Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Inquietações Primaveris~


A Heróica Pancada

Preparar para a vida é educar para a morte. Porque a vida é uma espera constante da morte. Todos sabemos que temos de morrer e que a morte pode sobrevir a qualquer instante. Essa certeza absoluta e irrevogável não pode ser colocada à margem da vida. Quem se atreve a dizer: “A morte não importa, o que importa é a vida”, não sabe o que diz, fala com insensatez. Mas também os que só pensam na morte e se descuidam da vida são insensatos. Nossa morte é o nosso resgate da matéria. Não somos materiais, mas espirituais. Estamos na matéria porque ela é o campo em que fomos plantados, como sementes devem germinar, crescer, florir e frutificar. Quando cumprirmos toda a tarefa, tenhamos a idade que tivermos, a morte vem nos buscar para reintegrar-nos na condição espiritual. Basta esse facto, que é incontestável, para nos mostrar que da nossa vida depende a nossa morte. Cada pensamento, cada emoção, cada gesto e cada passo na vida nos aproximam da morte. E como não sabemos qual é a extensão de tempo que nos foi marcado ou concedido para nos prepararmos para a morte, convém que iniciemos o quanto antes a nossa preparação, através de uma educação segundo o conceito de existência. Quanto antes nos prepararmos para a vida em termos de educação para a morte, mais fácil e benigna se tornará a nossa morte, a menos que pesem sobre ela compromissos agravantes de um passado criminoso.

A preparação para a vida começa na infância e os pais são responsáveis por ela. A criança é o ser que se projetou na existência, disparado como um projétil que deve transpassá-la do começo ao fim, furando a barreira da morte para atingir a transcendência. Vem ao mundo com a sua maleta invisível, carregada de suas aquisições anteriores em vidas sucessivas. Muitas vezes a maleta é tão pesada que os pais quase não suportam carregá-la e temem abri-la. Mas há sempre ajudantes invisíveis que tornam a tarefa mais fácil do que parece à primeira impressão. Seja como for, o hóspede chegou para ficar, pois pertence à família e é geralmente no seio dessa que tem os maiores compromissos, sempre recíprocos e inadiáveis, intransferíveis. Na sua bagagem, incorporada ao seu organismo físico e psíquico, pode haver membros incompletos, estragados, desgastados, não se sabe onde nem quando, psiquismo descontrolado, mente destrambelhada e muitas coisas mais que a convivência irá revelando. A carga mais pesada é quase sempre o ódio, aversão ou antipatia a elementos da família, que se tornam às vezes intoleráveis. Cabe à família lutar para corrigir todos esses desarranjos, sem nunca desamparar o orfãozinho, que, como ensinou Kardec, vem ao mundo vestido com a roupagem da inocência.

A criança revela toda a sua bagagem enquanto não atingir a fase de amadurecimento necessário para comunicar-se com facilidade. No período de amadurecimento exerce as suas funções básicas de adaptação, de integração na vida e no meio, que propiciam aos familiares, particularmente aos pais ou aos que os substituem, a introjeção de estímulos renovadores em seu inconsciente, por meio de atitudes e exemplos. O instinto de imitação da criança favorece e facilita o trabalho dos pais e dos familiares, e eles muito poderão fazer em seu benefício, desde que mantenham no lar um ambiente de amor e compreensão. A criança é a árvore – dizia Taggore –, alimenta-se do meio em que se desenvolve, absorvendo os seus elementos e produzindo a fotossíntese espiritual que beneficiará a todos os que a cercam de cuidados e atenção. O exemplo é, assim, o meio mais eficiente de renová-la, desligando a sua mente do passado, para que ela inicie uma vida nova. A hereditariedade genética funciona paralelamente à lei de afinidade espiritual. Disso resulta a confusão dos materialistas, que atribuem todos os fatores da herança exclusivamente ao gene, acrescido das influências ambientais e educacionais. Os casos de gémeos idênticos, que levaram o Prof. Ian Stevenson à pesquisa da reencarnação, deviam ser suficientes para mostrar que a pangenética materialista é muitas vezes uma vítima do preconceito e da precipitação, levando os cientistas à confusão de corpo e espírito, contra a qual Descartes já os advertiu no início da era científica.

Embora a influência genética seja dominante na formação das caraterísticas de famílias e raças ou sub-raças, a verdade é que o problema das padronizações orgânicas, embora genialmente intuído por Claude Bernard, nos primórdios da Medicina Moderna, só agora está sendo revelado em seus aspetos surpreendentes pelas pesquisas científicas nesse campo específico. As experiências com transplantes de membros em embriões de ratos mostraram que uma perna traseira do embrião, transplantada para o lugar de um braço, desenvolve-se, sob a influência do centro padronizador local, como braço. A formação total do organismo é dirigida pelo corpo bioplásmico, provado e pesquisado pelos cientistas soviéticos da Universidade de Kirov, mas os centros energéticos desse corpo se distribuem em sub-centros locais que operam no processo genésico de acordo com as funções específicas dos órgãos. Por outro lado, as pesquisas parapsicológicas revelaram a poderosa influência da mente – já há muito aceita pelo povo e suspeita por diversos especialistas – na formação e desenvolvimento dos organismos humanos.

A misteriosa emanação de ectoplasma do corpo dos médiuns, nas experiências metapsíquicas de Richet e outros, e sua posterior retração, na reabsorção pelo corpo, provada experimentalmente nas pesquisas de Von Notzing e Madame Bisson, na Alemanha, confirmaram a existência do modelo energético do corpo suspeitado por Claude Bernard. Nas pesquisas recentes de Kirov e de universidades americanas e europeias ficou demonstrado que o ectoplasma se constitui das energias do plasma físico de que, por sua vez, é formado o referido corpo. Essas e outras pesquisas e experiências universitárias oferecem base científica à intuição de Ubaldi, que viu nos fenómenos de materialização de espíritos em sessões experimentais mediúnicas o desenvolvimento de uma nova genética humana para o futuro, na qual as mulheres serão libertas do pesado encargo da gestação e do parto da herança animal. Gustave Geley e Eugene Osty, continuadores de Richet nas pesquisas metapsíquicas, verificaram que a ocorrência de emanações bioplásmicas dos médiuns é mais constante do que se supunha no século passado, verificando-se em reuniões comuns de manifestações espíritas. O mistério das formações de agéneres, que Kardec chamou de aparições tangíveis, em que pessoas mortas se apresentam a amigos e parentes como ainda vivas no corpo, capazes de todos os atos de uma pessoa comum, desfazem o mistério do ectoplasma de Richet e derrubam o dogma da ressurreição carnal de Jesus, dando razão ao Apóstolo Paulo, que ensina da I Epístola aos Coríntios: “O corpo espiritual é o corpo da ressurreição.” É significativo que tenha cabido aos cientistas soviéticos, na Universidade de Kirov, provar através de pesquisas tecnológicas a realidade dessas ocorrências. A reação ideológica do poder soviético não pode cientificamente anular os resultados dessas pesquisas nem escamotear a qualificação científica dos pesquisadores.

Diante desses dados, uma pessoa normal compreende que o problema da sobrevivência do homem após a morte e o da sua volta à existência através da reencarnação não são resquícios de um passado supersticioso ou de religiosismo ilógico, portanto fanático, mas são, pelo contrário, problemas científicos do nosso tempo. Não se trata de crer nisto ou naquilo, de se pertencer a esta ou àquela religião, mas de se equacionar a questão espiritual em termos racionais para se poder chegar a uma conclusão real. Não vivemos mais no tempo das religiões de tradição e nem mesmo podemos aceitar, atualmente, o misticismo irracional, ignorante, alienante e piegas salvacionista. Essas religiões que nos prometem a salvação em termos de dependência aos seus princípios contraditórios e absurdos, só subsistem neste século graças à ignorância da maioria, das massas incultas e do prestígio social, político e económico que conseguiram num passado bárbaro da Terra. Por isso mesmo elas agora se esfarinham aos nossos olhos em milhares de seitas ingénuas pastoradas por criaturas audaciosas e broncas. Uma pessoa medianamente instruída não pode aceitar as absurdas verdades, por mais piedosas que sejam, dessas religiões de salvação. Mas a verdade demonstrada pelas investigações da Ciência, em plano mundial, nos maiores centros universitários da Terra, torna-se indispensável à nossa orientação na vida, em busca de uma transcendência racional, que não ressalta de velhas escrituras sagradas das civilizações agrárias e pastoris, mas da evidência das conquistas do conhecimento na atualidade.
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Herculano Pires, José – Educação para a Morte, A Heróica Pancada 1 de 2, 10º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

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