Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 30 de julho de 2021

o grande desconhecido ~


Acção Espírita na transformação do Mundo ~ 

Três são os elementos fundamentais de que o Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e mais belo: 

a) O Amor, 
b) O Trabalho, 
c) A Solidariedade. 

[...] 

(II de III) 

II – O Trabalho 

O trabalho é a exigência do princípio de transcendência. O homem trabalha por necessidade, como querem os teóricos da Dialéctica Materialista, mas não apenas para suprir as suas necessidades físicas de subsistência e sobrevivência. Não só, como querem os teóricos da vontade de potência, para adquirir poder. E não só, também, como pretendem Bentham e os teóricos da ambição, para acumular posses que representam o poder. A busca das causas, nesse campo, morreria no plano das causas secundárias. Mas a Filosofia Existencial, no nosso tempo, ao descobrir o conceito de existência e definindo o homem como o existente (aquele ser que existe, sabe que existe e luta para existir cada vez mais e melhor), mostrou e provou que a natureza humana é subjectiva e não objectiva (externa e material) e que a mola do mundo não está nos braços e nas mãos, mas na consciência. Confirmou-se assim, no plano geral da Cultura, o tantas vezes rejeitado e ridicularizado conceito espírita do trabalho. Em O Livro dos Espíritos temos a afirmação de que tudo trabalha na Natureza. Essa tese espírita antecipou a própria tese de John Dewey sobre a natureza universal da experiência. Em todo o Universo há forças em acção, inteligentemente dirigidas segundo planos determinados. Nada se fez ao acaso. Em termos actuais da electrónica podemos dizer que o universo é uma programação gigantesca de computadores em incessante actividade rigorosamente controlada. De um grão de areia a uma constelação estelar, de um fio de cabelo e de um vírus isolado até às maiores aglomerações humanas dos grandes parques industriais do mundo, tudo trabalha. O próprio repouso é uma forma de diversificação do trabalho para a recuperação e reajustes nos organismos materiais e nas estruturas psicomentais do homem. As criaturas humanas que só trabalham para si mesmas ainda não superaram a condição animal. Vivem e trabalham, mas não existem. Porque existir é uma forma superior de viver, que inclui no seu conceito plena consciência das actividades desenvolvidas com finalidades transcendentes. 

No próprio desenvolvimento da Civilização o trabalho individual abre-se, progressivamente, nos processos de distribuição, para o plano superior do trabalho colectivo. Por isso, é no trabalho e através do trabalho que o homem se realiza como ser, desenvolvendo as suas potencialidades. A extrema especialização da Era Tecnológica nasceu nas selvas, quando nos primeiros clãs o homem se incumbiu da guerra, da caça e da pesca, e a mulher da criação, da alimentação e da orientação dos filhos. A Revolução Industrial (i) na Inglaterra marcou um momento decisivo da evolução humana para a consciência da solidariedade. É no esforço comum e conjugado das relações de trabalho que se desenvolve o senso de comunidade, provando a necessidade do princípio espírita de solidariedade e tolerância para o maior rendimento, maior estímulo e maior aperfeiçoamento das técnicas de produção. À concorrência de mercado, que estimula a ganância e a voracidade dos indivíduos e dos grupos, das empresas e dos sistemas de produção, opõe-se a conjugação das consciências, na solidariedade do trabalho comum, com vistas ao bem-estar de todos. Os teóricos que condenam as comunidades de trabalho voltadas para o interesse da maioria reduzem a finalidade superior do trabalho a interesses mesquinhos de enriquecimento individual e de grupos. A própria realidade contesta-os com o espectáculo gigantesco do trabalho da Natureza, voltado para a grandeza do todo. Rémy Chauvin considera-os insectos sociais como expressão de sistemas colectivos de trabalho e de vida em que o egoísmo individualista e grupal (o sociocentrismo) não impediu o desenvolvimento normal da solidariedade. A Natureza inteira é um exemplo que o homem rejeita em nome do seu egoísmo, da sua vaidade e das suas ambições desmedidas. Esses três elementos funcionaram na espécie humana como pontos hipnóticos que impediram o livre fluxo das energias livres do trabalho, condensando-as em formas institucionais absorventes. As tentativas de romper essas formas por métodos violentos representam uma reacção instintiva que leva fatalmente, como o demonstra o panorama histórico actual, a novas formas de condensação. Esse circulo vicioso só pode ser rompido por uma profunda e geral compreensão do verdadeiro sentido do trabalho, que não leva a lutas e dissensões, mas à conjugação e harmonização de todas as fontes e todos os recursos do trabalho, nos mais diferenciados sectores de actividade. A proposição espírita nesse sentido, como foi no seu tempo a proposição cristã original, encarna os mais altos ideais da espécie, voltados para o trabalho comunitário na acção e nos fins. 

Hegel observou, nos seus estudos de Estética, que a dialéctica do trabalho se revela nos reinos da Natureza. O mineral é a matéria-prima das elaborações futuras, apresentando-se como concentração de energias que formam as reservas básicas; o vegetal é a doação em que as forças do mineral se abrem para a floração e para os frutos da vida; o animal é a vida em expansão dinâmica, síntese das elaborações dos dois reinos anteriores, endereçando esses resultados ao futuro, à síntese superior do Homem, no qual as contradições se resolvem na harmonia psicofísica e espiritual da criatura humana, dotada de consciência. Cabe agora a essa consciência elaborar a grandeza da Terra dos Homens (segundo a expressão de Saint-Exupéry). Por sinal que Exupéry, aviador, poeta e profeta, representa o arquétipo actual da evolução humana, na busca do Infinito. Por isso, Simone de Beauvoir considerou a Humanidade, não como a espécie a que nos referimos por alegoria com os planos inferiores, mas como um devir, um processo de mutações constantes na direcção do futuro. Hoje somos ainda projecções dos primatas obtusos e violentos, antropófagos (segundo Tagore) devoradores de si mesmos e dos semelhantes, escarnecedores e aviltadores da condição humana. Mas amanhã seremos homens, criaturas humanas que encarnação as forças naturais sob o domínio da Razão e da Consciência. Teremos então a República dos Espíritos, formada pela solidariedade de consciências de que trata René Hubert na sua Pedagogia Generale

Como vemos através destes dados, a Doutrina Espírita não nos oferece uma visão utópica do amanhã, mas uma precognição do homem na sua condição espiritual, sem as deformações teológicas e religiosas da visão comum, calcada em superstições e idealizações rebarbativas. Tendo penetrado objectivamente no mundo das causas, um século antes que as Ciências Materiais o fizessem – a Ciência Espírita, experimental e indutiva – tem agora todos os seus princípios fundamentais endossados por aquelas, em pesquisas de laboratório e tecnológicas, não formulou uma estrutura dogmática de pressupostos para configurar o homem do pós morte e o homem do futuro. A imagem que nos deu do homem novo, há um século, está hoje plenamente confirmada pelos factos. A controversa questão da sobrevivência espiritual foi resolvida tecnologicamente de maneira positiva, comprovando a tese espírita. Falta pouco para se romper, nas mãos já trémulas dos teólogos, a Túnica de Nessus da dogmática religiosa, que gerou por toda a parte angústias e desesperos. Estamos agora em condições de pensar tranquilamente num futuro melhor para a Humanidade em fases melhores da sua evolução. Podemos agora integrar-nos conscientemente na gigantesca oficina de trabalhos da Terra, preparando o caminho das gerações vindouras. As revelações já não nos chegam de mão beijada, pois, como ensina Kardec, brotam dos esforços conjugados do homem esclarecido com os espíritos conscientes. Os dois mundos em que nos movemos, o espiritual e o material, abriram as suas comportas para que as suas águas se encontrem no esplendor de uma nova aurora. E o Sol que acende essa aurora já não é uma chama solitária na escuridão total dos espaços vazios, mas apenas uma tocha olímpica entre milhões de tochas que balizam as conquistas futuras do homem na escalada sem-fim. Prometeu não será mais sacrificado por querer roubar o fogo celeste de Zeus, pois esse fogo é o mesmo que resplandece no corpo espiritual da ressurreição, que brilha na alma humana e define a sua natureza divina. Basta-nos continuar os nossos trabalhos para termos a nossa parte assegurada na Herança de Deus, pois como ensinou o Apóstolo Paulo, somos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. O conhecimento é a nossa fé, que não se funda em palavras, sacramentos e ídolos mortos, mas na certeza das verificações positivas e nas conquistas do trabalho humano, gerador constante de novas formas de energia para a escalada humana da transcendência. 

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José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, XVII – Acção Espírita na Transformação do Mundo, (II de III) – O Trabalho, 18º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)

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