Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


Desenvolvimento da Ciência Espírita

É cada vez maior o número de pessoas que recorrem às instituições espíritas suplicando ajuda para si mesmas ou para parentes e amigos que se entregam a viciações e perversões de toda espécie. Na sua humildade muitas vezes simplória, alimentada racionalmente pelos princípios doutrinários, os dirigentes de centros e grupos espíritas fazem o que podem, servindo-se dos recursos naturais da prece, do passe e das sessões mediúnicas. Dos resultados positivos obtidos no passado, não obstante as campanhas difamatórias, perseguições e processos criminais movidos contra os médiuns, nasceram os Hospitais Psiquiátricos Espíritas, hoje em grande número em nosso país e geralmente bem aparelhados e dotados de assistência médica especializada. Só no Estado de São Paulo funcionam actualmente mais de trinta hospitais espíritas reunidos numa Federação Hospitalar de que o Governo do Estado se serviu para aliviar o Juqueri, Hospital Franco da Rocha, numa das suas crises mais ameaçadoras. Os espíritas sentem-se na obrigação de atender a esses casos, sempre que possível, por considerarem que eles são mais espirituais do que materiais, de maneira que o tratamento médico é geralmente insuficiente para curá-los. Fiéis aos princípios de caridade e fraternidade da Doutrina, esforçam-se por dar a sua ajuda desinteressada em favor dos sofredores.

Essa intenção piedosa, humanitária, foi constantemente denegrida por médicos e clérigos desconhecedores do problema. A luta foi sempre árdua e até mesmo desesperadora para os espíritas, num país em que a maioria da população é pobre e desprovida de cultura, prevalecendo sempre as opiniões dos doutores e dos sacerdotes, os primeiros apoiados em sua formação científica e académica, e os segundos em sua falível cultura religiosa, mais de sacristia do que se seminário. Essas duas classes gozavam amplamente da autoridade de saberetas num meio social de analfabetos e bacharéis em direito. Os espíritas que mais se destacavam por seus conhecimentos doutrinários não haviam sequer compreendido os fundamentos científicos do Espiritismo e os encaravam misteriosa e até mesmo cabalisticamente. Os adversários não encontravam dificuldades para misturá-los, aos olhos do público, com possíveis remanescentes da Goécia ou magia-negra medieval. Padres, bacharéis e juristas pintaram o chamado demonismo-espírita à moda do tempo, com rabo, chifres e a foice e o martelo do ateísmo pendurados no pescoço.

Quando os espíritas de Amparo resolveram fundar naquela cidade um Sanatório Espírita para doentes mentais, ilustre, jovem e fogoso médico e intelectual paulista explicou pelos jornais da época, nos anos 40, que os espíritas fundavam esses hospitais por dor de consciência, pois fabricavam loucos e depois queriam reabilitá-los. Foi necessário que um jornalista espírita o revidasse, mostrando que o motivo não era esse, mas o facto evidente da falência da medicina que, no desconhecimento do problema, enchia diariamente os caldeirões do diabo no Juqueri com pobres criaturas desprotegidas da ciência e da religião. O mestre implume, não podendo voar mais alto, teve de calar o bico. Logo mais, o médium Arigó, que por sinal ainda era católico e fazia milagres ao invés de produzir fenómenos, foi atacado brutalmente por uma série de artigos publicados em jornal de grande circulação por um médico que não chegara a ver o médium e diagnosticava à distância a sua loucura, e por famoso professor universitário que o apoiava, alegando que Arigó operava sob a acção alucinatória do café, que bebia em excesso. Os cientistas norte-americanos salvaram o médium já então condenado à prisão, vindo a São Paulo e expondo, no auditório do Museu de Arte Moderna, perante convidados ilustres, os motivos científicos de seu interesse pelo médium. Apesar disso, Arigó acabou sendo preso e só foi libertado por uma decisão do Supremo Tribunal, ante o prestígio dos nomes dos cientistas, pertencentes a famosas Universidades dos Estados Unidos, cujos pareceres foram divulgados nos Diários Associados e em todo o Brasil. Mas isso não impediu que o Padre Quevedo prosseguisse com suas arruaças contra o médium e o Espiritismo, no bom estilo de toureiro que, de capa e espada, desafiava as aspas da verdade na imprensa e na televisão com rendosa propaganda gratuita de seus cursos de pseudoparapsicologia made in Madri.

A moda pegou e o Brasil se encheu de pseudoparapsicólogos que brotavam do chão como as heresias no tempo de Tertuliano. Ainda hoje continua a floração desses cogumelos por todo o país. Cursos e escolas semeiam diplomas da Ciência de Rhine e McDougal à margem da lei e das áreas educacionais oficialmente autorizadas. Esse panorama surrealista é responsável pelo atraso em que nos defrontamos no campo dos estudos e das pesquisas dos fenómenos paranormais no Brasil. O Instituto Paulista de Parapsicologia, fundado por Cientistas, Médicos, Psicólogos, estudantes de Medicina (actualmente já médicos famosos) não vingou, ante a avalanche de aproveitadores que o invadiram, levando seus directores a fechá-lo, por esse motivo e pelo total desinteresse das nossas Universidades, temerosas do pandemónio que se avolumava. Tivemos de voltar à estaca-zero. Ninguém, nem mesmo os governos, tiveram coragem de pôr a mão na cumbuca, proporcionando recursos ao Instituto para a montagem de seu laboratório. Nas vésperas da Era Cósmica, preferimos o gesto cómico, supinamente burlesco, de lavar as mãos na bacia de Pilatos e deixar o problema no campo da charlatanice.
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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas 1 Desenvolvimento da Ciência Espírita 1 de 2, 4º fragmento
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

1 comentário:

palavra luz disse...

Caros autor e visitantes do lugar@zul,


O Dever do interesse e do gosto obrigam-me a um, hoje curto, comentário.

As publicações que têm aqui sido feitas sob o título inspirado de "O peregrino sobre o mar de névoa" merecem sempre a leitura, até pela insigne solidão contemplativa do homem perante o mistério azul e os cumes distantes.

Depois o texto é de Herculano Pires que também sabe ser romântico quando é mister, embora a tecla das verdades substanciais seja o seu "realismo" mais intuitivamente apetecido.

(...ainda um dia destes vos conto uma história a respeito de um outro cidadão que gosta de cumprimentar de manhã o mundo e a indeterminação da névoa, magnetizando a sua água e mentalizando as suas preces...)

Hoje, dia em que o meu camarada computador principal avariou, ficamos por aqui com um forte abraço a todos.