X – Epistemologia Espírita |
Na aparente simplicidade da sua forma escrita, o Espiritismo abrange
todos os campos do Conhecimento; não o faz de maneira sistemática, mas
espontânea, numa espécie de improvisação determinada pelas exigências do
borbulhar dos factos e
da escassez do tempo. Kardec já tinha feito
50 anos de idade e não dispunha de recursos financeiros e meios técnicos, nem
de auxiliares preparados para a execução da obra imensa e urgente que o
desafiava. Estava só diante daquela erupção de fenómenos que tinha de controlar
na formulação de uma doutrina que os tornassem acessíveis a todos. Dispunha
apenas dos seus conhecimentos científicos, da visão pedagógica herdada de Rousseau e Pestalozzi,
dos instrumentos humanos de pesquisa que eram as jovens Boudin, de 14 e 16 anos
e dos recursos da sua didáctica, desenvolvidos nos Institutos que fundara e
dirigira, nas obras que publicara e nos serviços prestados à Universidade de
França como director de estudos. Valeu-lhe o seu temperamento calmo, ponderado,
que lhe permitiu dominar as circunstâncias e organizar uma nova ciência apoiada
em pesquisas dotada de métodos próprios, entrosada nas exigências cientificas
da época, amparada numa instituição científica por ele mesmo fundada e pelos
meios de divulgação, pesquisa de opinião e possibilidade de debates no plano
mundial, que criou com as suas obras e a fundação e manutenção da Revista Espírita. Uma
epopeia cultural silenciosa, que não obstante se expandiu em todas as direcções
culturais, abalando o mundo.
Essa façanha homérica não
dispensou o auxílio clássico dos deuses - aqueles mesmos que Tales de Mileto dizia
encherem o mundo em todas as suas dimensões - os Espíritos. Esses deuses, que
ele humanizou ao invés de os divinizar, enfunaram as velas do seu
barco e o levaram, solitário, à conquista de mares e terras desconhecidas
envoltos nos mistérios de todas as mitologias e magias religiosas. Teve de
enfrentar, como Ulisses,
os báratros e os monstros do mar e os guerreiros entrincheirados nas muralhas
das tróias culturais da Terra.
A Epistemologia Espírita, estudo e crítica do Conhecimento
Científico à luz do Espiritismo,
não é sequer mencionada na obra de Kardec, mas está nela
integrada e, é um dos problemas fundamentais da doutrina, indispensável à sua
compreensão. Na Antiguidade, com algumas excepções do mundo clássico
grego-romano (as observações empíricas dos filólogos gregos e posteriormente
de Aristóteles),
todo o Conhecimento Humano decorria das tradições religiosas e se processava
por dedução. Com ou sem o esquema lógico aristotélico, os sábios serviam-se de
um único instrumento de pesquisa, que era o silogismo. Só nos princípios
do Século XIV surgiram em Itália as primeiras tentativas de interrogar
a Natureza para se conhecer a realidade. Daí por diante a Ciência
desenvolveu-se, através de penosos episódios históricos como os de Galileu e Giordano Bruno, pois
qualquer descoberta que contrariasse a Bíblia era logo motivo de perseguição e
condenação por heresia. Para se dar o passo lógico da dedução para
a indução foram
necessários quatro séculos. Basta lembrarmos o episódio de Descartes, que no
seu "Tratado do Mundo" teve de usar um expediente curioso. Para dizer
que a Terra girava em torno do Sol, afirmou que a Terra era fixa no espaço,
envolta na sua atmosfera, mas esta girava em torno do Sol. Apesar disso,
Descartes acabou fugindo para a Holanda, país protestante, a fim de livrar-se
das condenações da Igreja. Ele usava no seu emblema a palavra
"caute", significando a cautela que devia ter na exposição das suas
ideias. Nesse ambiente opressivo a Ciência era uma erva daninha que só crescia às
ocultas. No Século XVIII, chamado o Século de Ouro das Ciências, a
opressão clerical afrouxara-se na medida em que as invenções, mais do que as
descobertas, lhes davam prestígio. No Século XIX a situação mudara bastante,
mas só em meados desse século o clima se tornara propício ao emprego atrevido
do uso da indução
científica, que consiste na pesquisa de vários fenómenos para deles se obter a
lei geral que os rege. Antes disso seria impossível a pesquisa espírita, que além de
condenada em si mesma como profanação da
morte, seria também condenada por contrariar a sabedoria infusa dos
teólogos, procedente de Deus através da Bíblia e do milagre das intuições
reveladoras. Apesar da liberdade já conquistada, a Inquisição
Espanhola, não podendo condenar Kardec à fogueira,
pois ele estava na França, condenou a sua obra e queimou-a com todos os rituais
da Inquisição em Barcelona. Kardec comentou o facto na Revista Espírita, num
artigo intitulado "A Cauda da Inquisição", aproveitando o facto para
rasgar mais amplamente a pesada cortina da censura eclesiástica no mundo. A
França marchava na vanguarda da libertação, enquanto a cauda da opressão ainda
se arrastava, eriçada de ameaças e eivada de crimes, em terras de Portugal e
Espanha. Só na França seria possível, naquela fase de transição histórica e
cultural, o desenvolvimento do Espiritismo. Não
obstante, ali mesmo se ergueram as ondas da reacção, sopradas pelos vendavais
do fanatismo religioso, dos preconceitos culturais e do exclusivismo
científico. Foi no estudo sereno dessa reacção, no meio do furor dos
elementos desencadeados, que Kardec deu início à
Epistemologia Espírita. Sozinho a princípio, eram ainda poucos os
seus companheiros. Repetia-se no antigo e carismático solo das Gálias o mesmo
quadro palestino de Jesus com
os seus poucos discípulos a enfrentar os poderes do mundo. O panorama
histórico, porém, modificara-se e Kardec podia usar com
mais eficácia as armas da razão. O Renascimento prepara a França para esse
momento glorioso.
Kardec examina
a posição epistemológica do Espiritismo na Introdução
ao Estudo da Doutrina Espírita que abre O Livro dos Espíritos,
obra fundamental da Doutrina. O Espiritismo é uma
Ciência que se defronta com as outras ciências em pé de igualdade e não pode
ser julgada pelos cientistas que não a conhecem. Os sábios são dignos de
admiração e respeito, quando se pronunciam sobre o que sabem. Mas quando opinam
sobre o que não sabem igualam-se ao vulgo, dando simples opiniões desprovidas
de valor. O que vale na Ciência são os factos e não as opiniões. Só é válido no
campo científico o veredicto das provas. A rejeição dos factos "a
priori" não tem valor científico, por mais reputado que seja o cientista
que emitiu um julgamento. E acrescenta: “Quando a Ciência sai
da observação material dos factos para apreciá-los e explicá-los, abre-se
para os cientistas o campo das conjecturas. Cada um constrói o seu sistemazinho, que deseja
fazer prevalecer e sustenta-o encarniçadamente. Os factos são o verdadeiro
critério dos nossos julgamentos sem réplica. Na ausência dos factos, a dúvida é
a opinião do homem prudente.”
A posição de Kardec era assim de
uma clareza e positividade absoluta. O Espiritismo nascia como
Ciência, dentro dos quadros da evolução científica e, ao mesmo tempo assumia
uma posição epistemológica realista,
criticando os desvios individualistas à realidade objectiva. Aos que o
criticaram alegando que o objecto da sua doutrina não era objectivo, Kardec lembrava que o
conceito espírita de Espírito não era vago, indefinido, mas rigorosamente objectivo.
“'O Espírito é um ser concreto e circunscrito – afirmava – um ser real,
definido, que em certos casos pode ser apreendido pelos nossos sentidos da
vista, da audição e do tacto.” A natureza objectiva do Espírito não
podia ser confundida com a dos objectos lógicos, matemáticos ou mitológicos e
imaginários, pois as suas manifestações permitiam a verificação científica de
sua realidade objectiva e de sua capacidade de produzir efeitos materiais das
mínimas às máximas proporções. Por isso o Espiritismo exigia
atitude científica no seu estudo, pesquisas objectivas na
comprovação das leis naturais que regem as suas relações com o mundo sensível e
com os homens encarnados.
A maioria dos cientistas criticava o facto de o Espiritismo haver
nascido da observação da chamada dança das mesas. Kardec perguntava se
a movimentação espontânea de objectos materiais, rigorosamente constatada, era
mais ridícula que a dança das rãs que dera a Galvani a
possibilidade de descobrir a electricidade. Negar esses factos sem observá-los
e pesquisá-los era anti-científico, revelava a persistência de preconceitos na
Ciência e exigia, por isso mesmo, a pesquisa séria e metódica dos
cientistas sérios. A Ciência da época fechara-se sobre as suas
conquistas primárias e com elas se julgava na posse do conhecimento total.
Caíra num mecanicismo simplório e
alienava-se num solipsismo
arrogante. Quando a Academia reconheceu a existência do Hipnotismo, Kardec lembrou, num
artigo crítico e irónico da Revista Espírita, que o Sr.
Magnetismo tentara numerosas
vezes entrar na Academia pela porta da frente, mas sempre rejeitado, até que
resolveu trocar de nome e entrar pela porta dos
fundos, sendo bem recebido e adquirindo a sua desejada cidadania científica. A
Ciência dava mais importância às aparências formais
do que à substância. Kardec
assinalava que o Espiritismo não
era uma questão de forma, mas de fundo.
A sua crítica epistemológica desenvolveu-se implacável através
dos anos sucessivos de pesquisa na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, que ele estruturara e dirigia
como instituição científica de pesquisas. Quando os cientistas voltavam à carga
contra o Espiritismo, Kardec declarava francamente
a impotência da Ciência para opinar sobre questões que os
cientistas simplesmente desconheciam. Respeitava os
cientistas sérios e
prudentes, mas não poupava os levianos e atrevidos que se julgavam, como ele
dizia, monopolizadores do
bom senso e da verdade.
Charles
Richet, Prémio Nobel de Fisiologia, reconheceu-lhe o valor e a sua
capacidade de pesquisador, embora não aceitasse a Doutrina Espírita, que
considerava precipitada. William Crookes aceitou
a incumbência da Sociedade Dialéctica de Londres, de demolir o Espiritismo e, após
três anos de pesquisas, com resultados assombrosos, proclamou a veracidade inegável
dos fenómenos espíritas. A luta solitária de Kardec deu
resultados inesperados: Os trabalhos de Friedrich
Zöllner e do Barão Von
Schrenck-Notzing na Alemanha, de Ernesto Bozzano e Chiaia na Itália, que
dobraram a resistência férrea de Cesare Lombroso, com
várias materializações incontestáveis
da mãe do grande antropólogo, o aparecimento da Metapsíquica, da
Ciência Psíquica Inglesa, da antiga Parapsicologia Alemã, as pesquisas que
levaram Friederic
Myers a publicar o seu tratado "A Personalidade Humana e a sua
Sobrevivência", o desenvolvimento da Psicologia Experimental e por fim o
aparecimento da Parapsicologia Moderna
de Rhine e McDougall
provaram a legitimidade da Ciência Espírita e da
crítica epistemológica,
de Kardec. Mas
como o Espiritismo não mudou de nome, conservando-se fiel à sua origem e a
si mesmo, intransigente na sua clara e precisa posição epistemológica,
não foi admitido na Academia nem recebeu a cidadania científica a que tinha e
tem o mais absoluto e inegável direito. Kardec, que faleceu em
1869, não teve a oportunidade de ver, em vida, os lances mais importantes da
sua vitória sobre o carrancismo e
o radicalismo do mundo científico oficial.
Hoje, arrastada pela corrente da evolução, a Ciência
teve de mergulhar no oceano invisível dos átomos
e nas suas partículas, da percepção extra-sensorial e do poder insuspeitado do pensamento,
precipitando-se na voragem das pesquisas sobre a reencarnação,
ao absurdo das
múltiplas dimensões da matéria, dos mundos interpenetrados, da
antimatéria, da pluralidade dos
mundos habitados, da assustadora problemática filosófica da concepção existencial do homem,
da realidade ontológica considerada como subjectividade pura e assim por
diante, negando-se a si mesma para poder sobreviver como sobrevivem os
homens e todas as coisas e seres, segundo Kardec afirmava.
Kardec podia
opinar com autoridade sobre a Ciência, porque era professor de Ciências. Mas
por isso mesmo negava à Ciência o direito de opinar sobre o Espiritismo, que ela não
conhecia e os cientistas o encaravam através de preconceitos, numa atitude anti-científica. A
sua rejeição ao juízo científico da época, nesse sentido, é um veredicto: “A
Ciência propriamente dita, como Ciência, é incompetente para
se pronunciar sobre a questão do Espiritismo e, o seu
pronunciamento a respeito, qualquer que seja, favorável ou não, nenhum peso
teria”. Essa declaração de incompetência é válida ainda hoje, quando vemos a
Ciência confirmar o Espiritismo sem
querer e sem o saber. A ignorância dos sábios a respeito, como
dizia Kardec, não
se modificou. A posição realista de Kardec prova a sua
segurança absoluta no tocante à legitimidade das suas pesquisas. O Espiritismo sustentava-se
nas suas bases experimentais e lógicas, sem necessitar de aprovações estranhas,
mesmo porque essas aprovações não provinham de quem tivesse conhecimento
suficiente para opinar a respeito.
Por outro lado, a posição epistemológica do Espiritismo não podia
ser criticada. O seu objecto era inegável: a realidade psíquica do homem e os fenómenos
que a demonstravam através dos tempos. O seu método de investigação era
perfeito e bem integrado nas exigências científicas, adequado ao objecto; a
orientação das pesquisas era feita por um mestre capacitado e reconhecido como
tal; os resultados obtidos eram interpretados com critério rigorosamente
científico; a divulgação das experiências, observações e pesquisas era feita
através de órgão específico e especializado, com todas as informações e
minúcias das ocorrências; nenhuma experiência conseguira cientificamente negar
a realidade dos fenómenos ou contrariar a validade das interpretações. Se a
Ciência não reconhecia a validade científica da pesquisa espírita, não era por
desmenti-la ou pô-la em cheque com outras experiências, mas por simples atitude
preconceituosa, que não podia pesar em considerações realmente científicas.
Restava ainda o facto importante da comprovação dos fenómenos por cientistas
eminentes da época e conhecidamente contrários ao Espiritismo.
As alegações de que o Espiritismo se
apresentava à Ciência como um produto híbrido, em que problemas
científicos, filosóficos e religiosos se misturavam, tornando-o indefinido,
não passava de manobra, pois a sequência natural dessas áreas, no plano do
desenvolvimento cultural, corresponde exactamente ao esquema espírita. A magia
primitiva corresponde ao fazer experimental,
portanto à Ciência; a Filosofia era a concepção do mundo dada pela experiência em que
se conjugam teoria e prática; a moral decorria do comportamento determinado
pela mundividência e
a religião surgia como imperativo das conquistas do saber adquirido. Toda a
História do Mundo Antigo testemunhava isso. As próprias culturas teológicas
fizeram esse caminho. O Positivismo de Auguste Comte, que se
apresentava como Filosofia Científica, seguiria o mesmo esquema da Teoria Geral
do Conhecimento, acabando por desembocar na Religião da Humanidade. Epistemologicamente nada
havia a censurar ou condenar no contexto do Espiritismo. Comentando a
fatuidade humana, Kardec lembra
que os homens mais sábios se deixam embaraçar por coisas insignificantes. O que
impediu a expansão do Espiritismo na
Europa do século passado, de maneira a poder renovar a velha criminosa
concepção do mundo ainda hoje dominante, foi simplesmente o seu aspecto
religioso. Como no Cristianismo Primitivo, o Espiritismo foi
acolhido com ansiedade pelas camadas pobres da população, que o converteram por
toda a parte numa nova seita cristã. Nesse aspecto devocional as camadas
superiores viam apenas o religiosismo popularesco, dotado da
mesma fé ingénua de toda a religiosidade massiva. Contra essa avalanche
de crentes humildes, predispostos ao beatismo, surgiram pequenos grupos de
pessoas cultas, que lutaram muitas vezes com entusiasmo, mas acabaram cedendo à
pressão dos preconceitos. Esses grupos fecharam-se em sociedades de
elite, desligados do povo, ou simplesmente desapareceram por falta de elementos
dispostos ao trabalho árduo
e à luta constante em defesa da doutrina. Padres e médicos aproveitaram-se
disso para tentar asfixiar, acompanhados por pastores protestantes de
produtivos rebanhos, o Renascimento Cristão. A palavra Cristianismo gerara um
estereótipo enriquecido pelo duplo prestígio das classes dominantes e das
igrejas tradicionais. As corporações científicas e as associações profissionais
de médicos representavam a reacção científica
e as igrejas cristãs a cólera divina,
disparando os raios do Olimpo contra os renegados. Apesar desses fogos
cruzados sobre as suas cabeças descobertas, os espíritas conseguiram
compreender os princípios fundamentais da doutrina, a sua luta pacífica no
desespero das guerras impiedosas.
Mas a actualidade oferece-nos perspectivas inteiramente
diversas das que predominaram até agora. Graças à sua própria ignorância do
assunto, os cientistas entraram a fundo no esquema de pesquisas da Ciência Espírita e
comprovaram a sua veracidade.
Chegamos assim a um momento crucial. E se os homens não clamarem, como
advertiu Jesus, as pedras
clamarão. Na verdade já estão a clamar, pois é precisamente do minério que
se levanta sobre
o mundo a alvorada da
concepção atómica, dissipando as trevas da falsa cultura
materialista, em que o espírito fora substituído pelo pó dos túmulos. O poder
atómico é ao mesmo tempo
ameaça e consolo. E está nas mãos dos homens para que eles decidam por si
mesmos o que desejam ser. A opção do Espiritismo continua
aberta para todos. Quem quiser semear bombas e destruição poderá fazê-lo, mas
os que optarem pela semeadura da luz, da compreensão real do homem e do
Universo, do verdadeiro sentido da vida e do destino superior da Humanidade,
verão na concepção espírita a
solução do "Grande Enigma" sobre o qual Léon Denis escreveu
um dos seus livros mais profundos.
A critica de Kardec à Ciência do
seu tempo continua válida nos nossos dias. A Epistemologia Espírita
assemelha-se, neste momento, às profecias apocalípticas da Antiga Israel. Não é
apenas uma crítica do Conhecimento e dos processos da Ciência, mas uma crítica
do Homem, pois é ele quem busca o Conhecimento e quem faz a Ciência. A
estrutura científica dá-nos a imagem do Homem, do seu fazer e de como ele a
fez. Voltado para fora de si mesmo, estimulado pelo fascínio da Natureza, o homem
esqueceu a sua própria natureza – a natureza humana – e coisificou-se. Esse
homem-coisa perdeu-se no orgulho das
suas conquistas materiais e rejeitou os anseios espirituais. Por
isso desenvolveu a Técnica e atrofiou a Religião. A eclosão espírita do Século
XIX foi desencadeada pelos Espíritos para despertar os homens da sua apatia
espiritual, lembrando-lhes que a euforia material os levaria à sua própria
destruição. Descartes já
lembrara que é mais fácil conhecermos as coisas exteriores do que a nós
mesmos. Francis Bacon
advertira que só atingimos o poder científico obedecendo a Deus. Mas Deus e as
suas leis foram considerados indignos do laboratório e jogados na sacristia,
entregues à quinquilharia devocional
das medalhas, escapulários, imagens para a idolatria e ameaças demoníacas.
Kardec estruturou a Ciência do
Espírito e instituiu a pesquisa mediúnica, porque a
mediunidade é a janela aberta
no paredão dos fenómenos materiais
para mostrar uma nesga do Infinito aos homens imantados ao finito. A
sua crítica à Ciência é um acto de transcendência:
liga-se em conflito a concepção do homem e do mundo, para que ambos recobrem a
sua unidade e possam livrar-se da hipnose atómica. Mas os próprios espíritas, em geral, ao
tentarem compreendê-lo, retornam às fontes mágicas do beatismo religioso, esquecidos
de que religião sem ciência é superstição e ciência sem religião é loucura. Deus
é a Fonte da Sabedoria e os homens a procuram na matéria. Esse engano
vaidoso e fatal levou-nos à beira da destruição do planeta. O Espiritismo é um
esforço para nos devolver à condição humana, salvando-nos do robô. A Terra está
sendo destruída pela técnica da voracidade sem limites. O Espiritismo oferece-nos
a única via de escape: a unidade do espírito em contraposição à
fragmentação da matéria. Só a visão monista do mundo que Kardec nos oferece
pode salvar-nos do caos.
/…
José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, X – Epistemologia Espírita, 10º fragmento da obra.
(imagem: Somos as aves de fogo
por sobre os campos celestes, pintura em acrílico de Costa Brites)
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