Capítulo IX
Religião dos celtas, o culto, os sacrifícios, a ideia da
morte
(III)
A questão do culto dos mortos entre os celtas está ligada à
lembrança de Carnac com os seus monumentos megalíticos.
Todos os celtistas conhecem esta imensa necrópole, que se
estendia por muitas léguas de comprimento desde Locmariaquer até Erdeven. Os
alinhamentos de menires, hoje em parte destruídos, contavam ainda com milhares
de pedras levantadas na Idade Média. Deve ver-se nessas longas filas sombrias
outros tantos monumentos funerários? Tem-se duvidado, porque, nas escavações
praticadas ao pé dos menires, somente foram encontrados raros fósseis humanos.
O espírito Allan Kardec assegura-nos que, escavando-se mais profundamente,
ter-se-ia encontrado mais ossadas. As grutas sepulcrais de Locmariaquer, os
dolmens de Erdeven e de outros lugares não deixam dúvidas quanto ao destino
desse vasto campo fúnebre. Os menires constituíam os túmulos de chefes
políticos ou religiosos, enquanto que as grutas e os dolmens recebiam os restos
mortais de personagens menos elevados na ordem social.
Na sua Histoire de la
Gaule, Camille Jullian escreveu que os cortejos fúnebres se dirigiam para
essa região vindos de vários pontos da Gália.
Qual era, então, o pensamento mestre que agrupava todos
esses mortos na extremidade do continente? Muitos escritores tentaram
descobri-lo, sem o conseguir. Entretanto, a explicação parece ser a seguinte:
Perante os horizontes infinitos do mar e do céu, acreditava-se,
então, que o voo das almas era mais fácil na direcção desses mundos que brilham
no além, no seio das noites, ou em direcção aos lugares que se sombreiam,
durante o entardecer, nas brumas do poente. Essas praias varridas pelas ondas,
essas fronteiras de uma vastidão desconhecida tinham, para os nossos
antepassados, um carácter misterioso e sagrado.
Camille Jullian e outros historiadores atribuem o
levantamento dos monumentos megalíticos a povos anteriores aos celtas e particularmente
aos lígures, povo meridional de cabelos marrons e de pequena estatura. Ora,
esses escritores esquecem que esses monumentos se elevam em todo o ocidente da
Europa até nas Ilhas Órcades e Shetland, situadas na ponta extrema da Escócia,
nas brumas do mar do Norte. Podem contar-se 145 monumentos em todo o
arquipélago. O grupo de pedras de Stonehenge, na Câmbria, Inglaterra,
compreende 144 pedras elevadas, formando um conjunto que parece ser o
complemento dos alinhamentos de Carnac (França).
Pode também assinalar-se o “túmulo de Taliésin”, situado na
base do maciço de Plynlimmon, cercado de dois círculos de pedras e, o grande
dólmen da península de Gower, no País de Gales. Na entrada de Clyde todos os
picos são rodeados por megálitos. Mencionamos ainda os monumentos da Escócia,
chamados “Casa dos Pictos”; e na Irlanda, no Donegal, 67 pedras elevadas
formando um grupo comparável ao de Stonehenge.
Nessas sepulturas – dolmens, grutas funerárias e túmulos
pré-históricos de todas as dimensões – se encontram objectos diversos
misturados com restos humanos calcinados ou com esqueletos inteiros. São sílex
brutos ou polidos, urnas, armas e até foices de ouro que serviam para o culto.
Esses objectos pertenciam, portanto, a todas as épocas, desde priscas eras:
paleolíticas, neolíticas, idades do bronze e do ferro. É preciso então atribuir
esses vestígios aos celtas e não aos lígures ou pelasgos, povos pouco conhecidos,
dos quais se ignora a língua e mesmo a localização exacta.
Crer que esses monumentos sejam obra sua seria pretender que
os gauleses, tão laboriosos e engenhosos noutras matérias, não tenham deixado
nenhum rasto no país que eles habitaram durante séculos.
Os megálitos não consistem somente em sepulturas, mas também
em monumentos consagrados ao culto. Os mais importantes são os “cromlechs”, ou
círculos de pedras, no centro dos quais se ergue geralmente um grande menir.
Alguns são duplos e triplos e representam, então, os três círculos da vida
universal, conforme as indicações das Tríades.
Nesses lugares praticavam-se os ritos divinos e se evocavam as almas dos
mortos.
Entre essas pedras, algumas representavam o mesmo papel que
o das mesas falantes de nossos dias e respondiam, pelos seus movimentos, às
questões dos assistentes. Assim, o Manuel
pour servir à l’étude de l’antiquité celtique, na página 253, cita a pedra
falante “cloch labhrais”, que dava respostas, como a “lech lavar” dos gauleses.
Acrescentamos, de memória, que os autores antigos atribuíam
aos druidas uma potente mágica, completamente esquecida actualmente e, da qual
se encontram somente resquícios nas práticas do hipnotismo, do magnetismo e do
faquirismo. Plínio denominava os druidas de “Magi”, nome que lhes é
constantemente dado nos textos latinos e irlandeses, afirma Dom Gougaud,
beneditino inglês, no seu livro Les Chrétientés Celtiques. (*)
Segundo esse autor, os druidas tinham os seguintes poderes:
“condensações da neblina, precipitações atmosféricas, tempestades sobre o mar e
sobre a terra, etc”. Ele acrescenta que “o druida Fraechan Mac Tenuisain
protegia a armada do rei da Irlanda, Diarmait Mac Cerbaill contra o inimigo,
por meio de uma barreira mágica (airbe
druad) que ele traçou em frente dela. Todos os que atravessavam essa
muralha fluídica eram feridos de morte. Todos os velhos textos irlandeses estão
repletos de feitos semelhantes.”
Quase sempre, os círculos de pedras dos quais falamos
estavam dispostos nas clareiras das florestas, porque, em matéria religiosa, a
floresta guarda sempre para os celtas o seu prestígio augusto e sagrado.
Na época dos druidas a natureza não estava ainda alterada
pela influência nociva, pela corrente destruidora das paixões. Ela era como o
grande médium, o intermediário poderoso entre o Céu e a Terra. Os druidas, sob
a abóbada das árvores seculares, cujos cumes eram como antenas que atraíam as
radiações do espaço, recebiam mais facilmente as intuições, as inspirações, os
ensinamentos do alto. Ainda hoje, apesar de tantas destruições sofridas, a
floresta não nos causa uma impressão salutar e reconfortante pelos seus
eflúvios, uma espécie de dilatação da alma? É, pelo menos, o que eu experimentei
tantas vezes.
Certas pessoas, privadas de faculdades mediúnicas,
perguntam-me como fazer para entrar em relação com o invisível. Sobre isso
respondo: “Afastai-vos do barulho das cidades, entrai numa floresta, é na solidão
dos grandes bosques que se julga melhor a vaidade das coisas humanas e a
loucura das paixões. Nessas horas de recolhimento, parece que um diálogo
interior se estabelece entre a alma humana e as potências do além. Todas as
vozes da natureza se unem, os murmúrios que a Terra e o espaço sussurram para o
ouvido atento, tudo nos fala das coisas divinas, nos esclarece com conselhos de
sabedoria e nos ensina o dever. É o que dizia Jeanne d’Arc aos seus
interrogadores de Rouen que lhe perguntavam se ela ouvia sempre as suas vozes:
“O barulho das prisões me impede de as perceber, mas se me levarem para
qualquer floresta eu as ouvirei bem.”
O mesmo acontece com a ciência dos mundos; é uma fonte
incomparável de elevação, porque ela nos revela todo o génio do Criador. No interior
dos recintos sagrados, os druidas se dedicavam a observações cuidadosas e para
esse objectivo possuíam meios que provocavam a admiração dos antigos.
É um facto que o desfile imponente dos astros, durante as
noites claras de inverno, se torna um dos espectáculos mais impressionantes que
a alma humana pode apreciar. Uma paz serena desce do espaço, parece que se está
num imenso templo, o pensamento, então, se eleva num impulso mais rápido para
essas regiões superiores e interroga esses milhares de mundos cujas subtis
radiações parecem responder aos seus apelos.
A aplicação das forças radiantes aos usos terrestres permite
crer que uma transmissão, mesmo física, não é impossível através dos abismos do
espaço.
As estradas do destino que nos são abertas ligam-nos
estreitamente a esse esplêndido Universo, do qual somos, como espíritos, um
elemento imperecível; o seu futuro é o nosso, nós prosseguimos com ele e nele
está a nossa evolução, nós participaremos de sua obra, de sua vida, de modo
sempre crescente.
/…
(*) Edição Gabalda, Paris, e Edição Lecoffre, 1911, Paris,
410 páginas.
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda Parte – Capítulo IX Religião dos celtas, o culto, os
sacrifícios, a ideia da morte (3 de 3), 31º fragmento
desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da liberdade, Ossian, Desaix, Kléber, Marceau, Hoche, Championnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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