Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 24 de abril de 2012

O Espiritismo na Arte~


Parte II
|Fevereiro de 1922|

– A inspiração e a evolução da arte e do pensamento

O objectivo deste tópico é, principalmente, mostrar o considerável papel que a inspiração desempenhou em todos os tempos na evolução da arte e do pensamento.
Todos os estudantes do oculto sabem que uma onda de ideias, de formas, de imagens, derrama-se incessantemente do mundo invisível sobre a humanidade.
A maior parte dos escritores, dos artistas, dos poetas,


dos inventores, conhece essas correntes poderosas que vêm fecundar seu cérebro, ampliar o círculo das suas concepções.

Ora a inspiração se introduz suavemente em nosso intelecto, mistura-se intimamente ao nosso próprio pensamento, de tal forma que se torna impossível distingui-la, ora é uma irrupção súbita, uma invasão cerebral, um sopro que passa sobre nossas frontes e nos agita fortemente numa espécie de febre. Outras vezes é como uma voz interior, tão nítida, tão clara que parece vir de fora para nos falar de coisas graves e profundas. Uma corrente de forças e de pensamentos agita-se e rola em torno de nós, buscando penetrar nos cérebros humanos dispostos a recebê-los, a assimilá-los, a traduzi-los sob a forma e a medida de suas capacidades, de seu grau de evolução. Uns o exprimem de uma forma mais ampla, outros, de forma mais restrita, de acordo com suas aptidões, com a riqueza ou a pobreza das expressões que lhes são familiares e os recursos de sua inteligência.

As lições de o Esteta, que reproduzimos mais adiante, vão determinar os diversos carácteres da inspiração, segundo os casos.

Entre os homens de talento, muitos reconheceram essas influências invisíveis. Vários descrevem o estado vizinho ao do transe, em que a elaboração de uma grande obra os lança. Outros falam da onda ardente que os penetra, do fogo que corre em suas veias e provoca uma superexcitação que centuplica suas faculdades. Às vezes procuram, inutilmente, resistir a essa força que os domina, os subjuga e destruiria seu envoltório, caso fosse contínua. Existem os que sucumbiram a essa acção soberana e morreram prematuramente, como Rafael, na flor da idade.

Lamartine  descreveu esse estado em versos célebres:

Mais à l’essor de la pensée
L’instinct des sens s’oppose em vain:
Sous le dieu mon âme oppressée
Bondit, s’elance et bat mon sein.
La foudre en mes veines circule,
Etonné du feu qui me brûle.
Je l’irrite en le combattant.
Et la lave de mon génie
Déborde en torrents d’harmonie
Et me consume en s’échappant.

(Méditations Poétiques)

Romain Rolland  descreve, nestes termos, o caso especial de Miguel Ângelo  (Revue de Paris, 1906, e Cahiers de la Quinzaine):

A força do talento que provém do Deus oculto não se manifesta mais claramente senão em um homem sem vontade, como Miguel Ângelo. Jamais um homem foi sua presa dessa forma. Esse talento não parecia da mesma natureza que ele; era um conquistador, que havia se lançado sobre ele e o mantinha escravizado. Sua vontade não tinha nenhum poder e quase se poderia dizer, nenhum poder tinham seu espírito e seu coração. Era uma exaltação frenética, uma vida formidável em um corpo e uma alma muito fracos para contê-las.

Encontra-se em Goethe (Cartas a uma Criança), os seguintes detalhes sobre Beethoven:

Beethoven, falando da fonte de onde lhe vinha a concepção de suas obras-primas, dizia a Bettina:

“Eu me sinto forçado a deixar transbordarem, de todos os lados, as ondas de harmonia que provêm do foco da inspiração. Tento segui-las, e as agarro apaixonadamente; de novo elas me escapam e desaparecem entre a multidão das distracções que me cercam. Logo eu volto a agarrar a inspiração com ardor, arrebatado, multiplico todas as suas modulações e, no último momento, triunfo com o primeiro pensamento musical.

Devo viver sozinho comigo mesmo. Sei bem que Deus e os anjos estão mais perto de mim, em minha arte, que os outros. Comunico-me com eles e sem temor. A música é uma das entradas espirituais nas esferas superiores da inteligência.”

Mozart, por sua vez, em uma de suas cartas a um amigo íntimo, nos inicia nos mistérios da inspiração musical. Essa carta foi publicada em A Vida de Mozart, por Holmes, em Londres, 1845:

Dizeis que gostaríeis de saber qual é minha maneira de compor e qual é o meu método. Verdadeiramente eu não posso vos dizer mais do que o que vou falar, porque eu mesmo não sei nada a respeito e não consigo me explicar.

Quando estou com boa disposição e completamente , durante meu passeio, os pensamentos musicais me vêm em abundância. Não sei de onde vêm esses pensamentos, nem como eles me chegam, minha vontade não tem nenhum poder nisso.

Schiller declarou que seus mais belos pensamentos não eram de sua própria criação, eles lhe vinham tão rapidamente e com uma tal força que ele tinha dificuldade em compreendê-los bastante rápido para transcrevê-los.

Michelet também parece estar, em certas horas, sob o domínio de algum poder incomum. Falando da sua História da Revolução Francesa, ele diz:

Jamais, desde a minha Virgem de Orléans, eu havia recebido semelhante emanação do Alto, uma visita tão luminosa do céu... Inesquecíveis dias, quem sou eu para tê-los narrado? Eu ainda não sei, e não saberei jamais, como pude reproduzi-los. A incrível felicidade de reencontrar isso tão vivo, tão abrasador, após sessenta anos, encheu-me o coração de uma alegria heróica.

O poder da inspiração se traduz de uma maneira mais sensível ainda em Henri Heine.

Eis o que ele dizia no prefácio de sua tragédia William Radcliff:

Escrevi William Radcliff em Berlim, enquanto o Sol iluminava com seus raios, antes enfadonhos, os tectos cobertos de neve e as árvores desprovidas de suas folhas; eu escrevia sem interrupção e sem fazer rasuras. Sempre escrevendo, parecia que eu ouvia, acima da minha cabeça, como que um barulho de asas...

Poderíamos multiplicar as citações do mesmo género, e nelas veríamos que a inspiração varia segundo as naturezas. Em uns, o cérebro é como um espelho que reflecte as coisas escondidas e envia as suas radiações sobre a humanidade. Sob mil formas, ela penetra os sensitivos e se impõe.

– Comportamento de outros espíritos diante de o Esteta

As duas lições de o Esteta que vamos ler, têm por assunto a inspiração, considerada em sua causa e em seus efeitos gerais, tanto na Terra como no espaço.

Em nossas reuniões, essas lições prosseguem com regularidade a cada semana, porém, ainda ignoramos o nome e a personalidade verdadeira do seu autor. No entanto, observamos que os espíritos familiares do nosso grupo afastam-se com respeito e apenas se calam diante dele; o guia do médium vem, após a partida de o Esteta, e nos diz algumas palavras de amizade e de encorajamento, declarando-se “acanhado pela superioridade e a irradiação desse grande espírito”.

Qualquer que seja o valor do estilo, nós nos empenhamos em reproduzir fielmente o pensamento do autor, evitando com cuidado tudo o que pudesse alterar o seu sentido, mesmo em benefício da forma.
/…


LÉON DENIS, O Espiritismo na Arte, Parte II – A inspiração e a evolução da arte e do pensamento – Comportamento de outros espíritos diante de o Esteta, 7º fragmento
(imagem: Mona Lisa 1503-1507 – Louvre, pintura de Leonardo da Vinci)

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