Os Imponderáveis da Cura Espírita ~
Pasteur descobriu o mundo das bactérias infecciosas que
ameaçam a saúde e a vida do homem no planeta e ninguém lhe dava crédito, porque
esse mundo era imponderável e invisível. Allan Kardec descobriu o mundo dos
espíritos, que ameaçam por toda parte o equilíbrio mental e emocional dos
homens, mas a condição imponderável e invisível desse mundo levou-o ao ridículo
perante as corporações científicas. Freud descobriu o mundo igualmente imponderável
e invisível das instâncias da personalidade, que influem no comportamento
humano, e até hoje os cientistas positivos, que só acreditam no que podem ver e
pegar, não se cansam de combatê-lo e ridicularizá-lo. O conceito do positivo exclui da realidade científica
as causas imponderáveis que se ocultam numa realidade subjacente do real. A rés
(ou coisa) tem de se manifestar como tal na perspectiva científica, sob pena de
não merecer atenção das Ciências. Mas a vida e a morte, os sonhos e as
aspirações do homem são o fundamento de toda a realidade que nasce do
imponderável e do invisível para constituir a realidade. O próprio método
científico teve de apoiar-se na técnica do fantasma, ou seja, das aparições,
pois o pesquisador científico remonta dos efeitos às causas para definir o
real. O fenómeno, com a sua raiz etimológica grega, é simplesmente o fantasma.
A mecânica do positivo chama-se revelação. Sem a determinação positiva do
número kantiano o fenómeno não existe. Bastaria esse facto linguístico para se provar
que o positivo é fecundado pelo imponderável. Sem este não temos aquele. Dessa
maneira, a busca científica do real processa-se inelutavelmente subjacente ao
imponderável e invisível. Hoje, com isso sobejamente provado, não há mais razão
para se querer negar a positividade do imponderável. Por isso, Kant falhou ao
determinar os limites dialécticos do conhecimento humano e Cassirer demonstrou,
na sua Tragédia da Cultura, que a
Religião e a Ciência se fundamentam igualmente no imponderável da Fé. Sem a fé
na Ordem Universal, que não pode ser cientificamente provada, a Ciência seria
impossível. O religioso parte da fé em Deus para conhecer a realidade
universal. O cientista parte da fé na Ordem Universal para descobrir o real.
Mas o que é a fé, senão a crença transformada em verdade
pela invisível e imponderável intuição do homem? Kardec afirmou: “Só podemos
ter fé naquilo que conhecemos.” E ao mesmo tempo em que ele fazia essa
afirmação audaciosa, provava a realidade do imponderável e inacessível através
das manifestações espíritas. A mediunidade se lhe apresentava, através da
pesquisa científica, como a percepção extra-sensorial, que antecipa a realidade
imponderável e invisível que amadurece subjacente ao real. E Mannheim, nos
nossos dias, confirmaria essa possibilidade no estudo da utopia, que se mostra,
no plano sensível da realidade social, como antevisão de realidades futuras. O
vidente e o profeta que anunciam realidades ainda ocultas subjacentes ao real
concretizaram necessariamente o vir-a-ser das realidades ainda em gestação no
futuro. E essa visão alucinatória está hoje cientificamente provada como
realidade nas pesquisas parapsicológicas.
Não houve milagres nem magia nessa transposição da utopia em
realidade positiva, mensurada e pesada na imponderabilidade dos métodos
estatísticos que abrangem as quantidades outrora imponderáveis da realidade
oculta das aparências do irreal. A Ciência Espírita se apresenta, assim, como a
base irremovível de toda a revolução científica do nosso tempo. A pedra rejeitada
da parábola evangélica foi necessariamente colocada no ângulo de sustentação de
todo o edifício. Porque toda a solidez da matéria depende da fluídica do
espírito e a matéria acaba revolvendo-se em pura dinâmica espiritual. As
experiências fragmentárias da Cultura só podem ser unificadas na síntese da
consciência. Por isso Alfred Russel Wallace chegou à conclusão de que toda a
forma de psicologia nada mais é do que um espiritismo
rudimentar. Os psicólogos tratam a psique, a alma, como caçadores de
borboletas. Muitos deles se tornam coleccionadores apaixonados de borboletas
mortas pregadas em cartolinas coloridas. Enganam-se com o jogo de cores dos
efeitos psíquicos, elaboram teorias engenhosas sobre as várias formas do
borboletear do espírito, mas não se atrevem a mergulhar no labirinto do
psiquismo, única maneira de se defrontarem com o minotauro e conhecê-lo de
perto.
Russel Wallace, que corrigiu o darwinismo com fortes injecções
de espírito, não teve dúvidas em colocar no seu devido lugar epistemológico as
tentativas periféricas do estranho e confuso mundo psicológico. Para ele, na
sua visão científica dos problemas da alma, todo o psicólogo não passava de um
aprendiz de feiticeiro. Os gregos temiam a Esfinge da Estrada de Tebas, porque
ela devorava os que não decifravam os seus enigmas. Mas o mundo grego morreu e
foi empalhado pelos teólogos. Hoje ninguém precisa passar pela Estrada de
Tebas, podendo fazer o trajecto com voos de borboleta. Mas Pitágoras deixou o
seu testamento aos pósteros, advertindo-os de que na matemática do Universo o
número 2 é a opinião, borboleta insegura que não serve à Ciência.
No Espiritismo as opiniões não passam de palpites, mesmo
quando se disfarçam em hipóteses ou teorias. Por isso a Ciência Espírita, que
os inscientes confundem com magia delirante, na realidade é uma estrutura
lógica de conceitos fundados na experiência e provados através de pesquisas
rigorosas. Todas as Ciências evoluíram nos dois últimos séculos, na direcção
exacta dos postulados espíritas. Só a leviandade humana, que Kardec denunciou
nos meios académicos, pode levar um sábio de farda imponente a dar palpites
sobre a Ciência Espírita, com ares de infalibilidade. A situação conflituosa
dos cientistas que desejam ajustar os dogmas de seus catecismos à realidade
científica actual denuncia a incapacidade desses cientistas para a livre busca
da verdade. Os imponderáveis da Ciência tornam-se ponderáveis na proporção do
progresso científico, mas os imponderáveis da Mística se escondem atrás das
barreiras dogmáticas e pesam negativamente na balança do progresso. A
incompatibilidade entre a dogmática e a pesquisa só pode ser resolvida pelo
abandono dos dogmas. O credo qui absurdum
dos escolásticos não pode sobreviver na era científica. Mas as religiões podem
tornar-se racionais e até mesmo científicas, desde que se disponham a
libertarem-se da sua paixão interesseira pelos reinos da Terra, preferindo o
Reino de Deus. O Espiritismo encontrou a solução desse problema na sua
estrutura de ciência livre ligada à religião livre e à moral pura de Cristo,
sem concessões aos magnatas da simonia.
Kardec deu como regra única da pureza espírita o
desinteresse total pelos bens materiais, a fraternidade humana incondicional, o
desinteresse total pelo proselitismo, o respeito absoluto às ideias e crenças
dos outros, sem a aceitação fingida e comprometedora desses erros, mas sem
hostilidades à ingenuidade dos que não podem ir além dos conhecimentos
primários. Deu à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas uma estrutura
puramente científica e afirmou que a única forma de fé que pode subsistir em
todos os tempos é a que se baseia na razão. As Igrejas de estrutura sectária,
que vivem à custa da submissão dos fiéis aos seus princípios arcaicos, estão
condenadas irrevogavelmente a desaparecer. Mas isso não é uma profecia, é
apenas uma dedução lógica tirada do processo histórico, das exigências da
Cultura.
Os clérigos e os clericalistas gostam de confundir a sua
posição perante a Ciência com a livre condição dos espíritas. Alegam que se
eles não podem estudar livremente os fenómenos paranormais, também os espíritas
não o podem, pois já têm os seus pontos de vista fixados pela doutrina. É essa
uma alegação ignorante ou de má-fé, pois sabem que os espíritas jamais
aceitaram imposições dogmáticas, gozam da mais ampla liberdade de opção e não
devem nenhuma obediência a nenhuma espécie de supostas autoridades religiosas.
Só devem obediência à sua própria consciência, que só se curva ante as verdades
comprovadas.
Não se pode comparar a submissão do crente à insubmissão do
que não busca uma forma de crença, mas o saber, provado e comprovado
cientificamente. Os factos espíritas não foram provados apenas pelos espíritas,
mas também e principalmente pelos adversários da doutrina. A realidade espírita
não foi forjada por teóricos comprometidos com qualquer tipo de instituição
religiosa ou não, mas por pesquisadores livres e altamente responsáveis.
Richet, Crookes, Zöllner, Lombroso, Aksakof, Notzing e tantos outros nomes da
Ciência e da Cultura Geral não fizeram pesquisas para comprovar a verdade
espírita, mas para obterem provas contra a doutrina. Nenhuma outra doutrina, no
mundo passou incólume por tantas investigações promovidas por grandes
cientistas que a contestavam em nome da Ciência. E todos eles foram obrigados,
por amor à verdade e por exigências de consciência, a proclamar a realidade dos
factos que comprovavam a doutrina e a se curvarem perante ela.
Por outro lado, nenhum espírita consciente tentou jamais
transformar a doutrina em meio de vida, profissionalizando a sua prática. Por
tudo isso, os espíritas não podem ser considerados em paridade com os
profitentes e profissionais das religiões. Pelo contrário, todo o espírita tem
o direito e o dever de participar das pesquisas actuais e futuras dos fenómenos
paranormais, sem que sejam apontados como parciais, pois na verdade são
pioneiros dessas pesquisas e pisam no terreno que lhes pertence. Quando um
espírita competente trata de Parapsicologia não a deforma, pois isso seria
deformar a sua própria doutrina. As Ciências do paranormal nasceram das
entranhas do Espiritismo e em vão lutaram para contradizê-lo, mas acataram
todos os seus princípios científicos. Richet, numa carta histórica a Bozzano,
declarou que encontrara a verdade nas monografias do grande italiano. Mais
tarde escreveu a Cairbar Schutel, de Matão, no Brasil, declarando em latim
“Mort janua vitae” (A morte é a porta da vida). Lombroso, inimigo acérrimo do
Espiritismo e da Metapsíquica, aceitou o desafio de Chiaia para uma sessão com
Eusápia Paladino e obteve a materialização da própria mãe, a quem pôde abraçar,
contando o facto em artigo para a revista de Milão Luce e Ombra e indicando-o depois em estudo sobre Espiritismo e
Hipnotismo. Frederico Figner obteve a materialização de sua filha Raquel, morta
ainda menina, e a teve no colo. A menina passou ao colo da mãe, abraçando-a e
beijando-a. A médium foi Ana Prado, em Belém do Pará. Figner e a esposa, judeus
ortodoxos, tornaram-se espíritas. A Ciência Espírita foi além, no século
passado, de todas as conquistas actuais da Parapsicologia. O único interesse de
um espírita, ilustrado na ciência, seria o prazer de confirmar para as gerações
actuais – num excesso de provas – os factos largamente obtidos no passado.
Reduzido interesse, aliás, pois os factos espíritas continuam a repetir-se por
todo o mundo, nos grandes centros universitários de nosso tempo. O próprio
Vaticano reconheceu hoje, como o declarou recentemente Monsenhor Pisoni à
revista italiana Gente, a realidade
desses factos. Perdem o seu tempo e mentem às suas ovelhas os pastores que
tentam tapar o sol com peneiras. Não se pode dizer que o imponderável da fé
tenha a mesma importância, na cura espírita, que tem, nos demais tipos de cura
paranormal, porque os elementos racionais da teoria e da prática espírita
influem na própria disposição do doente para a eclosão da fé. Esta permanece
controlada pela razão. O doente espírita não procura o milagre, a acção divina
sobrenatural. Ele sabe que o médium é elemento de acção, não um agente. Simples
instrumento de transmissão das energias fluídicas do plano espiritual, o médium
não tem o poder de curar. Mas os resíduos mágicos e religiosos da tradição actuam
ainda no processo de cura, predispondo o paciente a uma acção mais eficaz da
intervenção fluídica. Apesar disso, a cura espírita já representa um passo
decisivo para a técnica terapêutica ou operatória racionalizada. As entidades
espirituais, que Geley chamou de controles, realmente controlam o processo de
cura, que é geralmente progressivo, mesmo quando possa parecer instantâneo. Por
outro lado, nenhum médium consciente da relatividade de sua acção pode assegurar
antecipadamente a eficácia da sua intervenção. Porque em toda cura, normal ou
paranormal, estão presentes os pressupostos cármicos, ou seja, as cargas
negativas do passado moral do doente. Como dizem as entidades espirituais
esclarecidas, não raro é a doença que
cura a gente. A função educativa e reequilibradora da dor, como explicou
Léon Denis, nem sempre pode ser dispensada ou atenuada. O conceito de lei, no
processo evolutivo, dá um novo aspecto à cura espírita. Quem com ferro fere –
disse Jesus – com ferro será ferido. Essa menção de uma lei moral irrevogável
pode enfraquecer a esperança do doente, mas ao mesmo tempo o livra da
preocupação aterradora das penas eternas. Essa lei moral se funda no princípio
da acção e reacção, que condiz, no plano da consciência, ao subliminar do
paciente, com a sua esperança de redenção e transcendência. O paciente espírita
aprende a enfrentar a sua responsabilidade moral, e quanto melhor o fizer mais
rapidamente obtém o seu resgate.
A natureza racional de todo esse processo abre a mente das
criaturas para uma concepção mais clara e precisa da realidade da vida humana
na Terra, fazendo-as superar com mais facilidade as heranças mágicas e
religiosas que as prendem numa visão trágica e desoladora do mundo e da vida. O
gesto simples do passe espírita, como a simples imposição das mãos, praticada e
ensinada por Jesus, não se reduz apenas à transmissão de energias. Além dessa
transmissão, em que as mãos funcionam como antenas captadoras e transmissoras,
o passe espírita abre a mente do paciente para a percepção de um mundo de
perfeito equilíbrio, tecido numa teia irredutível de leis teleológicas, ou
seja, de leis que têm finalidades precisas na evolução do mundo e do homem. O
passe espírita equivale a um acordar da mente para a nova era, em que o homem
descobrirá as suas potencialidades divinas e a sua destinação cósmica. Por
isso, os que pretendem aplicar técnicas antigas ou modernas a esse gesto de
amor e esperança só conseguem complicar e envaidecer os que se entregam à
missão humilde e ao mesmo tempo sublime de acordar os homens para uma visão
superior da realidade.
Todas as formas rituais do passado mágico e religioso não
passam de adendos pretensiosos dos homens à técnica natural e simples do
Evangelho. Os imponderáveis da cura espírita, quando transformados em actos
físicos, de gesticulação e dança, perdem a sua eficácia. As cerimónias sumptuosas
dos egípcios, sumerianos e mesopotâmicos, nas mumificações e enterros espectaculares,
de nada valeram para os mortos, que voltam ainda hoje nas sessões espíritas,
necessitados de uma gota de humildade para se livrarem das suas ilusões
vaidosas. De que adiantam as recomendações de cadáveres nas religiões actuais,
as missas e te-déuns solenes,
oficiados por hierofantes até hoje apegados à cinza dos sarcófagos? O
Espiritismo é o despertar dos homens para a verdade de que eles sempre fugiram,
no jogo dos seus mitos e das suas encenações teatrais. Atingimos agora o
momento crucial da Era Cósmica que se avizinha. Não procuremos novas formas de
prosseguir com os nossos jogos e malabarismos de esconde-esconde. Abandonemos
as trapaças de Simão, o Mago, lembrando-nos da ressurreição que Cristo ensinou
e demonstrou a Paulo no esplendor da sua visão na Estrada de Damasco. A Terra
abre-se para o Infinito e as suas pétalas de luz nos indicam o rumo das
constelações. É com humildade e não com inovações pretensiosas que podemos
pisar no limiar da Nova Era.
/…
/…
José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Os Imponderáveis da Cura Espírita, 16º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: O peregrino sobre o mar de névoa, pintura
de Caspar
David Friedrich)
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