Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

~~~Párias em Redenção~~~


OBSESSÃO VINGADORA E PERTINAZ (IV)

         A noite sobrepairou ao dia morno e quando as estrelas fulguravam no zimbório azul-escuro a cidade, ardendo em tochas resinosas e lampiões de candeeiros, fez-se deslumbrante. Luminárias especiais adornavam da Praça do Campo à fortaleza, mantendo luminosa a rota dos convidados álacres ao baile, insopitavelmente aguardado. A movimentação na via de acesso fazia-se ruidosa e gentes curiosas se amontoavam nas cercanias da estrada e no grande pátio-jardim de acesso ao palácio, em algazarra crescente.

  As carruagens brilhavam nos vernizes novos e os cocheiros, em trajes de gala, exibiam o luxo dos seus amos embriagados pela febre dos sentidos. Paggi, em veludo carmesim e verde, ostentando as insígnias da família, espalhavam-se pelas escadas da entrada que davam assomo ao amplo salão, adornado de flores e tecidos custosos que lhe escorriam pelas paredes em festoni, combinados a guirlandas aromatizadas. Músicos florentinos e senenses, especialmente contratados, enchiam o ar de melodias. Os anfitriões recebiam os convidados deslumbrando-os com o excessivo poder económico de que ainda desfrutavam. Roupas especialmente confeccionadas em Florença destacavam tecidos de fina tecedura, ajaezados de pedras preciosas, e as jóias femininas encontravam relevo nos adereços, pulseiras, argolas e colares que eram exibidos pelos famosos Duques. Meia-máscara, de veludo e aigrette, disfarçava a beleza sedutora da Duquesa. Plumas esvoaçantes, sobre o cabelo artisticamente penteado, completavam-lhe a fantasia de Manhã. O esposo, em broccatello dourado, ostentava um jaleco de musselina de seda sobre a camisa de amplas mangas “bouffants”, fazendo sobressair o colar precioso de esmeraldas adornadas de diamantes raros; tinha as costas guardadas por longa capa de seda trabalhada sobre broccatello prateado, que se erguia dos ombros em leque de pedrarias. As calças, justas e curtas, prendiam as meias longas através de uma jarretière veludosa, em laço delicado. Os sapatos de verniz, com fivela ampla, de prata, completavam-lhe a indumentária. Uma parrucca empoada dava-lhe o toque final, contrastando com a meia-máscara de couro trabalhado. Representava o Dia.

  O capitoso vinho de Chipre, os tintos e brancos, os chianti e licores, o champanhe fino, em abundância, corriam de pipas espalhadas por toda a parte, sobre o rico buffet, artisticamente decorado e ostentando jarras em prata lavrada, multiplicavam-se os tradicionais repastos: crostini, panzanella, scriccioli, castagnaccio, frittelle, peci; aqui e ali os famosos doces: panforte, ricciarelli, berricuocoli. Servos trajados em livrée desfilavam conduzindo bandejas de prata com frutos secos, aves defumadas ou com taças de cristal florentino e veneziano, de variadas cores, atendendo aos pares que voluteavam pelos salões ou que aspiravam o puro ar da noite constelada.

  As melodias embriagantes falavam de sensualidade e prazer, combinadas às emoções que davam curso a desgovernos cujas consequências, sempre imprevisíveis, arrastavam a loucuras e à insensatez de toda a espécie.

  Quando o coche em estilo rococó, pertencente a Francesco, os conduziu a ele, à esposa e Girólamo, este, dominado pelas expectativas amplas de embriagues de gozo, tinha os olhos faiscantes. Cobiçava introduzir-se naquele reduto, onde era detestado, e, espicaçado pela inveja aos poderosos, esperava ter, agora, oportunidade de dar vazão à omnímoda ganância.

  Indubitavelmente, o moço senense era garboso e possuía aplomb fascinante. Os seus olhos coruscantes, negros e grandes, faziam-se guarnecer por longos cílios escuros, com sobrancelhas espessas e bem traçadas adornando-lhe a face morena e máscula, o que lhe dava um aspecto de ser mitológico, possuidor de grande força magnética, que atraía, qual mel as formigas, os espíritos torturados pela lubricidade dos desejos carnais. No coche, forrado interiormente de cetim, cada um aspirava a maior soma de liberdade, para usufruir de gozos mais violentos e arrebatadores. Lucrécia, ferida nos sentimentos feminis, esperava espicaçar o ciúme em Girólamo, flertando com outros convivas; Francesco, igualmente ávido de efervescências emocionais, fustigava-se pensando como libertar-se da esposa, e Girólamo, desimpedido, cobiçava o mais amplo quinhão da noitada de extravagância e desregramento. Assim, logo se adentraram, justificaram-se uns aos outros, procurando cada qual a sintonia do prazer mais apetecível.

  A festa transbordava alegria e se desdobrava envolvente…

  O baile deveria ser interrompido a meio, para apresentação de um espectáculo buffo, com teatro ligeiro e de contorcionismo, facultando recreio e descanso aos convidados.

  Entre as árvores, no parque majestoso, armara-se adredemente um tablado, que, feericamente iluminado, atraía todas as atenções. Música suave, de cordas e pífaros, continuava embalando o ar ameno da noite avançada. Cantores regionais e actores contratados em Milão, Veneza e Florença se exibiam entre aplausos estridentes e gargalhadas que se misturavam às primeiras explosões de ebbrezza (i) chocante, na qual o homem desvela o íntimo primitivo, cerceado pelas convenções sociais e educacionais, desabrindo-se nesses momentos, em que se permitem cenas vandálicas e vulgares.

  Uma das surpresas era constituída pela apresentação de uma jovem cantora popular paduense, que emocionava com a doçura da voz e a fragilidade da aparência. Dizia-se, mesmo, que vários homens se lhe arrojavam aos pés, cobiçando-lhe o amor. No entanto, na sua vida nómada com os zíngaros, que a custodiavam, a ninguém permitira o licor da juventude nem o perfume estonteante do êxtase. Alguns acreditavam que os ciganos a haviam raptado na infância, vingando-se de algum nobre que lhes caíra no desagrado, culminando por amarem-na como filha predilecta da grei. Supunham outros que nascera em Pádua, e tudo eram imaginações, para aureolarem o seu nome de magia. Alguma vida já fora decepada no silêncio da noite e nas armadilhas da impiedade, para deixar livre o caminho da jovem.

  Exibia-se no colorido alegre dos seus trajos, com a cabeça resguardada por panuelo, duas longas tranças negras de cabelo, com fios de ouro, caindo-lhe sobre o colo adornado de colares e trancelim reluzente. Tomando da chitarra ornada de fitas de seda brilhante, assentou-se no centro do proscénio e, ante o natural silêncio que a sua presença modesta e romântica impôs, dedilhando o instrumento harmonioso, começou a cantar. A melodia, que lembrava um gorjeio, balada de amor e tragédia, madrigal de dor e ternura, que traduzia a crueza dos dias que se viviam, dominava em notas vibrantes, para cair de súbito em pianíssimos comovedores.

“Eu era débil rouxinol
Que a fantasia de canto embriagava!
Cantava à luz do dia, ao sol,
O festival de amor que me abrasava…

Ventura infinda me invadia a vida,
A dor em mim era desconhecida.
Sonhei voar contigo, no céu lindo;
Eras um falcão e destroçaste
Minha alegria, a vida me roubaste.

Oh! desgraça, por amar-te tanto!...”

  A melodia chorava a pulcra avezita que o desejo infrene, falcão impiedoso, destruíra. Conquanto estivesse o auditório repleto de pessoas de costumes reprocháveis, a canção da jovem parecia retratar uma visão desconhecida por aqueles seres, acostumados às paixões violentas, conseguindo, pelo inusitado, acalmar-lhes, momentaneamente, a sede da luxúria e do vinho.

  Girólamo, por circunstância óbvia, lembrou-se de Assunta. Pareceu-lhe, no momento, que, no auge da juventude, aos primeiros lances da sedução, conseguira amá-la. Era um amor selvagem, feito de ímpetos e ânsias, mas possivelmente amor. Aliás, ele não sabia o que era o amor, além do fustigar das explosões do desejo. Ignorava o sacrifício e a renúncia, desconhecia a arte de esperar e nunca se permitira ceder, senão para retomar adiante.

  Assunta reapareceu-lhe nas recordações e, por um instante, experimentou lampejos de remorso, como se lamentasse de ter feito o que fez. Como se o frescor da noite e a melodia o humanizassem, deslocou-se psiquicamente do ambiente e voltou à colina de San Miniato, onde trucidara com punhaladas contínuas a infeliz amante. Devaneava, emocionado, quando escutou a gargalhada… Arrepio violento o sacudiu. Despertou estremunhado, ergueu-se e demandou o solar, para sorver amplo bicchiere (ii) de vinho.

  A doce voz continuava modulando o estribilho da canção:

“Oh! aventura di amarti tanto
Triste manigoldo dell’alma mia
Mi rubasti il cielo e l’incanto…”

  Pávido e trémulo, arrebatou um copázio que espumava sobre uma bandeja em exposição e sorveu-o, desesperado. No íntimo, porém, sobrepondo-se ao aturdimento, continuou a escutar a gargalhada sardónica, acompanhada de objurgatórias e impropérios:

  – “Não fugirás, assassino! Assassino! Assa…ssi…no! Ladrão de vidas! FALCÃO destruidor!...”

  Sentindo o peito arfante e o espírito atroado, continuou a beber, buscando fugir da agressão mental, esquecido do baile, da vida, evadindo-se, até que o torpor alcoólico o vitimou desacordado.

  Estabelecera-se, ali, em definitivo, a obsessão.

/...

(i) Ebbrezza – embriaguez.
(ii) Bicchiere – copo próprio para vinho; caneca.



VICTOR HUGO, Espírito “PÁRIAS EM REDENÇÃO” – LIVRO PRIMEIRO, 7. OBSESSÃO VINGADORA E PERTINAZ (4 de 4) 25º fragmento da obra. Texto mediúnico ditado a DIVALDO PEREIRA FRANCO.
(imagem de ilustração: L’âme de la forêt _1898, tempera e folha de ouro sobre painel de Edgar Maxence)

domingo, 22 de dezembro de 2013

O Espiritismo na Arte ~


Oitava lição

(Transmissão da arte na Terra, Os dons inatos)

|3 de Fevereiro de 1922|

“Falaremos hoje sobre a transmissão da arte no planeta Terra, a fim de mostrarmos a participação que têm, nas composições artísticas, os espíritos que continuam uma obra cujos elementos se obtêm das fontes fluídicas e se propagam nos meios materiais. Vimos de que maneira, no espaço, um ser evoluído podia, por reflexos, reproduzir por meio de suas qualidades artísticas, temas retirados do domínio da arquitectura, da pintura, da escultura ou do pensamento.

Vós vos lembrais que é graças à faculdade que cada ser fluídico possui, de poder constituir os elementos e os quadros de suas vidas sucessivas, que ele aprende e retém todas as coisas que formam a universalidade divina. Agora eu desejo, deixando de lado o problema da intuição, falar-vos do espírito reencarnado que na Terra, por exemplo, quando o desenvolvimento corporal for suficiente, poderá sentir vibrar em si as moléculas fluídicas impregnadas de radiações resultantes de várias vidas no espaço, radiações estas que se podem traduzir, na Terra, por supostos dons inatos que levarão a criatura a uma situação de destaque na categoria dos artistas e dos pensadores.

Tomemos a arquitectura: após ter reunido os elementos do desenho que enriquecerão o seu cérebro de materiais capazes de concentrar as radiações, estas, intuitivamente, levarão o ser humano a criar formas ideais, inspirando-se, sem o saber, em imagens, em quadros, que poderão ser reconstituídos pelas radiações ligadas aos seus átomos cerebrais.

Segundo o número de vidas percorridas, segundo a vontade de estudar, de compreender, os átomos serão mais ou menos animados de uma vida própria e, também de acordo com a flexibilidade de harmonia das linhas que lhe servirão de condutor, a obra criada será mais ou menos rica e elevada.

De um lado, trabalho exterior, aquele que é ensinado durante a vida tangível do ser; de outro lado, fixação de moléculas radiantes, impregnadas das aquisições anteriores. Sobre essas linhas mais ou menos flexíveis, maleáveis, realiza-se uma produção, uma criação do objectivo. O arquitecto, na sua mesa de trabalho, de repente vê aparecerem as linhas, as abóbadas e, segundo a sua vontade, um monumento se edifica; são as moléculas que, de acordo com os conhecimentos geométricos adquiridos, agem por extensão sobre os lobos cerebrais do artista e concretizam imagens idealizadas pelo abstracto.

Servi-me do arquitecto como exemplo porque a arte arquitectural é, sob o vosso ponto de vista, a arte mais tangível. No espaço, o espírito percorre mundos infinitos; a arte da linha é para ele a primeira letra desse alfabeto grandioso que nós chamaremos gama das formas, dos sons e das cores. O ser vai obter no espaço e nos mundos essas formas necessárias, que serão reproduzidas pela escultura. Para um espírito mais subtil, que ocupa um escalão mais elevado da arte, a pintura será a preferida porque o relevo na pintura é unicamente fluídico e deve ser reproduzido pelo pincel.

O terceiro escalão será o que dará acesso aos pensadores, aos filósofos, aos escritores. Os trabalhos geométricos, dos quais falamos, ali se tornam quase fictícios; sendo a geometria do pensamento simplesmente uma análise cada vez mais subtil dos seres e das coisas.

Na nossa próxima conversa abordaremos a música e eu me esforçarei por vos demonstrar como as inflexões musicais devem e podem sintetizar todas as artes, porquanto elas são o veículo da inspiração que tudo cria e anima.

Na minha vida terrestre, sensibilizei-me por todas as artes: a pintura, a escultura, a música; agora, Deus permite que eu viva nas esferas onde tudo é vibração e eu desejo dar-vos um resumo desta vida celeste.”

/…



LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte IV – Oitava lição / Transmissão da arte na Terra, Os dons inatos, 19º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

sábado, 14 de dezembro de 2013

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita (V)

  Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas, o objectivo de todos os cultos, o carácter de todas as religiões está de acordo com a ideia que estas transmitem de Deus. As religiões que criam um Deus vingativo e cruel julgam honrá-lo com actos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que criam um Deus parcial e ciumento são intolerantes; são mais ou menos meticulosas na forma, consoante o julguem mais ou menos maculado com as fraquezas e mesquinhez humanas.

  Toda a doutrina de Cristo se funda sobre o carácter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso, conseguiu fazer do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição expressa da redenção e dizer: «Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos.» Sobre esta única crença, conseguiu estabelecer o princípio da igualdade dos homens perante Deus e da fraternidade universal. Mas era possível amar aquele Deus de Moisés? Não; só poderíamos temê-lo.

  Esta revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, juntamente com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia com que encarassem a vida actual sob uma nova luz; devia, por isso mesmo, actuar sobre os costumes e as relações sociais. Incontestavelmente, pelas suas consequências, este é o ponto capital da revelação de Cristo e de que não se compreendeu suficientemente a importância; é lamentável dizer que este é também o ponto de que mais nos afastamos, em que nos enganámos na interpretação dos seus ensinamentos.

  No entanto, Cristo acrescenta: «Muitas das coisas que vos digo não as podeis ainda compreender e teria muitas mais para vos dizer que não entenderíeis; é por isso que vos falo por parábolas; mas, mais tarde, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito da Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas

  Se Cristo não disse tudo o que poderia ter dito, foi por ter acreditado que devia deixar certas verdades na sombra até os homens estarem em estado de as entender. Conforme declarou, o seu ensinamento estava portanto incompleto, dado que anunciou a vinda do que o iria completar; previa então que as suas palavras seriam erradamente interpretadas, que se desviariam dos seus ensinamentos; resumindo, que desfariam o que tinha feito, já que todas as coisas deviam ser restabelecidas; ora, só se restabelece o que foi desfeito.

  Por que chama ao novo Messias Consolador? Este nome, significativo e sem ambiguidades, constitui uma revelação completa. Ele previa portanto que os homens iriam precisar de consolações, o que implica a insuficiência das que iriam encontrar na crença que iriam adoptar. Talvez nunca Cristo tenha sido mais claro e mais explícito que nestas últimas palavras a que poucas pessoas prestaram atenção, talvez porque se tenha evitado dar-lhes relevo e aprofundar o seu sentido profético.

/…


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 24 a 27, 7º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

domingo, 8 de dezembro de 2013

Inquietações Primaveris ~


A Eterna Juventude

Nas pesquisas básicas da Ciência Espírita, fundada e desenvolvida por Allan Kardec, os fenómenos mediúnicos, hoje chamados paranormais, revelaram que os mortos rejuvenescem após a morte. As pesquisas posteriores, como as da Metapsíquica, da Física Transcendental de Zöllner, da Biopsíquica de Notzing, dos neo-metapsiquistas como Gustave Geley e Eugéne Osty, e nas pesquisas psicofísicas de William Crookes, de Sir Oliver Lodge, de Crawford (especialmente sobre a mecânica do ectoplasma) e nas pesquisas actuais da Parapsicologia moderna, esse fenómeno se confirmou plenamente. Mesmo nos fenómenos de aparições (estudados recentemente por Rhine e Louise Rhine, por Pratt e o seu Grupo Teta de pesquisas), a confirmação se repete. Nas nossas pesquisas pessoais ou de grupo, na companhia de pesquisadores experimentados como o Dr. Adalberto de Assis Nazaré, ou Dr. Urbano de Assis Xavier (médium de comunicações orais, inclusive voz directa, ectoplasmia e efeitos físicos em geral), constatámos directamente o fenómeno de rejuvenescimento. Um jornalista, homem de TV, contou-nos um facto curioso a respeito. A sua mãe reclamou-lhe ingenuamente aparições desafiantes do espírito do pai, que lhe aparecia como um velho rejuvenescido, mostrando-lhe especialmente o rosto sem rugas e dizendo-lhe: “Enquanto você continua enrugando, veja como estou cada vez mais jovem.”

Quando se tem a noção da diferença básica entre espírito e matéria é fácil compreender-se o fenómeno. O espírito, como elemento natural e básico da formação da Terra, não se desgasta no tempo, enquanto a matéria sofre desgaste violento. Livre do condicionamento humano do corpo físico, o espírito humano não sofre o envelhecimento. Quando se manifestam envelhecidos, fazem-no artificialmente, para comprovação da sua identidade humana.

Por estranho que pareça, o elixir da longa vida e da juventude perene não está nas mãos dos vivos, mas nas mãos dos mortos. Só a morte goza do privilégio de nos rejuvenescer. Na dialéctica da vida e da morte essa contradição se resolve na síntese da ressurreição, nos termos exactos do ensino do Apóstolo Paulo, na sua primeira epístola aos Coríntios. Geralmente buscamos na Terra o que só poderemos encontrar no Céu. É esse um dos melhores motivos para não querermos rejeitar ou maldizer a morte. Allan Kardec já ensinava que o mundo primitivo, o mundo matriz de que nasceu o nosso, é o espiritual. Este mundinho terreno pode desaparecer a qualquer momento, sem que isso afecte em nada a perfeição e a harmonia do Cosmos. Assim como a criatura humana, ao nascer na Terra, procede do mundo espiritual, também a Terra, ao ser formada no espaço sideral, procedia dos mundos ancestrais. Coube aos materialistas soviéticos – assustados com essa dialéctica desconhecida – provar neste século que uma simples folha de árvore tem a sua matriz espiritual intangível e indestrutível pelos nossos instrumentos materiais. Aquilo que parecia um simples sonho de Platão, o mundo-matriz das ideias, tornou-se realidade científica e tecnológica da Era Cósmica nas famosas pesquisas da Universidade de Kirov. O corpo bioplásmico de todos os seres vivos e o modelo ideal de todas as coisas existe e pode ser provado pelos que desejarem procurá-lo nas próprias coisas e nos seres. As duplicatas platónicas, vencidas há milhões de anos, podem ser pagas agora, sem juros nem correcção monetária, nos guichés da pesquisa científica mundial. O pânico ideológico desencadeado na URSS por essa temerária descoberta, com as reacções políticas inevitáveis, não empanam de maneira alguma a glória incómoda dos pesquisadores vitorianos. Sabemos todos que a pesquisa científica não depende de concessões estatais, como não dependeram, na Idade Média, de licenças religiosas. Uma pesquisa científica é soberana nos seus resultados e a validade destes depende apenas da autoridade científica dos pesquisadores e da metodologia aplicada. Se tudo se passou no plano universitário e as provas objectivas resistem às repetições experimentais, nenhum poder exterior pode invalidá-las. Se o Estado Soviético recusou os resultados contrários aos seus dogmas ideológicos, isso não invalida cientificamente os factos comprovados. No âmbito do poder estatal a recusa pode ser aceite pela violência, mas no plano puramente científico somente a contra-prova científica poderia invalidá-los. E como os dados foram divulgados e confirmados em entrevistas dos pesquisadores para a imprensa mundial e publicados pela Universidade estrangeira, sob a responsabilidade de entrevistadoras universitárias, em edição oficial universitária, o problema escapa ao poder do Estado interessado em negá-los. Aceitar-se a negação por decreto seria violentar os direitos impostergáveis da Ciência, soberana no seu âmbito inviolável.

Dentro das normas universais da Ciência não há nem pode haver outra rejeição dos resultados além da contra-prova cientificamente válida, realizada por cientistas capacitados em plano aberto, livre de injunções estranhas. Não fosse assim e a verdade científica ficaria entregue ao arbítrio dos Estados poderosos, em detrimento da verdade e da própria validade da Ciência como tal.

Por outro lado, a realidade do corpo bioplásmico já havia sido provada pelas pesquisas anteriores de cientistas consagrados da Europa e da América, que confirmaram a tradição cristã a respeito, com os mesmos resultados das pesquisas da Universidade de Kirov. Se o chamado materialismo científico fosse aceite como árbitro infalível da Ciência, no interesse exclusivo de ideologias sociais, a verdade ficaria adstrita ao pragmatismo dos Estados interessados e cairia no plano perigoso dos formalismos académicos. Voltaríamos à sujeição da Ciência, o que vale dizer da verdade, aos déspotas do poder estatal, em substituição do absolutismo medieval da Igreja, com o acréscimo moderno, mas não actual, da infalibilidade das revelações proféticas.

Certas pessoas se impressionam com pareceres e proclamações de entidades paracientíficas que, sem possuírem a contra-prova científica, se  arrogam o direito de condenar a descoberta apoiados apenas em argumentos pseudocientíficos. Temos contra isso, na própria URSS, o episódio Vassiliev contra Rhine, no qual o notável cientista soviético de Leningrado tentou desmentir a afirmação do Prof. Rhine de que o pensamento não é físico. Vassiliev confessou o fracasso das suas tentativas de contra-prova e contentou-se em afirmar que estava convencido do contrário. Uma capitulação que só serviu para fortalecer a tese do cientista norte-americano. E tudo ficou nisso, porque não havia nem há possibilidade de se transformar em matéria a natureza extra-física do pensamento e da mente.

As pesquisas sobre a natureza do pensamento mostraram que ele não está sujeito às leis físicas. Não está sujeito a condicionamentos, não se desgasta nas emissões às maiores distâncias, não sofre nenhuma influência da lei de gravidade e não é interditado por nenhuma barreira física. Um pensamento emitido aqui e agora pode ser captado no outro hemisfério, agora mesmo ou daqui a vários anos. Reconhecido como a energia mais vigorosa de que podemos dispor, é a única a servir com eficiência na comunicação astronáutica. O isolamento de uma nave espacial que passa por trás de um corpo celeste como a Lua, não podendo nesse trajecto comunicar-se com a Terra, é rompido sem dificuldades pelo pensamento. Temos assim em nós mesmos os recursos para as incursões cósmicas. Além disso o pensamento percorre as distâncias e o tempo em todas as suas dimensões, podendo invadir o futuro e mergulhar no passado, nos fenómenos de precognição (profecia) e de retrocognição (adivinhação do passado). O treino telepático (transmissão do pensamento) aperfeiçoa e desenvolve a acção do pensamento, permitindo ao homem a omnipresença dos deuses. Quando sabemos que essa energia mental é a mesma que constitui o espírito humano, compreendemos que a sobrevivência espiritual do homem é uma lei natural e que o domínio da morte se restringe apenas ao campo material. Nas fotos paranormais obtidas pelos pesquisadores de Kirov, segundo os depoimentos de Lynn Schroeder e Sheila Ostrander, pesquisadoras da Universidade americana de Prentice Hall, o corpo bioplásmico aparece irradiante, sem a opacidade do corpo material. Cientistas russos disseram que esse corpo espiritual se assemelha ao brilho de um céu intensamente estrelado. É isso o que somos, e não matéria. E nessa condição estelar gozamos da juventude eterna, pois o espírito não está sujeito a desgastes nem a envelhecimento. Jesus respondeu, certa vez, aos judeus que o interpelavam sobre a natureza humana: “Não está escrito, nas vossas escrituras, que vós sois deuses?” Os deuses não envelhecem nem morrem. Formados daquilo que podemos chamar de essência mental – nem matéria, nem antimatéria – não somos perecíveis nem estamos sujeitos a envelhecer. Educar para a morte é preparar os homens para a passagem natural do mundo material para o mundo espiritual. Essa preparação não demanda um curso especial e rápido, mas exige um progressivo esclarecimento da realidade humana através da existência. Temos de arrancar da mente humana a visão errónea da morte como escuridão, solidão e terror, substituindo esse avantesma do terrorismo religioso pela visão dos planos superiores de que a verdadeira vida flui para a Terra. O luto, os velórios sombrios, as lamentações das carpideiras antigas ou modernas, a fronte enrugada pelas preocupações pesadas e dolorosas, tudo isso deve passar no futuro para os museus de antiguidades macabras e estúpidas.

Em tudo isso nada existe de sobrenatural. Na Terra ou no Céu estamos dentro da Natureza. As leis naturais que conhecemos na matéria são as mesmas que abrangem todo o Universo, na riqueza e no esplendor da natureza. A salvação que todos os crentes desejam não vem dos formalismos religiosos de nenhuma Igreja, mas do nosso esforço quotidiano para nos transformarmos de prisioneiros da matéria e da animalidade primitiva para a espiritualidade que carregamos oculta e abafada em nós mesmos. A Filosofia Existencial do nosso século considera a existência como subjectividade pura, o que vale dizer que somos espíritos. A juventude eterna do Espírito é a herança que nos foi reservada, como filhos de Deus que somos. Porque Deus, a Suprema Consciência, não nos criou do barro da Terra, mas da luz das estrelas.

/…


José Herculano Pires – Educação para a Morte, A Eterna Juventude, 15º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

domingo, 1 de dezembro de 2013

O Mundo Invisível e a Guerra ~


VII
O Dia de Finados na Trincheira
(II)

|2 de novembro de 1916|

  Entretanto, no silêncio da noite, uma voz murmura ao ouvido do jovem soldado (que é médium auditivo), palavras graves e solenes. É o Invisível que entra em cena para dizer-lhe:

  “Escuta amigo, cujo pensamento chegou até mim e me atraiu: perguntas, às vezes, a ti próprio o segredo desta terrível guerra e a tua razão se perturba com o espectáculo das desgraças que ela produz.

  Ah! para que a seara sagrada germine é preciso que se rasgue o solo inculto como arado; é necessário mordê-lo com os dentes da grade e também esmagá-lo sob o peso do rolo. Só assim o grão novo poderá arrebentar a terra.

  Se a guerra se alonga, é porque, por seu intermédio, grandes coisas necessárias se preparam e se organizam.

  Uma guerra bastante rápida teria tocado, apenas ao de leve, a humanidade. A sua longa duração, a sua crueldade e as consequências que decorrem dela, do ponto de vista social, político, religioso e económico, criarão novas rodas, meios e molas por toda parte. Dela resultará uma transformação radical da sociedade, não apenas do ponto de vista da vida material, mas também no que toca ao ideal espiritualista.

  Quantos corações esfacelados, quantas almas angustiadas nos procurarão, buscando consolo e conforto! Quantas inteligências, entregues às frívolas concepções, batidas pela dor, procurarão as grandes verdades!

  Também nós estamos impacientes e queremos que termine essa carnificina, porque o nosso coração se despedaça com o desfile de males de que conheceis apenas pequena parte, mas que nós presenciamos em toda a sua extensão!

  Como vós, também sofremos diante de tantas angústias e misérias, e mais ainda, porque as enxergamos melhor, porque temos, sobre vós, a vantagem de compreender mais claramente os objectivos divinos de tais lutas fratricidas.

  Sabemos que a humanidade não se poderá salvar de um fracasso irremediável a não ser através dessa crise, e já vislumbramos a aurora de um brilhante renascimento.

  Tende, portanto, confiança na nossa França imortal, não chorando os seus mortos, porque essa luta é dos espíritos celestes contra as potências do mal, dos espíritos de luz contra as legiões tenebrosas do abismo.

  Não; Guilherme II, o grande mago negro, o evocador de Odin, não vencerá a França que, apesar das suas faltas e erros, sempre voltou os olhos para o ideal e para a luz!

  Os vossos mortos estão vivos e ainda combatem pela pátria e pela humanidade; presentes nas trincheiras, eles animam os seus camaradas, inclinam-se sobre os feridos abandonados nos campos de batalha, para lhes diminuir os padecimentos e aliviar os horrores da agonia; consolam, com os seus fluidos reconfortantes, aqueles que ficaram neste mundo.

  A França quase sucumbiu no Marne e em Verdun, salvando-se, todavia, quando o monstro se encontrava em plena posse de todos os seus poderes e de toda a sua força. Agora, o inimigo começa a se cansar e se esgota, sendo inútil contrair todos os músculos que se afrouxam pouco a pouco, e chegará o dia em que o terrível monstro cairá sobre a areia manchada pelo seu próprio sangue, para nunca mais se levantar.

  Não podemos nem devemos fixar datas, pois se Deus pode dizer ao espírito imundo: “Basta”, deve, todavia, entregar ao livre-arbítrio das nações e dos indivíduos a possibilidade de se manifestarem.

  Quantas nações não serão julgadas e não sofrerão o peso da sua covardia, quando deviam defender a justiça violada!

  Quantos indivíduos terão que pagar caro as traições e covardias que retardaram a vitória do bem e aumentaram o número de vítimas! Tremam todos porque a mão divina cairá pesadamente sobre eles.

  Porém, que essas fraquezas e desfalecimentos não vos desesperem. A França vencerá. A vitória dos aliados, gloriosa entre todas, bela por tanto heroísmo, por tantos sacrifícios, apresentará ao mundo uma nova era de justiça, amor e beleza!”

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LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VII –  O Dia de Finados na Trincheira, 2 de 2, 21º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)