Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 6 de outubro de 2012

pensamento crítico~


O desprezo pela dialética

   Dizia Engels, no artigo: “...não se pode desprezar impunemente a dialética.” E dizia bem. Senão, vejamos: observados os factos com o máximo rigor científico, através de centenas de sessões – nas quais se obteve, inclusive, na presença de Gabriel Delanne, a célebre e impressionante materialização de Bien-Boa, na casa do general Noel, na Argélia –, Charles Richet se convence da realidade dos fenómenos, escreve o Traité de Métapsychique, A Grande Esperança e O Sexto Sentido, mas só concorda com a sobrevivência depois que a poderosa dialética de Ernesto Bozzano lhe demonstra a obscuridade das teorias que atravancam a sua própria ciência (expressões da carta de Richet a Bozzano, publicada no número de 30 de maio de 1936, da revista londrina Psychic News).

   César Lombroso, o grande criminologista e psiquiatra, autor de severas críticas ao Espiritismo, encontra-se, não apenas em uma, mas em várias sessões realizadas em Milão, Génova e Turim, com a materialização de sua própria mãe, graças à mediunidade de Eusápia Palladino, e proclama o facto com entusiasmo e emoção, na revista milanesa Luce e Ombra. Mas o professor Silva Mello descobre, algumas dezenas de anos mais tarde, em nosso país, que a médium era simplesmente “uma embusteira”, e afirma: “descobriu-se que ela fraudava de maneira sistemática e com a maestria de uma velha perita na questão”. Lombroso, como se vê, não fora mais do que um beócio, deixando-se empolgar pela emoção mais estúpida que se possa imaginar, quando tomou um boneco ou um farsante pela ressurreição da sua própria mãe! Que se admitisse a farsa numa comédia de Hollywood, vá lá, mas na vida de um homem como Lombroso é o que de mais grotesco se possa imaginar.

   A frase de Engels se aplica também, como luva, ao caso do trio H. G. Wells, Julian Huxley e G. P. Wells. Não cometeram eles, é verdade, a gafe de negar a realidade dos fenómenos. Pelo contrário, como o Dr. Troise, reconheceram, prudentemente, que os factos existem e não podem ser riscados da história ou apagados com a esponja da negação. No volume Science of Life, da coleção Man's mind and behaviour, traduzidos e publicados entre nós com os títulos A Nossa Vida Mental, coleção A Ciência da Vida, reconhecem eles: “Não podemos absolutamente rejeitar a evidência de tais fenómenos”. E acrescentam, aliás com muita oportunidade, censurando os que os negam:

   “Lembremo-nos, segundo Richet, de que grandes cientistas, como Bouillaud, declararam que o telefone era ventriloquia, e cientistas ainda maiores, como Lavoisier, afirmaram decisivamente que não poderiam cair pedras do céu, pela razão muito simples de que no céu não há pedras...”

   Não obstante – ah, o desprezo pela dialética! –, terminaram apelando, num desesperado esforço de rejeição à tese espírita, ao “realismo” da Idade Média, para explicar os factos: “Quando filosofamos – dizem eles – nas horas de recolhimento e de silêncio, talvez essa filosofia não parta unicamente de nós, mas seja o próprio Homem, na plenitude de si mesmo, que se revele através dos nossos pensamentos”.

   Entenderam os leitores? Esse Homem (com “H” maiúsculo) é a verdadeira ressurreição da múmia filosófica da controvérsia entre “nominalistas” e “realistas”, arrancada à força dos baús medievais para enfrentar a realidade fenoménica do Espiritismo, em plena era atómica.
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José Herculano Pires, Espiritismo Dialético – O desprezo pela dialética, 6º fragmento da obra.
(imagem: Diógenes, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)

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