VII
O Dia de Finados na Trincheira (II)
O Dia de Finados na Trincheira (II)
|2 de novembro de 1916|
Entretanto, no silêncio da noite, uma voz murmura ao ouvido
do jovem soldado (que é médium auditivo), palavras graves e solenes. É o
Invisível que entra em cena para dizer-lhe:
“Escuta amigo, cujo pensamento chegou até mim e me atraiu:
perguntas, às vezes, a ti próprio o segredo desta terrível guerra e a tua razão
se perturba com o espectáculo das desgraças que ela produz.
Ah! para que a seara sagrada germine é preciso que se rasgue
o solo inculto como arado; é necessário mordê-lo com os dentes da grade e
também esmagá-lo sob o peso do rolo. Só assim o grão novo poderá arrebentar a
terra.
Se a guerra se alonga, é porque, por seu intermédio, grandes
coisas necessárias se preparam e se organizam.
Uma guerra bastante rápida teria tocado, apenas ao de leve,
a humanidade. A sua longa duração, a sua crueldade e as consequências que
decorrem dela, do ponto de vista social, político, religioso e económico,
criarão novas rodas, meios e molas por toda parte. Dela resultará uma
transformação radical da sociedade, não apenas do ponto de vista da vida
material, mas também no que toca ao ideal espiritualista.
Quantos corações esfacelados, quantas almas angustiadas nos
procurarão, buscando consolo e conforto! Quantas inteligências, entregues às
frívolas concepções, batidas pela dor, procurarão as grandes verdades!
Também nós estamos impacientes e queremos que termine essa
carnificina, porque o nosso coração se despedaça com o desfile de males de que
conheceis apenas pequena parte, mas que nós presenciamos em toda a sua extensão!
Como vós, também sofremos diante de tantas angústias e
misérias, e mais ainda, porque as enxergamos melhor, porque temos, sobre vós, a
vantagem de compreender mais claramente os objectivos divinos de tais lutas
fratricidas.
Sabemos que a humanidade não se poderá salvar de um fracasso
irremediável a não ser através dessa crise, e já vislumbramos a aurora de um
brilhante renascimento.
Tende, portanto, confiança na nossa França imortal, não
chorando os seus mortos, porque essa luta é dos espíritos celestes contra as
potências do mal, dos espíritos de luz contra as legiões tenebrosas do abismo.
Não; Guilherme II, o grande mago negro, o evocador de Odin,
não vencerá a França que, apesar das suas faltas e erros, sempre voltou os
olhos para o ideal e para a luz!
Os vossos mortos estão vivos e ainda combatem pela pátria e
pela humanidade; presentes nas trincheiras, eles animam os seus camaradas, inclinam-se
sobre os feridos abandonados nos campos de batalha, para lhes diminuir os
padecimentos e aliviar os horrores da agonia; consolam, com os seus fluidos
reconfortantes, aqueles que ficaram neste mundo.
A França quase sucumbiu no Marne e em Verdun, salvando-se,
todavia, quando o monstro se encontrava em plena posse de todos os seus poderes
e de toda a sua força. Agora, o inimigo começa a se cansar e se esgota, sendo
inútil contrair todos os músculos que se afrouxam pouco a pouco, e chegará o
dia em que o terrível monstro cairá sobre a areia manchada pelo seu próprio
sangue, para nunca mais se levantar.
Não podemos nem devemos fixar datas, pois se Deus pode dizer
ao espírito imundo: “Basta”, deve, todavia, entregar ao livre-arbítrio das
nações e dos indivíduos a possibilidade de se manifestarem.
Quantas nações não serão julgadas e não sofrerão o peso da
sua covardia, quando deviam defender a justiça violada!
Quantos indivíduos terão que pagar caro as traições e
covardias que retardaram a vitória do bem e aumentaram o número de vítimas!
Tremam todos porque a mão divina cairá pesadamente sobre eles.
Porém, que essas fraquezas e desfalecimentos não vos
desesperem. A França vencerá. A vitória dos aliados, gloriosa entre todas, bela
por tanto heroísmo, por tantos sacrifícios, apresentará ao mundo uma nova era
de justiça, amor e beleza!”
/…
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, VII
– O Dia de Finados na Trincheira, 2 de 2, 21º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico
capturado pelos Alemães, durante a Primeira Guerra
Mundial)
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