Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 16 de outubro de 2022

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Pluralidade das Existências e dos Mundos Habitados 

(Pelo Dr. Gelpke) 

Devemos à gentileza de um dos nossos correspondentes de Bordeaux a interessante passagem que se segue, extraída de uma obra intitulada: Exposição da grandeza da criação universal, pelo Dr. Gelpke, publicada em Leipzig, 1817. 

“.... Se, pois, a construção de todos os mundos que brilham acima de nós pudesse ser submetida ao nosso exame, de que admiração não seríamos tomados, vendo a diversidade desses globos, cada um dos quais organizado de modo diverso do seu mais próximo vizinho na ordem da criação! E, como já disse, sendo incalculável o número dos mundos, a sua construção também deve ser infinitamente diferente. 

“Além disso, como de cada mundo depende a organização dos seres que o habitam, estes devem, tanto interna como externamente, diferir essencialmente em cada globo. Agora, se considerarmos a multiplicidade e a imensa variedade das criaturas na nossa Terra, onde nem mesmo uma folha se assemelha à outra, e se admitirmos uma tão grande variedade de criaturas em cada mundo, quão prodigiosa nos parecerá a multidão no incomensurável reino de Deus! 

“Qual não será, pois, um dia, a plenitude de nossa felicidade, quando, sob invólucros sempre mais perfeitos, penetrarmos sucessivamente mais à frente os mistérios da criação e encontrarmos mundos sem-fim, a povoar um espaço infinito! Então, quanto Deus (inteligência organizadora) * não nos parecerá ainda mais adorável, ele que tirou tudo isso do nada, ele cuja bondade sem limites tudo criou apenas para a satisfação dos seres vivos e cuja sabedoria ordenou de maneira tão admirável! 

“Mas a nossa residência e a nossa conformação actuais podem proporcionar-nos tal felicidade? Para isso não necessitamos de outra morada, que nos coloque mais cedo no domínio da criação e, de um envoltório muito mais subtil e mais perfeito, que não entrave o nosso Espírito nos seus progressos para a perfeição e, por meio do qual ele poderá ver, sem auxílio, no todo universal, muito para além do que o podemos fazer daqui com os nossos melhores instrumentos? 

“Mas por que o Criador não nos daria, depois de vários degraus de existência, um envoltório que, semelhante ao relâmpago, pudesse elevar-se de mundos a mundos, permitindo-nos, assim, olhar tudo de mais perto e, ao mesmo tempo, abarcar melhor o conjunto pelo pensamento? Quem ousaria duvidá-lo, quando vemos a brilhante borboleta nascer da lagarta e, a árvore deslumbrante de flores provir de um caroço! Se Deus assim desenvolve pouco a pouco a lagarta e no-la mostra esplendidamente transformada, se também desenvolve o germe por graus, quanto não nos fará progredir a nós homens, reis da Terra e, avançar na Criação!” 

Pluralidade dos mundos habitados, pluralidade das existências (i)perispírito, progresso contínuo e infinito da alma, tudo está aí. 

/... 
* Deus-Inteligência organizadora. Adenda desta publicação. 


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Pluralidade das Existências e dos Mundos Habitados, Pelo Dr. Gelpke. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Novembro de 1863, 15º fragmento da Revista objecto do presente titulo desta publicação. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

~ em torno do mestre


A grande lição ~ 

  De todos os prismas e aspectos sob os quais Jesus é visto e estudado, o de Mestre é, a nosso ver, aquele que de mais perto nos interessa e que melhor define a sua missão junto da Humanidade. 

  De facto, Jesus se apresenta no cenário terreno como mestre. Por isso teve discípulos e se ocupou em ensiná-los pela palavra e pelo exemplo. Segundo as suas categóricas afirmativas, em tal se resumia e se condensava a suprema razão de sua passagem por este orbe. 

  Mas, que teria ele vindo ensinar aos homens? Que matéria, que disciplina seria aquela que justificou e determinou a encarnação do Verbo divino? 

  A propósito de tão magno assunto, assim se exprime o padre Vieira

  “A Sabedoria divina descendo do céu à Terra a ser Mestre dos homens, a nova cadeira que instituiu nesta grande universidade do mundo e a ciência que professou foi só ensinar a ser santos e, nenhuma outra. A retórica, deixou-a aos Túlios e aos Demóstenes; a filosofia, aos Platões e aos Aristóteles; as matemáticas, aos Ptolomeus e aos Euclides; a médica, aos Apolos e aos Esculápios; a jurisprudência, aos Solões e aos Licurgos; e para si tomou só a ciência de ensinar o homem a ser bom e justo, honesto e amorável.” 

  Diz bem o grande tribuno lusitano. Na realidade, Jesus veio ensinar aos homens a ciência do bem. Esta matéria, porém, como, aliás, todas as disciplinas, deve ser ensinada mediante determinado método, obedecendo às leis ou aos princípios pedagógicos que regem a arte e a ciência de educar. 

  Assim como a alfabetização é a primeira etapa de toda a instrução, da mesma forma a ciência do bem tem o seu ponto inicial, a sua primeira fase, sem cujo conhecimento não se pode prosseguir. 

  Esse primeiro passo chama-se humildade. É por isso que o Verbo divino, ao baixar à Terra, deu, desde logo, com o seu nascimento no estábulo de Belém, o mais frisante exemplo daquela virtude. 

  Mais tarde, iniciando as suas predicações com o Sermão da Montanha, o ensinamento preliminar transmitido foi o seguinte: Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 

  Seguindo as suas pegadas, vamos encontrá-lo admoestando os seus discípulos, entre os quais havia surgido a ideia de supremacia, com as seguintes palavras: 

  “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes humildes como uma criança, não entrareis no reino dos céus... Sabeis que entre os gentios há príncipes e vassalos e, entre eles os grandes exercem autoridade sobre os pequenos. Não é assim entre vós: mas, quem quiser tornar-se grande no vosso meio, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro, seja o servidor de todos, tal como o próprio Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir.” 

  Logo depois, ei-lo a destacar o mesmo ensino, através desta tocante exclamação: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Só assim encontrareis descanso para as vossas almas.” (Mateus, 11:29.) 

  Percutindo na repisada tecla, encontramo-lo a urdir a parábola do fariseu e do publicano, ambos orando no templo. O primeiro da seguinte maneira: “Meu Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem mesmo como aquele publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, porém, estando a alguma distância, não ousava nem mesmo levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim pecador.” Digo-vos que este desceu justificado para a sua casa e, não aquele; porque todo aquele que se exalta será humilhado, mas todo aquele que se humilha, será exaltado." (Lucas, 13:12 a 15.) 

  Insistindo ainda no mesmo ensinamento, vemos o Mestre, nas vésperas de seu sacrifício, prosternado diante dos discípulos, na atitude de servo, lavando-lhes os pés e fazendo-lhes esta solene observação: “Compreendeis o que vos tenho feito? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se eu, pois, sendo Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros; porque vos dei o exemplo, a fim de que, como eu fiz, assim façais vós também.” (João, 13:12 a 15.) 

  Finalmente, chegando o momento supremo, a hora de ser crucificado, o Verbo Divino deixa-se cravar no madeiro infamante, entre ladrões, coroando, com esse acto, a série de exemplificações sobre a importante matéria que constituiu o pivô em torno do qual giram os magistrais ensinamentos que legou à Humanidade. 

  Entre a manjedoura e a cruz — o alfa e o ómega do Cristianismo — vemos refulgir, em caracteres indeléveis, a grande lição que ainda não aprendemos: Humildade


O sumo bem ~ 

  Distribuir o pão do Espírito é, incontestavelmente, a caridade por excelência, o bem excelso que nos é dado fazer à Humanidade. 

  Não existe outro meio de atendermos às grandes necessidades do homem. Não há fortuna bastante vultosa para acudir aos reclamos materiais de todos os indigentes, de todos os sofredores e miseráveis. Demais, o pão do corpo tem que ser distribuído todos os dias, continuamente, aos mesmos indivíduos. Só o pão do Espírito, uma vez ingerido, sacia para sempre. Só a água viva aplaca a sede por completo e se transforma em fonte interior, manando para a eternidade. 

  As necessidades do corpo são insaciáveis e complexas. São insaciáveis, porque quotidianamente se apresentam sob os mesmos aspectos. São complexas, porque são várias e múltiplas. O pão para a boca é de todos os dias. O vestuário e o calçado se rompem e consomem, reclamando reformas constantes. O tecto, que serve de abrigo ao corpo, está sujeito à acção das intempéries, exigindo reparos de certo em certo tempo. As enfermidades são multiformes: surgem do interior e vêm também do exterior. A cura de uma, quando possível, não evita o aparecimento de outra. Se este está farto, aquele está nu. Esta criança goza de saúde, aquela não tem ninho onde se refugie, nem afectos, nem aconchegos. Esta mulher tem roupa e pão mas é enfermiça e fraca. É assim, ora o pão, ora o fato, ora o lar, ora o médico e o remédio. — os reclamos do corpo jamais cessam e nunca se resolvem. 

  O pão do espírito soluciona todos os problemas. Quanto mais o espalhamos, mais se aumenta no nosso celeiro. Esse pão não está sujeito às contingências do número; não tem peso, nem tem medida. Atira-se às multidões às mancheias; todos o apanham e dele se servem, segundo as suas necessidades pessoais. É, ao mesmo tempo, alimento vestuário, calcado, tecto, lar, saúde, conforto, consolação, coragem, fortaleza. É tudo, porque é luz. Só a luz revela as causas dos nossos males. Sublata causa, tollitur effectus. Tudo preenche, porque é amor; só o amor encerra em si mesmo a plenitude das plenitudes. 

  O pão do Espírito é maravilhoso. Nunca se acaba nas mãos de quem o recebe; multiplica-se nas mãos de quem o espalha. Com cinco desses pães Jesus saciou mais de cinco mil famintos. E não precisava de tantos: bastava-lhe um somente. Tanto assim, que restaram ainda doze alcofas de sobejos. Este prodígio é a alegoria do pão do céu, que Ele trouxe ao mundo, para sanar todos os seus males e flagelos. Da distribuição de semelhante pão é que incumbiu aos seus discípulos. Quando estes consideraram os milhares de estômagos vazios, assediando o Mestre no deserto, disseram-lhe: Despede-os, Senhor; já vai o dia em declínio e, onde acharemos pães para tanta gente? Alimentai-os, respondeu o Cristo de Deus. Eles, porém, não perceberam de que espécie de pão Jesus falara. 

  Por isso, está o mundo até hoje cheio de famintos, de nus, de enfermos, de órfãos, de viúvas, de indigentes e de miseráveis. Ainda não se deu conta do único meio de atender e assistir a todos esses carecentes. Já não há hospitais, nem médicos, nem remédios para tantos enfermos. Não há asilos para tanta orfandade e para tantos desamparados. Não há pão para tantos famélicos, nem há tectos para tantos desabrigados, nem há fatos para tanta nudez, nem há consolação para tantos aflitos, precisamente porque escasseiam os distribuidores do pão espiritual, precisamente porque os despenseiros do Cristo ainda não compreenderam a ordem do Mestre e julgam que o emprego de outros processos possam conjurar os males do século. 

  Só o pão do Espírito soluciona efectivamente os problemas da vida, neste e noutro plano. Só o pão do Espírito pode acabar com as misérias do mundo, é por isso que os males que afectam a matéria têm origem na alma. 

  Espalhando, portanto, o pão da terra, não esqueçamos o pão do céu. Este sintetiza o bem dos bens, o bem por excelência, o sumo bem que nos é dado fazer a outrem. 


As milícias do Céu ~ 

  Existem milícias no céu como existem na Terra, embora visando a alvos diametralmente opostos Ordem, disciplina, aprendizagem, manobras, arregimentação, planos, estratégias, combates e pelejas porfiadas, batalhões aguerridos, estado maior, oficiais, soldados, etc. — tudo como na Terra. 

  O centurião que procurou Jesus para curar-lhe o fâmulo que se encontrava gravemente enfermo, mostrou compreender perfeitamente a organização do exército sideral. Respondendo a Jesus que prometera atendê-lo indo a sua casa, disse: “Senhor, não é preciso que te incomodes tanto. Nem eu mesmo sou digno de te receber em minha casa. Dize somente uma palavra e, o meu servo se curará. Eu também sou homem sujeito à autoridade e, tenho inferiores às minhas ordens e, digo a este: vem cá, e ele vem; faze isto, e ele faz”. (Mateus, 8:8 e 9.) 

  Pelos dizeres acima, vemos que o centurião compreendia perfeitamente aquilo que até hoje muitos ignoram, isto é, a maneira de Jesus agir através das milícias do céu. A analogia que ele estabeleceu, como chefe de cem inferiores, entre o seu comando e o comando de Jesus dirigindo os batalhões celestes, é das mais felizes para aclarar o modo de acção empregado pelo Redentor do mundo na obra da salvação. 

  Paulo confirma a ideia do centurião, como se verifica destas suas palavras: “Não são todos os anjos espíritos ministrantes enviados para exercer o seu ministério a favor dos que hão de herdar a salvação?”. 

  A Kardec foi dada a seguinte mensagem com referência aos soldados da luz: 

  “Os espíritos do Senhor, que são as virtudes do céu qual imenso exército que se põe em marcha desde que para isso recebeu ordem, espalham-se sobre toda a superfície da terra; semelhantes às estrelas que caem do céu, eles vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos dos povos. 

  Eu vos digo que, em verdade, são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu sentido verdadeiro, a fim de dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos. 

  As vozes do céu retinem como o som da trombeta e o coro dos anjos se reúnem. Homens! nós vos convidamos ao divino concerto; que as vossas mãos tomem a lira, que as vozes se harmonizem e, em um hino sagrado se alteiem e vibrem de um extremo ao outro do Universo. Homens! irmãos a quem amamos, estamos junto de vós. Amai-vos também uns aos outros e, dizei do fundo de vossos corações: "Senhor! Senhor! e podereis entrar no reino dos céus." 

  Há, portanto, exércitos divinos como os há humanos. A diferença é que aqueles combatem por amor e, estes, por egoísmo. O amor fecunda as almas prodigalizando a vida e vida em abundância. O egoísmo vai disseminando entre os homens o luto, a dor e a morte. No combate sustentado pelas milícias celestes não há vencidos: todos são vencedores. Não se aniquila o adversário, não se humilha o prisioneiro: são este e aquele convertidos em aliados, compartilhando os louros da vitória. Combate original, porque é combate de amor. Enquanto os exércitos terrenos sustentam e multiplicam as causas de separação, fomentando rivalidades e ódios, os exércitos do céu desfazem os dissídios, confraternizando as raças, irmanando os povos, conjugando os credos. 

  Milícias do céu! Geradores da fé, portadores de esperança, mensageiros do amor! Prossegui na vossa divina tarefa, sob a chefia de Jesus, actuando nos corações, para que os homens se convertam e se confraternizem, proclamando em uníssono: Pai nosso que estás nos céus, seja feita a tua vontade aqui na terra como já é feita nos planos de luz onde reina a justiça! 

/… 

“Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra.” 
                                                                                    Pedro de Camargo “Vinícius” 


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do Mestre, 1ª Parte / Seixos e Gravetos; A grande lição / O sumo bem / As milícias do Céu, 15º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), pintura de Johannes Vermeer