Três são os elementos fundamentais de que o
Espiritismo se serve para transformar o nosso mundo num mundo melhor e
mais belo:
a) O Amor,
b) O Trabalho,
c) A Solidariedade.
[...]
(II de III)
II – O Trabalho
O trabalho é a exigência do princípio de transcendência. O homem trabalha por
necessidade, como querem os teóricos da Dialéctica Materialista, mas não apenas
para suprir as suas necessidades físicas de subsistência e sobrevivência. Não
só, como querem os teóricos da vontade de potência, para adquirir
poder. E não só, também, como pretendem Bentham e
os teóricos da ambição, para acumular posses que representam o poder. A busca
das causas, nesse campo, morreria no plano das causas secundárias. Mas a
Filosofia Existencial, no nosso tempo, ao descobrir o conceito de existência e
definindo o homem como o existente (aquele ser que
existe, sabe que existe e luta para existir cada vez mais e melhor), mostrou e
provou que a natureza humana é subjectiva e não objectiva (externa e material)
e que a mola do mundo não está nos braços e nas mãos, mas na consciência.
Confirmou-se assim, no plano geral da Cultura, o tantas vezes rejeitado e
ridicularizado conceito espírita do trabalho. Em O Livro dos Espíritos temos
a afirmação de que tudo trabalha na Natureza. Essa tese espírita
antecipou a própria tese de John Dewey sobre
a natureza universal da experiência. Em todo o Universo há forças
em acção, inteligentemente dirigidas segundo planos determinados.
Nada se fez ao acaso. Em termos actuais da electrónica podemos dizer que o
universo é uma programação gigantesca de computadores em incessante actividade
rigorosamente controlada. De um grão de areia a uma constelação estelar, de um
fio de cabelo e de um vírus isolado até às maiores aglomerações humanas dos
grandes parques industriais do mundo, tudo trabalha. O próprio repouso é uma
forma de diversificação do trabalho para a recuperação e
reajustes nos organismos materiais e nas estruturas psicomentais do homem. As
criaturas humanas que só trabalham para si mesmas ainda não superaram a
condição animal. Vivem e trabalham, mas não existem. Porque
existir é uma forma superior de viver, que inclui no seu conceito plena
consciência das actividades desenvolvidas com finalidades transcendentes.
No próprio desenvolvimento da Civilização o trabalho
individual abre-se, progressivamente, nos processos de distribuição, para o
plano superior do trabalho colectivo. Por isso, é no trabalho e através do
trabalho que o homem se realiza como ser, desenvolvendo as suas
potencialidades. A extrema especialização da Era Tecnológica nasceu
nas selvas, quando nos primeiros clãs o homem se incumbiu da guerra, da caça e
da pesca, e a mulher da criação, da alimentação e da orientação dos filhos.
A Revolução Industrial (i) na
Inglaterra marcou um momento decisivo da evolução humana para a consciência
da solidariedade. É no esforço comum e conjugado das relações de
trabalho que se desenvolve o senso de comunidade, provando a necessidade do
princípio espírita de solidariedade e tolerância para o maior rendimento, maior
estímulo e maior aperfeiçoamento das técnicas de produção. À
concorrência de mercado, que estimula a ganância e a voracidade dos indivíduos
e dos grupos, das empresas e dos sistemas de produção, opõe-se a conjugação das
consciências, na solidariedade do trabalho comum, com vistas ao bem-estar de
todos. Os teóricos que condenam as comunidades de trabalho voltadas
para o interesse da maioria reduzem a finalidade superior do
trabalho a interesses mesquinhos de enriquecimento individual e de
grupos. A própria realidade contesta-os com o espectáculo gigantesco
do trabalho da Natureza, voltado para a grandeza do todo. Rémy
Chauvin considera-os insectos sociais como expressão de sistemas
colectivos de trabalho e de vida em que o egoísmo individualista e grupal (o
sociocentrismo) não impediu o desenvolvimento normal da solidariedade. A
Natureza inteira é um exemplo que o homem rejeita em nome do seu egoísmo, da
sua vaidade e das suas ambições desmedidas. Esses três elementos funcionaram na
espécie humana como pontos hipnóticos que impediram o livre fluxo das energias
livres do trabalho, condensando-as em formas institucionais absorventes. As
tentativas de romper essas formas por métodos violentos representam uma reacção
instintiva que leva fatalmente, como o demonstra o panorama histórico actual, a
novas formas de condensação. Esse circulo vicioso só pode ser rompido por uma
profunda e geral compreensão do verdadeiro sentido do trabalho, que não leva a
lutas e dissensões, mas à conjugação e harmonização de todas as fontes e todos
os recursos do trabalho, nos mais diferenciados sectores de actividade. A
proposição espírita nesse sentido, como foi no seu tempo a proposição cristã
original, encarna os mais altos ideais da espécie, voltados para o trabalho
comunitário na acção e nos fins.
Hegel observou,
nos seus estudos de Estética, que a dialéctica do trabalho se revela nos reinos
da Natureza. O mineral é a matéria-prima das elaborações
futuras, apresentando-se como concentração de energias que formam as reservas
básicas; o vegetal é a doação em que as forças do mineral se
abrem para a floração e para os frutos da vida; o animal é a
vida em expansão dinâmica, síntese das elaborações dos dois
reinos anteriores, endereçando esses resultados ao futuro, à síntese superior
do Homem, no qual as contradições se resolvem na harmonia psicofísica e
espiritual da criatura humana, dotada de consciência. Cabe agora a essa
consciência elaborar a grandeza da Terra dos Homens (segundo a expressão de Saint-Exupéry).
Por sinal que Exupéry, aviador, poeta e profeta, representa o arquétipo actual
da evolução humana, na busca do Infinito. Por isso, Simone de
Beauvoir considerou a Humanidade, não como a espécie a que nos
referimos por alegoria com os planos inferiores, mas como um devir,
um processo de mutações constantes na direcção do futuro. Hoje somos ainda
projecções dos primatas obtusos e violentos, antropófagos (segundo Tagore)
devoradores de si mesmos e dos semelhantes, escarnecedores e aviltadores da
condição humana. Mas amanhã seremos homens, criaturas humanas que encarnação as
forças naturais sob o domínio da Razão e da Consciência. Teremos então a
República dos Espíritos, formada pela solidariedade de consciências de que
trata René Hubert na sua Pedagogia Generale.
Como vemos através destes dados, a Doutrina Espírita não nos
oferece uma visão utópica do amanhã, mas uma precognição do homem na sua
condição espiritual, sem as deformações teológicas e religiosas da visão comum,
calcada em superstições e idealizações rebarbativas. Tendo penetrado
objectivamente no mundo das causas, um século antes que as Ciências Materiais o
fizessem – a Ciência Espírita, experimental e indutiva – tem agora todos os
seus princípios fundamentais endossados por aquelas, em pesquisas de
laboratório e tecnológicas, não formulou uma estrutura dogmática de
pressupostos para configurar o homem do pós morte e o homem do futuro. A imagem
que nos deu do homem novo, há um século, está hoje plenamente confirmada pelos
factos. A controversa questão da sobrevivência espiritual foi resolvida
tecnologicamente de maneira positiva, comprovando a tese espírita. Falta pouco
para se romper, nas mãos já trémulas dos teólogos, a Túnica de Nessus da
dogmática religiosa, que gerou por toda a parte angústias e desesperos. Estamos
agora em condições de pensar tranquilamente num futuro melhor para a Humanidade
em fases melhores da sua evolução. Podemos agora integrar-nos conscientemente
na gigantesca oficina de trabalhos da Terra, preparando o caminho das gerações
vindouras. As revelações já não nos chegam de mão beijada, pois, como ensina Kardec,
brotam dos esforços conjugados do homem esclarecido com os espíritos
conscientes. Os dois mundos em que nos movemos, o espiritual e o material,
abriram as suas comportas para que as suas águas se encontrem no esplendor de
uma nova aurora. E o Sol que acende essa aurora já não é uma chama solitária na
escuridão total dos espaços vazios, mas apenas uma tocha olímpica entre milhões
de tochas que balizam as conquistas futuras do homem na escalada sem-fim. Prometeu não
será mais sacrificado por querer roubar o fogo celeste de Zeus, pois esse fogo
é o mesmo que resplandece no corpo
espiritual da ressurreição, que brilha na alma humana e define a sua
natureza divina. Basta-nos continuar os nossos trabalhos para termos a nossa
parte assegurada na Herança de Deus, pois como ensinou o Apóstolo
Paulo, somos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. O conhecimento é a
nossa fé, que não se funda em palavras, sacramentos e ídolos mortos, mas na
certeza das verificações positivas e nas conquistas do trabalho humano, gerador
constante de novas formas de energia para a escalada humana da transcendência.
/…
José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo,
XVII – Acção Espírita na Transformação do Mundo, (II de III) –
O Trabalho, 18º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo
por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)
Sem comentários:
Enviar um comentário