Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 15 de abril de 2023

o grande desconhecido ~


Como Combater o Espiritismo ~

O mito bíblico da matança das crianças por ordem de Herodes, o Grande, para livrar-se do Messias, passou para o Evangelho em forma de realidade histórica. Que é mito, não há dúvida, pois tem todas as características míticas e se apresenta ligado ao contexto mitológico, ingénuo e poético, do nascimento de Jesus (i) em Belém de Judá. Mas todo o mito é gerado na imaginação do povo a partir de factos reais. Tanto a nobreza israelita quanto os dominadores romanos da Palestina temiam o aparecimento do Messias e até mesmo a ideia de que o Messias estivesse crescendo no meio do povo. Assim, era conveniente sacrificar as crianças entre as quais ele se devia esconder. O sangue inocente, principalmente de crianças, teve sempre significação mágica na Mitologia de todos os povos. A matança de crianças no Monte Santo, num ambiente de fanatismo delirante, descrito por Euclides da Cunha (i) em Os Sertões, tem o mesmo cheiro nauseabundo do infanticídio herodiano. Mas o que nos importa neste caso é a tentativa de matar o Cristianismo no berço, que se repetiria no caso do Espiritismo. Se as forças dominantes na Judeia se conjugaram contra a ameaça que vinha da Galileia, também no mundo moderno veríamos a reunião de todas as forças do sistema contra a ameaça do Espiritismo, que nascia ao mesmo tempo na América e no centro da civilização europeia, que era Paris. As irmãs Fox (i) em Hidesville foram impiedosamente trucidadas. E se as meninas Boudin não o foram em Paris, isso se deveu à cautela de Kardec, que lhes ocultou os nomes e simbolicamente as mandou, no mesmo burrinho que levou Maria e José ao Egipto, para os confins das Gálias, escondendo-as entre os dólmens e os carvalhos dos druidas. Não obstante essa precaução, os asseclas herodianos, reencarnados em sacerdotes cristãos e cientistas europeus, esquartejaram cada criança que encontravam pelos caminhos da incipiente e arrogante cultura da época. Os tempos haviam mudado após as deslumbrantes conquistas técnicas da Ciência no Século XVIII e, Kardec não chegou a ser crucificado, mas o submeteram a todas as torturas refinadas e os retardatários inquisidores espanhóis o queimaram em Barcelona, na efígie simbólica das suas obras.

Como no caso cristão, tudo isso foi inútil. O Espiritismo impôs-se entre as novidades culturais da época, os Saulos da Ciência foram convertidos pela evidência dos fenómenos e o Cristo Ressuscitado reapareceu na Europa. Por sinal que essa transposição já tinha um precedente: a da fuga de Maria de Magdala para a França após a crucificação, segundo a lenda.

O paralelismo prossegue. Simão, o Mago (i), que queria obter os segredos da mágica de Paulo, reaparece na figura de Oudine, o mágico moderno que desejava descobrir os truques do médium escocês, não espírita, pertencente a uma linhagem nobre, Daniel Douglas Home, que produzia manifestações ectoplásmicas de mãos que se materializavam e levitavam na presença de assistentes assustados. Richet (i), o maior fisiologista do século, à maneira de Tomé, não acreditava na ressurreição e tocou as chagas da verdade crucificada com a ponta dos dedos. Crawford (i), professor de mecânica da Universidade de Belfast, descobria a alavanca de ectoplasma com que os fenómenos de levitação se produziam. Conan Doyle (i) tornava-se o Apóstolo dos Gentios entre os povos africanos. Ochorowicz (i) desdobrava, sem saber como nem porquê, o corpo da médium Stanislava. Shrenck-Notzing (i) descobria os processos de emissão e reabsorção do ectoplasma pelos médiuns e obtinha as primeiras análises de laboratório, em Berlim e Viena, sobre a constituição física dessa estranha matéria orgânica.

A luta contra o Cristianismo só se tornou eficaz quando os adeptos se deixaram fascinar pelo já agonizante Império Romano. Graças a essa fascinação o Império conseguiu submeter o Cristianismo ao seu serviço e o desfigurou em pouco tempo. No Espiritismo temos agora a técnica semelhante do Império das Trevas, organizado nas regiões inferiores do mundo espiritual, onde os espíritos apegados à matéria, revestidos de corpo espiritual em que os elementos materiais predominam, continuam a viver em condições terrenas. Uma população maior do que a encarnada na crosta do planeta, essas entidades disputam as almas ignorantes e vaidosas das fileiras espíritas e as utilizam como instrumentos de confusão no meio doutrinário. As mistificações mais grosseiras são aceites por esses adeptos vaidosos, que chegam à audácia extrema de aviltar os textos da Codificação Kardeciana e tentar substituí-los por obras eivadas de contradições e absurdos de toda a espécie. Ao invés de procurarem instruir-se melhor nos seus conhecimentos, pretendem transformar-se em novos reveladores de mistérios assombrosos. Há várias correntes já formadas no meio espírita, contra as quais as pessoas sensatas precisam precaver-se. É claro que essas mistificações de homens fátuos e espíritos inconsequentes serão varridas pela evolução, mas até que isso aconteça haverá tempo suficiente para que muitas criaturas ingénuas sejam envolvidas em processos obsessivos. Todo o espírita consciente de suas responsabilidades humanas e doutrinárias está no dever intransferível de lutar contra essas ondas de poluição espiritual que pesam na atmosfera terrena. Ninguém tem o direito de cruzar os braços em nome de uma falsa tolerância que os levará à cumplicidade. Os próprios e infelizes corifeus e propagadores dessas teorias ridículas são os mais necessitados de socorro. É caridade legítima repelir todas essas fantasias em nome da verdade, mesmo que isso magoe os companheiros iludidos. A tolerância comodista dos que vêem o erro e se calam é crime que terá de ser pago no futuro. Quem pactua com o erro para não criar problemas, está, sem o saber, enleando-se nas teias sombrias da mentira, compromissando-se com os mentirosos. E esse compromisso é um desrespeito a todos os que se sacrificaram no passado e se sacrificam no presente para ajudar a Humanidade na defesa dos seus direitos evolutivos. Este é o momento grave da evolução terrena em que não podemos esquecer a advertência de JesusSeja o teu falar sim, sim; não, não. Multidões de criaturas foram sacrificadas no passado para que a Humanidade se libertasse dos seus enganos e pudesse encontrar os caminhos limpos da verdade, ou seja, das coisas reais, verdadeiras, que nos conduzem ao saber e à liberdade. Se trairmos hoje, comodistamente, esses mártires inumeráveis, estaremos conspurcando a dignidade humana, cobrindo de lixo as sendas da verdade abertas pelo Cristo e agora reabertas pelo Espírito de Verdade através de Kardec.

Trocar o ensino puro do Mestre pelas bugigangas de camelôs vaidosos é fazer o papel dos porcos da parábola, que rejeitam as pérolas e avançam, raivosos contra quem as oferece. Palavras duras, sem dúvida, mas que foram usadas por Jesus para despertar as almas empedernidas. Já não há lugar para comodismos, compadrismos, tolerâncias criminosas no meio espírita. Cada um será responsável pelas ervas daninhas que deixar crescer à sua volta. É essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na actualidade: cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não contrariar, porque, nesse caso, o combate à doutrina não vem de fora, mas de dentro do movimento doutrinário.

A mais ridícula mistificação da doutrina, o Roustainguismo, continua a dominar a Federação Espírita Brasileira, que reedita e propaga, sustenta e defende a obra Os Quatro EvangelhosJean-Baptiste Roustaing, advogado em Bordeaux, na França, publicou essa obra no tempo de Kardec. O mestre a examinou e criticou com paciência cristã. Depois dele, muitos outros espíritas lúcidos e cultos denunciaram as incongruências dessa obra, decalque e deformação da obra Kardeciana. O próprio advogado explicou no prefácio da obra, com a ingenuidade típica dos fascinados, as condições precárias de saúde em que se encontrava quando a recebeu, depois de evocações temerárias. A mecânica da mistificação foi exposta ao público pela própria vítima. Roustaing é o anti-Kardec, mente confusa, misticismo beato e portanto vulgar, crendice popularesca, falta absoluta de critério científico, desprezo pelos dados históricos, mitologia arcaica, raciocínio confessadamente avariado, aceitação pacífica de teses clericais obscurantistas, posições anedóticas na explicação dos factos evangélicos (a falsa gravidez de Maria, Jesus-menino fingindo que sugava o seio da mãe e devolvendo-lhe magicamente o leite aos vasos sanguíneos em forma de sangue, espíritos superiores reencarnando em mundos inferiores como criptógamos carnudos, em forma de lesmas em carne humana e assim por diante). Um montão de coisas ridículas que se repetem nos cansativos volumes da obra num ritornelo (*) desesperante. E homens de cultura normal (não pode ser superior) a vangloriarem-se dessas tolices ao ponto de considerarem a FEB como – pasmem as criaturas de mediano bom senso – como a Casa-Máter do Espiritismo. Ignoram certamente a existência histórica da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e todo o trabalho exaustivo de Kardec. Várias Federações Estaduais atrelaram-se ao carro funerário dessa Mistificação.

A Federação Espírita do Estado de São Paulo, considerada durante anos como instituição bem orientada, passou por períodos de aceitação e estudo das obras de Ramatis, eivadas de pretensões paranóicas e teorias absurdas sobre Jesus, sobre a mediunidade, sobre práticas mágicas, carregadas de afirmações ridículas sobre o passado da Terra, a existência da Atlântida, as relações de vidas anteriores de Jesus e Maria Madalena e assim por diante. Recentemente, depois do escândalo da adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo, depois de dez anos de ausência, O Livro dos Espíritos, obra fundamental da doutrina, reapareceu nos cursos de algumas casas, como novidade. Kardec havia sido apanhado por estar superado. Onde a convicção, a fé, a certeza racional dos princípios doutrinários, hoje cientificamente comprovados, andaram nesse longo intervalo de vacilações e de apego a obras dessa espécie?

Bastam esses factos para nos mostrar que o Espiritismo é o Grande Desconhecido dos próprios espíritas. E é por isso, por causa dessa negligência imperdoável no estudo da doutrina, que os próprios adeptos se transformaram em instrumentos eficientes de combate ao Espiritismo. As pessoas de bom senso e cultura se afastam horrorizadas de um meio em que só poderiam permanecer em ritmo de retrocesso ao condicionamento das crendices e do fanatismo. No campo científico o nada não existe nem pode existir. E como a base da doutrina é a Ciência, a sólida base dos factos, a verdade incontestável é que o nosso movimento espírita não tem base. Se os espíritas conscientes não se dispuserem a uma tentativa de reconstrução, de reerguimento desse edifício em perigo, ficaremos na condição de nababos que desprezam as suas riquezas por incompetência para geri-las. Temos nas mãos a Ciência Admirável que o Espírito de Verdade propôs a Descartes e mais tarde confiou a Kardec. Mas do que vale a ciência e o poder, a fortuna e a glória, se não formos capazes de zelar por tudo isso e nem mesmo de compreender o que possuímos? Nós mesmos abrimos o portal da muralha e recolhemos, alegres e estultos, o Cavalo de Tróia na nossa fortaleza inexpugnável.

Os homens, em geral, não conhecem o ritmo de execução das programações divinas. Mas os espíritas, em particular, não podem desconhecê-lo. Sabem que a Terra não é um mundo perdido no espaço sideral, mas regido pelas leis naturais no âmbito de uma vasta programação para o desenvolvimento da galáxia em que se inclui. Podemos falhar na crosta terrena por nossa incúria e despreocupação, mas nos computadores cósmicos os Espíritos Superiores zelam pelo cumprimento dos desígnios de Deus. Desde meados do século passado fomos avisados, através de mensagens dirigidas a Kardec, de que a evolução terrena começara a acelerar-se com a chamada Guerra da Itália e avançaria irresistivelmente através de guerras e convulsões sociais, revoluções científicas e morais, num ambiente de tensão em que os valores de uma civilização, coitada, feita de arrebiques, ruiriam ao impacto das grandes transformações. Kardec perguntou, preocupado, se haveria convulsões geológicas devastadoras. Os Espíritos responderam que não se tratava disso, mas de profundas convulsões morais que sacudiriam todas as nações. O estudo dessas mensagens mostrou-nos que o período anunciado abrangeria todo o século XX, numa espécie de revisão febril de toda a realidade planetária. Hoje vemos, próximo ao fim do século, que a programação se cumpriu e acelera o seu ritmo cada vez mais, como devêssemos entrar no terceiro milénio da Era Cristã com a velocidade de um foguete espacial. Não temos motivos para duvidar daquilo que vemos com os nossos olhos e sentimos na nossa pele. Não podemos também duvidar da realidade de pequena parte da programação que nos foi revelada e realmente se cumpriu. Sabemos, portanto, com segurança, que estamos a entrar na Era Cósmica, nessa era nova em que a Terra entrará no sistema cósmico de relações dos mundos. Mas se não tomarmos consciência disso e não procurármos cumprir os nossos deveres, seremos substituídos e passaremos à condição de povos deserdados. O nosso apego doentio aos bens perecíveis nos farão incapazes de tratar dos bens do espírito, que temos negligenciado.

Sabemos claramente que estamos divididos, embora materialmente fundidos no plano material e semi-material, numa grande mistura de graus evolutivos. A lei das migrações cósmicas poderá lançar-nos, em grande parte, em mundos dolorosos de reajuste e recuperação, enquanto a parte evoluída de nossa humanidade continuará na Terra, auxiliada por contingentes de povos mais aptos e responsáveis.

Não se trata de uma ameaça nem de um castigo, mas apenas do que poderíamos chamar medidas administrativas em nosso próprio benefício. Temos exemplos constantes dessas medidas na colheita diária que a morte realiza sem cessar à nossa volta. Vemos, pelas comunicações dos espíritos nas nossas sessões de doutrinação e desobsessão, onde a maioria dos mortos comparece em situação precária. Foram removidos, aqui mesmo, do âmbito da vida terrena, para regiões de provas a que se adaptam penosamente, sem se conformarem de não haver encontrado as regiões felizes com que sonhavam. Temos ainda o aviso das mensagens psicográficas, em que se destacam as recebidas por Chico Xavier, ora estimulando o nosso esforço na compreensão e no bem, ora advertindo-nos quanto às dificuldades encontradas pelos que perderam o seu tempo.

Os filósofos que pesquisaram o problema da consciência humana e, particularmente Wilhelm Dilthey, que tratou particularmente da transição da consciência pagã para a consciência cristã, ressaltaram a importância do conceito de Providência Divina, formulado pelo Judaísmo. Os deuses pagãos eram mitos copiados da própria psique humana. Tinham a leviandade e a displicência dos homens. Intervinham nas suas disputas, participavam das suas guerras, conquistavam as mulheres e as filhas dos homens, usavam de discriminações injustas e pouco se importavam com os problemas superiores. Iavé, o deus judeu, era também um deus pagão dotado de todos os defeitos dos demais. Mas interessou-se pelo destino do seu povo e assumiu o seu comando, pelo que foi chamado de Deus dos Exércitos. Jesus aproveitou-se dessa oportunidade, espécie de abertura na concepção inferior dos deuses, para dar ênfase à intervenção divina nas questões humanas. O conceito superior do Deus-Pai, vigilante e providencial, gerou e abriu possibilidades à compreensão da Providência Divina, pela qual Deus – Único e Absoluto – surgia como o orientador dos povos. Essa ideia da Providência, juntamente com o conceito grego do Logos ou Razão Divina e o conceito romano de Justiça, constituem, segundo Dilthey, os elementos naturais da consciência universal criada pelo Cristianismo. A preocupação com os mundos siderais, existente nas civilizações astrológicas, tomou aspecto mais positivo e racional no Cristianismo, dando nascimento à ideia da pluralidade dos mundos habitados. As referências de Jesus às muitas moradas da casa do Pai reforçou poderosamente essa visão cósmica, já bem assinalada na Filosofia de Pitágoras (i), com a sua teoria da Música das Esferas no Infinito. A posição racional de Jesus, não obstante o clima místico e mitológico da época, repercutiu no Renascimento e se definiu em plano científico com as contribuições de Galileu (i) e Copérnico (i). No Espiritismo o problema tomou corpo e se impôs de maneira decisiva, com as numerosas comunicações mediúnicas referentes a outros mundos. Kardec incluiu em O Livro dos Espíritos a famosa Escala dos Mundos e o astrónomo Camille Flammarion (i), médium psicógrafo que trabalhava com Kardec, publicou o livro Pluralidade dos Mundos Habitados, que teve grande repercussão em todo o mundo. O dramaturgo Victorien Sardou (i) recebeu, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, numerosos desenhos, assinados por Bernard Pallissy (i) e Mozart (i), referentes a Júpiter, considerado como o mundo mais adiantado do nosso sistema solar. A teoria das migrações planetárias, dada mediunicamente por espíritos elevados, completou esse quadro do Universo habitado em todas as suas dimensões e da chamada solidariedade dos mundos, pela qual os mais adiantados auxiliam o progresso dos mundos inferiores. As migrações ocorrem nas fases de grandes e profundas transformações culturais nos mundos, com a providência administrativa da transferência de populações de um mundo para outro, facilitando o progresso de populações retardatárias.

O avanço actual das pesquisas cósmicas vem confirmando a teoria espírita a respeito, de maneira lenta, mas segura. Kardec declarou que o Espiritismo não é Astronomia, mas Ciência do Espírito e, que deve esperar dos astrónomos a solução positiva do problema. O desenvolvimento da Astronáutica reforçou nos nossos dias essa posição Kardeciana. Flammarion observou que o princípio da reencarnação é o corolário do princípio de pluralidade dos mundos habitados.

A posição de Kardec no século XIX foi a de um intelectual europeu bem integrado na cultura da época, preocupado com a solução dos problemas do mundo através da Educação. Embora pertencesse a uma família tradicional de Lyon, formada de advogados e magistrados, a sua vocação o levou para os estudos científicos e educacionais. Feitos os estudos iniciais na sua cidade natal, os pais o enviaram para a Suíça para completar a sua formação no Colégio de Yverdun, com Pestalozzi. Integrou-se na linha do pensamento pestaloziano, de um humanismo aberto e universalista que tinha as suas raízes em Rousseau. Aprofundou-se no estudo das ciências médicas e exerceu em Paris, como atesta o seu amigo Henri Sausse, confirmado pelas pesquisas recentes de André Moreill, mas se voltou em definitivo para a Pedagogia, dando continuidade aos trabalhos de Pestalozzi. Teve as suas obras adoptadas pela Universidade de França e exerceu nela o cargo de director de estudos. Viveu pobre e solitário num modesto apartamento da Rua dos Martyres, em Paris, tendo-se casado com a professora Amellie Boudet, da qual não teve filhos. Vida de trabalho, tranquila e morigerada, bem conceituado nos meios culturais da França pela sua cultura, o seu bom senso, a sua seriedade e dedicação ao trabalho. Escritor de ideias amplas e mente arejada, possuía o estilo didáctico que se pode apreciar nas suas obras. Nunca pretendeu ser um messias ou fundador de religião, segundo informam até hoje alguns dicionários enciclopédicos mundiais. O seu nome civil era Hyppolyte Léon Denizard Rivail, com que assinou as suas obras universitárias e o famoso estudo que fez para uma remodelação do Ensino na França. Ao entregar-se à pesquisa dos fenómenos espíritas e organizar O Livro dos Espíritos, adoptou o pseudónimo de Allan Kardec, para estabelecer a necessária distinção entre as suas obras pedagógicas e os seus livros espíritas. O pseudónimo foi-lhe sugerido pelo seu espírito orientador, que lhe disse haver sido o seu nome na encarnação anterior, como druida, ou seja, sacerdote celta na Gália. Fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, para pesquisas, a Revista Espírita para divulgação e sustentação do Espiritismo e, no espaço de quinze anos codificou a Doutrina Espírita e universalizou o movimento doutrinário. Começou as investigações espíritas em 1854 e faleceu subitamente em 1869, deixando concluídas as suas obras fundamentais da doutrina, que exerceram a função de uma introdução geral a toda a problemática do Século XX.

Kardec teve contra ele e às suas ideias as forças conjugadas da segunda metade do século passado. A colecção da Revista Espírita, traduzida integralmente em São Paulo pelo engenheiro Júlio Abreu Filho (i), foi lançada pela Editora Cultural Espírita (EDICEL) em doze volumes de 400 páginas em média cada um. O tradutor concluiu o seu trabalho exaustivo em condições precárias de saúde, falecendo pouco depois. Dedicou-se extremamente a esse trabalho, mas o seu estado de saúde não lhe permitiu atingir a perfeição desejada. A EDICEL convocou uma comissão de estudiosos do assunto para revisar todo o trabalho, constituída pelos Professores J. Herculano Pires, J. A. Chaves, Miguel Mairt e Anne Marie Marcier. Essa comissão não chegou a concluir toda a revisão. O primeiro incumbiu-se de traduzir em versos as numerosas poesias do texto, que Júlio traduzira em prosa. As poesias traduzidas foram publicadas na Revista no seu texto original francês e na tradução portuguesa em disposição paralela, para verificação e comparação dos leitores. São poemas de notável beleza, psicografados por diversos médiuns e, poemas de poetas espíritas, entre os quais uma série curiosa de um leitor da Revista, Sr. Dombe, que se tornou o fabulista espírita clássico de Esopo (i). Kardec estabeleceu a linha epistemológica da doutrina na sequência lógica: Ciência, Filosofia e Religião, admitindo esta última como Moralidade, segundo a concepção de Pestalozzi, rejeitando a sua comparação com as religiões formalistas e dogmáticas. A Religião Espírita é livre e aberta, sem sacerdócio nem sacramentos, apoiada nas conquistas científicas e nos desenvolvimentos da Filosofia, buscando a verdade que só pode ser obtida pela adequação do pensamento à realidade comprovada pelos factos cientificamente provados.

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(*) Qualquer coisa que se repete ou se reproduz em demasia.


José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, XX – Como Combater o Espiritismo22º fragmento e o último desta obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, acrílico de Costa Brites)

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