Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O peregrino sobre o mar de névoa~


O Desenvolvimento Científico

A preguiça mental e a atracção magnética do passado encarceradas em si mesmas mostram-se incapazes de um gesto de grandeza em favor de realizações urgentíssimas. Por isso a dor explode por toda a parte, em vagalhões enfurecidos. A dor aumentará, porque só ela pode arrancar os insensíveis de suas tocas. As leis da evolução são implacáveis e nada as deterá enquanto os homens não acordarem para o cumprimento dos seus deveres morais e espirituais. A Ciência Espírita está em nossas mãos e nos indica o roteiro a seguir. Mas nós a envolvemos em dúvidas e debates inúteis, ao invés de nos alistarmos em suas fileiras e de nos entregarmos generosamente ao seu estudo, à sua divulgação e à sua prática. Homens de recursos financeiros julgam-se agraciados por Deus para viverem à tripa forra, esquecidos das multidões de ignorantes, muitos deles ansiosos por elevação cultural, mas presos às grilhetas da chamada sociedade de consumo, que na verdade está consumindo o próprio planeta. Os privilégios sociais de uma ordem social estabelecida pela força e não pelo amor lhes dão a ilusão da graça divina. Desapareceram do mundo os antigos messenas, que punham suas fortunas ao serviço da colectividade. Preferem socorrer os pobres com suas migalhas de sopas e assistências precárias, julgando que assim aumentam seu crédito nos Bancos da Eternidade. Não jogam com a caridade, mas com os cálculos de juros que não existem no Além. São os novos vendilhões do Templo, os cambistas da caridade fácil e supostamente rendosa. Chegarão no Além de mãos vazias e manchadas pelas nódoas da ambição desmedida e da insensibilidade moral. A Ciência Espírita necessita de escolas, de Universidades, de bibliografias especializadas. Não pode contar com os recursos comuns da simonia, em que se banqueteiam as religiões pomposas e mentirosas. Não existe no mundo uma única Universidade Espírita, em que a Ciência Admirável possa manter e desenvolver os seus trabalhos de pesquisa científica. De vez em quando, um potentado se sente tocado pela intuição de uma entidade benévola e faz doações generosas a um médium ou a uma instituição de assistência social. O médium, de honesto e sensível, passa a doação para outras instituições de caridade. Os serviços culturais continuam à míngua, sustentados apenas pelos que dão seu tempo, sua vida e seu sangue para a sustentação da cultura espírita. Certas instituições gastam os seus recursos em aviltamento da Doutrina, com a produção de obras espúrias, a serviço da mistificação. Respondem por essa situação precária da Ciência Espírita todos os que preferem os juros bancários ao desenvolvimento cultural.

A Ordem Divina é regida por Deus, mas a ordem humana é dominada pelo homem, no aprendizado da vida terrena. Se não conseguirmos despertar os homens para o urgente desenvolvimento da Ciência Espírita, nada mais teremos do que a cultura terrena em que vivemos, de olhos fechados para o alvorecer dos novos tempos. Não veremos o raiar da Era cósmica, porque teremos voluntariamente enterrado a cabeça na areia, em pleno deserto, na hora das tempestades. E o que faremos, então, de nossos parcos conhecimentos, de nossa ignorância espiritual, ante a proliferação das Universidades das subculturas materialistas?

Coloquemos ainda, se possível, de maneira mais clara e objectiva esta situação. O Instituto Espírita de Educação, fundado em São Paulo pelo II Congresso Estadual de Educação Espírita, funcionou por alguns anos, tendo formado três turmas de ginasianos, com reconhecimento oficial. Está actualmente fechado, lutando para a conclusão do seu edifício no Itaim. Sofre essa interrupção altamente prejudicial por falta de recursos. O Clube dos Jornalistas Espíritas, com seus cursos de Espiritismo, Filosofia Espírita e Parapsicologia, depois de vinte anos de funcionamento, teve de fechar suas portas por falta de recursos. O Instituto de Cultura Espírita do Brasil, no Rio de Janeiro, mantém seu funcionamento com dificuldades, em local cedido por um Centro Espírita. Carece de recursos e só funciona graças à abnegação de Deolindo Amorim, seu fundador. Institutos Estaduais que surgiram por sua inspiração lutam para subsistir. A revista Educação Espírita, única no mundo, lançada e sustentada heroicamente pelo Editor Frederico Giannini, saiu de circulação por falta de recursos e de interesse do próprio professorado Espírita. Sua lista de edições lançadas, seis volumes, dorme o sono da inocência na Editora Cultural Espírita - EDICEL. A Colecção Científica dessa Editora, iniciada com a edição de obras espíritas clássicas, continua lutando com insuperáveis dificuldades. As Faculdades Espíritas de Marília, Franca e outras cidades lutam para sobreviver. Todas as iniciativas culturais espíritas não conseguem desenvolver-se por falta de apoio e de recursos financeiros. A Editora Paidéia, organizada por três accionistas, para a divulgação cultural Espírita, luta para se firmar, retendo várias obras por falta de recursos para lançá-las. Os accionistas não percebem dividendos, que revertem para o capital de giro da editora, que não tem funcionários remunerados. A Revista Espírita, de Kardec, 12 volumes, editada pela EDICEL, vai pingando nas vendas individuais, sem recursos para uma divulgação mais ampla e efectiva. As tentativas de fundação do Instituto de Cultura Espírita de São Paulo fracassaram.

Esse panorama estadual, desolador, no Estado mais rico da Federação, reflecte-se em todo o Brasil, considerado como a nação mais espírita do mundo.

A Biblioteca Espírita, fundada por José Dias, franqueada ao público para leituras e consultas, num andar da Rua 24 de Maio, morreu com a morte súbita do fundador abnegado.

Quais são os motivos dessa situação calamitosa? Unicamente a falta de compreensão e interesse dos homens de recursos que não se sensibilizam com as iniciativas culturais espíritas. Se a Ciência Espírita não se desenvolve entre nós, a culpa é exclusivamente dos homens de recursos, que preferem endereçar suas contribuições para as obras assistenciais, com os olhos voltados para a conquista de um pedaço do céu depois da morte. Além disso, o próprio público espírita mostra-se alheio aos interesses superiores do desenvolvimento da cultura espírita, não se interessando pelas publicações culturais, dando preferência aos impressos avulsos de mensagens gratuitas para distribuição nos Centros.

Temos assim uma situação calamitosa, em que o aspecto cultural da Doutrina, e particularmente o seu aspecto científico, estruturado na Ciência Espírita, com a mais brilhante tradição, vê-se relegado, como se nada representasse nessa fase de transição, em que todos os espíritas conscientes da importância da Ciência Espírita deviam empenhar-se em lhe assegurar as possibilidades de desenvolvimento. Enganam-se os que pensam que tudo virá do Alto. O trabalho é nosso, dos homens pobres ou ricos, de todos os que se beneficiaram com os recursos da compreensão espírita em suas vidas passageiras. Ao invés de se preocuparem com o progresso da Ciência Espírita, que modificará o mundo, os espíritas se apegam às suas instituições particulares, como os vigários às suas igrejas e sacristias, pensando que isso lhes basta no cumprimento dos seus deveres espirituais.

O tempo voa, as exigências de uma reformulação dos conceitos humanos sobre a vida e a morte são simplesmente esquecidos. Temos de criar a Universidade Espírita, onde a Ciência Espírita poderá desenvolver-se suficientemente para termos e ampliarmos os benefícios da Cultura Espírita no mundo. Só a Cultura Espírita efectivada nas instituições culturais superiores poderá nos franquear os portais da Era Cósmica.
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José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, O Desenvolvimento Científico 3 de 3, 3º fragmento
(imagem: O peregrino sobre o mar de névoa, por Caspar David Friedrich)

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