~~~ Terceiro Caso ~~~
(A Crise da Morte)
Reproduzo um último caso antigo, que extrai do livro do
Doutor Wolfe: Starling Facts in Modern Spiritualism (pág. 388)*. Jim Nolan, o Espírito-guia da célebre médium Sra.
Hollis, que disse e demonstrou ter sido soldado durante a Guerra
de Secessão da América e haver morrido de tifo num hospital
militar, responde da seguinte maneira às perguntas de um experimentador:
P. — Que impressão tiveste à tua primeira entrada no mundo espiritual?
R. — Parecia-me que despertava de um sono, com um pouco de atordoamento a mais.
Já não me sentia doente e isso espantava-me grandemente. Tinha uma vaga
impressão de que alguma coisa estranha se passara, todavia, não sabia definir o
quê. O meu corpo encontrava-se estendido numa cama de campanha e eu o via.
Dizia para mim próprio: Que estranho fenómeno! Olhei à minha volta e, vi três
dos meus camaradas mortos nas trincheiras diante de Vicksburg e
que eu enterrara. No entanto, ali estavam na minha presença! Olhavam a rir.
Então, um dos três me saudou e disse:
— Bom-dia, Jim; também és dos nossos?
— Sou dos vossos? Que queres dizer com isso?
— Mas... que te encontras aqui, connosco, no mundo dos Espíritos. Não te
apercebeste disso? É um meio onde se está bem.
Estas palavras eram muito fortes para mim. Fui tomado de violenta emoção e
exclamei:
— Meu Deus! Que dizes! Estou morto?
— Não; estás mais vivo do que nunca, Jim; porém encontras-te no mundo dos
Espíritos. Para te convenceres, não tens mais do que atentar no teu corpo.
Com efeito, o meu corpo jazia, inanimado, diante de mim, sobre aquela tarimba.
Como, pois, contestar o facto? Pouco depois, chegaram dois homens que colocaram
o meu cadáver numa prancha e o transportaram para junto de um carro; nele o
meteram, subiram e à boleia partiram. Acompanhei então o carro, que parou junto
de um fosso, onde o meu cadáver foi descarregado e enterrado. Fora eu o único a
assistir ao meu enterro...
P. — Quais as sensações que experimentaste na crise da morte?
R. — A que se experimenta quando o sono se apodera da gente, mas
deixando que ainda se possa lembrar de alguma ideia que tenha tido antes do
sono. A gente, porém, não se lembra do momento exacto em que foi tomado pelo
sono. É o que acontece por ocasião da morte. Mas, um pouco antes da crise
fatal, a minha mentalidade se tornara muito activa; lembrei-me subitamente de
todos os acontecimentos da minha vida; vi e ouvi tudo o que fizera, dissera,
pensara, todas as coisas a que estivera associado. Lembrei-me até dos jogos e
brincadeiras do campo militar; gozei-os, como quando deles participei.
P. — Conta-nos as tuas primeiras impressões no mundo espiritual.
R. — Ia dizer-vos que os meus bons amigos soldados já não me abandonaram, desde
logo que desencarnei (morri) até ao momento em que fiz a minha entrada no mundo
espiritual; lá, tinha eu os avós, os irmãos e as irmãs, que, entretanto, não me
vieram receber quando desencarnei. Ao entrar no mundo espiritual, parecia-me
caminhar sobre um terreno sólido e vi que ao meu encontro vinha uma velhinha,
que me disse assim: — Jim, então vieste para onde estávamos?
Olhei-a atentamente e exclamei: — Ó, avozinha, és tu? — Sou eu mesma, meu
querido Jim. Vem comigo.
E me levou para longe dali, para a sua morada. Uma vez lá, disse-me ser
necessário que eu repousasse e dormisse. Deitei-me e dormi longamente...
P. — A morada de que falas tinha o aspecto de uma casa?
R. — Certamente. No mundo dos Espíritos, há a força do pensamento, por
meio do qual se podem criar todas as comodidades desejáveis...
Esta última informação que, no caso de que se trata, remonta a setenta anos
atrás, não é apenas um dos detalhes fundamentais a cujo respeito todos os
Espíritos estão de acordo; é também a chave de abóbada que permite
explicar, resolver, justificar todas as informações e descrições aparentemente
absurdas, incríveis, ridículas, dadas pelos Espíritos que se comunicam, a
propósito da vida espiritual. Em outras obras, já por mim publicadas,
tive que me deter longamente sobre este tema muito importante; limitar-me-ei
desta vez, pois, a nele tocar, na medida do estritamente necessário.
Esta grande verdade, que nos foi comunicada pelos Espíritos, permite resolvamos
uma imensidade de questões teóricas, obscuras, determinadas pelas informações
que hão dado as personalidades mediúnicas,
relativamente ao meio espiritual, às formas que os Espíritos revestem, às
modalidades da existência deles; todas as informações que constituem uma
reprodução exacta, ainda que espiritualizada, do meio terrestre, da humanidade,
das modalidades da existência neste mundo. Essa grande verdade, que resolve
todos os enigmas teóricos em questão e que se funda no poder criador do
pensamento no meio espiritual, é confirmada de modo impressionante por factos
que se desenrolam no meio terrestre. Trata-se, com efeito, do seguinte: o
pensamento e a vontade, mesmo na existência encarnada (na
Terra), são susceptíveis de criar e de objectivar as formas concretas das
coisas pensadas e desejadas, do mesmo modo que este fenómeno se realiza no meio
espiritual, embora no meio terrestre semelhante criação não se dê senão por
intermédio de alguns sensitivos especiais (médiuns). Aludo aos fenómenos de fotografia do pensamento
ou de ideoplastia, fenómenos maravilhosos, aos quais consagrei
recentemente um longo estudo, em que demonstrava, citando factos, a realidade
incontestável e o seu desenvolvimento prodigioso.
Vemos, pois, que, já no mundo dos vivos, o pensamento e a vontade manifestam o
poder de se objectivarem e concretizarem numa forma mais ou menos substancial e
permanente, ainda que, na existência encarnada, isso se produza sem objectivo e
unicamente com o concurso de sensitivos (médiuns) que se encontrem em condições
fisiológicas mais ou menos anormais, correspondendo a estados mais ou menos
adiantados de desencarnação parcial do Espírito.
Sendo assim, dever-se-ia logicamente concluir daí que, quando a
desencarnação do Espírito já não estiver apenas em início e não for
transitória, mas total e definitiva (na morte), só então as faculdades de que
se trata chegarão a manifestar-se no seu completo desdobramento e, desta vez,
normal, prática e utilmente. Ora, é precisamente o que afirmam as
personalidades mediúnicas que se comunicam. Cumpre, portanto, se
reconheça que as revelações transcendentais, concernentes às modalidades da
existência espiritual, confirmam a posterior o que se devera
logicamente inferir a priori, em consequência da descoberta de que
o pensamento e a vontade são forças que possuem o poder maravilhoso de modelar
e organizar, faculdades que, todavia, não se manifestam, senão de maneira
esporádica e sem objectivo, no meio terrestre.
Duas palavras ainda acerca de outra circunstância, a de personalidades mediúnicas afirmarem que essas condições de existência
espiritual são transitórias e se entendem exclusivamente com a esfera mais
próxima do mundo terrestre, isto é, com a que se destina aos Espíritos
recém-chegados. Esta circunstância não serve só para justificar inteiramente
aquelas condições de existência; prova também a razão de ser providencial de
tais condições.
Imagine-se, com efeito, que sensação de desolação e de desorientação não
experimentariam a maior parte dos mortos se, logo depois do momento da morte,
houvessem de ver-se bruscamente despojados da forma humana e lançados num meio
espiritual essencialmente diverso daquele onde se lhes formaram as
individualidades, a que ainda se encontram ligados por uma delicada trama de
sentimentos afectivos, de paixões, de aspirações, que se não poderiam romper de
súbito, sem os levar ao desespero e, onde, sobretudo, se encontra o meio
doméstico que lhes é próprio, constituído por um mundo de satisfações temporais
e espirituais, de todas as espécies, que contribuem cumulativamente para criar
o que se chama a alegria de viver. Se imaginarmos tudo isso, teremos de
reconhecer racional e providencialmente que um ciclo de existência preparatória
passe entre a existência encarnada e a de Espírito puro, de maneira a
conciliar a natureza, por demais terrestre, do Espírito desencarnado, com a
natureza, por demais transcendental, da existência espiritual propriamente
dita.
O poder criador do pensamento seria de molde a obviar maravilhosamente a este
inconveniente; o Espírito, pensando numa forma humana, encontrar-se-ia de novo
em forma humana; pensando em estar vestido, encontrar-se-ia coberto das vestes
que, sendo tão etéreas como o seu próprio corpo, lhe pareceriam tão
substanciais como as roupas terrenas. É assim que o Espírito encontraria
novamente, no mundo espiritual, um meio e uma morada correspondentes aos seus
hábitos terrestres, morada que lhe preparariam os seus familiares, tornados
antes dele á existência espiritual. Como se há podido ver no caso que acabo de
referir, é a avó do defunto que estaria encarregue de conduzir o neto à morada
que o havia de receber. A este respeito, deve notar-se que, quando o Espírito
Jim Nolan narra ter visto que uma velhinha vinha ao seu encontro, fora preciso
subentender-se que a avó revestira temporariamente a sua antiga forma terrena,
para ser reconhecida.
Deter-me-ei aí, para me não estender demais nos comentários deste facto; os
pontos obscuros, de importância secundária, que ficam sem solução nas
considerações precedentes, serão sucessivamente assinalados e explicados, à
medida que, nos casos que ainda vão ser citados, se oferecer oportunidade.
Com relação ao incidente da visão panorâmica que o Espírito Jim Nolan relata,
observarei que, desta vez, o fenómeno se desdobrou sob a forma de recapitulação
de lembranças, mais do que sob a de uma visão panorâmica propriamente dita.
Isto, naturalmente, em nada muda os termos do problema psicológico a ser
resolvido. Daí apenas resultaria que o morto, em vez de pertencer ao que se
chama em linguagem psicológica ao tipo visual, pertencia ao tipo especialmente
mental-auditivo.
/...
Ernesto Bozzano (1862-1943) (i), A Crise da Morte, Publicação
original (1930), "La Crisi Della Morte"; Terceiro Caso. 3º fragmento
desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina
Robirosa)
Sem comentários:
Enviar um comentário