vidas sucessivas. As obras do grande iniciador foram traduzidas em todas as línguas neolatinas. As edições espanholas e portuguesas se sucedem rapidamente na América Central e Meridional; a ideia espiritualista penetra nos meios mais isolados, sob a forma com a qual os escritores franceses a revestiram.

No século passado (ii), os autores de talento já haviam encontrado motivos de inspiração nos fenómenos psíquicos. Pode-se citar Balzac (iii), Alexandre Dumas (iv), Théophile Gautier (v), Michelet, Edgar Quinet (vi), Jean Reynaud (vii) e muitos outros.

O Romantismo, apesar dos seus excessos, levava a esse século, como uma onda muito grande, a noção do divino e da imortalidade; assim, os homens de 1830 e de 1848 tinham um caráter mais enérgico e uma importância mais nobre que os homens políticos da nossa época.

O impulso romântico manifestou-se como prelúdio do grande movimento de ideias que hoje abrange toda a humanidade. De Lamartine a Hugo, até Baudelaire e Gérard de Nerval (viii), todos buscam o infinito na natureza e na vida. A noção das vidas sucessivas se encontra em La chute d’un ange (A queda de um anjo) e em Jocelyn; (ix) depois em Revenant (Voltando), Les contemplations (As contemplações), La légende des siècles (A lenda dos séculos), de Victor Hugo (x); em La vie antérieure (A vida anterior), de Baudelaire (xi), etc.

Em obras mais recentes, certos autores de mérito, como Paul Grendel, Élie Sauvage, Dr. Wylm, etc., deram mais desenvolvimento à ideia psíquica e dela fizeram sobressair as grandes consequências. Também no exterior, Rudyar Kipling (xii), dizem, e Selma Lagerlof (xiii) introduzem a reencarnação em suas obras. Toda uma plêiade de jovens e ardentes escritores, nem sempre avaliados, segue esses exemplos e se embrenha em caminhos ricos e fecundos.

Os graves acontecimentos dos últimos anos criaram por toda parte novas necessidades do espírito e do coração: a necessidade de saber, de crer, de descobrir os focos de uma luz mais viva, de fontes abundantes de consolação. A alma da França faz esforços para se libertar das opressões do materialismo. Suas profundas intuições célticas despertam e a conduzem em direção às fronteiras espirituais onde todo um mundo invisível a chama e a atrai.
/…

(i) Esopo: Fabulista grego (século VII - VI a.C.), de origem escrava, depois alforriado. É personagem meio lendária, que se representava como indivíduo feio, gago e corcunda. A reunião atual das Fábulas de Esopo, redigidas em prosa grega, é atribuída ao Monge Planúdio, no século XIV. (N.T., segundo o D.K.L.)
(ii) O autor refere-se ao século XIX. (N.T.)
(iii) Honoré de Balzac: escritor francês (Tours, 1799 - Paris, 1850). Autor de A Comédia Humana reuniu, a partir de 1842, diversas séries de romances, formando um verdadeiro afresco da sociedade francesa, da Revolução ao fim da Monarquia. Alguns dos seus romances são: Gobseck, A Pele de Onagro, O Coronel Chabert, O Médico da Roça, Eugénie Grandet, O Pai Goriot, A Procura do Absoluto, O Lírio no Vale, Ilusões Perdidas e outros. Também escreveu contos e peças de teatro. (N.T., segundo o D.K.L.)
(iv) Alexandre Dumas: escritor francês (Villers-Cotterêts, 1802 - Puys, 1870). Foi o mais popular escritor da época romântica. Eis algumas de suas obras: Henrique III e sua Corte, Anthony, A Torre de Nesle, Os Três Mosqueteiros, Vinte Anos Depois, O Conde de Monte Cristo, A Rainha Margot, A Dama de Monsoreau. (N.T., segundo o D.K.L.)
(v) Théophile Gautier: poeta francês (Tarbes, 1811 - Neuilly-sur-Seine, 1872). Era partidário do romantismo, mas chegou a uma poesia mais ciosa da beleza formal : Esmaltes e Camafeus. Escreveu, entre outros, o romance Capitão Fracasso e obras de crítica literária e artística. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vi) Edgard Quinet: historiador francês (Bourg-en-Bresse, 1803 - Paris, 1875). Filósofo idealista e ateu, historiador liberal. Obras principais : O Génio das Religiões, As Revoluções da Itália. (N.T., segundo o D.K.L.)
(vii) Jean Reynaud: filósofo e político francês, nasceu em Lyon (1806-1863). Autor de Terra e Céu. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(viii) Gérard Labrunie de Nerval: escritor francês (Paris, 1808 - id., 1855). Obras principais : As Filhas do Fogo, Aurélia, As Quimeras. Foi o precursor de Baudelaire, de Mallarmé e do surrealismo; traduziu Fausto, de Goethe. Era sujeito a crises de demência; enforcou-se. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(ix) A Queda de um Anjo e Jocelyn: obras de Lamartine. (N.T., segundo o Dictionnaire Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(x) Victor Hugo: escritor francês (Besançon, 1802 - Paris, 1885). Inicialmente foi um poeta clássico nas suas Odes, mas depois tornou-se o chefe do Romantismo com Cromwell, Os Orientais e Hernani. Publicou ainda: Nossa Senhora de Paris, Folhas de Outono, Cantos do Crepúsculo, As Vozes Interiores, Os Castigos, As Contemplações, A Lenda dos Séculos, Os Miseráveis e Os Trabalhadores do Mar, entre outras obras. É considerado o mais ilustre dos poetas franceses. A influência sobre sua época, o número e a grandeza de suas obras e o papel político por ele desempenhado fizeram de Victor Hugo uma das maiores personalidades do século XIX. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xi) Charles Baudelaire escritor francês (Paris, 1821 - id., 1867). Herdeiro do Romantismo e fiel à métrica tradicional exprimiu ao mesmo tempo a tragédia do destino humano e uma visão mística do Universo, onde descobriu misteriosas “correspondências”. Seus poemas As Flores do Mal, Pequenos Poemas em Prosa e sua obra crítica A Arte Romântica são a fonte da poesia moderna. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xii) Rudyard Kipling: escritor inglês (Bombaim, Índia, 1865 - Londres, 1936). Escreveu poesias e romances, entre estes, Livros da Selva e Kim. Recebeu o Prêmio Nobel em 1907. (N.T., segundo o D.K.L.)
(xiii) Selma Lagerlof: escritora sueca (Marbacka, 1858 - id., 1940). Autora de Saga de Gosta Berling. Recebeu o Prémio Nobel em 1909. (N.T., segundo o D.K.L.)



LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IV – Literatura e oratória; A língua francesa e a ideia espiritualista, 14º fragmento da obra.
(imagem: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

domingo, 21 de outubro de 2012

Da sombra do dogma à Luz da Razão~


Introdução

   Apesar da parte que compete à atividade humana na elaboração desta doutrina, a sua iniciativa pertence aos Espíritos, mas não se baseia na opinião pessoal de nenhum deles; não é, e não pode sê-lo, mais do que a consequência dos seus ensinamentos coletivos e concordantes. Só nesta condição se lhe pode dar o nome de doutrina dos Espíritos; caso contrário, não passaria da doutrina de um Espírito e teria apenas o valor de uma opinião pessoal.

   Generalidade e consequência no ensino, é este o caráter essencial da doutrina, a própria condição da sua existência; daqui resulta que qualquer princípio que não tenha sido submetido ao controlo da generalidade não pode ser considerado parte integrante desta doutrina, mas simples opinião isolada de que o Espiritismo não pode assumir a responsabilidade.

   É esta concordância coletiva das opiniões dos Espíritos, passada, além disso, pelo critério da lógica, que constitui a força da doutrina espírita, garantindo-lhe a perpetuidade. Para que se alterasse, seria necessário que a universalidade dos Espíritos mudasse de opinião e que, um dia, viessem dizer o contrário do que tinham dito; dado que tem a sua fonte nos ensinamentos dos Espíritos, para sucumbir, seria necessário que os Espíritos deixassem de existir. É também o que fará com que prevaleça sempre sobre as teorias pessoais que não têm, como ela, as suas raízes em todo o lado.

   O Livro dos Espíritos só viu o seu prestígio consolidar-se por ser a expressão de uma ideia coletiva geral; no mês de Abril de 1867, viu cumprir-se o seu primeiro decénio; durante este intervalo, os princípios fundamentais a que colocou as bases foram sucessivamente completados e desenvolvidos como consequência do progressivo ensinamento dos Espíritos, mas nenhum deles sofreu o desmentido da experiência; todos, sem exceção, permaneceram de pé mais robustos do que nunca, enquanto, de todas as ideias contraditórias que tentaram opor-lhes, nenhuma prevaleceu, precisamente porque em todos os lados se ensinava o contrário. É este um resultado caraterístico que podemos proclamar sem vaidade, já que nunca reivindicámos para nós o seu mérito.

   Tendo as nossas outras obras sido redigidas com iguais escrúpulos, foi-nos possível classificá-las segundo os Espíritos, dado que tínhamos a certeza da sua conformidade com os ensinamentos gerais dos Espíritos. Passa-se o mesmo com esta, que podemos por motivos semelhantes, considerar complemento das precedentes, com a exceção, no entanto, de algumas teorias ainda hipotéticas que tivemos o cuidado de indicar como tal e que devem ser consideradas só como opiniões pessoais até serem confirmadas, ou contrariadas, para que sobre a doutrina não pese essa responsabilidade.

   De resto, os leitores assíduos da Revista terão podido aperceber-se do esboço da maior parte das ideias que se encontram desenvolvidas neste último trabalho, tal como fizemos para os precedentes. A Revista é frequentemente para nós um campo de ensaio destinado a sondar a opinião dos homens e dos Espíritos a respeito de certos princípios, antes de serem admitidos como partes constituintes da doutrina.
/…

* Na senda e no espírito de Pedro A. Barboza de La Torre em seu livro, De la sombra Del dogma a la luz de la razón.


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Introdução 2 de 2, 2º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem: Diógenes, pintura de Jean-Léon Gérôme – 1860)

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Inquietações Primaveris~


A Heróica Pancada

Preparar para a vida é educar para a morte. Porque a vida é uma espera constante da morte. Todos sabemos que temos de morrer e que a morte pode sobrevir a qualquer instante. Essa certeza absoluta e irrevogável não pode ser colocada à margem da vida. Quem se atreve a dizer: “A morte não importa, o que importa é a vida”, não sabe o que diz, fala com insensatez. Mas também os que só pensam na morte e se descuidam da vida são insensatos. Nossa morte é o nosso resgate da matéria. Não somos materiais, mas espirituais. Estamos na matéria porque ela é o campo em que fomos plantados, como sementes devem germinar, crescer, florir e frutificar. Quando cumprirmos toda a tarefa, tenhamos a idade que tivermos, a morte vem nos buscar para reintegrar-nos na condição espiritual. Basta esse facto, que é incontestável, para nos mostrar que da nossa vida depende a nossa morte. Cada pensamento, cada emoção, cada gesto e cada passo na vida nos aproximam da morte. E como não sabemos qual é a extensão de tempo que nos foi marcado ou concedido para nos prepararmos para a morte, convém que iniciemos o quanto antes a nossa preparação, através de uma educação segundo o conceito de existência. Quanto antes nos prepararmos para a vida em termos de educação para a morte, mais fácil e benigna se tornará a nossa morte, a menos que pesem sobre ela compromissos agravantes de um passado criminoso.

A preparação para a vida começa na infância e os pais são responsáveis por ela. A criança é o ser que se projetou na existência, disparado como um projétil que deve transpassá-la do começo ao fim, furando a barreira da morte para atingir a transcendência. Vem ao mundo com a sua maleta invisível, carregada de suas aquisições anteriores em vidas sucessivas. Muitas vezes a maleta é tão pesada que os pais quase não suportam carregá-la e temem abri-la. Mas há sempre ajudantes invisíveis que tornam a tarefa mais fácil do que parece à primeira impressão. Seja como for, o hóspede chegou para ficar, pois pertence à família e é geralmente no seio dessa que tem os maiores compromissos, sempre recíprocos e inadiáveis, intransferíveis. Na sua bagagem, incorporada ao seu organismo físico e psíquico, pode haver membros incompletos, estragados, desgastados, não se sabe onde nem quando, psiquismo descontrolado, mente destrambelhada e muitas coisas mais que a convivência irá revelando. A carga mais pesada é quase sempre o ódio, aversão ou antipatia a elementos da família, que se tornam às vezes intoleráveis. Cabe à família lutar para corrigir todos esses desarranjos, sem nunca desamparar o orfãozinho, que, como ensinou Kardec, vem ao mundo vestido com a roupagem da inocência.

A criança revela toda a sua bagagem enquanto não atingir a fase de amadurecimento necessário para comunicar-se com facilidade. No período de amadurecimento exerce as suas funções básicas de adaptação, de integração na vida e no meio, que propiciam aos familiares, particularmente aos pais ou aos que os substituem, a introjeção de estímulos renovadores em seu inconsciente, por meio de atitudes e exemplos. O instinto de imitação da criança favorece e facilita o trabalho dos pais e dos familiares, e eles muito poderão fazer em seu benefício, desde que mantenham no lar um ambiente de amor e compreensão. A criança é a árvore – dizia Taggore –, alimenta-se do meio em que se desenvolve, absorvendo os seus elementos e produzindo a fotossíntese espiritual que beneficiará a todos os que a cercam de cuidados e atenção. O exemplo é, assim, o meio mais eficiente de renová-la, desligando a sua mente do passado, para que ela inicie uma vida nova. A hereditariedade genética funciona paralelamente à lei de afinidade espiritual. Disso resulta a confusão dos materialistas, que atribuem todos os fatores da herança exclusivamente ao gene, acrescido das influências ambientais e educacionais. Os casos de gémeos idênticos, que levaram o Prof. Ian Stevenson à pesquisa da reencarnação, deviam ser suficientes para mostrar que a pangenética materialista é muitas vezes uma vítima do preconceito e da precipitação, levando os cientistas à confusão de corpo e espírito, contra a qual Descartes já os advertiu no início da era científica.

Embora a influência genética seja dominante na formação das caraterísticas de famílias e raças ou sub-raças, a verdade é que o problema das padronizações orgânicas, embora genialmente intuído por Claude Bernard, nos primórdios da Medicina Moderna, só agora está sendo revelado em seus aspetos surpreendentes pelas pesquisas científicas nesse campo específico. As experiências com transplantes de membros em embriões de ratos mostraram que uma perna traseira do embrião, transplantada para o lugar de um braço, desenvolve-se, sob a influência do centro padronizador local, como braço. A formação total do organismo é dirigida pelo corpo bioplásmico, provado e pesquisado pelos cientistas soviéticos da Universidade de Kirov, mas os centros energéticos desse corpo se distribuem em sub-centros locais que operam no processo genésico de acordo com as funções específicas dos órgãos. Por outro lado, as pesquisas parapsicológicas revelaram a poderosa influência da mente – já há muito aceita pelo povo e suspeita por diversos especialistas – na formação e desenvolvimento dos organismos humanos.

A misteriosa emanação de ectoplasma do corpo dos médiuns, nas experiências metapsíquicas de Richet e outros, e sua posterior retração, na reabsorção pelo corpo, provada experimentalmente nas pesquisas de Von Notzing e Madame Bisson, na Alemanha, confirmaram a existência do modelo energético do corpo suspeitado por Claude Bernard. Nas pesquisas recentes de Kirov e de universidades americanas e europeias ficou demonstrado que o ectoplasma se constitui das energias do plasma físico de que, por sua vez, é formado o referido corpo. Essas e outras pesquisas e experiências universitárias oferecem base científica à intuição de Ubaldi, que viu nos fenómenos de materialização de espíritos em sessões experimentais mediúnicas o desenvolvimento de uma nova genética humana para o futuro, na qual as mulheres serão libertas do pesado encargo da gestação e do parto da herança animal. Gustave Geley e Eugene Osty, continuadores de Richet nas pesquisas metapsíquicas, verificaram que a ocorrência de emanações bioplásmicas dos médiuns é mais constante do que se supunha no século passado, verificando-se em reuniões comuns de manifestações espíritas. O mistério das formações de agéneres, que Kardec chamou de aparições tangíveis, em que pessoas mortas se apresentam a amigos e parentes como ainda vivas no corpo, capazes de todos os atos de uma pessoa comum, desfazem o mistério do ectoplasma de Richet e derrubam o dogma da ressurreição carnal de Jesus, dando razão ao Apóstolo Paulo, que ensina da I Epístola aos Coríntios: “O corpo espiritual é o corpo da ressurreição.” É significativo que tenha cabido aos cientistas soviéticos, na Universidade de Kirov, provar através de pesquisas tecnológicas a realidade dessas ocorrências. A reação ideológica do poder soviético não pode cientificamente anular os resultados dessas pesquisas nem escamotear a qualificação científica dos pesquisadores.

Diante desses dados, uma pessoa normal compreende que o problema da sobrevivência do homem após a morte e o da sua volta à existência através da reencarnação não são resquícios de um passado supersticioso ou de religiosismo ilógico, portanto fanático, mas são, pelo contrário, problemas científicos do nosso tempo. Não se trata de crer nisto ou naquilo, de se pertencer a esta ou àquela religião, mas de se equacionar a questão espiritual em termos racionais para se poder chegar a uma conclusão real. Não vivemos mais no tempo das religiões de tradição e nem mesmo podemos aceitar, atualmente, o misticismo irracional, ignorante, alienante e piegas salvacionista. Essas religiões que nos prometem a salvação em termos de dependência aos seus princípios contraditórios e absurdos, só subsistem neste século graças à ignorância da maioria, das massas incultas e do prestígio social, político e económico que conseguiram num passado bárbaro da Terra. Por isso mesmo elas agora se esfarinham aos nossos olhos em milhares de seitas ingénuas pastoradas por criaturas audaciosas e broncas. Uma pessoa medianamente instruída não pode aceitar as absurdas verdades, por mais piedosas que sejam, dessas religiões de salvação. Mas a verdade demonstrada pelas investigações da Ciência, em plano mundial, nos maiores centros universitários da Terra, torna-se indispensável à nossa orientação na vida, em busca de uma transcendência racional, que não ressalta de velhas escrituras sagradas das civilizações agrárias e pastoris, mas da evidência das conquistas do conhecimento na atualidade.
/…


Herculano Pires, José – Educação para a Morte, A Heróica Pancada 1 de 2, 10º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

sábado, 13 de outubro de 2012

O Mundo Invisível e a Guerra~


V
A Justiça Divina e a Atual Guerra

|14 de julho de 1915|

   Algum dia poderemos abolir ou apagar os ódios que separam os povos?

   Os socialistas já o tentaram, mas sua propaganda internacional só lhes deu como resultado uma derrota estrondosa. Os protestos nobres e inúteis dos pacifistas e seus apelos para uma arbitragem apenas parecem, no presente conflito, uma pueril ilusão, porque as nações, a um simples vento de tempestade, se lançam umas contra as outras, sem pensar num recurso ao Tribunal de Haia.

   As religiões também se mostram impotentes. Dois imperadores cristãos, ou que se dizem cristãos, místicos e devotos, iniciaram todas as calamidades atuais, e o próprio Papa não conseguiu achar o termo forte para condenar as atrocidades alemãs.

   Para diminuir nossos males seria necessário uma renovação completa da educação e um despertar da consciência profunda; era preciso ensinar a todos, desde a infância, as grandes leis da vida com os deveres e as responsabilidades decorrentes. Seria preciso que, bem cedo, todos ficassem certos de que todas as nossas ações fatalmente recaem sobre nós com suas consequências boas ou más, felizes ou infelizes, tal qual a pedra lançada ao ar que volta a cair ao chão.

   Numa palavra, deve-se dar às almas alimento mais substancial e mais vivo do que aquele com o qual se alimentaram desde muitos séculos, chegando ao fracasso intelectual e moral que vemos com tristeza.

   Enquanto o egoísmo escolar e o religioso mantiverem o homem na ignorância da verdadeira finalidade da vida e da grande lei evolutiva que regula a existência através de suas fases sucessivas, a sociedade continuará entregue às paixões más, à devassidão, e a humanidade estará destruída por violentas convulsões.

   Seria então o momento de ensinar o homem a se conhecer e a dirigir as forças nele existentes. Se o homem soubesse que todos os seus pensamentos, ações, movimentos hostis, egoístas ou invejosos colaboram para aumentar os maus poderes que agem sobre nós, alimentam as guerras e precipitam as desgraças, muito mais cuidado teria no seu modo de agir e muitos males seriam atenuados.

   Só o Espiritismo poderia dar esse ensino. Infelizmente, sua falta de organização lhe tira a maior parte dos recursos, só restando a iniciativa individual, que muito pode na restrita área de sua ação.

   Todos os espíritas têm o dever de divulgar em seu derredor a luz das eternas verdades e o bálsamo das celestes consolações, tão úteis nas horas de provações que atravessamos.

   No meio da tempestade ergue-se a voz dos poderes invisíveis para fazer um apelo supremo à França e à humanidade. Se esse apelo não for ouvido, se não conseguir despertar consciências, se nossa sociedade continuar nos vícios, na incredulidade e na corrupção, a era de dores será prolongada ou se renovará.

   Todavia o espetáculo das heróicas virtudes decorrentes da guerra nos conforta, enchendo-nos de esperança e de confiança no futuro de nossa pátria.

   Agrada-nos ver nele o ponto de partida de um renascimento intelectual e moral, a origem de uma corrente de ideias bastante poderosa para espantar os miasmas políticos, estabelecendo o regime exigido pelas circunstâncias, e assim surgirá uma nova França mais digna e capaz das grandes obras.

   Oh! alma viva da França, livra-te das pesadas influências materiais que impedem o teu impulso e sufocam as aspirações de teu génio!

   Neste 14 de julho escuta a sinfonia que se eleva de todos os pontos do território nacional; as vozes dos sinos que, em ondas sonoras, escapam de todos os campanários; as vozes das antigas cidades e das povoações tranquilas; vozes da Terra e do Espaço que te chamam e te convidam a continuar tua marcha, tua ascensão até a luz!
/…


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, V – A Justiça Divina e a Atual Guerra, 3 de 4 16º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

sábado, 6 de outubro de 2012

pensamento crítico~


O desprezo pela dialética

   Dizia Engels, no artigo: “...não se pode desprezar impunemente a dialética.” E dizia bem. Senão, vejamos: observados os factos com o máximo rigor científico, através de centenas de sessões – nas quais se obteve, inclusive, na presença de Gabriel Delanne, a célebre e impressionante materialização de Bien-Boa, na casa do general Noel, na Argélia –, Charles Richet se convence da realidade dos fenómenos, escreve o Traité de Métapsychique, A Grande Esperança e O Sexto Sentido, mas só concorda com a sobrevivência depois que a poderosa dialética de Ernesto Bozzano lhe demonstra a obscuridade das teorias que atravancam a sua própria ciência (expressões da carta de Richet a Bozzano, publicada no número de 30 de maio de 1936, da revista londrina Psychic News).

   César Lombroso, o grande criminologista e psiquiatra, autor de severas críticas ao Espiritismo, encontra-se, não apenas em uma, mas em várias sessões realizadas em Milão, Génova e Turim, com a materialização de sua própria mãe, graças à mediunidade de Eusápia Palladino, e proclama o facto com entusiasmo e emoção, na revista milanesa Luce e Ombra. Mas o professor Silva Mello descobre, algumas dezenas de anos mais tarde, em nosso país, que a médium era simplesmente “uma embusteira”, e afirma: “descobriu-se que ela fraudava de maneira sistemática e com a maestria de uma velha perita na questão”. Lombroso, como se vê, não fora mais do que um beócio, deixando-se empolgar pela emoção mais estúpida que se possa imaginar, quando tomou um boneco ou um farsante pela ressurreição da sua própria mãe! Que se admitisse a farsa numa comédia de Hollywood, vá lá, mas na vida de um homem como Lombroso é o que de mais grotesco se possa imaginar.

   A frase de Engels se aplica também, como luva, ao caso do trio H. G. Wells, Julian Huxley e G. P. Wells. Não cometeram eles, é verdade, a gafe de negar a realidade dos fenómenos. Pelo contrário, como o Dr. Troise, reconheceram, prudentemente, que os factos existem e não podem ser riscados da história ou apagados com a esponja da negação. No volume Science of Life, da coleção Man's mind and behaviour, traduzidos e publicados entre nós com os títulos A Nossa Vida Mental, coleção A Ciência da Vida, reconhecem eles: “Não podemos absolutamente rejeitar a evidência de tais fenómenos”. E acrescentam, aliás com muita oportunidade, censurando os que os negam:

   “Lembremo-nos, segundo Richet, de que grandes cientistas, como Bouillaud, declararam que o telefone era ventriloquia, e cientistas ainda maiores, como Lavoisier, afirmaram decisivamente que não poderiam cair pedras do céu, pela razão muito simples de que no céu não há pedras...”

   Não obstante – ah, o desprezo pela dialética! –, terminaram apelando, num desesperado esforço de rejeição à tese espírita, ao “realismo” da Idade Média, para explicar os factos: “Quando filosofamos – dizem eles – nas horas de recolhimento e de silêncio, talvez essa filosofia não parta unicamente de nós, mas seja o próprio Homem, na plenitude de si mesmo, que se revele através dos nossos pensamentos”.

   Entenderam os leitores? Esse Homem (com “H” maiúsculo) é a verdadeira ressurreição da múmia filosófica da controvérsia entre “nominalistas” e “realistas”, arrancada à força dos baús medievais para enfrentar a realidade fenoménica do Espiritismo, em plena era atómica.
/…


José Herculano Pires, Espiritismo Dialético – O desprezo pela dialética, 6º fragmento da obra.
(imagem: Diógenes, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)