Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 23 de março de 2012

~médium de Deus


Superioridade da natureza de Jesus

   Os factos relatados no Evangelho que têm sido até agora considerados milagrosos, fazem parte, na sua grande maioria, à ordem dos fenómenos psíquicos, quer dizer, dos que têm
como causa principal as faculdades e os atributos da alma.
Aproximando-os dos que são descritos e explicados no capítulo anterior, reconhecemos sem dificuldade que existe identidade de causa e efeito entre eles. A história mostra-nos semelhantes ocorrências em todos os tempos e entre todos os povos pela razão de que, desde que existem almas encarnadas e não encarnadas, se devem ter produzido os mesmos efeitos. Podemos, é verdade, contestar neste ponto a verdade da história; mas hoje produzem-se debaixo dos nossos olhos, por isso dizer à vontade e por indivíduos que nada têm de excepcional. O simples facto da reprodução de um fenómeno, em condições idênticas, é suficiente para provar que este é possível e está submetido a uma lei e que portanto não é milagroso.

   O princípio dos fenómenos psíquicos assenta, como vimos, nas propriedades do fluido do perespírito que constitui o agente magnético; sobre as manifestações da vida espiritual durante a vida e depois da morte; enfim, sobre o estado constituinte dos Espíritos e o seu papel como força activa da natureza. Conhecidos estes elementos e constatados os seus efeitos, têm como resultado fazer com que se admita a possibilidade de certos factos que se rejeitavam quando lhes era atribuída uma origem sobrenatural.

   Sem nada conjecturar sobre a natureza de Cristo, que não se enquadra nesta obra examinar, não o considerando, por hipótese, a não ser como Espírito superior, não nos podemos impedir de reconhecer nele um dos de mais elevada ordem e que está colocado pelas suas virtudes muito acima da humanidade terrestre. Devido aos imensos resultados que produziu, a sua encarnação neste mundo não podia deixar de ser uma dessas missões que só se confiam aos mensageiros directos da Divindade para o cumprimento dos seus desígnios. Supondo que ele não era Deus mesmo, mas sim um enviado de Deus para transmitir a sua palavra, seria mais do que um profeta, pois seria um Messias divino.

   Como homem, possuía a organização dos seres carnais; mas como Espírito puro, desligado da matéria, devia viver da vida espiritual mais do que da vida corporal de que não possuía em absoluto as fraquezas. A superioridade de Jesus sobre os homens não se devia de maneira nenhuma às qualidades especiais do seu corpo, mas às do seu Espírito, que dominava a matéria de maneira absoluta e à do seu perespírito extraído da parte da maior quinta-essência dos fluidos terrestres. (Capítulo XIV, n.º 9) *. A sua alma só devia estar presa ao corpo pelos elos estritamente indispensáveis; constantemente libertada, devia proporcionar-lhe uma dupla visão não só permanente mas de excepcional penetração e muito superior à que vemos nos homens vulgares. Devia passar-se o mesmo com todos os fenómenos que dependiam dos fluidos do perespírito ou psíquicos. A qualidade destes fluidos dava-lhe um imenso poder magnético secundado pelo desejo constante de praticar o bem.

   Nas curas que operava, agia como médium? Podemos considerá-lo um poderoso médium curandeiro? Não. Porque o médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos não encarnados. Ora, Cristo não precisava de ajuda, ele que ajudava os outros; agia então por si mesmo, devido ao seu poder pessoal, tal como o podem fazer os encarnados em certos casos e na medida das suas forças. De resto, que Espírito teria ousado insuflar-lhe as suas próprias ideias e encarregá-lo de as transmitir? Se recebia um influxo estranho, só podia ser de Deus; segundo a definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus
/...

* “A natureza do invólucro fluídico está sempre em relação com o grau de evolução moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não o podem mudar a seu gosto e por consequência não podem, à vontade, transportar-se de um mundo para o outro. Acontece então que o invólucro fluídico, apesar de etéreo e imponderável, em comparação com a matéria tangível é ainda demasiado pesado, se assim nos podemos exprimir, em comparação com o mundo espiritual, para permitir que saiam do seu meio. É preciso incluir nesta categoria aqueles cujo perespírito é suficientemente grosseiro para o confundirem com o seu corpo carnal e que, por essa razão, se julgam sempre vivos. Esses Espíritos, e o seu número é grande, permanecem na face da Terra como os encarnados, julgando sempre dedicar-se às suas ocupações; outros, um pouco menos desmaterializados, não o são no entanto o suficiente para se elevarem acima das regiões terrestres.

Os Espíritos superiores, pelo contrário, podem ir aos mundos inferiores e até encarnarem neles: Vão buscar, nos elementos constituintes do mundo onde entram, os materiais do invólucro fluídico ou carnal apropriado ao meio onde se encontram. Fazem como o fidalgo que despe a sua bela roupa para se vestir momentaneamente de burel, sem deixar por isso de ser fidalgo.

É assim que Espíritos da ordem mais elevada se podem manifestar aos habitantes da Terra ou encarnar em missão entre eles. Estes espíritos trazem com eles não o invólucro mas a recordação por intuição das regiões de onde vêm e que vêem em pensamento. São os que vêem entre cegos.”



ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo – Capítulo XV, OS MILAGRES DO EVANGELHO, números 1 e 2, tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida
(imagem: O Sermão da Montanha, Carl Heinrich Bloch, Copenhague, século XIX).

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