Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 1 de dezembro de 2013

O Mundo Invisível e a Guerra ~


VII
O Dia de Finados na Trincheira
(II)

|2 de novembro de 1916|

  Entretanto, no silêncio da noite, uma voz murmura ao ouvido do jovem soldado (que é médium auditivo), palavras graves e solenes. É o Invisível que entra em cena para dizer-lhe:

  “Escuta amigo, cujo pensamento chegou até mim e me atraiu: perguntas, às vezes, a ti próprio o segredo desta terrível guerra e a tua razão se perturba com o espectáculo das desgraças que ela produz.

  Ah! para que a seara sagrada germine é preciso que se rasgue o solo inculto como arado; é necessário mordê-lo com os dentes da grade e também esmagá-lo sob o peso do rolo. Só assim o grão novo poderá arrebentar a terra.

  Se a guerra se alonga, é porque, por seu intermédio, grandes coisas necessárias se preparam e se organizam.

  Uma guerra bastante rápida teria tocado, apenas ao de leve, a humanidade. A sua longa duração, a sua crueldade e as consequências que decorrem dela, do ponto de vista social, político, religioso e económico, criarão novas rodas, meios e molas por toda parte. Dela resultará uma transformação radical da sociedade, não apenas do ponto de vista da vida material, mas também no que toca ao ideal espiritualista.

  Quantos corações esfacelados, quantas almas angustiadas nos procurarão, buscando consolo e conforto! Quantas inteligências, entregues às frívolas concepções, batidas pela dor, procurarão as grandes verdades!

  Também nós estamos impacientes e queremos que termine essa carnificina, porque o nosso coração se despedaça com o desfile de males de que conheceis apenas pequena parte, mas que nós presenciamos em toda a sua extensão!

  Como vós, também sofremos diante de tantas angústias e misérias, e mais ainda, porque as enxergamos melhor, porque temos, sobre vós, a vantagem de compreender mais claramente os objectivos divinos de tais lutas fratricidas.

  Sabemos que a humanidade não se poderá salvar de um fracasso irremediável a não ser através dessa crise, e já vislumbramos a aurora de um brilhante renascimento.

  Tende, portanto, confiança na nossa França imortal, não chorando os seus mortos, porque essa luta é dos espíritos celestes contra as potências do mal, dos espíritos de luz contra as legiões tenebrosas do abismo.

  Não; Guilherme II, o grande mago negro, o evocador de Odin, não vencerá a França que, apesar das suas faltas e erros, sempre voltou os olhos para o ideal e para a luz!

  Os vossos mortos estão vivos e ainda combatem pela pátria e pela humanidade; presentes nas trincheiras, eles animam os seus camaradas, inclinam-se sobre os feridos abandonados nos campos de batalha, para lhes diminuir os padecimentos e aliviar os horrores da agonia; consolam, com os seus fluidos reconfortantes, aqueles que ficaram neste mundo.

  A França quase sucumbiu no Marne e em Verdun, salvando-se, todavia, quando o monstro se encontrava em plena posse de todos os seus poderes e de toda a sua força. Agora, o inimigo começa a se cansar e se esgota, sendo inútil contrair todos os músculos que se afrouxam pouco a pouco, e chegará o dia em que o terrível monstro cairá sobre a areia manchada pelo seu próprio sangue, para nunca mais se levantar.

  Não podemos nem devemos fixar datas, pois se Deus pode dizer ao espírito imundo: “Basta”, deve, todavia, entregar ao livre-arbítrio das nações e dos indivíduos a possibilidade de se manifestarem.

  Quantas nações não serão julgadas e não sofrerão o peso da sua covardia, quando deviam defender a justiça violada!

  Quantos indivíduos terão que pagar caro as traições e covardias que retardaram a vitória do bem e aumentaram o número de vítimas! Tremam todos porque a mão divina cairá pesadamente sobre eles.

  Porém, que essas fraquezas e desfalecimentos não vos desesperem. A França vencerá. A vitória dos aliados, gloriosa entre todas, bela por tanto heroísmo, por tantos sacrifícios, apresentará ao mundo uma nova era de justiça, amor e beleza!”

/…


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VII –  O Dia de Finados na Trincheira, 2 de 2, 21º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra Mundial)

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