Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 29 de abril de 2018

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo IX

Religião dos celtas, o culto, os sacrifícios, a ideia da morte
(III)

   A questão do culto dos mortos entre os celtas está ligada à lembrança de Carnac com os seus monumentos megalíticos.

   Todos os celtistas conhecem esta imensa necrópole, que se estendia por muitas léguas de comprimento desde Locmariaquer até Erdeven. Os alinhamentos de menires, hoje em parte destruídos, contavam ainda com milhares de pedras levantadas na Idade Média. Deve ver-se nessas longas filas sombrias outros tantos monumentos funerários? Tem-se duvidado, porque, nas escavações praticadas ao pé dos menires, somente foram encontrados raros fósseis humanos. O espírito Allan Kardec assegura-nos que, escavando-se mais profundamente, ter-se-ia encontrado mais ossadas. As grutas sepulcrais de Locmariaquer, os dolmens de Erdeven e de outros lugares não deixam dúvidas quanto ao destino desse vasto campo fúnebre. Os menires constituíam os túmulos de chefes políticos ou religiosos, enquanto que as grutas e os dolmens recebiam os restos mortais de personagens menos elevados na ordem social.

   Na sua Histoire de la Gaule, Camille Jullian escreveu que os cortejos fúnebres se dirigiam para essa região vindos de vários pontos da Gália.

   Qual era, então, o pensamento mestre que agrupava todos esses mortos na extremidade do continente? Muitos escritores tentaram descobri-lo, sem o conseguir. Entretanto, a explicação parece ser a seguinte:

   Perante os horizontes infinitos do mar e do céu, acreditava-se, então, que o voo das almas era mais fácil na direcção desses mundos que brilham no além, no seio das noites, ou em direcção aos lugares que se sombreiam, durante o entardecer, nas brumas do poente. Essas praias varridas pelas ondas, essas fronteiras de uma vastidão desconhecida tinham, para os nossos antepassados, um carácter misterioso e sagrado.

   Camille Jullian e outros historiadores atribuem o levantamento dos monumentos megalíticos a povos anteriores aos celtas e particularmente aos lígures, povo meridional de cabelos marrons e de pequena estatura. Ora, esses escritores esquecem que esses monumentos se elevam em todo o ocidente da Europa até nas Ilhas Órcades e Shetland, situadas na ponta extrema da Escócia, nas brumas do mar do Norte. Podem contar-se 145 monumentos em todo o arquipélago. O grupo de pedras de Stonehenge, na Câmbria, Inglaterra, compreende 144 pedras elevadas, formando um conjunto que parece ser o complemento dos alinhamentos de Carnac (França).

   Pode também assinalar-se o “túmulo de Taliésin”, situado na base do maciço de Plynlimmon, cercado de dois círculos de pedras e, o grande dólmen da península de Gower, no País de Gales. Na entrada de Clyde todos os picos são rodeados por megálitos. Mencionamos ainda os monumentos da Escócia, chamados “Casa dos Pictos”; e na Irlanda, no Donegal, 67 pedras elevadas formando um grupo comparável ao de Stonehenge.

   Nessas sepulturas – dolmens, grutas funerárias e túmulos pré-históricos de todas as dimensões – se encontram objectos diversos misturados com restos humanos calcinados ou com esqueletos inteiros. São sílex brutos ou polidos, urnas, armas e até foices de ouro que serviam para o culto. Esses objectos pertenciam, portanto, a todas as épocas, desde priscas eras: paleolíticas, neolíticas, idades do bronze e do ferro. É preciso então atribuir esses vestígios aos celtas e não aos lígures ou pelasgos, povos pouco conhecidos, dos quais se ignora a língua e mesmo a localização exacta.

   Crer que esses monumentos sejam obra sua seria pretender que os gauleses, tão laboriosos e engenhosos noutras matérias, não tenham deixado nenhum rasto no país que eles habitaram durante séculos.

   Os megálitos não consistem somente em sepulturas, mas também em monumentos consagrados ao culto. Os mais importantes são os “cromlechs”, ou círculos de pedras, no centro dos quais se ergue geralmente um grande menir. Alguns são duplos e triplos e representam, então, os três círculos da vida universal, conforme as indicações das Tríades. Nesses lugares praticavam-se os ritos divinos e se evocavam as almas dos mortos.

   Entre essas pedras, algumas representavam o mesmo papel que o das mesas falantes de nossos dias e respondiam, pelos seus movimentos, às questões dos assistentes. Assim, o Manuel pour servir à l’étude de l’antiquité celtique, na página 253, cita a pedra falante “cloch labhrais”, que dava respostas, como a “lech lavar” dos gauleses.

   Acrescentamos, de memória, que os autores antigos atribuíam aos druidas uma potente mágica, completamente esquecida actualmente e, da qual se encontram somente resquícios nas práticas do hipnotismo, do magnetismo e do faquirismo. Plínio denominava os druidas de “Magi”, nome que lhes é constantemente dado nos textos latinos e irlandeses, afirma Dom Gougaud, beneditino inglês, no seu livro Les Chrétientés Celtiques. (*)

   Segundo esse autor, os druidas tinham os seguintes poderes: “condensações da neblina, precipitações atmosféricas, tempestades sobre o mar e sobre a terra, etc”. Ele acrescenta que “o druida Fraechan Mac Tenuisain protegia a armada do rei da Irlanda, Diarmait Mac Cerbaill contra o inimigo, por meio de uma barreira mágica (airbe druad) que ele traçou em frente dela. Todos os que atravessavam essa muralha fluídica eram feridos de morte. Todos os velhos textos irlandeses estão repletos de feitos semelhantes.”

   Quase sempre, os círculos de pedras dos quais falamos estavam dispostos nas clareiras das florestas, porque, em matéria religiosa, a floresta guarda sempre para os celtas o seu prestígio augusto e sagrado.

   Na época dos druidas a natureza não estava ainda alterada pela influência nociva, pela corrente destruidora das paixões. Ela era como o grande médium, o intermediário poderoso entre o Céu e a Terra. Os druidas, sob a abóbada das árvores seculares, cujos cumes eram como antenas que atraíam as radiações do espaço, recebiam mais facilmente as intuições, as inspirações, os ensinamentos do alto. Ainda hoje, apesar de tantas destruições sofridas, a floresta não nos causa uma impressão salutar e reconfortante pelos seus eflúvios, uma espécie de dilatação da alma? É, pelo menos, o que eu experimentei tantas vezes.

   Certas pessoas, privadas de faculdades mediúnicas, perguntam-me como fazer para entrar em relação com o invisível. Sobre isso respondo: “Afastai-vos do barulho das cidades, entrai numa floresta, é na solidão dos grandes bosques que se julga melhor a vaidade das coisas humanas e a loucura das paixões. Nessas horas de recolhimento, parece que um diálogo interior se estabelece entre a alma humana e as potências do além. Todas as vozes da natureza se unem, os murmúrios que a Terra e o espaço sussurram para o ouvido atento, tudo nos fala das coisas divinas, nos esclarece com conselhos de sabedoria e nos ensina o dever. É o que dizia Jeanne d’Arc aos seus interrogadores de Rouen que lhe perguntavam se ela ouvia sempre as suas vozes: “O barulho das prisões me impede de as perceber, mas se me levarem para qualquer floresta eu as ouvirei bem.

   O mesmo acontece com a ciência dos mundos; é uma fonte incomparável de elevação, porque ela nos revela todo o génio do Criador. No interior dos recintos sagrados, os druidas se dedicavam a observações cuidadosas e para esse objectivo possuíam meios que provocavam a admiração dos antigos.

   É um facto que o desfile imponente dos astros, durante as noites claras de inverno, se torna um dos espectáculos mais impressionantes que a alma humana pode apreciar. Uma paz serena desce do espaço, parece que se está num imenso templo, o pensamento, então, se eleva num impulso mais rápido para essas regiões superiores e interroga esses milhares de mundos cujas subtis radiações parecem responder aos seus apelos.

   A aplicação das forças radiantes aos usos terrestres permite crer que uma transmissão, mesmo física, não é impossível através dos abismos do espaço.

   As estradas do destino que nos são abertas ligam-nos estreitamente a esse esplêndido Universo, do qual somos, como espíritos, um elemento imperecível; o seu futuro é o nosso, nós prosseguimos com ele e nele está a nossa evolução, nós participaremos de sua obra, de sua vida, de modo sempre crescente.

/…
(*) Edição Gabalda, Paris, e Edição Lecoffre, 1911, Paris, 410 páginas.


LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo IX Religião dos celtas, o culto, os sacrifícios, a ideia da morte (3 de 3), 31º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da liberdade, OssianDesaixKléberMarceauHocheChampionnet, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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