Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Inquietações Primaveris~


|Conceito
actual da Morte|

O pó de múmia desapareceu no seu próprio desprestígio.
Sua ineficácia curativa correspondia à ineficácia das múmias para eternizar os corpos perecíveis.

A Cultura do Renascimento floresceu e desenvolveu-se na Terra.

Em vão a Igreja condenou as pesquisas, combateu-as, amaldiçoou-as.
Galileu teve de se defender perante os tribunais da

Inquisição, Giordano Bruno foi queimado em fogueira criminosa e herética por sustentar que a Terra girava em torno do Sol.

Descartes, o filósofo espadachim que não engoliu a falsa paciência dos padres do Colégio de La Fleche, teve de fugir para a Suécia e, num golpe de esgrima, recolocar o problema copérnico do heliocentrismo: “A Terra é fixa na sua atmosfera – escreveu – que gira em torno do Sol”.

Os paquidermes da Ciência Divina não perceberam o golpe.

A família de Espinosa teve de fugir de Portugal para a Holanda. Sua mãe o levava no ventre e Portugal perdeu a única chance de ter um filósofo de verdade. Espinosa nasceu na Holanda e esmagou com sua Ética a pobreza mental dos clérigos.

Francis Bacon sofreu perseguições mas não cedeu. Nasceu o movimento de resistência lógica em todo o mundo e a Ciência humana arquivou na Terra a suposta e infusa Ciência Divina.

Gritaram os retrógrados que o ateísmo dominava o mundo. Mas os resistentes não cediam e ganhavam todas as batalhas nas emboscadas da inteligência.

Expulso da Sinagoga, guardiã esclerosada da Bíblia judaica, Espinosa traça os delineamentos da matemática filosófica, esfarelando em seus dedos a calúnia do ateísmo para a nova cultura. Fez do conceito de Deus o fundamento do pensamento. Estruturou o panteísmo em termos esmagadores. Chamaram-no “ébrio de Deus”.

Kant correu em socorro a Rousseau com sua crítica da razão.

Voltaire feria com o sorriso da sua ironia mortal a fera encurralada do Vaticano e a chamava corajosamente: “L’infeme”. Com um pé na cova e outro na terra firme, como dizia de si mesmo, manejava com perícia suas armas terríveis. Não temia a morte, pois já se considerava, por sua saúde periclitante, um semimorto. Nada se podia fazer contra ele, senão suportá-lo.

O Século XVIII consolidara o prestígio da Ciência. Os clérigos, batidos em todos os sectores, lutavam para restabelecer o prestígio divino que eles mesmos haviam destruído.

O Evolucionismo de Spencer se opunha brilhantemente à concepção estática do mundo. Darwin pesquisava o problema das origens do homem em termos puramente materiais, mas Wallace dosava o seu materialismo com a verdade espiritual.

O Século XIX sofria então a invasão dos mortos, na América e na Europa. Os fantasmas contrabalançavam, com suas aparições, o desequilíbrio materialista da nova cultura, baseada na heresia das pesquisas científicas.

Foi então que Denizard Rivail, discípulo de Pestalozzi, continuador do mestre, professor universitário, filósofo, sacudiu os novos tempos com a publicação de O Livro dos Espíritos, proclamando o restabelecimento da verdade espiritual contra o vandalismo teológico. Um homem solitário, dotado de profundo saber e lógica inabalável, despertava contra si todas as forças organizadas do novo mundo cultural. E sozinho enfrentava as iras da Igreja, da Ciência e da Filosofia. Kant, que testemunhara os fenómenos de vidência do sábio sueco Swedenborg, não arredava pé da sua posição científica, afirmando que a Ciência só era possível no plano sensorial, onde funciona a dialéctica. Era impedido ao homem penetrar nos problemas metafísicos. Mas Kardec respondia com os factos, sob uma avalanche de contradições sofísticas, despejadas sobre ele de todos os quadrantes da nova cultura. Lutou e sofreu sozinho, solitário na sua certeza. Ensinava sem cessar que os fenómenos mediúnicos eram factos, coisas palpáveis e não abstracções imaginárias. O sábio inglês William Crookes, chamado a combatê-lo, entrou na arena das pesquisas psíquicas por três anos e confirmou a realidade da descoberta kardeciana. Fredrich Zöllner fez o mesmo na Alemanha e conseguiu resultados positivos. Ochorowicz confirmou a realidade dos fenómenos em Varsóvia.

O Século
XIX, como diria mais tarde Léon Denis, tinha a missão de restabelecer cientificamente a concepção espiritual do homem. O movimento neo-espiritualista empolgou a Inglaterra e os Estados Unidos. Lombroso levantava-se irado, na Itália, contra essa ressurreição ameaçadora das antigas superstições. O Prof. Chiaia, de Milão, o desafiou para assistir experiências com a famosa médium Eusápia Paladino. Lombroso aceitou o desafio e teve a ventura de receber nos braços sua própria mãe num fenómeno de materialização.

Charles Richet, na França, funda a Metapsíquica. Era o maior fisiologista do século, prémio Nobel, director da Faculdade de Medicina de Paris. Kardec, o solitário, já não estava mais só. Numerosos cientistas e intelectuais o apoiavam. Conan Doyle, médico e escritor de renome, tornara-se ardoroso propagador do Espiritismo. Victor Hugo pronunciou-se a favor da nova doutrina. Estava cumprida a missão do Século XIX e Léon Denis fazia conferências em toda a Europa sobre a Missão do Século XX. Clérigos e teólogos sensibilizaram-se com os acontecimentos e surgiu numa igreja de Paris um sacerdote corajoso, Meningem, professor da Sorbone, que pregava a favor do Espiritismo e escreveu um livro a respeito: O Cristianismo do Cristo e o dos seus Vigários. Foi expulso da Igreja.

Em 1935 Richet falecia em Paris, entregando aos seus discípulos a obra Monumental do Tratado de Metapsíquica. Geley e Osty deram prosseguimento à sua obra, no Instituto Internacional de Metapsíquica, em Paris. Mas a imprensa mundial trombeteou que a metapsíquica morrera e havia sido enterrada com Richet. Não sabia que, cinco anos antes, em 1930, Rhine e McDougall haviam reiniciado as pesquisas metapsíquicas na Universidade de Duke, com a denominação de Parapsicologia.
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José Herculano Pires, Educação para a Morte – Conceito actual da Morte, 3º fragmento
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

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