Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 15 de abril de 2023

o grande desconhecido ~


Como Combater o Espiritismo ~

O mito bíblico da matança das crianças por ordem de Herodes, o Grande, para livrar-se do Messias, passou para o Evangelho em forma de realidade histórica. Que é mito, não há dúvida, pois tem todas as características míticas e se apresenta ligado ao contexto mitológico, ingénuo e poético, do nascimento de Jesus (i) em Belém de Judá. Mas todo o mito é gerado na imaginação do povo a partir de factos reais. Tanto a nobreza israelita quanto os dominadores romanos da Palestina temiam o aparecimento do Messias e até mesmo a ideia de que o Messias estivesse crescendo no meio do povo. Assim, era conveniente sacrificar as crianças entre as quais ele se devia esconder. O sangue inocente, principalmente de crianças, teve sempre significação mágica na Mitologia de todos os povos. A matança de crianças no Monte Santo, num ambiente de fanatismo delirante, descrito por Euclides da Cunha (i) em Os Sertões, tem o mesmo cheiro nauseabundo do infanticídio herodiano. Mas o que nos importa neste caso é a tentativa de matar o Cristianismo no berço, que se repetiria no caso do Espiritismo. Se as forças dominantes na Judeia se conjugaram contra a ameaça que vinha da Galileia, também no mundo moderno veríamos a reunião de todas as forças do sistema contra a ameaça do Espiritismo, que nascia ao mesmo tempo na América e no centro da civilização europeia, que era Paris. As irmãs Fox (i) em Hidesville foram impiedosamente trucidadas. E se as meninas Boudin não o foram em Paris, isso se deveu à cautela de Kardec, que lhes ocultou os nomes e simbolicamente as mandou, no mesmo burrinho que levou Maria e José ao Egipto, para os confins das Gálias, escondendo-as entre os dólmens e os carvalhos dos druidas. Não obstante essa precaução, os asseclas herodianos, reencarnados em sacerdotes cristãos e cientistas europeus, esquartejaram cada criança que encontravam pelos caminhos da incipiente e arrogante cultura da época. Os tempos haviam mudado após as deslumbrantes conquistas técnicas da Ciência no Século XVIII e, Kardec não chegou a ser crucificado, mas o submeteram a todas as torturas refinadas e os retardatários inquisidores espanhóis o queimaram em Barcelona, na efígie simbólica das suas obras.

Como no caso cristão, tudo isso foi inútil. O Espiritismo impôs-se entre as novidades culturais da época, os Saulos da Ciência foram convertidos pela evidência dos fenómenos e o Cristo Ressuscitado reapareceu na Europa. Por sinal que essa transposição já tinha um precedente: a da fuga de Maria de Magdala para a França após a crucificação, segundo a lenda.

O paralelismo prossegue. Simão, o Mago (i), que queria obter os segredos da mágica de Paulo, reaparece na figura de Oudine, o mágico moderno que desejava descobrir os truques do médium escocês, não espírita, pertencente a uma linhagem nobre, Daniel Douglas Home, que produzia manifestações ectoplásmicas de mãos que se materializavam e levitavam na presença de assistentes assustados. Richet (i), o maior fisiologista do século, à maneira de Tomé, não acreditava na ressurreição e tocou as chagas da verdade crucificada com a ponta dos dedos. Crawford (i), professor de mecânica da Universidade de Belfast, descobria a alavanca de ectoplasma com que os fenómenos de levitação se produziam. Conan Doyle (i) tornava-se o Apóstolo dos Gentios entre os povos africanos. Ochorowicz (i) desdobrava, sem saber como nem porquê, o corpo da médium Stanislava. Shrenck-Notzing (i) descobria os processos de emissão e reabsorção do ectoplasma pelos médiuns e obtinha as primeiras análises de laboratório, em Berlim e Viena, sobre a constituição física dessa estranha matéria orgânica.

A luta contra o Cristianismo só se tornou eficaz quando os adeptos se deixaram fascinar pelo já agonizante Império Romano. Graças a essa fascinação o Império conseguiu submeter o Cristianismo ao seu serviço e o desfigurou em pouco tempo. No Espiritismo temos agora a técnica semelhante do Império das Trevas, organizado nas regiões inferiores do mundo espiritual, onde os espíritos apegados à matéria, revestidos de corpo espiritual em que os elementos materiais predominam, continuam a viver em condições terrenas. Uma população maior do que a encarnada na crosta do planeta, essas entidades disputam as almas ignorantes e vaidosas das fileiras espíritas e as utilizam como instrumentos de confusão no meio doutrinário. As mistificações mais grosseiras são aceites por esses adeptos vaidosos, que chegam à audácia extrema de aviltar os textos da Codificação Kardeciana e tentar substituí-los por obras eivadas de contradições e absurdos de toda a espécie. Ao invés de procurarem instruir-se melhor nos seus conhecimentos, pretendem transformar-se em novos reveladores de mistérios assombrosos. Há várias correntes já formadas no meio espírita, contra as quais as pessoas sensatas precisam precaver-se. É claro que essas mistificações de homens fátuos e espíritos inconsequentes serão varridas pela evolução, mas até que isso aconteça haverá tempo suficiente para que muitas criaturas ingénuas sejam envolvidas em processos obsessivos. Todo o espírita consciente de suas responsabilidades humanas e doutrinárias está no dever intransferível de lutar contra essas ondas de poluição espiritual que pesam na atmosfera terrena. Ninguém tem o direito de cruzar os braços em nome de uma falsa tolerância que os levará à cumplicidade. Os próprios e infelizes corifeus e propagadores dessas teorias ridículas são os mais necessitados de socorro. É caridade legítima repelir todas essas fantasias em nome da verdade, mesmo que isso magoe os companheiros iludidos. A tolerância comodista dos que vêem o erro e se calam é crime que terá de ser pago no futuro. Quem pactua com o erro para não criar problemas, está, sem o saber, enleando-se nas teias sombrias da mentira, compromissando-se com os mentirosos. E esse compromisso é um desrespeito a todos os que se sacrificaram no passado e se sacrificam no presente para ajudar a Humanidade na defesa dos seus direitos evolutivos. Este é o momento grave da evolução terrena em que não podemos esquecer a advertência de JesusSeja o teu falar sim, sim; não, não. Multidões de criaturas foram sacrificadas no passado para que a Humanidade se libertasse dos seus enganos e pudesse encontrar os caminhos limpos da verdade, ou seja, das coisas reais, verdadeiras, que nos conduzem ao saber e à liberdade. Se trairmos hoje, comodistamente, esses mártires inumeráveis, estaremos conspurcando a dignidade humana, cobrindo de lixo as sendas da verdade abertas pelo Cristo e agora reabertas pelo Espírito de Verdade através de Kardec.

Trocar o ensino puro do Mestre pelas bugigangas de camelôs vaidosos é fazer o papel dos porcos da parábola, que rejeitam as pérolas e avançam, raivosos contra quem as oferece. Palavras duras, sem dúvida, mas que foram usadas por Jesus para despertar as almas empedernidas. Já não há lugar para comodismos, compadrismos, tolerâncias criminosas no meio espírita. Cada um será responsável pelas ervas daninhas que deixar crescer à sua volta. É essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na actualidade: cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não contrariar, porque, nesse caso, o combate à doutrina não vem de fora, mas de dentro do movimento doutrinário.

A mais ridícula mistificação da doutrina, o Roustainguismo, continua a dominar a Federação Espírita Brasileira, que reedita e propaga, sustenta e defende a obra Os Quatro EvangelhosJean-Baptiste Roustaing, advogado em Bordeaux, na França, publicou essa obra no tempo de Kardec. O mestre a examinou e criticou com paciência cristã. Depois dele, muitos outros espíritas lúcidos e cultos denunciaram as incongruências dessa obra, decalque e deformação da obra Kardeciana. O próprio advogado explicou no prefácio da obra, com a ingenuidade típica dos fascinados, as condições precárias de saúde em que se encontrava quando a recebeu, depois de evocações temerárias. A mecânica da mistificação foi exposta ao público pela própria vítima. Roustaing é o anti-Kardec, mente confusa, misticismo beato e portanto vulgar, crendice popularesca, falta absoluta de critério científico, desprezo pelos dados históricos, mitologia arcaica, raciocínio confessadamente avariado, aceitação pacífica de teses clericais obscurantistas, posições anedóticas na explicação dos factos evangélicos (a falsa gravidez de Maria, Jesus-menino fingindo que sugava o seio da mãe e devolvendo-lhe magicamente o leite aos vasos sanguíneos em forma de sangue, espíritos superiores reencarnando em mundos inferiores como criptógamos carnudos, em forma de lesmas em carne humana e assim por diante). Um montão de coisas ridículas que se repetem nos cansativos volumes da obra num ritornelo (*) desesperante. E homens de cultura normal (não pode ser superior) a vangloriarem-se dessas tolices ao ponto de considerarem a FEB como – pasmem as criaturas de mediano bom senso – como a Casa-Máter do Espiritismo. Ignoram certamente a existência histórica da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e todo o trabalho exaustivo de Kardec. Várias Federações Estaduais atrelaram-se ao carro funerário dessa Mistificação.

A Federação Espírita do Estado de São Paulo, considerada durante anos como instituição bem orientada, passou por períodos de aceitação e estudo das obras de Ramatis, eivadas de pretensões paranóicas e teorias absurdas sobre Jesus, sobre a mediunidade, sobre práticas mágicas, carregadas de afirmações ridículas sobre o passado da Terra, a existência da Atlântida, as relações de vidas anteriores de Jesus e Maria Madalena e assim por diante. Recentemente, depois do escândalo da adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo, depois de dez anos de ausência, O Livro dos Espíritos, obra fundamental da doutrina, reapareceu nos cursos de algumas casas, como novidade. Kardec havia sido apanhado por estar superado. Onde a convicção, a fé, a certeza racional dos princípios doutrinários, hoje cientificamente comprovados, andaram nesse longo intervalo de vacilações e de apego a obras dessa espécie?

Bastam esses factos para nos mostrar que o Espiritismo é o Grande Desconhecido dos próprios espíritas. E é por isso, por causa dessa negligência imperdoável no estudo da doutrina, que os próprios adeptos se transformaram em instrumentos eficientes de combate ao Espiritismo. As pessoas de bom senso e cultura se afastam horrorizadas de um meio em que só poderiam permanecer em ritmo de retrocesso ao condicionamento das crendices e do fanatismo. No campo científico o nada não existe nem pode existir. E como a base da doutrina é a Ciência, a sólida base dos factos, a verdade incontestável é que o nosso movimento espírita não tem base. Se os espíritas conscientes não se dispuserem a uma tentativa de reconstrução, de reerguimento desse edifício em perigo, ficaremos na condição de nababos que desprezam as suas riquezas por incompetência para geri-las. Temos nas mãos a Ciência Admirável que o Espírito de Verdade propôs a Descartes e mais tarde confiou a Kardec. Mas do que vale a ciência e o poder, a fortuna e a glória, se não formos capazes de zelar por tudo isso e nem mesmo de compreender o que possuímos? Nós mesmos abrimos o portal da muralha e recolhemos, alegres e estultos, o Cavalo de Tróia na nossa fortaleza inexpugnável.

Os homens, em geral, não conhecem o ritmo de execução das programações divinas. Mas os espíritas, em particular, não podem desconhecê-lo. Sabem que a Terra não é um mundo perdido no espaço sideral, mas regido pelas leis naturais no âmbito de uma vasta programação para o desenvolvimento da galáxia em que se inclui. Podemos falhar na crosta terrena por nossa incúria e despreocupação, mas nos computadores cósmicos os Espíritos Superiores zelam pelo cumprimento dos desígnios de Deus. Desde meados do século passado fomos avisados, através de mensagens dirigidas a Kardec, de que a evolução terrena começara a acelerar-se com a chamada Guerra da Itália e avançaria irresistivelmente através de guerras e convulsões sociais, revoluções científicas e morais, num ambiente de tensão em que os valores de uma civilização, coitada, feita de arrebiques, ruiriam ao impacto das grandes transformações. Kardec perguntou, preocupado, se haveria convulsões geológicas devastadoras. Os Espíritos responderam que não se tratava disso, mas de profundas convulsões morais que sacudiriam todas as nações. O estudo dessas mensagens mostrou-nos que o período anunciado abrangeria todo o século XX, numa espécie de revisão febril de toda a realidade planetária. Hoje vemos, próximo ao fim do século, que a programação se cumpriu e acelera o seu ritmo cada vez mais, como devêssemos entrar no terceiro milénio da Era Cristã com a velocidade de um foguete espacial. Não temos motivos para duvidar daquilo que vemos com os nossos olhos e sentimos na nossa pele. Não podemos também duvidar da realidade de pequena parte da programação que nos foi revelada e realmente se cumpriu. Sabemos, portanto, com segurança, que estamos a entrar na Era Cósmica, nessa era nova em que a Terra entrará no sistema cósmico de relações dos mundos. Mas se não tomarmos consciência disso e não procurármos cumprir os nossos deveres, seremos substituídos e passaremos à condição de povos deserdados. O nosso apego doentio aos bens perecíveis nos farão incapazes de tratar dos bens do espírito, que temos negligenciado.

Sabemos claramente que estamos divididos, embora materialmente fundidos no plano material e semi-material, numa grande mistura de graus evolutivos. A lei das migrações cósmicas poderá lançar-nos, em grande parte, em mundos dolorosos de reajuste e recuperação, enquanto a parte evoluída de nossa humanidade continuará na Terra, auxiliada por contingentes de povos mais aptos e responsáveis.

Não se trata de uma ameaça nem de um castigo, mas apenas do que poderíamos chamar medidas administrativas em nosso próprio benefício. Temos exemplos constantes dessas medidas na colheita diária que a morte realiza sem cessar à nossa volta. Vemos, pelas comunicações dos espíritos nas nossas sessões de doutrinação e desobsessão, onde a maioria dos mortos comparece em situação precária. Foram removidos, aqui mesmo, do âmbito da vida terrena, para regiões de provas a que se adaptam penosamente, sem se conformarem de não haver encontrado as regiões felizes com que sonhavam. Temos ainda o aviso das mensagens psicográficas, em que se destacam as recebidas por Chico Xavier, ora estimulando o nosso esforço na compreensão e no bem, ora advertindo-nos quanto às dificuldades encontradas pelos que perderam o seu tempo.

Os filósofos que pesquisaram o problema da consciência humana e, particularmente Wilhelm Dilthey, que tratou particularmente da transição da consciência pagã para a consciência cristã, ressaltaram a importância do conceito de Providência Divina, formulado pelo Judaísmo. Os deuses pagãos eram mitos copiados da própria psique humana. Tinham a leviandade e a displicência dos homens. Intervinham nas suas disputas, participavam das suas guerras, conquistavam as mulheres e as filhas dos homens, usavam de discriminações injustas e pouco se importavam com os problemas superiores. Iavé, o deus judeu, era também um deus pagão dotado de todos os defeitos dos demais. Mas interessou-se pelo destino do seu povo e assumiu o seu comando, pelo que foi chamado de Deus dos Exércitos. Jesus aproveitou-se dessa oportunidade, espécie de abertura na concepção inferior dos deuses, para dar ênfase à intervenção divina nas questões humanas. O conceito superior do Deus-Pai, vigilante e providencial, gerou e abriu possibilidades à compreensão da Providência Divina, pela qual Deus – Único e Absoluto – surgia como o orientador dos povos. Essa ideia da Providência, juntamente com o conceito grego do Logos ou Razão Divina e o conceito romano de Justiça, constituem, segundo Dilthey, os elementos naturais da consciência universal criada pelo Cristianismo. A preocupação com os mundos siderais, existente nas civilizações astrológicas, tomou aspecto mais positivo e racional no Cristianismo, dando nascimento à ideia da pluralidade dos mundos habitados. As referências de Jesus às muitas moradas da casa do Pai reforçou poderosamente essa visão cósmica, já bem assinalada na Filosofia de Pitágoras (i), com a sua teoria da Música das Esferas no Infinito. A posição racional de Jesus, não obstante o clima místico e mitológico da época, repercutiu no Renascimento e se definiu em plano científico com as contribuições de Galileu (i) e Copérnico (i). No Espiritismo o problema tomou corpo e se impôs de maneira decisiva, com as numerosas comunicações mediúnicas referentes a outros mundos. Kardec incluiu em O Livro dos Espíritos a famosa Escala dos Mundos e o astrónomo Camille Flammarion (i), médium psicógrafo que trabalhava com Kardec, publicou o livro Pluralidade dos Mundos Habitados, que teve grande repercussão em todo o mundo. O dramaturgo Victorien Sardou (i) recebeu, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, numerosos desenhos, assinados por Bernard Pallissy (i) e Mozart (i), referentes a Júpiter, considerado como o mundo mais adiantado do nosso sistema solar. A teoria das migrações planetárias, dada mediunicamente por espíritos elevados, completou esse quadro do Universo habitado em todas as suas dimensões e da chamada solidariedade dos mundos, pela qual os mais adiantados auxiliam o progresso dos mundos inferiores. As migrações ocorrem nas fases de grandes e profundas transformações culturais nos mundos, com a providência administrativa da transferência de populações de um mundo para outro, facilitando o progresso de populações retardatárias.

O avanço actual das pesquisas cósmicas vem confirmando a teoria espírita a respeito, de maneira lenta, mas segura. Kardec declarou que o Espiritismo não é Astronomia, mas Ciência do Espírito e, que deve esperar dos astrónomos a solução positiva do problema. O desenvolvimento da Astronáutica reforçou nos nossos dias essa posição Kardeciana. Flammarion observou que o princípio da reencarnação é o corolário do princípio de pluralidade dos mundos habitados.

A posição de Kardec no século XIX foi a de um intelectual europeu bem integrado na cultura da época, preocupado com a solução dos problemas do mundo através da Educação. Embora pertencesse a uma família tradicional de Lyon, formada de advogados e magistrados, a sua vocação o levou para os estudos científicos e educacionais. Feitos os estudos iniciais na sua cidade natal, os pais o enviaram para a Suíça para completar a sua formação no Colégio de Yverdun, com Pestalozzi. Integrou-se na linha do pensamento pestaloziano, de um humanismo aberto e universalista que tinha as suas raízes em Rousseau. Aprofundou-se no estudo das ciências médicas e exerceu em Paris, como atesta o seu amigo Henri Sausse, confirmado pelas pesquisas recentes de André Moreill, mas se voltou em definitivo para a Pedagogia, dando continuidade aos trabalhos de Pestalozzi. Teve as suas obras adoptadas pela Universidade de França e exerceu nela o cargo de director de estudos. Viveu pobre e solitário num modesto apartamento da Rua dos Martyres, em Paris, tendo-se casado com a professora Amellie Boudet, da qual não teve filhos. Vida de trabalho, tranquila e morigerada, bem conceituado nos meios culturais da França pela sua cultura, o seu bom senso, a sua seriedade e dedicação ao trabalho. Escritor de ideias amplas e mente arejada, possuía o estilo didáctico que se pode apreciar nas suas obras. Nunca pretendeu ser um messias ou fundador de religião, segundo informam até hoje alguns dicionários enciclopédicos mundiais. O seu nome civil era Hyppolyte Léon Denizard Rivail, com que assinou as suas obras universitárias e o famoso estudo que fez para uma remodelação do Ensino na França. Ao entregar-se à pesquisa dos fenómenos espíritas e organizar O Livro dos Espíritos, adoptou o pseudónimo de Allan Kardec, para estabelecer a necessária distinção entre as suas obras pedagógicas e os seus livros espíritas. O pseudónimo foi-lhe sugerido pelo seu espírito orientador, que lhe disse haver sido o seu nome na encarnação anterior, como druida, ou seja, sacerdote celta na Gália. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, para pesquisas, a Revista Espírita para divulgação e sustentação do Espiritismo e, no espaço de quinze anos codificou a Doutrina Espírita e universalizou o movimento doutrinário. Começou as investigações espíritas em 1854 e faleceu subitamente em 1869, deixando concluídas as suas obras fundamentais da doutrina, que exerceram a função de uma introdução geral a toda a problemática do Século XX.

Kardec teve contra ele e às suas ideias as forças conjugadas da segunda metade do século passado. A colecção da Revista Espírita, traduzida integralmente em São Paulo pelo engenheiro Júlio Abreu Filho (i), foi lançada pela Editora Cultural Espírita (EDICEL) em doze volumes de 400 páginas em média cada um. O tradutor concluiu o seu trabalho exaustivo em condições precárias de saúde, falecendo pouco depois. Dedicou-se extremamente a esse trabalho, mas o seu estado de saúde não lhe permitiu atingir a perfeição desejada. A EDICEL convocou uma comissão de estudiosos do assunto para revisar todo o trabalho, constituída pelos Professores J. Herculano Pires, J. A. Chaves, Miguel Mairt e Anne Marie Marcier. Essa comissão não chegou a concluir toda a revisão. O primeiro incumbiu-se de traduzir em versos as numerosas poesias do texto, que Júlio traduzira em prosa. As poesias traduzidas foram publicadas na Revista no seu texto original francês e na tradução portuguesa em disposição paralela, para verificação e comparação dos leitores. São poemas de notável beleza, psicografados por diversos médiuns e, poemas de poetas espíritas, entre os quais uma série curiosa de um leitor da Revista, Sr. Dombe, que se tornou o fabulista espírita clássico de Esopo (i). Kardec estabeleceu a linha epistemológica da doutrina na sequência lógica: Ciência, Filosofia e Religião, admitindo esta última como Moralidade, segundo a concepção de Pestalozzi, rejeitando a sua comparação com as religiões formalistas e dogmáticas. A Religião Espírita é livre e aberta, sem sacerdócio nem sacramentos, apoiada nas conquistas científicas e nos desenvolvimentos da Filosofia, buscando a verdade que só pode ser obtida pela adequação do pensamento à realidade comprovada pelos factos cientificamente provados.

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(*) Qualquer coisa que se repete ou se reproduz em demasia.


José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, XX – Como Combater o Espiritismo22º fragmento e o último desta obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Léon Denis e o Cristianismo ~


Sentido oculto dos Evangelhos ~ 

 Uma certa escola atribui ao Cristianismo em geral e, aos Evangelhos em particular, um sentido oculto e alegórico. Alguns pensadores e filósofos chegaram mesmo a negar a existência de Jesus, vendo nele, nas suas palavras, nos factos de sua vida, uma ideia filosófica, uma abstracção a que foi dado um corpo, para satisfazer a tradição que ao povo judeu anunciava um salvador, um Messias. 

 Na sua opinião, não passaria a história de Jesus de um drama poético, representando o nascimento, a morte e a ressurreição da ideia libertadora no seio do povo hebreu escravizado, ou ainda uma série de figuras imaginadas para tornar perceptível às massas o lado prático e social do Cristianismo, a associação dos tipos divino e humano num modelo de perfeição, oferecido à admiração dos homens. 

 Aceite semelhante tese, os Evangelhos deveriam ser considerados fábulas, invenções. O poderoso movimento do Cristianismo teria tido como ponto de partida uma impostura. Há nisso uma evidente exageração. Se a vida de Jesus não é mais que uma ficção, como pôde ser acolhida pelos seus contemporâneos, a princípio e, depois por uma longa série de gerações? 

 Quais seriam, pois, os verdadeiros fundadores do Cristianismo? Os apóstolos? Eram incapazes de tais concepções. Com excepção de Paulo, que encontrou uma doutrina já constituída, a incapacidade deles é evidente. A personalidade eminente de Jesus destaca-se, vigorosamente, do fundo da mediocridade dos seus discípulos. A menor comparação faz sobressair a impossibilidade de semelhante hipótese. 

 Não foi difícil, nos Evangelhos, distinguir as adições dos cristão-judeus, as quais denunciam claramente a sua origem e, formam contraste flagrante com as palavras e a doutrina de Jesus. (ii) Daí resulta um facto evidente, o de que autores imbuídos a, esse respeito, de ideias supersticiosas e acanhadas eram incapazes de inventar uma personalidade, uma doutrina, uma vida, uma morte como as de Jesus. 

 Nesse mundo judaico, sombrio e exclusivista, em que reinavam o ódio e o egoísmo, a doutrina do amor e da fraternidade só podia emanar de uma inteligência sobre-humana. 

 Se as Escrituras fossem, no seu conjunto, não mais que um amontoado de alegorias, uma obra de imaginação, a doutrina de Jesus não teria podido manter-se através dos séculos, no meio das correntes opostas que agitaram a sociedade cristã. A construção sem alicerce, ter-se-ia desagregado, desmoronado, batida pelo furacão dos tempos. Entretanto, ela ficou de pé e domina os séculos, a despeito das alterações sofridas, a despeito de tudo o que os homens fizeram para desfigurá-la, para submergi-la nas vagas de uma interpretação errónea. 

 A crença num mito não teria sido suficiente para inspirar aos primeiros cristãos o espírito de sacrifício, o heroísmo em face da morte; não lhes teria proporcionado os meios de fundar uma religião que dura há vinte séculos. Só a verdade pode desafiar a acção do tempo e conservar a sua força, a sua moral, a sua grandeza, não obstante os esforços de sapa que procuram arruiná-la. Jesus é, positivamente, a pedra angular do Cristianismo, a alma da nova revelação. Ele constitui toda a sua originalidade. 

 Além disso, não faltam testemunhos históricos da existência de Jesus, posto que em reduzido número. 

 Suetónio, na história dos primeiros Césares, fala do suplício de “Christus”. Tácito e ele mencionam a existência da seita cristã entre os judeus, antes da tomada de Jerusalém por Tito

 O Talmude (i) fala da morte de Jesus na cruz e todos os rabinos israelitas reconhecem o alto valor desse testemunho. (iii) 

 Em caso de necessidade, o próprio Evangelho, só por si, bastaria para fornecer a prova moral da existência e da elevada missão do Cristo. Se numerosos factos apócrifos nele foram mais tarde introduzidos, se as superstições judaicas ali se encontram sob a forma de narrativas fantasistas e teorias obsoletas, duas coisas nele subsistem, que não poderiam ser inventadas e apresentam um carácter de autenticidade que se impõe: – o drama sublime do Calvário e a doce e profunda doutrina de Jesus. 

 Essa doutrina era simples e clara nos seus princípios essenciais; dirigia-se à multidão, sobretudo aos deserdados e aos humildes. Tudo nela era feito para mover os corações, para arrebatar as almas até ao entusiasmo, iluminando, fortalecendo as consciências. Todavia, ela manifesta os sinais de um ensino oculto. Jesus fala muitas vezes por parábolas. O seu pensamento, de ordinário tão luminoso, mergulha por vezes na meia obscuridade. Não se percebem, então, mais que os vagos contornos de uma grande ideia dissimulada sob o símbolo. 

 É o que ele próprio explica por estas palavras, quando, citando Isaías (cap. VI, 9), acrescenta: 

 “Eu lhes falo por parábolas, porque a vós vos é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido.” (Mateus, XIII, 10 e 11.) 

 É evidente que havia duas doutrinas no Cristianismo primitivo: a destinada ao vulgo, apresentada sob formas acessíveis a todos e, a outra oculta, reservada aos discípulos e iniciados. É o que, de resto, existia em todas as filosofias e religiões da antiguidade. (iv) 

 A prova da existência desse ensino secreto encontra-se nas palavras já citadas e nas que mencionamos a seguir. Logo depois da parábola do semeador, que se encontra nos três evangelhos sinópticos, os discípulos perguntam a Jesus o sentido dessa parábola e ele lhes responde: 

 “A vós é concedido saber o mistério do reino de Deus; mas, aos que são de fora, tudo se lhes propõe em parábolas; 

 “Para que, vendo, vejam e não vejam e ouvindo, ouçam e não entendam.” (Marcos, IV, 11 e 12; Lucas, VIII, 10.). 

 São Paulo (i) confirma-o na sua primeira Epístola aos Coríntios, capítulo III, quando distingue a linguagem a usar com homens carnais ou com homens espirituais, isto é, com profanos ou com iniciados. 

 A iniciação era indubitavelmente gradual. Os que a recebiam eram ungidos e, depois de haverem recebido a unção, entravam na comunhão dos santos. É o que torna compreensíveis estas palavras de João

 “Vós tendes a unção do Santo e sabeis todas as coisas. Eu não vos escrevi como se ignorásseis a verdade, mas como a quem a conhece.” (1ª Epístola de João, cap. II, 20, 21 e 27.). (v) 

 Ao tempo da sua controvérsia com CelsoOrígenes defendeu energicamente o Cristianismo. Na sua vigorosa apologia, fala muitas vezes dos ensinos secretos da nova religião. Tendo-a Celso arguído de possuir um cunho misterioso, Orígenes refuta essas críticas, provando que, se em certos assuntos especiais só os iniciados recebiam um ensino completo, a doutrina cristã, por outro lado, no seu sentido geral era acessível a todos. E a prova – disse ele – é que o mundo inteiro (ou pouco falta) está mais familiarizado com essa doutrina que com as opiniões predilectas dos filósofos. 

 Esse duplo método de ensino – prossegue ele, em síntese – é, ao demais, adoptado em todas as escolas. Por que fazer por isso uma censura unicamente à doutrina cristã? Os numerosos mistérios, por toda a parte celebrados na Grécia e noutros países, não são por todos geralmente admitidos? 

 O fundador do Cristianismo não separava a ideia religiosa da sua aplicação social. O “reino dos céus” era, para ele, essa perfeita sociedade dos espíritos, cuja imagem desejaria realizar na Terra. Mas ele devia ir ao encontro dos interesses estabelecidos e suscitar em torno de si mil obstáculos, mil perigos. Daí, um novo motivo para ocultar no mito, no milagre, na parábola, o que na sua doutrina ia ferir as ideias dominantes e ameaçar as instituições políticas ou religiosas. 

 As obscuridades do Evangelho são, pois, calculadas, intencionais. As verdades superiores nele se ocultam sob véus simbólicos. Aí se ensina ao homem o que lhe é necessário para se conduzir moralmente na prática da vida; mas o sentido profundo, o sentido filosófico da doutrina, esse é reservado à minoria. 

 Nisso consistia a “comunhão dos santos”, a comunhão dos pensamentos elevados, das altas e puras aspirações. Essa comunhão pouco durou. As paixões terrenas, as ambições, o egoísmo, bem cedo a destruíram. A política se introduziu no sacerdócio. Os bispos, de humildes adeptos, de modestos “vigilantes” que eram a princípio, se tornaram poderosos e autoritários. Constituiu-se a teocracia; a esta, pareceu de interesse colocar a luz debaixo do alqueire e a luz se extinguiu. O pensamento profundo desapareceu. Só ficaram os símbolos materiais. Essa obscuridade tornava mais fácil governar as multidões. Preferiram deixar as massas mergulhadas na ignorância a elevá-las às eminências intelectuais. Os mistérios cristãos cessaram de ser explicados aos membros da Igreja. Foram mesmo perseguidos como hereges os pensadores, os investigadores sinceros, que se esforçavam por adquirir novamente as verdades perdidas. Fez-se noite cada vez mais espessa sobre o mundo, depois da dissolução do Império Romano. A crença em Satanás e no inferno adquiriu lugar preponderante na fé cristã. Em vez da religião de amor pregada por Jesus, o que prevaleceu foi a religião do terror. 

 A invasão dos bárbaros havia poderosamente contribuído para fazer surgir esse estado de coisas. Ele fez voltar a sociedade ao estado de infância, porque os bárbaros invasores, do ponto de vista da razão, não passavam de crianças. Do seio das vastas estepes e das extensas florestas, o mundo bárbaro se arremessava sobre a Civilização. Todas essas multidões, ignorantes e grosseiras, que o Cristianismo aliciou, produziram no mundo pagão em decadência e no novo meio, em que penetravam, uma depressão intelectual. 

 O Cristianismo conseguiu dominá-las, submetê-las, mas em seu próprio detrimento. Velou-se o ideal divino; o culto se tornou material. Para impressionar a imaginação das multidões, voltou-se às práticas idólatras, próprias das primeiras épocas da Humanidade. A fim de dominar essas almas e as dirigir pelo temor ou pela esperança, estranhos dogmas foram combinados. Já não se tratou de realizar no mundo o reino de Deus e de sua justiça, que fora o ideal dos primeiros cristãos. Depois, a profecia do fim do mundo e do juízo final, tomada à letra, as preocupações da salvação individual, exploradas pelos padres, mil causas em suma, desviaram o Cristianismo da sua verdadeira rota e submergiram o pensamento de Jesus numa torrente de superstições. 

 Ao lado, todavia, desses males, é justo recordar os serviços prestados pela Igreja à causa da Humanidade. Sem a sua hierarquia e sólida organização, sem o papado, que opôs o poder da ideia, posto que obscurecida e deturpada, ao poderio do gládio, tem-se o direito de perguntar no que se teria tornado a vida moral, a consciência da Humanidade. No meio desses séculos de violência e trevas, a fé cristã animou de novo ardor os povos bárbaros, ardor que os impeliu a obras gigantescas como as Cruzadas, à fundação da Cavalaria, à criação das artes na Idade Média. No silêncio e na obscuridade dos claustros o pensamento encontrou um refúgio. A vida moral, graças às instituições cristãs, não se extinguiu, a despeito dos costumes brutais da época. Aí estão serviços que é preciso agradecer à Igreja, não obstante os meios de que ela se utilizou para a si mesma assegurar o domínio das almas. 

 Em resumo, a doutrina do grande crucificado, nas suas formas populares, queria a obtenção da vida eterna mediante o sacrifício do presente. Religião de salvação, de elevação da alma pela subjugação da matéria, o Cristianismo constituía uma reacção necessária contra o politeísmo grego e romano, cheio de vida, de poesia e de luz, mas não passando de foco de sensualismo e corrupção. O Cristianismo tornava-se um estágio indispensável na marcha da Humanidade, cujo destino é elevar-se incessantemente de crença em crença, de concepção em concepção, a sínteses sempre e cada vez mais amplas e fecundas. 

 O Cristianismo, com os seus doze séculos de dores e trevas, não foi uma era de felicidade para a raça humana; mas o fim da vida terrestre não é a felicidade, é a elevação pelo trabalho, pelo estudo e pelo sofrimento; é, numa palavra, a educação da alma; e a via dolorosa conduz com muito mais segurança à perfeição, que a dos prazeres. 

 O Cristianismo representa, pois, uma fase da história da Humanidade, a qual lhe foi incontestavelmente proveitosa; ela, a Humanidade, não teria sido capaz de realizar as obras sociais que asseguram o seu futuro se não se tivesse impregnado do pensamento e da moral evangélicos. 

 A Igreja, entretanto, delinquiu, trabalhando por prolongar indefinidamente o estado de ignorância da sociedade. Depois de haver nutrido e amparado a criança, tem querido mantê-la em estado de submissão e servilismo intelectual. Não libertou a consciência senão para melhor a oprimir. 

 A Igreja de Roma não soube conservar o farol divino de que era portadora e, por um castigo do céu, ou antes, por uma justa retroacção das coisas, a noite que ela queria para os outros fez-se nela própria. Não cessou de opor obstáculos ao desenvolvimento das ciências e da filosofia, ao ponto de proscrever, do alto da cadeira de São Pedro, “o progresso – essa lei eterna – o liberalismo e a civilização moderna” (artigo 80 do Sílabus). 

 Foi, por isso, fora dela e mesmo contra ela, a partir de um certo momento da História, que se operou todo o movimento, toda a evolução do espírito humano. Foram necessários séculos de esforços para dissipar a obscuridade que pesava sobre o mundo, ao sair da Idade Média. Fizeram-se necessárias a Renascença das letras, a Reforma religiosa do século XVI, a filosofia, todas as conquistas da Ciência, para preparar o terreno destinado à nova revelação, a essas vozes de além-túmulo que vêm aos milhares e em todas as regiões da Terra, atrair os homens aos puros ensinamentos do Cristo, restabelecer a sua doutrina, tornar compreensíveis, a todos, as verdades superiores amortalhadas na sombra das idades. 

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(ii) Ver notas complementares nºs 2 e 3. (← links para aceder às notas) 
(iii) Ver "Os deicidas", por Cahen, membro do Consistório israelita. 
(iv) Ver a minha obra "Depois da Morte", págs. 9 a 100. 
(v) Ver também nota complementar nº 7. (← link para aceder à nota) 


Léon Denis (1846-1927) (i)Cristianismo e Espiritismo, Título Original em Francês; Léon Denis - Christianisme et Spiritisme, Librairie des Sciences Psychiques, Paris (1898). – Sentido oculto dos Evangelhos, 4º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel