Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 27 de março de 2012

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


A Irlanda

A história da Irlanda, através dos séculos, tem sido um longo martirológio.

As perseguições sofridas obrigaram a metade da população a se expatriar, em busca de terra distante, deixando


a ilha verdejante, tão cara para os corações célticos. Em menos de um século, a população caiu de oito para quatro milhões de habitantes. É desde essa época que se encontram os celtas em todas as partes do mundo.

Essa ilha é, entretanto, como vimos, o único país onde a língua céltica se revestiu de um carácter e de uma forma oficial. Rica, maleável, variada nas suas expressões, essa língua deu origem a uma literatura rica, na qual se reflecte toda a alma irlandesa, móvel, impressionável, sensível ao excesso e apaixonada por todas as grandes causas.

Frequentei, durante certo tempo, no Colégio de França, o curso de Literatura Céltica, de d’Arbois de Jubainville. Havia entre nós muitos irlandeses que ouviam, com avidez, a narração das proezas de seu herói nacional, Couhoulainn. Seguimos o texto gaélico em um livro alemão, porque não existia a tradução francesa, e esta penúria – é preciso reconhecer, para nossa vergonha – não se encontra somente neste tipo de estudos.

O professor nos ensinava que os manuscritos em língua gaélica datam do século V, e ao se enumerar todos aqueles que foram publicados até ao século XV, verifica-se que eles representam matéria de mil volumes.

Dessa obra volumosa brotam duas grandes fontes de inspiração, às quais os escritores irlandeses sempre consultam. Inicialmente, são as Epopéias Primitivas, colectânea de feitos históricos relativos à luta, longa e comovente, dos insulares contra os saxões invasores e opressores. É daí que os combatentes da última guerra da independência retiravam os exemplos e a lembrança que inflamavam sua coragem e sustentavam seu entusiasmo patriótico.

Depois, é a História Lendária dos Bardos e as Tríades, que na ordem filosófica e religiosa são como uma espécie de Bíblia para o mundo céltico e cuja paternidade é comum à Irlanda e ao País de Gales. Ela não foi fixada pela escrita a não ser no século VIII, ou pelo menos não se possui manuscritos mais antigos. Mas está estabelecido que esses cantos e essas Tríades eram transmitidos oralmente, há muitos séculos, e que sua origem se perde na noite dos tempos. Sabe-se que o ensino esotérico dos druidas era reservado unicamente aos iniciados e que não se podia transcrevê-lo a não ser na forma de uma escrita em vegetal, simbólica, cujo segredo somente era comunicado aos adeptos.

Apenas quando o poder dos druidas foi extinto e os bardos foram perseguidos é que se pensou em recolher esse ensino e entregá-lo à publicidade.

Encontram-se sinais dessas altas inspirações em toda a obra literária da Irlanda, junto ao culto ardente da Natureza, que é uma das formas do génio céltico. Sua rica poesia reflecte o encanto penetrante dessa ilha verdejante com suas florestas profundas, seus lagos sombrios, seus horizontes brumosos e as costas abruptas, recortadas, onde as ondas lançam seus queixumes eternos.

Em todo lugar pairam enxames de almas: duendes, gnomos, génios tutelares ou malfeitores, aos quais se misturam as almas dos mortos, os espíritos, cujo fluido material, paixões, ódios e amores encadeiam à Terra, e que se tornam errantes, aguardando uma reencarnação nova, visto que, neste ponto, os textos são formais: a Irlanda acreditava na pluralidade das vidas humanas.

Em todas as épocas, e talvez mais do que em algum outro país, a Irlanda teve então a intuição, o sentido íntimo e profundo da vida invisível, do mundo oculto, desse oceano de forças e de vida, povoado de multidões inumeráveis, cuja influência se estende sobre nós e, conforme nossas disposições psíquicas, nos protege ou nos atormenta, nos entristece ou nos arrebata.

É porque na história da Irlanda, como na Escócia, os feiticeiros exercem uma grande função. Os próprios santos possuem poderes misteriosos que se poderiam comparar ao magnetismo e ao dom da mediunidade. Para convencer-se disso podem ser lidas as biografias de S. Patrício e de S. Colombano, padroeiros da ilha.
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO II – A Irlanda 1 de 3, 7º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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